SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue39Cultivating attention: an experience with children 4 and 5 years oldVIII Mostra de Psicologia da Educação: "45 anos do PED: contribuições e perspectivas para questões educacionais" author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia da Educação

Print version ISSN 1414-6975On-line version ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.39 São Paulo Dec. 2014

 

ARTIGOS

 

O Instituto Estadual de Educação do Pará - IEEP na memória de alunas e professoras1

 

The Pará State Education Institute (IEEP) in the memory of female students and teachers

 

El Instituto Estadual de Educación de Pará (IEEP) em la memoria de alumnas y professoras

 

 

Vivian da Silva LobatoI; Mitsuko Aparecida Makino AntunesII

IProfessora Adjunta da Faculdade de Educação e Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará. vivianlobato@yahoo.com.br
IIProfessora do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. miantunes@pucsp.br

 

 


RESUMO

O presente artigo objetiva apresentar dados sobre como as professoras e as alunas se recordam e interpretam o IEEP em seus vários aspectos. O referencial teórico-metodológico está assentado nos estudos de Bosi. Foi realizada, primeiramente, uma pesquisa documental, com a finalidade de ancorar as narrativas dos sujeitos, professoras e alunas do IEEP; em seguida, foram coletados os dados sobre como as professoras se recordam e interpretam o IEEP em seus vários aspectos, a partir de entrevistas semiestruturadas. Os resultados demonstram que o IEEP era um espaço de estudo, que visava garantir rigorosamente a aprendizagem dos conteúdos, mas também era um espaço alegre de convívio. È importante destacar que as entrevistadas se mostram saudosas do clima educacional do IEEP posto que a escola proporcionou a elas formação de qualidade, que lhes permitiu ingressar no mercado de trabalho com condições de bem exercê-la, bem como proporcionou conteúdos articulados com a prática, lazer, inserção cultural e amizades, enfim, uma formação completa, tão propalada nas teorias educacionais em voga.

Palavras-chave: memória coletiva; memórias de professores e alunos; formação docente no Pará.


ABSTRACT

The purpose of this work is to present data concerning the memories of IEEP by female teachers and students. The theoretical-methodological reference frame relies in the studies proposed by Bosi. First, it was done documentary research, in order to anchor the reports of the IEEP's female teachers and students; then, data were collected the remembering and interpretation by the teachers in its many aspects, obtained from semistructured interviews. The outcomes show that IEEP was remembered as a space for study, which aimed to rigorously guarantee the learning of the subject matters, but also a joyful convivial space. The interviewed people showed a nostalgic feeling with the educational atmosphere at IEEP, as the school afforded them excellent training, which allowed them to get into labor market , affording them contents connected to the practice, leisure, cultural integration, and friendship, that is, the complete training that finds support in the educational theories at the moment.

Keywords: collective memory; teachers' and students' memories; teachers' training in Pará.


RESUMEN

El objetivo del artículo es presentar datos sobre las memorias de las profesoras y alumnas sobre el IEEP. El marco teórico-metodológico está basado en los estudios de Bosi. Fue realizada, primeramente, una investigación documental, con la finalidad de anclar lo que fue narrado por las profesoras y alumnas del IEEP; en seguida, fueron recolectados los datos sobre las recordaciones e interpretaciones de las profesoras sobre el IEEP en sus varios aspectos, con apoyo de entrevistas semi-estructuradas. Los resultados demuestran que el IEEP era un espacio de estudio, que tenia el objetivo de garantizar el aprendizaje de los contenidos, pero también era un espacio alegre de convivencia. Las personas entrevistadas indicaran sentimientos de nostalgia de lo clima educacional del IEEP porque el les ha proporcionado formación de calidad, lo que les ha permitido ingresar en el mercado de trabajo con los conocimientos adquiridos, y con contenidos que eran articulados con la práctica, el tiempo de ocio, la inserción cultural y las amistades. En fin, una formación completa, tan divulgada en las teorías educacionales del momento.

Palabras-clave: memoria colectiva; memorias de profesores y alumnos formación docente en Pará, Brasil.


 

 

O presente artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado, que se propôs a responder a seguinte questão: como o cotidiano do Instituto Estadual de Educação do Pará - IEEP é revivido a partir da memória de suas protagonistas, professoras e alunas, no período compreendido entre as décadas de 1940 e 1970? A partir do depoimento de ex-alunas e ex-professoras que, com suas experiências, vivências e atuação estudantil e profissional no Instituto, participaram de sua história, bem como a história da própria formação docente em seu interior. Sendo assim, o presente artigo apresenta-se como um dos desdobramentos da pesquisa de doutorado, tendo como objetivo apresentar dados sobre como as professoras e as alunas se recordam e interpretam o IEEP em seus vários aspectos.

Tendo por base os depoimentos das entrevistadas que fizeram parte da história do IEEP apresentamos os resultados que nos permitem contribuir com a história da formação de professores no Estado do Pará, bem como fazer uma breve discussão sobre o ensino da Psicologia e da Psicologia da Educação, a partir da bibliografia sobre Psicologia então utilizada e os conteúdos dessas disciplinas lembrados pelas entrevistadas.

 

MÉTODO

O referencial teórico-metodológico usado foi a história oral, tendo como base os estudos de Ecléa Bosi (1994; 2003). Significa, no contexto da pesquisa, desvelar as representações, saberes, práticas e processos de apropriação e transmissão de conhecimentos que ajudaram a construir a história do IEEP Para Bosi (1994), o grupo é suporte da memória. Em alguns casos, o grupo é efêmero e logo se dispersa, como uma classe para o professor, para quem é difícil reter características pessoais e fisionômicas de cada aluno. Para os alunos, entretanto, as lembranças são mais sólidas. Para as narradoras, tais fisionomias e caracteres foram sua convivência de anos a fio; para elas, o grupo de colegas foi, em geral, duradouro, constituindo, pouco a pouco, uma história e um passado comuns.

Foram realizadas oito entrevistas com ex-alunas e ex-professoras que tiveram um caráter semidiretivo e se desenrolaram sem um roteiro previamente estruturado. Os nomes atribuídos às entrevistadas são fictícios para garantir o anonimato destas.

A pesquisa ficou delimitada entre os anos de 1940 e 1970, com base em relatos orais de personagens que fizeram parte desse momento histórico. Para Bosi (1994), o intuito que nos leva a trabalhar com registros orais e, através deles entrever a vida e o pensamento de seres que já trabalharam por seus contemporâneos e por nós, é que esse registro alcança uma memória pessoal que é também uma memória social, familiar e grupal.

O critério para definir a participação dos sujeitos foi o interesse e a concordância manifestos em participar do estudo, a disponibilidade para agendamento de uma data para a entrevista, bem como ter sido aluna e/ou professora do IEEP no período compreendido entre os anos de 1940 e 1970.

Após a realização das entrevistas, procedeu-se à sua transcrição. De posse desse material, passou-se a uma leitura analítica, buscando identificar os dados significativos para a pesquisa. Em seguida, os dados das entrevistas foram divididos em categorias de análise, definidas a partir das direções que o discurso apontava.

Dessa maneira, as categorias de análise foram estabelecidas de acordo com aspectos das vivências das entrevistadas que apareceram mais significativamente nas falas, seguindo o objetivo da pesquisa, de mostrar como as professoras e as alunas se recordam e interpretam o IEEP em seus vários aspectos.

Assim, tanto a divisão em categorias de análise, quanto a apresentação da discussão das entrevistas no presente artigo, obedeceram a critérios e direções que os discursos das entrevistadas apontavam.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O curso de formação de professores

O currículo

Quando alunas, as entrevistadas estudaram sob a vigência da Lei n. 4024/61. Já quando professoras do Instituto, trabalharam sob a vigência da Lei n. 5692/71.

