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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.40 São Paulo jun. 2015

 

ARTIGOS

 

O Trabalho da educadora na creche: uma revisão sistemática

 

The educator's work in a daycare center: a systematic Review

 

El trabajo de la educadora en la guardería: una revisión sistemática

 

 

Dalila Castelliano de VasconcelosI; Inayara Oliveira de SantanaII; Lucivanda Cavalcante BorgesIII

IAluna do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba dalila_bal@hotmail.com
IIAluna do programa de pós-graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba. Professora de Psicologia da Universidade Federal do Recôncavo Baiano inayaraoliveira@hotmail.com
IIIAluna do programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba. Professora do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco

 

 


RESUMO

Este trabalho corresponde a uma revisão sistemática da produção brasileira sobre a relação entre a organização do trabalho da educadora na creche e a saúde mental. Foram realizadas pesquisas nas bases de dados Lilacs, PEPsic e Periódicos Capes, através dos indexadores "trabalho e creche", "trabalho e educadora" e "organização e creche". Foram incluídos os trabalhos publicados nos últimos dez anos, no contexto brasileiro e de acesso aberto e completo nas bases de dados pesquisadas. Os artigos foram analisados a partir das categorias "autor", "objetivo", "local", "participantes", "instrumentos" e "resultados". Constatou-se que, de modo geral, os estudos abordam o trabalho da educadora de creche a partir de áreas como fonoaudiologia, fisioterapia e Psicologia da criança, relacionando-o com aspectos físicos do trabalho ou com o desenvolvimento infantil. Poucos fazem relação entre as características do trabalho e a saúde mental do trabalhador. Além disso, os estudos contemplam apenas os contextos das regiões Sul e Sudeste do país.

Palavras-chave: educadora de creche; organização do trabalho; saúde do trabalhador.


ABSTRACT

This research aims at a systematic review of the Brazilian production over the relationship between the organization of the educator's work in the daycare center and mental health. Research in the databases Lilacs, PEPsic and Periódicos Capes was realized through the indexes "work and daycare center", "work and educator", and "organization and daycare center". Articles published in the last ten years in the Brazilian context, and with an open and complete access in the researched databases, were included. Such articles were analyzed as of the categories "author", "objective", "location", "participants", "instruments" and "results". It was concluded, generally, that the studies make an approach to the educator's work in a daycare center in areas such as speech therapy, physiotherapy and infant psychology, in connection with some physical aspects of work or infant development. Few studies make a relationship between the characteristics of work and the worker's mental health. Furthermore, the studies comprehended only the contexts of the Southern and Southeastern regions of the country.

Keywords: daycare center's educator; organization of work; worker's health.


RESUMEN

Este trabajo corresponde a una revisión sistemática de la producción brasileña sobre la relación entre la organización del trabajo de la educadora en la guardería y la salud mental. Fueron realizadas investigaciones en las bases de datos Lilacs, PEPsic y Periódicos Capes, a través de los indexadores "trabajo y guardería", "trabajo y educadora" y "organización y guardería". Fueron incluidos los trabajos publicados en los últimos diez años, en el contexto brasileño y de acceso abierto y completo en las bases de datos investigadas. Los artículos fueron analizados a partir de las categorías "autor", "objetivo", "local", "participantes", "instrumentos" y "resultados". Se constató que, de modo general, los estudios abordan el trabajo de la educadora de guardería a partir de áreas como fonoaudiología, fisioterapia y psicología del niño, relacionándolo con aspectos físicos del trabajo o con el desarrollo infantil. Pocos hacen relación entre las características del trabajo y la salud mental del trabajador. Además, los estudios contemplan apenas los contextos de las regiones Sur y Sureste del país.

Palabras clave: educadora de guardería; organización del trabajo; salud del trabajador.


 

 

O desenvolvimento da sociedade capitalista trouxe, em seu arcabouço, uma nova concepção de família e de educação. De acordo com Kuhlmann Jr. (2011), é nesse cenário que a creche surge como uma alternativa aos cuidados assistencialistas desempenhados pelas instituições totais às crianças pobres e abandonadas. O assistencialismo caracteriza-se pelas práticas clientelistas e personalistas, em que os direitos sociais são traduzidos em valores de retribuição, caracterizando uma pedagogia da submissão. Frente a isto, a creche aparece como uma política pública de assistência social no século XIX, tendo como objetivo cuidar, educar e socializar as crianças.

