SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue39Different degrees of mathematics anxiety, and academic performance in elementary schoolMeanings constructed by adolescents about the process of schooling author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia da Educação

Print version ISSN 1414-6975On-line version ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.39 São Paulo Dec. 2014

 

ARTIGOS

 

A justiça no ambiente escolar: a visão dos estudantes de pedagogia

 

The justice in the school environment: the vision of pedagogy students

 

La justicia en el ambiente escolar: una visión de los estudiantes de pedagogía

 

 

Adriano MoroI; Clarilza Prado de SousaII

IAssistente de pesquisa - Fundação Carlos Chagas. moroadriano@uol.com.br
IIProfessora do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pesquisadora Fundação Carlos Chagas. clarilza.prado@uol.com.br

 

 


RESUMO

O estudo realizado objetivou compreender as representações sociais de estudantes de Pedagogia sobre justiça. Considerando que educação de qualidade vai além do desempenho cognitivo, medido por exames que avaliam proficiência em língua portuguesa e matemática, esta pesquisa volta-se para refletir acerca de uma educação valorativa, baseada na ética preconizada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Identificar as representações sociais de justiça dos graduandos pode dar elementos para refletir quanto à formação desses futuros docentes em relação a uma educação de princípios éticos, que incentive a reflexão e a análise crítica de valores. Cento e quarenta graduandos responderam a um questionário composto por 11 questões situacionais do cotidiano escolar e os dados coletados foram processados e analisados com utilização do software ALCESTE. As respostas não expressaram ação direta e efetiva, no sentido de dar solução aos casos. Finalmente, o estudo apresentou como as representações sociais sobre justiça se constituem em um direito para os graduandos de Pedagogia.

Palavras-chave: ética; justiça; estudantes de Pedagogia; representações sociais.


ABSTRACT

The present study aims to understand the Pedagogy graduands social representations about justice - constituent content of the ethics as a Transversal Theme. Whereas quality education goes beyond cognitive performance measured by tests which evaluates proficiency in Portuguese language and Mathematics, this research intends to ponder over a value education based on ethics preconized by the National Curricular Parameters (NCPs) and the Statute of Children and Adolescents (ECA). Identifying the graduands justice social representations can give us elements to ponder over the competence of these future teachers with regard to an ethics principles education which stimulates the consideration and critical analysis of value. One hundred and forty graduands answered to a questionnaire composed of 11 school quotidian circumstance questions, as well as a profile questionnaire, and the collected data were processed and analyzed employing the ALCESTE software. The answers did not express a direct and effective action aiming to give a solution to the cases. Regarding the social representations, we verified that the graduands are inclined to represent one's right to have justice, nevertheless without a definite anchorage, what leads to the evidence of a naturalness of this right.

Keywords: ethics; justice; Pedagogy students; social representations.


RESUMEN

El objetivo del estudio realizado es comprender las representaciones sociales de los estudiantes de Pedagogía sobre justicia. Considerando que la educación de cualidad va más allá del desempeño cognitivo medido por los exámenes que evalúan la competencia en lengua portuguesa y matemática. Esa investigación nos hace reflexionar acerca de una educación valorativa, basada por los Parámetros Curriculares Nacionales (PCNs) y el Estatuto del Niño y del Adolescente (ECA). La identificación de las representaciones sociales de justicia de graduandos puede ofrecernos elementos para reflexionar al respecto de la formación de estos futuros docentes en relación a una educación de principios éticos que incentiven la reflexión y el análisis critica de los valores. Ciento y cuarenta graduandos han respondido a un cuestionario compuesto por 11 preguntas situacionales del cotidiano escolar y los datos colectados fueran procesados y analizados con la utilización del software ALCESTE. Las respuestas no han señalado acción directa ni efectiva, en el sentido de solucionar los casos. Con respecto á las representaciones sociales, averiguamos que los graduandos tienden a representar el derecho a tener justicia, pero sin embargo no tienen puntos de anclaje precisos, lo que nos lleva a constatar una naturalización de este derecho.

Palabras clave: ética; justicia; estudiantes de Pedagogía; representaciones sociales.


 

 

O valor moral justiça está presente como conteúdo obrigatório dos Temas Transversais indicado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Mais precisamente os PCNs atribuem às escolas a tarefa de preparar crianças, jovens e adultos como cidadãos capazes de superar paradigmas centrados no individualismo, na exclusão e na desvalorização do ser humano e do meio ambiente. A garantia dos direitos civis das crianças e adolescentes está contemplada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no qual se destaca como dever do Estado a garantia a todas as crianças e adolescentes o Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito.

O atendimento destes direitos compreende não somente o acesso, mas também a qualidade da educação oferecida nas escolas. A educação de qualidade pressupõe possibilitar formação de cidadãos possuidores de direitos e deveres, com responsabilidades sobre a vida individual e coletiva e que possam usufruir de uma sociedade mais justa, solidária e ética.

É esperado, portanto, que estudantes do curso de Pedagogia, futuros professores das séries iniciais da Educação Básica, sejam preparados para desenvolver a formação ética de seus alunos, bem como apresentem eles próprios atitudes baseadas em virtudes valorativas reconhecidas socialmente, tais como a solidariedade, capacidade de diálogo, justiça e respeito ao próximo; uma vez que, para trabalhar pedagogicamente com tais valores, faz-se necessário praticá-los e vivenciá-los no seu cotidiano.

Tais preocupações nortearam a presente pesquisa, que se propôs a analisar como alunos de cursos de Pedagogia, futuros professores, estão valorando a formação ética e que postura ética eles mesmos assumem diante de questões educativas básicas e cotidianas.