Por meio da Lei n. 4024/61, de 20 de dezembro de 1961, ampliou-se a ação das Escolas Normais no Brasil. Assim, além da formação de professores, elas passaram a oferecer o curso de formação de orientadores, supervisores e administradores escolares para o ensino primário e para o desenvolvimento de conhecimentos técnicos para a educação infantil.

Durante a vigência da Lei n. 4024/61, a proposta curricular do IEEP mudou três vezes. Assim, os alunos que estudaram nesse período cursaram as seguintes disciplinas: Biologia, Ciências Físicas e Biológicas, Desenho, Didática, Educação Física, Filosofia, Matemática, Português, Psicologia, Sociologia, Recursos Audiovisuais.

Algumas entrevistadas acreditam que o currículo do curso normal da época atendia tanto a formação de professores licenciados, bem como proporcionava um embasamento para aquelas que pretendiam cursar Pedagogia em nível universitário:

(...) nós tínhamos Desenho, na primeira série nós tínhamos uma disciplina chamada Desenho, em que a gente aprendia como fazer as letras, como fazer um cartaz; tínhamos também Estatística. Então, quando nós chegamos à universidade para dar Estatística Aplicada à Educação nós já tínhamos uma base. (Raquel)

Nessa época, a proposta curricular do IEEP tornou-se basilar, isto é, o modelo básico para todas as outras propostas curriculares dos cursos de magistério da época, firmando assim sua identidade de principal instituição formadora de docentes em nível médio perante a sociedade local.

Sobre essa aproximação entre o currículo do IEEP e o currículo do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Pará, Fátima acredita que:

(...) o ensino no curso normal não deixava muito a dever ao ensino da universidade; pelo menos para mim não era muito diferente, eu estava vendo no curso superior coisas que eu já conhecia, mas existiam matérias, por exemplo, Didática, que a gente já conhecia, mas tinha feito só um apanhado.

O que a entrevistada afirmou repete-se em outras pesquisas, que mostram que os currículos dos cursos normais eram muito consistentes e os conteúdos trabalhados equivaliam a conteúdos dos cursos superiores, como verificado, por exemplo, por Mastrobuono (2004), entre outros.

A escola também era rica de recursos e tinha laboratórios de Física, Química, Biologia, História e Geografia. No horário destinado a essas disciplinas, os alunos saíam das salas e se dirigiam aos laboratórios para, então, lá assistirem as aulas.

A grade curricular era complementada pelo Colégio de Aplicação: "nós tínhamos o Colégio de Aplicação, onde as alunas iam aprender a dar aula, era anexo ao Instituto e eu também fui diretora do Colégio de Aplicação" (Ruth).

Na primeira série do curso pedagógico, os alunos iam para o Colégio de Aplicação apenas observar; era um estágio de observação. No segundo ano, eles começavam a participar de algumas atividades desenvolvidas em sala, como, por exemplo, corrigir junto com a professora o trabalho dos alunos. Por fim, na terceira série era exercitada a regência de classe, completando o estágio curricular.

Sobre o Colégio de Aplicação, a entrevistada Maria das Graças relata:

Depois que entramos no pedagógico tivemos esse estágio em sala de aula. Então, o meu magistério vem desde lá, a escola de aplicação era no pedagógico, onde a gente fazia os três tipos de estágio (observação, participação e regência de classe). Então, veja, a Escola de Aplicação realmente ajudou, hoje você não vê mais isso; na nossa época tinha, era bem aqui embaixo, nós saímos daqui para ir para lá.

O Colégio de Aplicação atendia a comunidade escolar do IEEP. Era oferecida a Educação Infantil, na época denominada Jardim de Infância, conforme a Lei n. 4024/61, como também o ensino de 1ª a 4ª séries. Além de assessorar a professora regente de classe, os alunos faziam um estágio na Secretaria, na Direção da Escola, objetivando, dessa maneira, apreender o funcionamento global da escola.

Desde a primeira série, os alunos começavam a articular teoria e prática. O fato de ter uma escola de aplicação ratificava que a articulação entre teoria e prática estava na base do currículo; logo, não era por acaso que essa era a escola modelo de formação de professores. Assim, podemos perceber a riqueza que foi o IEEP em termos de organização, planejamento e projeto pedagógico, mas, sobretudo, seu compromisso com a formação de professores.

Elas tinham uma formação teórica profunda, mas diretamente articulada a uma prática nascida na realidade da sala de aula. Fato este que influenciava diretamente a qualidade do professor a ser formado dentro de uma estrutura escolar como esta.

Com a Ditadura Militar, vieram algumas mudanças no currículo do curso normal; essas mudanças caracterizaram-se por uma espécie de esvaziamento da formação do professor:

(...) eu senti isso quando eu voltei para ser professora, porque eu reclamava muito do currículo, já era na Lei 5692 (...) Por exemplo, o nosso currículo da Lei 4024 tinha aula de Desenho, que era para fazer as letras, como fazer um cartaz, que cor deveríamos usar no cartaz, era mesmo aula de desenho pedagógico, aprendíamos a fazer cartaz para alfabetizar, mural etc. Hoje você vê as letras dos professores as piores possíveis. (Raquel)

Com a ditadura tiveram algumas mudanças no currículo, por exemplo, a gente fazia Didática I e II e depois passamos a fazer apenas Didática I. (Fátima)

Ruth destaca que no currículo do curso era dada importancia a conteúdos relacionados ao desenho e à letra como aspectos instrumentais, isto é, com o intuito de instrumentalizar os professorandos. Já Fátima atenta para uma questão mais de fundo, que é fundamental, ou seja, passaram a cursar apenas Didática I, em vez de Didática I e II; este é um exemplo desse esvaziamento curricular.

Sob a vigência da Lei n. 5692/71, pode-se entender que houve certa inflexão teórica na formação oferecida; até então, o futuro professor era formado dentro de uma concepção que se aproximava mais da erudita, ou seja, sendo possuidor de uma vasta cultura geral, ele seria capaz de oferecer uma educação adequada aos seus alunos. Nessa época, porém, o Instituto adotou o que acabou por ser conhecido como tecnicismo, segundo o qual o professor deveria ter domínio de técnicas de ensino. Tudo isso estava em acordo com a situação política da época, pois o Regime Militar beneficiou-se do tecnicismo, posto que não lhe interessava a análise crítica sobre a conjuntura social e política da sociedade brasileira.

De acordo com Romanelli (2001), além do esvaziamento do Desenho e da Didática, a Lei n. 5692/71 conseguiu ser ainda mais deletéria em relação a esse esvaziamento curricular porque as disciplinas que permitiam reflexão foram retiradas dos currículos ou adulteradas; para a autora, o currículo da Lei n. 4024/61 tinha um cunho mais enciclopedista e propedêutico do que o currículo da Lei n. 5692/71, mas resultava num currículo que garantia a profundidade do aspecto teórico.

A avaliação

Conforme apontam algumas entrevistadas, quando eram alunas, o processo avaliativo era muito pautado pela técnica da memorização e reprodução do conteúdo ministrado.

Tinha um professor, que eu não vou citar o nome, a [...] vai logo saber quem era, que ele fazia a gente decorar 102 [itens do conteúdo da disciplina] para depois fazer a prova. Tu já pensastes o que era decorar 102 [idem] e 608 [...] (...) Esse professor fazia a gente decorar dez pontos de [...], eu fui obrigada a repetir isso milhões de vezes. (Iara)

As práticas de avaliação indicam como a autoridade do professor era exercida, pois os alunos deveriam apresentar o conteúdo apreendido da mesma forma como havia sido ensinado; qualquer alteração não era considerada.