O surgimento das creches também está atrelado à entrada da mulher no mercado de trabalho, gerando a necessidade de cuidados alternativos para a criança. Dentre outras funções exercidas pela mulher no mercado de trabalho ressalta-se a sua atuação como profissional de educação, entretanto, sem nenhuma formação para assumir esse papel.

A Constituição de 1988 (Brasil, 1988/2007), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 e, posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB), em 1996, revelam uma nova concepção de criança, que passa a ser encarada como sujeito de direitos. Além disso, colocam a educação como o elemento principal, tanto como direito da criança, quanto como dever da família e do Estado (Aguiar, 2001; Campos, Rosemberge Ferreira, 2001). Com a LDB (Lei 9394/96), a educação infantil passa a fazer parte da educação básica, pertencendo às ações educativas das políticas educacionais definidas pela União, estados e municípios, integrando as funções de cuidar e educar.

Nesse modelo contemporâneo da educação infantil, a creche é concebida e valorizada por sua função formadora das crianças como sujeitos históricos e culturais. Esse modelo ganha força quando os professores passam a ser considerados como importantes mediadores de relações significativas para as crianças. A ampliação do entendimento acerca do papel peculiar da creche, em relação a outros contextos de educação da criança, gerou um modelo que profissionaliza suas práticas, determinando a necessidade de formação dos profissionais dessa área, pelo menos em um nível médio (Bezerra e Soares-Silva, 2008).

Conforme Cavalcante, Magalhães e Pontes(2009), os educadores enfrentam o desafio de dividir com os pais e outros membros da família a dupla função de educar e cuidar. Somadas à desvalorização do trabalho e à baixa remuneração que recebem, tais dificuldades podem afetar a saúde dos educadores de creches. De acordo com Vasques-Menezes (2002), esses profissionais estão envolvidos com cuidados e educação das crianças, que são tarefas que exigem tensão emocional constante, atenção, dedicação e investimento afetivo, os quais podem afetar sua qualidade de vida, gerando, inclusive, sofrimento psíquico.

Os estudos sobre creche, sobretudo aqueles referentes à interação entre educador e criança (Ramos e Salomão, 2012; Cavalcante et al., 2009), apontam para a importância do papel do educador e da qualidade das trocas interativas para o desenvolvimento infantil. Desse modo, as especificidades do atendimento às crianças em creche, a organização do trabalho do educador e suas concepções sobre desenvolvimento e sua saúde mental constituem temas importantes nesse contexto. Portanto, torna-se necessário pensar sobre a formação, as condições e a organização do trabalho e suas implicações para a saúde do educador e, consequentemente, para o desenvolvimento infantil.

Segundo Fernandes, Rocha, e Costa-Oliveira (2009), o modelo de globalização levou a processos de precarização do trabalho, tendo como consequência direta o aumento das funções e das jornadas das atividades profissionais, além de maiores exposições a fatores de risco para a saúde. Esses riscos se tornam possíveis tendo em vista que a saúde de cada indivíduo, dos vários grupos sociais e de cada comunidade, depende das ações humanas, das interações sociais, das políticas públicas e sociais implementadas, dos modelos de atenção à saúde, das intervenções sobre o meio ambiente e de vários outros fatores (Andrade e Barreto, 2002; Westphale Mendes, 2000).

Para Dejours (2012) e Lancman e Sznelwar (2011), dependendo das condições e da organização, o trabalho pode levar o homem ao sofrimento psíquico. A partir da clínica do trabalho, os autores refletem que o elemento determinante das características do trabalho é a dominação e as formas específicas do poder pelas quais essa dominação passa para tornar-se eficiente. Atualmente, as formas de dominação predominantes no mundo do trabalho - a avaliação individualizada dos desempenhos e seu ajuste às normas de qualidade total - têm propiciado o surgimento de novas patologias, que comprometem a saúde e qualidade de vida do trabalhador, como as patologias da sobrecarga e do assédio moral.