Analisar essa postura de alunos, futuros professores, exige apreender como esses sujeitos compreendem o mundo, como vêm construindo a forma de pensar que orienta seus comportamentos no cotidiano. Em outros termos, faz-se necessário compreender as representações sociais que definem sua maneira de pensar, interpretar e construir sua realidade. Segundo Jodelet (2001), representações sociais constituem-se em um conjunto organizado de conceitos, imagens, proposições e explicações criadas no dia a dia, durante as comunicações interpessoais dos grupos que guiam e dão sentido a comportamentos e a práticas sociais.

Com essa perspectiva, procurou-se, no estudo aqui relatado, compreender como estudantes de Pedagogia representam socialmente o valor justiça. Tomou-se como referência o estudo do valor justiça tal como definido nos PCNS e no ECA. Identificar as representações desses alunos, atendendo às exigências teórico-metodológicas que estabelecem a Teoria das Representações Sociais não significa somente analisar como identificam, nomeiam ou expressam suas opiniões sobre justiça, mas também compreender como orientam suas práticas, como interpretam sua realidade e como dão sentido a sua existência (Sá, 1996). Antes, no entanto, de uma discussão metodológica de como se garantiu, neste estudo, a análise das representações sociais, considera-se como fundamental discutir as concepções de ética, moral, e a importância de tais virtudes para a educação em valores.

 

ÉTICA E EDUCAÇÃO

Para Rios (2007), há que distinguir ética e moral. Ao recorrer às origens etimológicas dos dois termos encontram-se os seguintes vocábulos: ethos (grego) e mores (latino), que denotam, ambos,

(...) costumes, jeito de ser, em que costumes nos remetem à criação cultural, ou seja, são resultantes do estabelecimento de valores para as ações humanas, que são instituídos e conferidos pelos próprios homens, na interação com os outros de sua espécie numa determinada sociedade. (Rios, 2007, p. 21)

Na medida em que se aprova ou não os comportamentos dos indivíduos, que se nomeia o que é correto ou incorreto, de acordo com a cultura, se está imerso no âmbito da moralidade. É com base na moral de uma determinada sociedade que se age de maneira adequada, desempenhando os papéis de jovens, alunos, professores, pais, filhos etc. Quando se questiona: como agir como aluno, como profissional, como educador, está implícito nessas perguntas a expressão "corretamente". Ou seja, "como agir corretamente como professor?".

A ética, no entanto, pode ser compreendida como uma reflexão crítica da moralidade, incidindo sobre a dimensão moral do comportamento do homem. No plano da ética, encontra-se numa perspectiva de um juízo crítico procurando compreender o sentido, o significado de determinadas ações.

Na perspectiva de La Taille (2006), a moral é definida como um "conjunto de princípios e deveres", enquanto a ética pode referir-se a uma inclinação e, por conseguinte, a uma busca por algo que faça sentido. Assim, para o autor, a pergunta "como devo agir?", é uma questão que se refere ao domínio da moral e a pergunta: "que vida eu quero viver?" estaria no domínio da ética. Se a primeira dessas questões sugere uma obrigatoriedade, a segunda assinala um sentido para se viver, ou algo que gere a satisfação da pessoa para consigo mesma.

Com referência aos Parâmetros Curriculares Nacionais, os valores propostos para serem trabalhados de forma transversal na educação exigem que o professor faça uma reflexão constante sobre os valores que sustentam a vida moral e, assim, possibilite o preparo de seus alunos para a análise ética de sua existência.

Entre as dimensões da ética, apresentadas pelo PCNs como tema transversal, neste estudo foi destacada a justiça como o valor moral a ser analisado. Assim, os PCNs nos trazem a seguinte definição para tal valor:

A justiça é composta dos princípios de igualdade e equidade e articula-se com outros valores morais, como a dignidade, o respeito, o diálogo. Fazer justiça deve derivar de cálculo de proporcionalidade. Nesse sentido, o critério para tal é o da equidade que restabelece a igualdade respeitando as diferenças: o símbolo da justiça é, precisamente, uma balança. O princípio da igualdade é fundamental na justiça distributiva, para estabelecer critérios de atribuição de direitos e de deveres entre todas as pessoas. O mesmo ocorre na justiça retributiva em relação à atribuição de penalidades aos atos injustos, desrespeitosos e relativos às infrações. (Brasil, 1997)

Concordando com esta perspectiva, La Taille (2006) definiu que a justiça é uma virtude moral sem a qual a vida em sociedade não seria possível; caracteriza-se por uma busca de equilíbrio nas relações interpessoais, na esfera pública ou privada, e é inspirada em dois princípios fundamentais: a igualdade e a equidade.

O princípio da igualdade propugna que todos os seres humanos são possuidores de valor intrínseco, independentemente de sua origem social, sua nacionalidade, suas capacidades cognitivas, seu sexo, etnia etc. e, por serem iguais, não devem usufruir de privilégios. A equidade, "implica tornar iguais os diferentes" (La Taille, 2006, p. 61). Vive-se numa sociedade em que as diferenças se fazem presentes a todo instante, inclusive as desigualdades sociais, econômicas, culturais etc. Essas diferenças devem ser levadas em conta para que, no final, a igualdade entre todos os seres humanos seja estabelecida.