Só que era uma redação muito tradicional; na verdade, não era uma redação completa porque era só descrição, colocava um quadro lá, eu me lembro que o último era uma menina que vinha correndo e um cachorro correndo atrás dela, aí era para você colocar trinta frases descritivas. Eu, como tinha e até hoje tenho uma capacidade muito grande de não copiar e de ir fugindo já para longe, acontecia que eu não conseguia descrever aquilo, porque eu já inventava uma história, o cachorro já estava correndo de alguma coisa e era só para dizer o que estava lá, e eu sempre me ferrava, porque eu não dizia tudo o que estava lá. Eu lembro uma vez, o professor [... ] mandou que a gente descrevesse a nossa rua, então eu criei uma rua ideal, não era a rua que eu morava, criei uma rua arborizada, sem barulho, toda limpa, sem lixo, a minha casa afastada, cheia de árvores, e não criei a rua simplesmente descrevendo, eu contei a estória (sic) da minha rua, como ela foi construída. Aconteceu que o professor me deu zero; eu tive que recorrer, brigar, para poder tirar uma nota nessa prova, porque tinha que ser o que o professor queria. (Iara)

Outros instrumentos de avaliação também utilizados eram as sabatinas, os campeonatos de verbos, as olimpíadas de matemática e a atribuição de pontos aos cadernos que tivessem, de forma organizada e completa, todo o conteúdo ministrado durante o ano:

A gente tinha caderno de borrão e caderno de passar a limpo. Os pais da gente já davam para a gente; então, a gente escrevia primeiro no borrão e depois passava a limpo em casa. (Raquel)

Assim, a gente aprendia mais, porque o professor incentivava, dava ponto pelo caderno, não era um ou dois não, era a maioria. Meio ou um ponto já ajudava na nota final. (Fátima)

Segundo os relatos, as provas escritas também se limitavam basicamente a avaliar a capacidade de memorização e reprodução dos assuntos trabalhados em sala de aula:

As provas escritas se prendiam a coisas também muito decoradas, eu te digo, sinceramente, muita coisa ali eu não aprendi não, a gente decorou para fazer a prova. (Iara)

(...) a prova era dividida em duas: uma prova objetiva de gramática e fazia redação. Só que era uma redação muito tradicional; na verdade, não era uma redação completa porque era só descrição. (Iara)

Sobre a década de 1970, relatos de ex-alunas apontam algumas mudanças; em lugar do antigo sorteio de ponto para provas orais, as avaliações escritas ganharam relevância. Trabalhos em grupo e muitas provas são o que recordam algumas alunas daquele período. Os recursos didáticos também modificaram a utilização de álbuns seriados e flanelógrafos eram comuns.

Eu sempre percebi que, pelo menos no meu grupo, existia um interesse de apresentar trabalhos bons [...]. Dos professores se notava que eles davam muito valor para o trabalho, na verdade, às vezes a nota do trabalho era muito mais importante do que a nota da prova escrita; em todas as disciplinas se tinha trabalho para fazer e os grupos de estudo concorriam entre si. (Maria da Conceição)

Apesar das críticas, há relatos que destacam aspectos positivos no modelo de avaliação adotado pelos professores do curso normal. Inclusive há entrevistadas que acreditam, de um modo geral, terem sido muito formativas e enriquecedoras algumas metodologias adotadas pelos professores.

Eles tinham um interesse que a gente passasse, mas que a gente fosse aprovada sabendo. Eles criavam várias situações metodológicas para que a gente se apossasse daquele conteúdo que estava faltando. Por exemplo, as sabatinas não eram bem sabatinas, eles faziam tipo um campeonato de verbo, se o problema era verbo, se era alguma coisa da matemática, faziam um campeonato em que um perguntava para o outro. (Raquel)

Vale ressaltar que esse era o processo avaliativo da época, ou seja, é algo que não pode ser atribuído exclusivamente ao IEEP, como se essa fosse uma situação isolada do contexto educacional de então. Entretanto, mais uma vez o IEEP mostra sua especificidade, ou seja, o IEEP cumpre a lei, mas inova, ousa, fato que está exemplificado nos campeonatos de verbo, utilizando o caderno de borrão e outras situações didáticas que proporcionassem aos alunos não apenas serem aprovados, mas dominar os conteúdos.

Sobre essa associação entre memória e tempo, Bosi (1994) escreve que a produção da temporalidade é muito importante para a construção dae identidade. Essa temporalidade não é uma herança imutável e só existe quando contada. As lembranças que rememoramos ou esquecemos deixam-nos a divisão do tempo em que os fatos acontecem. A nossa memória é dividida por marcos, por períodos, que têm a ver com nossa história de vida. A memória mantém-se intacta. Ela sofre a ação do tempo e da experiência vivida.

As atividades docentes

Os relatos das ex-alunas entrevistadas apontam que a relação professor-aluno no IEEP foi caracterizada pelo autoritarismo e rigidez das práticas docentes, mas, apesar disso, elas relatam ter boas lembranças desse período. Sobre esse autoritarismo e rigidez relatados pelas ex-alunas, vale ressaltar que são atitudes docentes próprias da época em questão; era isso que era esperado do professor, era o que ele tinha de fazer, ou seja, para além de uma crítica descontextualizada, podemos afirmar que essa era a função prescrita ao professor, que determinava como ele deveria ministrar o conteúdo, a matéria, exigir que o aluno usasse caderno de borrão, conferir se o aluno copiou corretamente, passar prova. No entanto, nisso reside a riqueza do trabalho com a memória, posto que as entrevistadas não se esquecem dos bons momentos vividos, pois, como exemplifica Raquel, "A gente foi muito feliz com nossos professores".

De um modo geral, os professores eram vistos pelas ex-alunas como austeros e muito compromissados com o ofício que exerciam. Mais uma vez, para além da prescrição, eles tinham um compromisso com a docência, com o ensino, com a aprendizagem dos alunos. Então, não era só cumprir o que era prescrito, era também realizar aquilo para o qual ele ocupava a função de professor numa escola reconhecida pela qualidade, que visava à formação de futuros professores.

Vale a pena repetir a fala de Raquel, pois ela também mostra que, para além do cumprimento, havia professores que se preocupavam em criar situações efetivas e até lúdicas para a aprendizagem: "Os nossos professores não faltavam, eles tinham um compromisso, a gente ia para a escola e tinha as cinco aulas, as seis aulas daquele dia" (Raquel).

Assim, em meio à postura responsável e austera, havia espaço para atitudes de acolhimento e proximidade na relação professor-aluno. Havia também preocupação com as alunas, atenção para possíveis problemas, não havia a queixa e o encaminhamento hoje tão comuns; o professor identificava e buscava recursos pedagógicos na sala de aula para resolver os desafios que aparecessem no cotidiano da sala de aula:

Os nossos professores eram muito acolhedores da gente, eles se preocupavam que a gente aprendesse. Não sei se porque a relação professor-aluno era muito direta, porque nós éramos 40 alunos e eles tinham um interesse que a gente passasse, mas que a gente fosse aprovada sabendo. (Raquel)

Fátima aponta uma das estratégias pedagógicas utilizadas pelos professores para que ela pudesse vencer a timidez e se entrosar com os outros colegas, além do seu grupo de amigos habitual:

E era bom que a gente se entrosava, eu era tímida demais, então eles me colocavam num grupinho diferente do meu para que eu pudesse me entrosar com os outros alunos. Já o pessoal que fazia muito barulho, eles tiravam e colocavam separados. (Fatima)

As usuais técnicas de grupo eram realizadas para favorecer uma interação entre alunos e facilitar a comunicação entre professores e alunos.

Existiam também práticas pedagógicas utilizadas pelos professores que caracterizavam bem o ensino tradicional, próprio da época, que era prescrito para o professor e dele esperado seu cumprimento, em que prevalecia o medo do professor, fato que as obrigava a decorar as lições:

Tinha um professor que nos fazia perguntas, ele colocava, assim, cinco. Ele não dava quase aula, ele era professor em várias escolas. Então, a aula dele era rapidinha. Aí ele forçava a gente estudar porque ele nos fazia perguntas, era dois e meio cada pergunta respondida (...) a gente não usufruiu bem. (Fátima)

Essa é uma situação contraditória, sabemos que decorar não leva à aprendizagem, mas havia uma garantia, havia uma cobrança e uma preocupação de que esse conteúdo seria apreendido e nem sempre somente decorado; para isso, os professores usavam outros recursos como sabatinas, competições etc.