Para garantir a consolidação de práticas justas, os PCNs propõem diretrizes para gestão e convívio escolar baseados na justiça, de modo que as relações que se construam na instituição escolar sejam norteadas por parâmetros justos, ou seja,

(...) compreender o conceito de justiça baseado na equidade e sensibilizar-se pela necessidade da construção de uma sociedade justa e, deste modo, adotar, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças e discriminações. (Brasil, 2000, pp. 65)

O que os PCNs afirmam, portanto, é que a instituição escolar deve propiciar a vivência da justiça nas relações cotidianas. Isto é, deve proporcionar reconhecimento de situações em que a igualdade e a equidade sejam sinônimas de justiça; com repúdio a situações de injustiça; com o conhecimento da Constituição brasileira; com a compreensão da necessidade de leis que deliberam direitos e deveres na sociedade; com o reconhecimento da necessidade do estabelecimento de normas escolares, fundamentalmente com proposições de medidas que atuam quando forem identificadas ações de desrespeito aos direitos do aluno e do cidadão.

Ao considerar a justiça numa dimensão ética, como tema-foco desta pesquisa, será necessária uma formação de estudantes de Pedagogia orientada por valores éticos, baseada na justiça. A partir dessa consideração, procurou-se analisar como os alunos, futuros professores, definem o conceito de justiça e em que medida esse valor está presente nas representações que realizam sobre sua profissão e sobre ações que desenvolvem em sala de aula.

Compreender como se constituem as representações de justiça para os estudantes de Pedagogia permitirá entender como tal valor orienta sua conduta. De acordo com Jodelet (2001), o ato de representar corresponde a um processo pelo qual o sujeito reporta-se a um objeto, podendo ser este uma pessoa, um acontecimento material, um fenômeno natural, social, psíquico, dentre outros. A representação envolve um processo de simbolização e revela a interpretação que dado sujeito tem de seu objeto. Esse processo, que é construído a partir das relações que os sujeitos estabelecem com o mundo, permite a construção de um saber comum a um grupo, que orientará seu comportamento, sua forma de pensar e suas comunicações.

Desse modo, as representações sociais de estudantes de Pedagogia sobre a justiça indicam como construíram coletivamente essa representação e como orientam sua conduta profissional. Foram as práticas e as vivências desses alunos em seus diferentes grupos que lhes permitiram construir a visão de justiça que apresentam. O professor que atua com esses estudantes, ao omitir a discussão sobre a temática em valores, nega a possibilidade de oferecer-lhes uma formação ética que permitiria refletir sobre si mesmos, sobre os outros e a sociedade e, portanto, atuarem na docência, formando seus alunos como cidadãos críticos e autônomos.

Considerando que as representações sociais são formas de conhecimento constituídas a partir das experiências e informações com que os sujeitos têm contato, a formação de professor é um espaço ideal de construção de representações e, portanto, de análise das representações sociais que estão sendo construídas.

A teoria destaca dois processos fundamentais: objetivação e ancoragem. A objetivação tem por finalidade a conversão do que é abstrato em algo concreto, ou seja, tornar real, compreensível ou evidente no mundo físico aquilo que está no plano intelectual. Em outras palavras, visa tornar materiais as ideias abstratas, os conceitos, em imagens ou figuras. Nesse sentido, a objetivação, conforme Oliveira e Werba (2009), caracteriza-se como um método pelo qual procura-se "tornar concreta, visível, uma realidade. Procuramos aliar um conceito com uma imagem, desvendar a qualidade icônica, material, de uma ideia, ou de algo duvidoso. A imagem, portanto, deixa de ser signo e passa a ser uma cópia da realidade" (p. 108). Por outro lado, a ancoragem pode ser entendida como um procedimento em que se busca classificar ou localizar um lugar para acomodar o não familiar. Ou seja, remeter o novo conhecimento a algo anteriormente conhecido. Dada a dificuldade em aceitar o que é estranho, diferente (o novo), muitas vezes esse "novo" passa a ser percebido como "ameaçador".

Conforme Jodelet (2001), o processo de ancoragem se dá por "um trabalho de memória, o pensamento constituinte apoia-se sobre o pensamento constituído para enquadrar a novidade a esquemas antigos, ao já conhecido" (p. 62). Cumpre notar, de acordo com a autora, que a ancoragem é uma tarefa que corresponde a uma função cognitiva fundamental das representações, capaz de fazer referência a todo elemento desconhecido. Ou seja, corresponde ao processo pelo qual um objeto, antes desconhecido, vai sendo "ancorado", defendido, coligado a conhecimentos e práticas precedentes.

Para compreender a justiça como objeto de representação social, faz-se necessário determinar os mecanismos pelos quais o grupo de futuros professores integra esse objeto aos já existentes em seus conhecimentos e, assim, identificar a "ancoragem". Por outro lado, ao se verificar as expressões que os mesmos consolidam em seus processos de comunicação do objeto, identificar-se-á a "objetivação".

 

MÉTODO

A pesquisa foi realizada a partir da análise dos temas transversais dos PCNs e do Estatuto da Criança e Adolescente - ECA1, que oferecem matrizes do conceito de justiça que se pretendia investigar, o que permitiu construir um questionário com cinco descritores contemplando situações valorativas de justiça envolvendo direitos e deveres voltados ao âmbito educacional e que viabilizaram a construção dos itens dos questionários.

• Descritor 1: Acesso e permanência do aluno na escola.

• Descritor 2: Atendimento aos alunos com deficiência e uso de medidas educacionais e inclusivas por parte dos professores.

• Descritor 3: Igualdade de atendimento a todos os alunos.

• Descritor 4: Oferecimento de ensino de qualidade.

• Descritor 5: Respeito a todos os alunos, independente de sexo, cor, religião etc.

Os itens do questionário foram construídos como pequenos casos - enunciados situacionais - em que os sujeitos foram confrontados e solicitados a apresentar sua posição. Para isso, cada uma das 11 questões continha três alternativas de respostas (fechadas - A, B e C) e, na sequência, espaço para apresentar a justificativa de ação diante do enunciado do item.

Após testado, o questionário foi aplicado em 140 graduandos de Pedagogia, em um centro universitário da rede privada, localizado na zona sul de São Paulo, nos períodos da madrugada (05h45 às 08h30), manhã (08h50 às 11h35), tarde (14h20 às 17h05) e noite (19h às 21h45).

O processamento dos resultados do questionário situacional envolveu duas etapas, quais sejam:

• Tabulação das alternativas dos itens fechados e análise do distanciamento e concordância dos graduandos em relação às questões apresentadas;

• Processamento e análise das justificativas, utilizando o software ALCESTE.

Primeiramente realizou-se uma análise entre a concordância e a discordância das decisões tomadas pelos sujeitos das ações, em cada situação utilizada no questionário. Nesse sentido, procurou-se traçar um perfil do grupo, descrevendo sua adesão às alternativas e aos problemas apresentados pelas questões. Ou seja, as questões continham em seu enunciado situações-problema, e os graduandos respondiam primeiramente a três alternativas dispostas para cada uma das questões:

(A) Não concordo, mas entendo que a professora não tinha outra opção.

(B) Concordo, porque na prática é o que acaba acontecendo.

(C) Sou contra. Acho que a professora não poderia ter tomado essa decisão.

A maioria das questões teve a alternativa C como resposta ("Sou contra. Acho que a professora/diretora não poderia ter tomado essa decisão"). Destacou-se que a opção por essa alternativa ultrapassou 50% das respostas.

Foi possível verificar que a alternativa C, que diz respeito a uma posição mais objetiva no que compreende a contrariedade diante das situações apresentadas, foi a mais escolhida para a maior parte das questões e maioria dos graduandos.

A alternativa B, que concorda com as posturas e atitudes das professoras e diretoras nas situações apresentadas, alegando que, no dia a dia, é realmente o que acontece, apresentou um percentual pouco expressivo em relação à alternativa C. A alternativa A possibilitou ao sujeito escolher uma posição de esquiva diante do problema, na medida em que o sujeito não concorda, mas entende ou se acomoda por não ver alternativas para mudar a situação ou propor melhorias. Em última instância, é uma alternativa que carrega uma tendência à injustiça, pois pode significar uma atitude de acatar ou fingir que não viu, ouviu ou sentiu o problema do outro. A questão, que apresenta a situação de Fred, um aluno surdo, que por ter deficiência, na visão da professora, não precisaria ser avaliado como os demais alunos de sua sala, foi a única que apresentou alto percentual de respostas para a alternativa A: "Não concordo, mas entendo que a professora não tinha outra opção".

Na segunda parte da análise, discutiu-se com maior profundidade os argumentos que os sujeitos utilizaram para justificar sua escolha, utilizando-se o software Analyse Lexicale Par Contexte d'um Ensemble de Segments de Text - ALCESTE2 para o processamento dos dados e análise das justificativas.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A apresentação e a discussão dos dados foram realizadas, considerando cada item do questionário. O ALCESTE oferece ao pesquisador os detalhes de palavras e segmentos de textos (fatos brutos) sobre os quais pode-se verificar as interpretações dos dados. A utilização desse software no trabalho foi importante, pois, além de fornecer estatisticamente as classificações de conteúdos, classes de análises, admite também desvendar informações essenciais contidas nas justificativas propostas em cada item, a fim de analisar as Representações Sociais.

Segue, a partir dos itens do questionário (questões situacionais), uma síntese dos principais resultados:

• Questão 1: Fred é um aluno surdo e em sua sala de aula não tem intérprete de libras. Numa segunda-feira, Fred chega à sala e observa que os colegas estão um pouco mais nervosos que em dias normais. Fica sabendo pelo colega que é dia de prova. A professora disse ao Fred que não colocou o aviso na lousa, pois, sendo ele um aluno com deficiência, não será avaliado como os demais. Você concorda com a professora?

Verificamos nas justificativas de respostas a essa questão que os graduandos tendem a aderir a uma visão de justiça baseada na igualdade. Destacam que a responsabilidade da inclusão é do professor e que é este quem deve encontrar os meios para isso. Não há, contudo, sugestões concretas de como proceder. Afirmam que o professor deve avaliar o aluno dentro de suas limitações e não mencionam se o professor deve buscar adaptações, para que o aluno aprenda como os demais.

• Questão 2: Luiza mudou-se e teve que transferir sua filha para a escola pública do novo bairro. No entanto, a escola mais próxima de sua casa não tinha vaga. A diretora informou que as salas estavam com o número de alunos adequado para o padrão e não aceitou a transferência da aluna. Você concorda com a diretora?

Nesta questão, a maior parte dos graduandos é contra a atitude da diretora. No entanto, a maior parte das justificativas de resposta é pela condição de se "dar um jeitinho" para essa aluna e solucionar o problema. A solução de matricular a aluna, que é garantida por lei3, foi pouco apresentada. A alegação de que se pode comprometer a qualidade do ensino ou o trabalho do professor, ao permitir sua matrícula também fez parte das justificativas e esses optaram pela alternativa A, o que demonstra uma posição conformista, pois, ainda que não concordem com a diretora, aceitam que ela não tinha outra opção.