Referindo-se ao período ginasial, em que cursou seus estudos no Instituto de Educação, Ruth descreve o curso como aquele em que só o professor fala e o aluno fica calado. Segundo a entrevistada, questionar o professor era considerado até uma falta de respeito para com ele.

Tinham muitos professores que eu os considerava um pouco folclóricos, porque, como havia prova oral e escrita, se sorteava um determinado ponto (...). Você tinha que estudar, por exemplo, dez dissertações de [...], dez de [...] para na hora ser sorteado uma daquelas. Mas, assim mesmo, sempre havia o problema de você não poder perguntar; isso para mim é terrível. (Ruth)

Ruth relata que esses professores mais tradicionais eram do curso ginasial, mas, no curso pedagógico, a dinâmica professoral era um pouco diferente, principalmente nas disciplinas pedagógicas que, segundo a entrevistada, eram ministradas por professoras que também já lecionavam na Universidade Federal do Pará. Contudo, mesmo no curso pedagógico ainda existiam professores que não tinham formação específica para ministrar as disciplinas pedagógicas.

Esses folclores todos que eu estou te falando são relativos ao ginásio, mas quando chegava no pedagógico a coisa melhorava um pouquinho mais, porque já eram professores mais conscientes, embora, por exemplo, nessa área de psicologia, higiene e nutrição, a maioria eram médicos, porque ainda não tinha psicologia aqui, poucos iam para fora estudar, mas assim mesmo eu tive bons professores no curso pedagógico. (Ruth)

Segundo relatos da entrevistada, os professores que atuavam no curso ginasial tinham mais essas práticas que ela chama de folclóricas. Porém, no curso pedagógico a formação apresentava uma qualidade melhor, porque o corpo docente já era constituído de professores formados em nível superior. Porém, as disciplinas de Psicologia, Higiene e Nutrição ainda eram ministradas por médicos, haja vista que não havia curso de Psicologia em Belém.

O relato, quando se refere ao curso pedagógico, mais uma vez mostra a qualidade deste, que não nega o que é prescrito pela lei, mas vai adiante, cria e ousa, tanto é que muitos deles, no Pará e em várias outras regiões do país, os professores dos cursos de Pedagogia e mais tarde os de Psicologia vêm dos cursos normais.

A relação professor-aluno também era permeada por muita rigidez, conforme o relato da entrevistada:

Outra coisa, o professor não podia se dirigir ao aluno fora da sala de aula. Nós tínhamos uma colega que era até noiva do professor de [...] e outra que era noiva do professor de [...], mas a professora [...] não admitia que eles se falassem dentro do colégio, mesmo eles sendo noivos de aliança. Nem tirar dúvidas podia. (Ruth)

Mais uma vez o fato estava de acordo com os costumes morais próprios da época.

Uma das entrevistadas, que estudou no curso normal entre o final da década de 1960 e início de 1970, assim descreve sua experiência como aluna de duas outras entrevistadas:

Eu lembro muito das aulas da [...], de [...], porque ela tinha uma formação política muito aguçada e ela fazia sempre críticas à situação política da cidade e dos governantes. Isso ainda era muito surpresa para nós. Eram muito críticas as aulas dela, mesmo no período da ditadura, era num tom mesmo educativo, ela era sempre tida como uma professora moderna e atualizada, ela trazia notas de jornal que nós costumávamos ler e debater. As aulas eram muito interativas, então não tinha quem saísse dali, daquela turma de terceiro ano, do pedagógico, sem ter uma noção da vida política da cidade. (Maria da Conceição)

Os relatos orais nos indicam que havia inegável qualidade do corpo docente, salvo algumas exceções, talvez pelo histórico dessa instituição em seu papel de formar professores no estado do Pará. De fato, é inegável a qualidade destacada, pelas entrevistadas, da importância que cada professor em particular desempenhou em sua formação.

Outra professora classuda [sic] era a professora [...], também de [...], a velhinha era linda, toda arrumadinha, de salto alto, falava mansinho, uma dama. Tinha também o professor [...], um cavalheiro, ensinava [...], um homem que respeitava todo mundo. (Ruth)

Ele era muito culto, ele tinha aquela linguagem sarcástica, mas inteligente. Ele ensinava [...]. Ele entendia de cinema como ninguém. Quando passava algum filme especial era o assunto do dia. Ele já era um professor que trazia indícios da educação moderna, ele aproveitava o que estava acontecendo aqui e agora, ele não se prendia a certas regras. (Iara)

Os relatos apontam que os professores do Instituto garantiam o processo de ensino-aprendizagem, mas, é claro, havia aqueles professores que eram autoritários e que nisso permaneciam, mas não se pode generalizar, porque ao mesmo tempo existiam professores que eram rígidos, que cobravam, que mandavam decorar os pontos, mas que também eram professores que marcavam a relação professor-aluno por afetividade, por acolhimento, por preocupação com o desempenho deles, e outros professores que, inclusive, tinham uma preocupação de conscientização dos alunos durante a ditadura militar e que ajudavam os alunos a pensar, a refletir, a discutir, a analisar a situação do país naquela época.

De acordo com Bosi (1994), as lembranças do grupo de colegas persistem matizadas em cada um de seus membros e constituem uma memória ao mesmo tempo una e diferenciada. Dialogando, brincando, confraternizando e estudando juntas, suas lembranças guardam vínculos difíceis de separar. Os vínculos podem persistir mesmo quando se desagregou o núcleo no qual sua história teve origem.

Além disso, a lembrança revela o que foi empobrecedor e o que foi enriquecedor e revela, sobretudo, aquilo que marcou a experiência de vida. Períodos marcantes são trazidos com seus pormenores, demandam esforço do depoente para lembrar-se dos acontecimentos, das pessoas, das datas e dos lugares. É esse árduo esforço que Bosi (1994) denomina trabalho da memória: "a memória... é trabalho" (p. 55).

A formação no Instituto

O IEEP, desde sua fundação e durante todo o período por nós investigado, sempre captou para seu interior um grupo de alunos e alunas estudiosos, em grande parte filhos da elite, que compreendiam a escola como um espaço necessário para ampliar seus conhecimentos. Às jovens pertencentes à elite, a entrada na escola normal era um objetivo generalizado, pois permitia a aquisição de um diploma e uma profissão, ao mesmo tempo em que não as desviavam do casamento e da maternidade, finalidade maior a que eram destinadas.

Os alunos que se inscreviam para estudar na escola normal tinham que superar uma triagem que media seus conhecimentos.

O ingresso no IEP, no meu tempo, para eu entrar aqui, eu tive que passar numa prova chamada admissão, fazia-se aquela triagem para ver quem tinha condições de ficar. Tanto que o magistério no IEP era muito solicitado. (Maria das Graças)

Porque era só lá que tinha formação de professores. (Ruth)

De acordo com Ruth, na formação do IEEP nas décadas de 1950 e 1960, o professor ministrava uma aula que facilitava o processo de memorização. Aqui, mais uma vez, vale citar a fala de Ruth.

Então, o ensino naquele tempo era o famoso ensino "a letra com sangue entra", o professor só fala e o aluno fica calado, o aluno não podia fazer uma pergunta, porque era considerado desrespeito, tipo: você está atrapalhando. Para mim, não passavam de uns papagaios que entravam em sala de aula, repetiam tudo aquilo que eles liam nos livros e aí a gente tinha que decorar tudo aquilo também e de posse disto fazer a prova. (Ruth)

No entanto, aqui a entrevistada se refere a um grupo de professores, porque ela própria fala de outros professores que exerceram sua função docente de maneira diferente e, ela também, como professora do Instituto, procurou trabalhar de maneira diferente.