• Questão 3: Michel era um aluno cujo comportamento atrapalhava as aulas e os colegas. Os pais dos outros alunos de sua sala fizeram uma carta, pedindo que a diretora o expulsasse. A diretora suspendeu o aluno e o avisou que caso ele não se comportasse de maneira adequada, o encaminharia para outra escola. Você concorda com a atitude da diretora?

Nesta questão, a centralidade do discurso dos graduandos esteve na necessidade de investigar os motivos que levam ao mau comportamento do aluno. A partir daí, propor medidas para solucionar o problema. Entretanto cabe ressaltar que os graduandos apontam para a proposição de medidas, mas não mencionam a necessidade de ouvir o aluno. Além disso, não explicitam quais serão as medidas e assumem que, em última instância, concordam com a expulsão. Os graduandos estão procurando indicar que esses são fatos comuns, situações da escola. Ações como essas parecem naturalizar a injustiça, em função de sua frequência. O convívio social, aprendizagem a ser desenvolvida na escola, traz a responsabilidade pelas decisões que afetam a vida de todos.

• Questão 4: Fernando é um menino obeso, tímido e com dificuldades em fazer amigos. Nas aulas de educação física seus colegas de classe sempre fazem piadas a seu respeito e o excluem das atividades. Ao reclamar dos abusos, a professora de Fernando disse-lhe que as crianças são assim mesmo e que, desde cedo, todos devem aprender a se defender por si sós. Você concorda com a professora?

O discurso dos graduandos em resposta a essa questão sugere uma atenção em torno da necessidade de uma educação de valores, demonstrando perceber a necessidade de conscientização, pelos alunos, de questões relacionadas a valores éticos e morais. Destacam que a responsabilidade por essa formação é dos professores. Entretanto, observa-se também que em nenhum dos discursos ficam claras a indignação e a ação efetiva e direta em relação à situação. Nas justificativas encontraram-se frases que indicam que é fundamental que os professores trabalhem no sentido de "levar os alunos à consciência de valores" e "levar os alunos à prática de valores", mas, diante de uma ação injusta, a ação educativa exige ações imediatas, e isso não fica claro nas respostas obtidas.

• Questão 5: A professora da 4ª série recebe a incumbência da diretora para organizar a festa junina da escola. Cintia, aluna da 4a série, cujos pais são pra-ticantes de uma religião que impede qualquer tipo de manifestação folclórica, é proibida de participar do evento. A professora disse que essa é uma das atividades da escola, e os pais devem prestigiar. Você concorda com a atitude da professora?

Parte dos graduandos enfatiza que os professores e a direção devem respeitar a decisão da família em não permitir a participação de sua filha. Outros sugerem uma conversa com os pais, no sentido de explicar a importância de a criança conhecer e interagir com outras culturas, outros valores. Os graduandos não reconhecem que a escola é laica e não identificam a festa junina como festa religiosa, tomando a questão em seu aspecto estritamente cultural. Os graduandos são contra a exigência da professora, porém não reconhecem que a escola pode estar, na visão de muitas famílias, exigindo que seus filhos participem de práticas religiosas com as quais não concordam. A decisão dos pais, segundo eles, pode estar relacionada ao fato de se evitar que a filha cresça com conceitos religiosos que não os praticados pela família.

• Questão 6: A professora de ciências aplicou uma prova em dupla, no entanto, solicitou que cada aluno entregasse a prova individualmente. José e Luiz formaram uma dupla e entregaram provas idênticas. Entretanto, quando verificaram a nota final, perceberam que José recebeu nota 6,00 e Luiz, 4,50. Diante da reclamação do aluno, a professora afirmou que não modificaria a nota atribuída, pois José apresentou melhor participação nas aulas. Você concorda com a postura da professora?

Foi possível constatar, no discurso dos graduandos, que uma parte deles valoriza a atitude dessa professora. O centro das atenções, nesse caso, está voltado ao docente. Por outro lado, há um contingente de alunos contrários à atitude da professora, pois, segundo eles, a avaliação fora mal explicada, sem critérios, do que decorre o favorecimento de um dos membros da dupla, em prejuízo do outro. Qualquer aluno pode se sentir injustiçado, se observar que outros alunos usufruem de privilégios. A avaliação do aluno é uma prática educativa delicada e precisa se orientar em valores mais amplos, como o de justiça. A escola, como um dos lugares fundamentais para se aprender e aprimorar valores morais, éticos e de justiça tem, na avaliação criteriosa e devidamente esclarecida, uma oportunidade de exercitar tais valores. É adequado deixar claros os procedimentos, as formas de avaliação, os critérios para atribuição de notas, enfim, igualdade e transparência para o sistema de avaliação.

• Questão 7: A escola contratou um professor de educação física que em suas aulas desenvolve somente aulas de futebol. As alunas foram reclamar à direção porque não gostam desse esporte. A diretora disse que devem acatar, pois quem manda e define o que é melhor para o grupo é o professor. Você concorda com a diretora?

Após a análise dessa questão, foi possível destacar os pontos principais do discurso dos graduandos. A situação apresentada possibilitou que os respondentes apontassem a necessidade de maior comunicação na escola, principalmente entre direção e professores. As reclamações e observações das alunas em relação às aulas devem ser levadas em conta e, acima de tudo, respeitadas. Segundo os graduandos, a diretora deveria intervir para uma melhora no planejamento das aulas, de forma a incluir outros esportes, atividades e jogos, e envolver todos os alunos. Contudo, estabelecem limites quanto à possibilidade de atuação da direção. Observou-se que os graduandos ficam sensibilizados com a autonomia do professor e não conseguem indicar que há um problema de discriminação, não identificado por esse professor. Apontam que a autonomia é relativa a um plano de aula, que deve estar limitado pelas orientações gerais, pelas decisões coletivas e pela supervisão da educação escolar.