Para Raquel, a importância do curso normal do IEEP transcende a formação para o magistério, pois, por mais que os alunos não fossem exercer o cargo de professores da Educação Infantil ou de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, o contato com disciplinas como Psicologia e Filosofia (e outras) proporcionava uma visão mais abrangente do ser humano e, consequentemente, subsidiava as mulheres para lidarem com as complexas questões da infância e adolescência de seus filhos.

De acordo com os relatos, os alunos eram formados dentro de uma estrutura disciplinar. Partindo das serventes, passando pelas inspetoras e professores, erguia-se uma hierarquia escolar. O alunado era incentivado a valorizá-la e a reproduzi-la: "A escola tinha outra estrutura, tinha inspetor do ensino, tinha o serviço técnico todinho e tinha a repressão que é o 'eu te expulso'" (Raquel).

Sobre isso, é fato que havia uma hierarquia e era mantida a disciplina, mas não de maneira absoluta ou só autoritária. Havia também outra forma de relação entre professores, inspetores e alunos, além, é claro, da importância das relações entre alunos em geral, ou seja, havia, sim, hierarquia e exigência de disciplina, mas elas não eram de uma rigidez inquestionável, tanto que existia espaço para as brincadeiras. Por outro lado, elas se lembram das duas formas de relações que elas vivenciaram no IEEP, contradição esta que é reflexo da contradição institucional como um todo.

A formação de professores teve continuidade após esse período; mais tarde essas alunas tornaram-se profissionais do IEEP que vieram a dar continuidade à sua formação, mas, sobretudo, às mudanças que ocorreram ao longo do tempo em seu projeto de formação de professores.

A partir de suas experiências, cada entrevistada produziu seu próprio jeito de ser professora pelo entrecruzamento de sua maneira de ser pessoa-professor com o jeito de ser de seus professores do curso normal e superior. A marca do eu pessoal vem à tona através das interações estabelecidas no cotidiano das salas de aula, da escola e das próprias mudanças nelas introduzidas.

Parece-nos, pelo relato das entrevistadas, que a "decoreba" e a memorização exaustiva tiveram seus anos áureos no período em que foram alunas do Instituto. Dessa maneira, quando algumas das ex-alunas passaram a ser professoras do Instituto, a estrutura da instituição já havia sofrido algumas alterações; por exemplo, uma das entrevistadas, que tinha um vasto conhecimento no campo docente, grande parte dele adquirido no próprio instituto, esteve na direção da escola: "Eu sou a primeira diretora eleita daqui do IEEP fui diretora por três anos porque também eu já tinha sido vice-diretora antes, entre vice-direção e direção foram oito anos" (Ruth).

A entrevistada Maria Ribeiro também destaca as modificações vividas em termos de professorado:

Colegas meus de trabalho... tinha aprofessora [...], a [...], que até hoje nós nos comunicamos. Outros já morreram. Tinha o professor [...] Tinha alguns professores, que assim que saímos da universidade nós viemos logo lecionar, nós tivemos aqui toda uma renovação em termo de professorado, porque tinha os catedráticos e nós chegamos jovens ainda. Eu era mais próxima da [...] e da [...]. (Maria Ribeiro)

Outra mudança caracterizou-se pela tentativa de abandono das práticas vistas como tradicionais e pela reação às diretrizes que nortearam a prática pedagógica na década anterior:

Eu preciso te dizer que quando eu assumi aqui como professora, eu fiz tudo o contrário do que os meus professores faziam comigo. Eu ainda encontrei uns ex-professores meus que ainda estavam na ativa e que ficavam putos comigo. Por exemplo, tinha aquele hábito de quando o professor entrar o aluno levanta, aí eu fui logo acabando com isso; eu disse: Ninguém tem que levantar para mim porque eu não sou Deus, eu também estou aprendendo com vocês e cada um de vocês é único, e outra coisa, aluno que não me fizer pergunta vai se ver comigo, porque eu que vou perguntar para ele. (Ruth)

Ainda como aluna do Curso Normal, Ruth teve a oportunidade de vivenciar em sala de aula práticas com as quais não concordava; assim, a postura adotada pela então professora caracteriza uma tentativa de redimensionamento do papel do professor. Antes referência absoluta na sala de aula, ele deveria dar lugar ao aluno. Pretendia-se distinguir os professores que resistiam às inovações - os tradicionais - dos que as aceitavam - os inovadores, modernos, atuantes etc.

Entretanto, essas inovações não eram resultado de uma reflexão conjunta sobre a prática pedagógica. Por mais que a renovação de professores, ocorrida nos anos anteriores, tivesse introduzido novas posturas docentes, elas não compunham um projeto institucional. Porém, como todo processo histórico, as mudanças ocorrem, mas há uma coexistência entre o velho e o novo.

De uma maneira geral, os professores daquela instituição viveram aquela tensão:

Mas, sim, eu entrei em choque com alguns professores mais antigos que ainda tinham sido meus professores. (Ruth)

Eu acho que não tinha um grupo de professores homogêneo, não tinha uma proposta, não tinha aquela coisa de vamos realizar, vamos encaminhar, cada uma cuidava de si, não tinha um supervisor, não tinha aqueles grupos de trabalho que tivesse aquela orientação. (Coralina Oliveira)

A concomitância desses dois modelos - o tradicional e o moderno - provocou tensões que nunca foram convertidas em debates, pois cada professor abordava e defendia a postura que via como a mais apropriada dentro da sala de aula. O resultado foi que algumas contradições nunca foram resolvidas, de forma que a ambiguidade se tornou parte do cotidiano do Instituto.

Naquela época existiam professores que não mereciam ser chamados assim de professor e formador de professores [...]; algumas vezes acontecia de o aluno dizer que não entendeu e o professor dizer: "Ah, tu és burro!". Isso no nosso tempo de alunas e no nosso tempo de professoras também ainda tinha professores assim. (Iara)

Aí, com esses a gente comprava briga. (Ruth)

Aí tinha briga na sala dos professores. Eles diziam: E o que tu tens com isso? Eu dizia: Eu sou uma educadora. (Iara)

As provas passaram a ser instrumentos que tinham como objetivo focar no entendimento do aluno, isto é, eram provas mais analíticas e reflexivas.

A minha prova era tão legal que eu deixava eles na sala e saía para depois recolher. Eles perguntavam: pode trocar ideia? Eu dizia: Pode. Qual é o problema? Na minha sala eu desmistifiquei esse negócio de cola. (Iara)

Eu passava prova com livro. Eu dizia: Amanhã na prova todo mundo pode trazer o livro... Aí eles perguntavam na prova: Ah, é de tal página a tal página? Eu falava: Tu te viras. Pega o índice e procura. Não é a resposta, está lá o assunto para você ler, entender e responder. (Iara)

Os relatos mostram o embate que havia entre práticas de um momento anterior e as novas práticas pedagógicas, trazidas por professores mais jovens, aliás, muitas das quais alunas que passaram pela fase anterior.

Seminários, retroprojetores e vídeos tornaram-se frequentes nas salas de aula, mesmo que tenham encontrado resistência de alguns professores, que continuavam usando somente o quadro de giz; sobre essas controvérsias, diz uma das entrevistadas: Então, eu usava também trabalhos exposições, pedia para desenvolverem um texto a partir do livro. Eu trazia textos diferentes e distribuía para eles (Iara). E ainda:

Era tipo uma recreação. Passando seminários, passando outras atividades, dificilmente um aluno ficava reprovado [...] Tinha outros que da hora que entravam à hora que saíam era só escrevendo no quadro, outros só ditavam: Ah, tal, tal, tal e vírgula. Se o aluno perguntasse levava uma esculhambação. (Ruth)

No que tangia à relação entre professores e alunos, ocorreram mudanças: aboliram-se os pronomes de tratamento, o uso de escadas (os docentes pelo lado direito e os discentes pelo esquerdo) foi alterado, bem como o hábito de se levantarem quando os professores adentravam nas salas de aula:

Porque, no nosso tempo de aluna, o professor era autoridade máxima e eles riam de mim porque eu dizia para eles [...]. Eles ainda tinham o hábito de levantar quando o professor entrava em sala. Quando eles começavam a se levantar eu dizia "pode sentar, porque eu não quero que depois quando eu vire as costas vocês falem mal". (Ruth)

As entrevistadas mostram-se saudosas do clima educacional vivido e acreditam que o rigor tinha por objetivo a formação de um profissional qualificado. Nesse sentido, destacam o comportamento do professor, a forma de ministrar o conteúdo, o linguajar e o vestir condizentes com a condição de educador.

Os alunos nos respeitavam porque a gente se fazia respeitar e era garantida através da direção da escola essa disciplina, a direção colaborava, se preciso o aluno era chamado, mas eu nunca tive problema com aluno por causa de disciplina. Antigamente, os alunos eram mais compenetrados, respeitavam mais os professores, mas não sei se é porque hoje alguns professores não se fazem respeitar. (Maria Ribeiro)

O Instituto entendia que a formação do professor ultrapassava o domínio do conteúdo, ou seja, o professor deveria ser reconhecido pelo cuidado consigo e com a imagem da instituição. Mas, conforme o relato das entrevistadas houve significativas mudanças, algumas delas relacionadas à própria clientela atendida pelo instituto, pois segundo alguns relatos, aqueles que procuravam o IEEP já não o faziam em função do interesse exclusivo no magistério. A condição de curso profissionalizante, cuja formação representava uma garantia relativa de ingresso no mundo do trabalho, fez com que algumas questões se alterassem:

Essa característica se perdeu no tempo, acho que quando o IEP se popularizou, aquela característica de dizer "eu sou aluno do IEP e entrei ali para ser professor". Isso se perdeu com tempo. Quando a gente passou para ser professora, já não era a mesma coisa. (Iara)

Quando a gente já ia corrigir as provas, a gente já achava muito disparate. (Ruth)

Nesse movimento de reconstruir o passado, as entrevistadas fazem o que Bosi (1994) chama de um esforço para construir uma identidade pessoal que, em alguns casos, não é exatamente a que ele tinha no passado. Quando as pessoas relatam situações de suas vidas, elas podem aproveitar para passar a limpo o passado e construir um todo coerente em que se mesclam situações reais e imaginárias.

De acordo com Bosi (1993), é também notável a gama de nuances da lembrança vinculada ao trabalho, próxima ou distante da produção material que opera no interior da matéria recordada.

A Psicologia no curso

Os relatos das entrevistadas apresentam poucas indicações que nos permitam entrever os conteúdos da Psicologia ensinados nesse período no IEEP. Com exceção de uma das entrevistadas que foi professora de Psicologia da Educação no IEEP, não há nos relatos muitas indicações sobre bibliografia, autores utilizados, temas, assuntos tratados e trabalhos apresentados que nos permitam entrever os conteúdos da Psicologia então trabalhados.

Segundo Ruth, no tempo em que ela foi aluna do IEEP (1957 a 1963), a teoria mais estudada era a Escola Nova e os autores mais lidos eram: Teobaldo de Miranda Santos2, Amaral Fontoura3 e Helena Antipoff4.

Nos anos em que Iara estudou (1953 a 1960), os conteúdos trabalhados pela Psicologia estavam bem associados a questões de, como ela denomina, Psicologia do ensino, isto é, questões como: como ensinar? O que é o aluno? O que é o professor? Como se dá a relação professor e aluno? Que problemas o aluno pode apresentar? Existem tipos de alunos?

Também estudei Psicologia com o professor [...], a psicologia dele era assim, eu me lembro bem, na primeira aula ele disse assim "psique quer dizer alma", isso eu nunca me esqueci, esse professor de Psicologia ensinava, na verdade, Psicologia do ensino (...) Era assim que ele apresentava a Psicologia, depois eu estudei Psicologia particularmente e vi que não era tanto assim, mas ele apresentou isso para a gente, como era o aluno? Existem tipos de alunos? (Iara)

A narrativa acima nos adverte para o fato de que para ensinar é necessário conhecer os saberes disciplinares.

De acordo com Tardif (1991), os saberes disciplinares são definidos por cientistas a partir dos saberes produzidos pelas ciências da Educação e dos saberes sociais. Portanto, os saberes disciplinares constituem o corpus de informações conhecimentos e saberes com que trabalha uma determinada área ou disciplina. O professor conhecedor dos saberes disciplinares deve dominar o conteúdo a ser trabalhado, pois, para ensinar, é preciso antes aprender, conhecer.

Já no período compreendido entre 1968 a 1986, quando a professora Ruth era titular da cadeira de Psicologia da Educação, a entrevistada relata que não era comum o acesso a livros originais dos teóricos da Psicologia. O mais comum era estudar os grandes autores da Psicologia a partir de autores brasileiros utilizados na época: "Livros eu usava um bocado, eu usava a Iva Bonnov, a Violeta... foi um livro que esgotou, também o Teobaldo e o Amaral, por que não? Ainda não tinha os Skinner da vida como tem hoje" (Ruth).

Raquel lembra que eles estudavam a Psicologia da infância e da adolescência segundo Skinner, Rogers e Freud, porém com uma ênfase maior em Rogers; essa era uma escola rogeriana, a disciplina Psicologia cuidava muito do Rogers. Segundo a entrevistada, a ênfase estava em questões sobre a infância e a adolescência que pudessem subsidiar o trabalho das futuras professoras que estavam sendo formadas para lidar com crianças e adolescentes. Sobre os conteúdos da Psicologia da Aprendizagem, a entrevistada lembra ter estudado autores como Gardner e Brunner.

O relato de Maria da Conceição confirma que a disciplina Psicologia da infância e da adolescência, ao tratar de temas relativos à formação da criança e suas fases evolutivas, desde o nascimento até a entrada na adolescência, dentre outras coisas, objetivava preparar os futuros professores de 1ª a 4ª séries.

Até hoje eu me lembro que ela dizia: "criança que é bem alimentada até os dois anos dificilmente não tinha capacidade de fácil aprendizagem". Na verdade, ela estava nos alertando para as deficiências das salas, porque a gente estava ali em formação para dar aula de 1 a 4a série; ela tinha essa preocupação de nos alertar para alguns fatos.(Maria da Conceição)

Conforme os relatos, não era comum o uso de livros originais dos teóricos da Psicologia; além disso, era comum o uso de revistas de circulação comercial como a revista Pais e Filhos, que, apesar de trazer boas reportagens, não tinha característica de revista acadêmica, de cunho científico que pudesse ser um autêntico diferencial na formação daquelas alunas do Instituto. O resultado foi uma di scussão da Psicologia sem muito aprofundamento teórico, bem como a utilização camuflada dos velhos manuais de didática, sob uma nova roupagem, de acordo com os termos e as teorias psicológicas em evidência.

 

O CURSO DURANTE A DITADURA

Alunas e ditadura

Os relatos apontam que a ditadura e o regime de exceção por ela imposto, de certa forma, foi sentido de uma maneira suave pelas alunas da época.

Com a ditadura, tiveram algumas mudanças no currículo, por exemplo, a gente fazia Didática I e II e depois passamos a fazer apenas Didática I, mas não percebi grandes mudanças, desde que eu entrei, em 1959, eu não percebi grandes mudanças. (Fátima)

Entretanto, o IEEP foi também um dos espaços de reprodução da autoridade tal qual essa era pensada naquele momento. Alunos, inspetores, professores e serviço técnico seguiam uma rígida hierarquia escolar.