• Questão 8: Na classe da professora Márcia, da 6ªsérie, há alunos que não conseguem escrever sequer textos simples. Márcia ficou preocupada e colocou esse assunto na reunião de professores. Após discussão, foi indicado que o mais adequado é manter a calma, pois com o passar dos anos e séries os alunos aprendem. Você concorda com essa posição?

Foi identificado que, em média, 30% dos respondentes para essa questão têm uma posição conformista, já que aceitam a postura da professora, porque na prática "é o que acontece", segundo os estudantes.

Entretanto, a maioria dos graduandos apresenta a necessidade de maior atenção para os alunos com dificuldades na leitura e escrita, uma vez que indicam sugestões para organizar um plano de ação em sala, para possibilitar o avanço do aprendizado das crianças. Nesse sentido, parece estar visando à prática justa, proporcionando o direito de igualdade de condições no oferecimento de práticas educativas. Contudo, ressalta-se que as justificativas dos graduandos não consideram a importância do contexto, das condições de ensino a serem proporcionadas na escola. Apontam como estratégias de recuperação, o que somente exigiria atuação do professor, esforço maior no desenvolvimento somente da sala de aula.

• Questão 9: Os alunos da 4ª série tiveram o tempo de recreio diminuído. André, um dos alunos, é contra essa determinação e foi reclamar com a diretora. A diretora disse que não compete ao aluno fazer tal reclamação. Você concorda com a diretora?

Nesta questão, o discurso da maior parte dos graduandos tende à concepção de justiça em uma dimensão ética, na medida em que apontam para o direito de participação, de expressão, de defesa dos direitos e na constatação da escola como espaço democrático. Segundo os sujeitos, os alunos deveriam poder participar de decisões que visam ao bem comum de todos os envolvidos na instituição escolar.

Verificou-se, também, um discurso que reforça a importância do intervalo de recreio para que as crianças possam interagir com os outros, sociabilizar e aproveitar os momentos lúdicos e descontraídos da escola.

Vale destacar que os respondentes que concordam com a decisão da diretora, assim como aqueles que não concordam, porque, na prática, "é o que acaba acontecendo", evidenciam contradições para um projeto de educação valorativa. A visão defendida por esse contingente de graduandos pode reiterar, inclusive, práticas de injustiça, assim como o cerceamento da educação ética das crianças, dadas as contradições nas posições de autoridade dos que são responsáveis por gerir a escola.

• Questão 10: Felipe é um aluno que apanha muito em casa. Na última aula, chegou com o olho roxo e marcas no braço. A professora denunciou os pais na justiça. Você concorda com a atitude da professora?

De modo geral, as justificativas dos respondentes apontam para um discurso que enfatiza a hierarquia na instituição escolar. Ou seja, a denúncia deve acontecer, é uma forma de combate à violência; no entanto, a professora não pode tomar essa decisão, sem antes comunicar à direção, à orientação pedagógica, à instância superior, que devem se responsabilizar por tomar as providências cabíveis.

É interessante observar que, na única situação em que há uma clara e justificada ação da professora, os graduandos procuram, de certa forma, anular a ação. Parece que a hierarquia, o cotidiano, mais uma vez conspira para a não ação.

• Questão 11: Bianca tumultua a aula e chega a ser indisciplinada, é conhecida como "atrevida". Porém, teve ótimo desempenho na prova de geografia. A orientação da diretora é que a professora diminua a nota de Bianca (sem que essa saiba), pois em função do comportamento, todos os outros professores concordaram em diminuir as notas como um método corretivo. Você concorda com a diretora?

Notou-se que o discurso predominante nessa questão aponta para que haja uma conversa com a aluna, para identificar o problema e ajudá-la por meio do diálogo, orientação pedagógica e acompanhamento familiar. Diminuir a nota da aluna é uma ação injusta, identificada como tal pelos graduandos de Pedagogia que, além de não possibilitar que ela melhore seu comportamento, pode gerar um efeito contrário, levando-a a maior indisciplina. Pode haver, segundo os respondentes, um corretivo, seja uma suspensão ou ainda uma reavaliação, mas diminuir a nota denota uma falta de ética dos docentes e direção.

Configurações das representações sociais sobre justiça

O estudo das representações sociais requer cuidados para não identificar qualquer expressão como fruto de uma representação. A identificação de representações sociais exige análise e aprofundamento de dados que permitam compreender os processos de ancoragem. No presente estudo, partindo das objetivações, descritas a seguir, foi possível definir categorias associadas aos descritores utilizados para elaboração do questionário. Observou-se que tais categorias agregam representações e indícios de processos de ancoragem, uma vez que a análise das categorias apresentou importantes elementos que permitiram descrever como as representações se estruturaram para este grupo de alunos dos cursos de Pedagogia.

O trabalho realizado considerou seis categorias de análise, pelas quais as representações sociais foram observadas e se revelaram no estudo.

• Categoria 1: Limites da acessibilidade

• Descritor 1: Acesso e permanência do aluno na escola

• Questões: 2 e 3

• Objetivação: Acesso e permanência na escola têm limites, que são dados pelos problemas burocráticos contra os quais eu nada posso fazer.

Confrontados com esse direito (na questão 2), os graduandos apresentam diferentes perspectivas: ora reconhecem que se trata de um direito de o aluno ter acesso e permanência na escola, ora ponderam que tais direitos devem estar condicionados às condições e possibilidades da escola. Diante dessas duas impossibilidades sugerem "o jeitinho", como uma forma não convencional para contornar a situação.

Os graduandos são também levados a decidir entre uma situação de indisciplina e o direito de permanência na escola (Questão 3).

Nessa questão, os graduandos reconhecem o papel da família nas ações da escola, mas limitam sua atuação na tomada de decisões. Apontam que deve haver um trabalho conjunto entre a instituição escolar e a família para resolver o problema e uma investigação sobre o comportamento do aluno. Todavia, ressaltam que a escola tem procedimentos previstos e que, em última instância, não excluem a possibilidade de expulsão do aluno.

Destaca-se que o posicionamento dos graduandos parece aqui conflitar com as justificativas que apresentam. Primeiro, a solução para o atendimento de um direito fica condicionado ao "jeitinho". E depois, finda as possibilidades de diálogo com a família e investigação sobre o comportamento do aluno, admitem a transferência compulsória.

• Categoria 2: Limites da inclusão e do atendimento universal

• Descritor 2: Atendimento aos alunos com deficiência e uso de medidas educacionais e inclusivas por parte dos professores

• Questões: 1, 5, 7 e 11

• Objetivação: Todos têm direitos iguais, mas a escola também tem suas normas que não podem ser mudadas. É preciso incluir, mas a escola tem seus limites, normas e possibilidades que impedem.

Na questão 1, com discurso superficial, os graduandos ratificam que "todos têm direitos iguais", criticam a atuação da professora em não avaliar o aluno surdo, mas não conseguem sugerir práticas pedagógicas inclusivas ou de avaliação que garantam o tratamento igualitário. Na questão 5, uma aluna é proibida, pelos pais, de participar da festa junina por questões religiosas. Parte dos respondentes não reconhece a festa junina como uma manifestação religiosa e, sim, como diversidade cultural, coloca em discussão o direito da aluna em participar das atividades escolares, propõe conversa com os pais no sentido de convencê-los. Outros ressaltam apenas que a religião da família deve ser respeitada. Não há apontamento de ação efetiva no sentido de resolver a situação por meio de medidas educacionais e inclusivas eficientes.

Na questão 7, é possível verificar situações semelhantes na argumentação dos respondentes. Perante a reclamação de alunas sobre as aulas de educação física que privilegiam os meninos e acabam excluindo as meninas, os graduandos apontam que deve haver melhor comunicação (direção e professor) e se deve acatar os questionamentos das meninas. É novamente um discurso vago, não indica soluções concretas e efetivas com medidas educacionais e inclusivas.

Diante de uma situação de clara injustiça envolvendo atribuição de notas, na questão 11, os graduandos posicionam-se contrários à atitude da professora. Mais uma vez indicam que o diálogo poderia resolver o problema; entretanto, não há menção a práticas efetivas que resolvam o caso.

• Categoria 3: Atendimento diferenciado

• Descritor 3: Igualdade de atendimento a todos os alunos.

• Questão: 6

• Objetivação: Dependendo dos critérios, os alunos podem ter notas diferentes mesmo tendo rendimentos iguais.

Nesta questão, os graduandos são confrontados com uma situação em que não há igualdade de atendimento a todos os alunos. É um caso que traz exemplos de falta de critérios avaliativos e, consequentemente, um aparente favorecimento por parte da professora. O discurso dos graduandos se divide entre os que concordam com a professora, afirmando que ela sabe o que está fazendo e conhece seus alunos e os que defendem a atribuição da mesma nota, visto que não foi devidamente clara a forma de avaliar. Entretanto, a avaliação vai além da atribuição de notas e os respondentes se limitam a essa posição.

• Categoria 4: Qualidade para poucos

• Descritor 4: Oferecimento de ensino de qualidade

• Questões: 8, 9 e 10

• Objetivação: O ensino de qualidade depende de ações individuais.

Tais questões, de modo geral, discutem o oferecimento de ensino de qualidade. Na questão 8, a situação apresentada refere-se a um problema comum em muitas escolas: a dificuldade de ler e escrever dos alunos das séries adiantadas, como no caso, 6ª série. Os graduandos atribuem a responsabilidade de solucionar a questão ao professor, não consideram as condições gerais da escola, sua estrutura, a organização pedagógica, enfim, ainda que apontem algumas sugestões, limitam-se à prática direta do professor.

No que se refere à questão 9, a situação apresentada diz respeito à possibilidade do exercício de cidadania dos alunos, ou seja, a possibilidade de expressar suas opiniões, questionar as decisões tomadas, visando ao bem comum. A maior parte dos graduandos é favorável a que os alunos tenham esse direito, o que indica uma formação valorativa.

A questão 10 traz uma situação de violência doméstica detectada pela professora e, ainda que não relacionada diretamente ao ensino, essa exige uma atuação efetiva da professora no sentido de fazer valer a justiça por meio de denúncias e acionamento aos órgãos competentes. O discurso dos graduandos para essa questão é bastante contraditório. A maior parte deles concorda com a atitude de denunciar; entretanto, pode-se constatar que mesmo na única questão em que há de fato uma intervenção direta do professor, os graduandos sugerem que se deve respeitar a hierarquia da escola, que a professora deveria necessariamente comunicar primeiro à diretora, ao conselho de classe, ou seja, mais uma vez, um discurso que burocratiza a solução do problema.