Devido estar na época da ditadura, a gente já convivia em casa com uma estrutura familiar muito repressora e na escola a gente seguia as regras, por exemplo, terminava o recreio a gente ia para a sala de aula; quando o professor não vinha, a gente podia jogar vôlei, tinha aula de canto, não é como agora. A escola tinha outra estrutura, tinha inspetor do ensino, tinha o serviço técnico todinho e tinha a repressão que é o "eu te expulso". (Raquel)

Conforme o relato de Maria da Conceição, apesar da repressão imposta pela ditadura, algumas professoras conseguiam introduzir sutis reflexões sobre o contexto social vigente, pelo menos discussões acerca dos problemas sociais e políticos da cidade de Belém:

Eu lembro muito das aulas da [...], de [...], porque ela tinha uma formação política muito aguçada e ela fazia sempre críticas à situação política da cidade e dos governantes. Isso ainda era muito surpresa para nos. Eram muito críticas, as aulas dela, mesmo no período da ditadura, eram num tom mesmo educativo, ela era sempre tida como uma professora moderna e atualizada, ela trazia notas de jornal que nós costumávamos ler e debater. As aulas eram muito interativas, então não tinha quem saísse dali, daquela turma de terceiro ano, do pedagógico, sem ter uma noção da vida política da cidade. (Maria da Conceição)

Professoras e ditadura

A conjuntura política - o regime de exceção em que o país vivia - limitava a reflexão sobre a realidade social e política da sociedade brasileira. As professoras entrevistadas relatam os conflitos vividos entre o silenciar e o falar, entre o não questionar e o discutir, conflitos estes presentes em suas práticas docentes da época:

Nesta época, 1974, 1978 por aí, entrou uma disciplina Moral e Cívica, a qual, eu ainda lecionei, porque não existia professor de Moral e Cívica, não existia a cadeira [...[. Então, era difícil ministrar essa disciplina, porque, quando chegava na democracia, principalmente a gente que dava aula para o segundo grau, e que o aluno entende bastante o período que ele estava vivendo. Então, eles perguntavam: "nosso regime é democrático?". Eu, por exemplo, dizia a verdade, porque eu não ia mentir para o aluno, nem omitir a verdade para o aluno. Depois, eu cheguei e disse ao diretor: "Olha eu não quero mais Moral e Cívica, porque os alunos perguntaram se no Brasil existia democracia e eu disse a verdade e ainda disse o porquê". Eu acho que não chegou em órgão nenhum, porque talvez eu poderia ter sido banida do magistério naquele momento. (Maria Ribeiro)

Segundo o relato das entrevistadas, as disciplinas consideradas perigosas eram: Educação Moral e Cívica, OSPB, História e Sociologia. Para os professores do IEEP poderem lecionar no período da ditadura militar, eles precisavam obter uma licença da Polícia Federal renovada anualmente. Além disso, as professoras afirmam que conviviam com "olheiros" da Polícia Federal, funcionários a serviço do governo disfarçados de alunos ou de professores que vigiavam as conversas na sala dos professores e durante o recreio, bem como entrevistavam os alunos para saber o que os professores discutiam durante as aulas: "[... ] nós tínhamos dois professores infiltrados dentro do IEP, não lembro o nome deles, era um gordo e o outro magricelo" (Iara) e: "À noite também tinham alguns alunos infiltrados. Cada turma à noite tinha um aluno infiltrado. Durante o dia tinha professor; professor que surgiu tu não sabias de onde, quem mandou. Aluno também que tinha vindo de Goiás" (Ruth).

Iara destaca algumas estratégias por ela usadas para driblar a censura e conseguir inserir comentários críticos, pelo menos, relacionados às problemáticas locais: "Eu dava aula assim:por exemplo, lá em Castanhal está havendo um problema muito sério relacionado a livros didáticos que estão sendo podados, mas já foi resolvido o problema, foi inaugurada uma praça" (Iara).

Posto que não era permitido criticar abertamente os governantes, a então professora Iara procurava tecer sutis críticas nas entrelinhas de sua prática docente. Ela relata um episódio, no qual coordenou o ensaio de uma peça encenada no IEEP que fazia uma alusão ao acontecimento histórico do Brigue Palhaço5, que trata da adesão do Pará à independência.

A ideia inicial da Peça foi do [...]. Ele pensava que eu ia ser fiel ao texto, mas só que o povo que clamou dentro do navio que estavam morrendo, as frases eram os problemas atuais do Estado do Pará que eles clamavam. Então, era uma peça do Brigue Palhaço, ninguém podia contestar que não fosse. Fui aplaudida de pé pela plateia. Isso foi em plena ditadura militar. A plateia eram os convidados, os alunos, os professores, as famílias. (Iara)

Iara relata que após a encenação da peça foi entrevistada pela Polícia Federal na pessoa de seus olheiros que estavam lá de plantão.

Ainda sobre esse evento, a então professora e colega de trabalho de Iara, Ruth, relata suas lembranças de quem viveu o momento: "Os olheiros estavam todos lá. Porque eles iam acintosamente. Alguns eram escondidos, por exemplo, os que estavam infiltrados durante o ano. Mas, quando era assim um evento, eles iam na maior cara de pau" (Ruth).

A entrevistada relata que durante todo o regime da ditadura militar esteve trabalhando no Instituto e sobre esse período ela lembra que: "A mão da ditadura esteve lá nos amaldiçoando durante todo o tempo" (Iara).

A ditadura militar era uma situação que estava em todo o país, mas havia focos de maior ou menor resistência e, pelos relatos das entrevistadas, no IEEP houve resistência, principalmente pela ação de algumas professoras, o que mostra a força do IEEP não só na garantia do ensino de conteúdos específicos, mas também de uma formação mais ampla e consciente, tendo em vista a formação de professores sob o foco da ideia de cidadania.

Sobre a memória do trabalho, Bosi (1994) afirma o quanto os entrevistados, principalmente os que já não trabalham, trazem um laço afetivo muito forte com o ofício em seus detalhes e segredos, quando o fazer passa a ser seu próprio lembrar. Para a autora, o trabalho envolve "os movimentos do corpo penetrando fundamente a vida psicológica" (p. 471), e ao mesmo tempo é meio de inserção nas relações sociais.

Segundo Bosi (1993), no caso da recordação de acontecimentos políticos (revoluções, crises, figuras notáveis...) essa fusão ou aglutinação de lembranças factuais e valores ideológicos está muito presente. A lembrança se corporifica levando em conta a localização de classes e a profissão do sujeito.

Bosi (1994) considera que cada indivíduo carrega suas lembranças pessoais; entretanto, ele está inserido em um contexto social e cultural, e é nesse contexto que ele consolida suas lembranças. A memória individual sofre influências das diversas memórias que nos rodeiam. Dessa forma, a memória do indivíduo está relacionada à classe social a que pertence, ao relacionamento com a família, a igreja, a escola, a profissão, os grupos de referência. Essas diversas memórias constituem a memória coletiva, que dá base à identidade do indivíduo, como pertencente a um determinado grupo. Podemos, assim, dizer que a memória pessoal está ligada à memória de grupo que, por sua vez, está amarrada à memória coletiva de cada sociedade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através das narrativas memorialísticas das entrevistadas, pôde-se relacionar sua história de vida com um recorte temporal da história do IEEP. A busca de resposta às indagações iniciais deste estudo conduziu a um objetivo para o artigo: apresentar dados sobre como as professoras e as alunas se recordam e interpretam o IEEP em seus vários aspectos.

O presente estudo, ainda que não fosse seu objetivo precípuo, acabou captando o entrelaçamento entre a história do IEEP e a história pessoal das entrevistadas. Assim, o estudo possibilitou-nos apreender algumas indicações importantes do espaço-tempo da escola, da sala de aula, enfim de lugares percorridos pelas narradoras e que participam de sua constituição como ex-alunas e ex-professoras do IEEE

As entrevistas contam-nos que o Instituto era um espaço de estudo que garantia o rigor do conteúdo; porém, também garantia um espaço alegre de convívio, um ambiente de lazer onde se faziam fortes laços de amizade. Ainda que a pesquisadora tenha insistido nas entrevistas para que elas falassem mais da formação e da Psicologia em especial, as respostas eram curtas, somente uma delas fala mais (a que foi titular da cadeira de Psicologia da Educação), mas mesmo assim é pouco. Disso, pode-se levantar a hipótese de que a disciplina de Psicologia não tenha tido tamanha importância, dado que não ficou tão retida em suas memórias e que não é objeto de narrativas, justamente porque outras coisas se sobrepuseram a esta.

A dimensão afetiva que ligava as alunas, provavelmente, é o que faz com que essa memória seja resguardada, e de maneira muito forte, ao longo das entrevistas. A pesquisadora encontrou muita dificuldade para extrair relatos sobre os conteúdos do curso, sobre os livros, porque a ênfase de praticamente todas as narradoras estava na lembrança dessa convivência amigável no cotidiano do Instituto. Esse fato referenda o que Bosi (1994) diz, isto é, a memória tem um componente afetivo fundamental e ela passa a ser coletiva porque todas as entrevistadas lembram desse cotidiano agradável.

O currículo proporcionava uma formação teórica profunda. Durante a vigência da Lei n. 4024/61, a grade curricular era mais propedêutica e enciclopédica; já durante a vigência da Lei n. 5692/71, a formação curricular foi esvaziada, consequência do regime militar, mas, mesmo assim, ainda proporcionava um sólido conhecimento teórico. No entanto, é importante destacar que tudo isso era articulado com a prática na Escola de Aplicação do IEEP.

A avaliação do Instituto é considerada como tradicional pelas entrevistadas, porém é necessário entender que aquele era o paradigma da época. Contudo, o IEEP mostra sua especificidade, ou seja, o IEEP não apenas cumpriu seu papel dentro do modelo tradicional então adotado, mas também imprime sua marca pessoal ao propor, por exemplo, campeonatos de verbo e outras situações didáticas que proporcionassem aos alunos a apreensão significativa do conteúdo.

Sobre as atitudes docentes, os relatos apontam para a rigidez, mas vale ressaltar que isso era o esperado do professor, era o que ele tinha de fazer, essa era sua função prescrita: ministrar o conteúdo, cobrar a matéria, exigir que o aluno usasse caderno de borrão, conferir se o aluno copiou corretamente, passar prova etc. Entretanto, as entrevistadas não percebem essas atitudes como essencialmente negativas, mas como zelo pela sua aprendizagem, pois os alunos do Instituto não eram alunos reprimidos, alunos quietos. É certo que era uma escola que exigia que o aluno cumprisse aquilo que era a função da escola, mas também dava margem para a ludicidade, tanto que são as brincadeiras, as amizades, os professores, as bagunças e travessuras que faziam que elas mais se lembram.

Os relatos também ratificam a qualidade do corpo docente, posto que os professores do Instituto garantiam o processo de ensino-aprendizagem, pois a formação lá recebida permitiu-lhes exercer com qualidade o ofício docente e conseguir boa colocação profissional no mercado de trabalho, preparou-as para ingressar na universidade e, ao cursar o ensino superior, perceberem que a formação recebida no IEEP não deixava a desejar em relação àquela.

Com o passar dos anos, houve significativas mudanças no IEEP, algumas delas relacionadas à própria clientela atendida pelo Instituto, pois segundo alguns relatos, aqueles que procuravam o IEEP já não o faziam em função do interesse exclusivo no magistério. A condição de curso profissionalizante, cuja formação representava uma garantia relativa de ingresso no mundo do trabalho, fez com que algumas questões se alterassem, isso aliado a alterações na legislação educacional brasileira, bem como mudanças sociais e políticas pelas quais o estado paraense passava, foram, ao longo dos anos, alterando a identidade do IEEP.

Por fim, as entrevistadas afirmam sentir saudade do lazer, da convivência, dos amigos que lá fizeram, das brincadeiras, dos professores que, apesar de às vezes serem autoritários e rigorosos, são por elas considerados como conscientes do ofício de formador de professores que exerciam. Saudade expressa também no colorido afetivo-emocional que permeou as entrevistas, seja pelas feridas que pipocaram nas mãos de Raquel no dia seguinte à entrevista, seja pelas lágrimas de saudade derramadas por Ruth ao lembrar de uma amiga do IEEP já falecida, seja pela vibração na voz e gestos de Iara ao relatar sua luta dentro do Instituto durante a ditadura militar, seja pelo respeito expresso na voz e no olhar de Maria da Conceição ao relembrar de suas antigas professoras também entrevistadas, seja na pontada de amargura de Maria das Graças e Maria Ribeiro ao compararem o IEEP de antigamente com a realidade que lá se encontra hoje, seja no cuidado de conservação com os livros usados durante o período em que Fátima lá estudou. Tudo isso são sinais às vezes físicos, às vezes subjetivos, quase imperceptíveis, que denotam a importância não só profissional, mas também afetiva, humana e formativa que o Instituto representou na vida de todas.

 

REFERÊNCIAS

Antunes, M. A. M. (1991). O processo de autonomização da Psicologia no Brasil 1890 - 1930: uma contribuição aos estudos em História da Psicologia. Tese de Doutorado em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

______. (1997). Sobre a formação de psicólogos: aspectos históricos. Psicologia da Educação, 5,35-56.         [ Links ]

______. (1998). A Psicologia no Brasil: Leitura histórica sobre sua constituição. São Paulo: Unimarco/Educ.         [ Links ]

Bosi, E. (1993). A pesquisa em memória social. Psicologia USP, São Paulo, 4,277-284.         [ Links ]

______. (1994). Memória e sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

______. (2003). O tempo vivo da memória: ensaios de Psicologia social. São Paulo: Ateliê         [ Links ].

Coelho, W. B. (2006). A cor ausente: um estudo sobre a presença do negro na formação de professores - Pará, 1970-1989. Belém: Editora Unama.         [ Links ]

______. (2007). Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações raciais na formação de professoras no estado do Pará. Revista Brasileira de Educação, Autores Associados, 12(34),39-56.         [ Links ]

Mastrobuono, C. M. (2004). A Psicologia da Educação no curso normal de uma escola confessional católica de São Paulo (1941-1961). Tese de Doutorado em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

Rego, O. L. M. M. (1972). Síntese histórica do Instituto de Educação Estadual do Pará. Belém: FEEP.         [ Links ]

Romanelli, O. O. (2001). História da Educação no Brasil (1930/1973). Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Tardif, M. (2000). Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação, 13,5-24.         [ Links ]

Vasconcellos, H. C. et al. (1992). A formação do professor para a escola básica no Pará. Belém: Editora UFPA.         [ Links ]

 

 

1 Agência de financiamento: CAPES. Tipo de manuscrito: Relatos de pesquisa empírica.
2 Autor de livros sobre Didática e Prática de Ensino muito utilizados pelos alunos normalistas.
3 Autor do manual intitulado Fundamentos da Educação: uma introdução geral à Educação Renovada e a Escola Viva. Educador, sociólogo e psicólogo, atuou intensamente na produção de manuais pedagógicos para professores entre os anos de 1950 e 1970.
4 Psicóloga e pedagoga de origem russa, se fixou no Brasil a partir de 1929, a convite do governo do estado de Minas Gerais, no contexto da operacionalização da reforma de ensino conhecida como Reforma Francisco Campos. Grande pesquisadora sobre a Psicologia da criança, ela foi pioneira na introdução da Educação Especial no Brasil, entre várias outras realizações.
5 Em 1823, 300 homens do 2º regimento da Artilharia de Belém se insurgiram contra a junta governativa. Foram presos no porão de um navio flutuante pelo Capitão Greenfell, oficial da Marinha Inglesa a serviço de D. Pedro I, que estava para assegurar a integração do Pará ao Brasil Independente. Com sede e quase morrendo sufocados, os encarcerados começaram a gritar por socorro e receberam uma nuvem de cal e foram trancafiados no calabouço do navio, morrendo asfixiados. Esse fato foi um dos desencadeadores da Revolta da Cabanagem.