• Categoria 5: Respeito a todos apresentado de forma ampla

• Descritor 5: Respeito a todos os alunos, independente de sexo, cor, religião.

• Questão: 4

• Objetivação: A falta de uma preparação para confronto com questões concretas do cotidiano, produz soluções globais gerais inócuas.

A categoria envolve uma situação de desrespeito, intolerância, bullying. Foi possível identificar no discurso dos graduandos algumas sugestões para a conscientização e a vivência de valores, mas não apresentam ações concretas no sentido de combater de fato esses casos. Fica evidente que a postura desses graduandos, mais uma vez, resume-se ao diálogo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises das questões propostas indicam que as representações sociais sobre justiça são complexas, porque multidimensionais.

As representações sociais dos graduandos de Pedagogia identificaram os processos de objetivação da justiça como possibilidade de acesso e permanência na escola de todos os alunos, a garantia de educação de qualidade, o atendimento ao aluno com deficiência, o respeito e a igualdade de atendimento a todos. Entretanto, os mecanismos de tal objetivação são expressos de forma fluida, fugidia, que acabam justificando a falta de possibilidade de se realizar a justiça tal como é definida nos PCNs. Por exemplo: diante das dificuldades de acesso e permanência do aluno na escola, dá-se um jeitinho para se conseguir vagas; diante de uma situação de bullying, vamos conversar com todos os alunos para conscientizar a ação, mas nenhuma ação concreta é tomada imediatamente; existe uma solicitação dos pais dos alunos da sala em expulsar um aluno indisciplinado, a solução: vamos conversar com a família, verificar se ele realmente se comporta de tal maneira, mas, em última instância, os graduandos concordam em expulsá-lo. São apontamentos que visam o tempo todo remediar a situação, sem proposições de ações concretas para a solução das situações-problema.

Há indícios, a partir das análises realizadas, que as representações sociais dos estudantes parecem estar ancoradas no princípio da igualdade, levando em conta o valor intrínseco de todos os indivíduos, independentemente de sua origem social, sua nacionalidade, suas capacidades cognitivas, seu sexo, etnia etc. e, por serem iguais, não devem usufruir de privilégios.

Por outro lado, no que diz respeito ao princípio da equidade, esse exigiria um reconhecimento do "outro" levando em conta as diferenças e diversidades existentes no meio em que vivem e atuam; tais diferenças estão presentes, sejam as desigualdades sociais, econômicas ou culturais. Essas diferenças devem ser apreciadas para que, no final, a igualdade entre todos os seres humanos seja estabelecida. Isto é, "tornar iguais os diferentes" (La Taille, 2006, p. 61). Para tanto, deve-se levar em contar o outro como constituinte de mim mesmo, como parte da minha história. Na medida em que a concepção de diversidade, vivenciada pelos estudantes de Pedagogia, não abrange as diferenças existentes, não será possível também a inclusão de um "outro", diferente de mim.

Nesses termos, aceitam-se, mas não se implementam ações que permitam intervir na construção de uma ação justa e igualitária na escola.

Atuar para que se desenvolva justiça na escola exige formação ética, baseada em valores. Seria interessante analisar como esses graduandos estão sendo formados, como refletem e se habilitam para atuar com justiça.

A pesquisa revela que a formação acadêmica dos graduandos de Pedagogia que participaram de nosso estudo requer uma atenção maior para habilitá-los a atuar de forma efetiva na formação de valores morais e éticos na Educação Básica.

Para que a escola assuma, de fato, a formação em valores democráticos, é fundamental que mais do que aceitar um valor como importante e essencial, o professor possa desenvolvê-lo e, assim, formar crianças e jovens para a cidadania para que tenhamos um mundo mais desejado e desejável.

 

REFERÊNCIAS

Brasil. (1990). Estatuto da criança e do adolescente. Brasília: MEC/SEF.         [ Links ]

______. (1997). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF.         [ Links ]

______. (2000). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais: ética. 2. ed. Brasília: MEC/Secretaria da Educação Fundamental. Rio de Janeiro: DP&A.         [ Links ]

Chauí, M. (2001). Convite à filosofia. São Paulo: Ática.         [ Links ]

Jodelet, D. (2001). Representações sociais: Um domínio em expansão. In D. Jodelet, As representações sociais. (pp. 17-44). Rio de Janeiro: Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.         [ Links ]

La Taille, Y (2006). Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Moscovici, S. (1978). A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores.         [ Links ]

Oliveira, F. & Werba, G. (2009). Representações sociais. In M. N. Strey et al. Psicologia social contemporânea: livro-texto. (pp. 104-117). Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Rios, T. A. (2007). Ética e competência. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Sá, C. P. (1996). Núcleo Central das Representações Sociais. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

 

 

1 Artigo 53: A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. (Brasil, 1990, p. 14)
2 O ALCESTE tem a seguinte denominação: Análise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto. Foi criado na França por Max Reinert e introduzido no Brasil em 1999 por Veloz e Camargo. É um software utilizado para análises de questões abertas de entrevistas e análises de discurso em geral. Esse programa oferece: 1) uma análise de classificação hierárquica descendente; 2) uma análise lexicográfica do material textual; e 3) contextos ou classes lexicais, caracterizados pelo vocabulário do texto analisado e pelos segmentos de texto que compartilham esse vocabulário. Doravante esse programa será referido como ALCESTE.
3 A lei n. 11.700, de 13 de junho de 2008, acrescenta o inciso X ao caput do art. 4º da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para assegurar vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir dos 4 (quatro) anos de idade.