A organização do trabalho tem sido um conceito-chave para o entendimento do adoecimento psíquico no trabalho (Sato, Lacaze Bernardo, 2006). Esse conceito é a expressão da divisão social do trabalho no modo capitalista de produção e representa a divisão do poder entre quem pensa e quem executa, definindo as condições de trabalho às quais os trabalhadores são submetidos. A partir do exposto, o presente trabalho tem por objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura científica brasileira sobre as características e organização do trabalho de educadoras em creche.

 

MÉTODO

A revisão sistemática foi realizada através dos indexadores eletrônicos Lilacs (Literatura Latinoamericana e do Caribe em Ciências da Saúde), PEPsic (Periódicos Eletrônicos em Psicologia) e Periódicos Capes. Como descritores foram utilizadas as palavras-chave "trabalho e creche", "trabalho e educadora" e "organização e creche". Foram incluídos nessa revisão sistemática os trabalhos publicados nos últimos dez anos, realizados no contexto brasileiro, de acesso aberto e completo nas bases de dados pesquisadas.

Em seguida, foram utilizados os seguintes critérios de exclusão: artigos que não contemplassem a temática em questão, artigos de revisão sistemática e bibliográfica e artigos repetidos nas bases de dados pesquisadas. Os artigos foram analisados a partir das seguintes categorias: autor, objetivo, local, participantes, instrumentos e resultados.

A lista dos artigos selecionados e analisados na presente revisão sistemática encontra-se na Figura 1, a seguir.

 


Figura 1 - Clique para ampliar

 

RESULTADOS

Foram encontradas diferenças metodológicas e de objetivo geral entre os 13 artigos analisados, conforme pode ser observado na Figura 2.

O instrumento mais utilizado para a coleta de dados foi a entrevista, seguida pelo questionário, grupo focal/discussão, observação e análise documental. Outro aspecto a ser destacado refere-se à predominância dos estudos nas regiões Sul e Sudeste (onze), com apenas um estudo na região Norte e outro na região Nordeste.

Ao analisar os objetivos dos estudos foi possível identificar que sete artigos abordam as concepções e práticas de educadoras sobre o cuidado/educação das crianças (Longo-Silva, Taddei, KonstantynereToloni, 2013; Maciel e Veríssimo, 2010; Richter e Vaz, 2010; Izae Mello, 2009; Alves e Veríssimo, 2007; Bógus, Nogueira-Martins, Moraese Taddei, 2007; Veríssimo e Fonseca, 2003). Nesse sentido, o estudo de Longo-Silva et al. (2013) avaliou o impacto de um treinamento de educadores nas percepções e práticas acerca da alimentação infantil, enquanto o de Maciel e Veríssimo (2010) caracterizou os conhecimentos e práticas de trabalhadores de uma creche acerca do aleitamento materno. Richter e Vaz (2010) tiveram como objetivo traçar uma agenda de estudos sobre a educação do corpo em ambientes educacionais para a infância, abordando um conjunto de momentos que compõem a rotina institucional. Por sua vez, Iza e Mello (2009) buscaram identificar atividades de movimento e de não movimento desenvolvidas com as crianças na creche, saber como elas são realizadas, quem as desenvolve e em que momento da rotina diária da creche elas ocorrem.

Alves e Veríssimo (2007) se propuseram a caracterizar aspectos relacionados aos cuidados de saúde infantil em creche. Bógus et al. (2007) objetivaram conhecer as percepções de mães de crianças de zero a dois anos sobre os cuidados desenvolvidos pelas creches frequentadas por seus filhos. Além disso, investigaram as percepções das educadoras sobre o seu papel nos cuidados oferecidos às crianças e suas famílias. Por fim, Veríssimo e Fonseca (2003) buscaram apreender as representações de trabalhadoras de creches acerca do cuidado da criança.

Os outros seis artigos selecionados referem-se, de modo geral, à organização do trabalho e à saúde do trabalhador (Nylander, Santos, Magalhães, Afonso e Cavalcante, 2012; Fernandes et al., 2009; Simões-ZenarieLatorre, 2008; Paparelli, José, Silva e Veríssimo, 2007; Beraldo e Carvalho, 2006; Simões eLatorre, 2006). Nylander et al. (2012) e discutiram aspectos do perfil, formação e trabalho profissional de educadores infantis que exerciam suas atividades em uma instituição voltada ao atendimento de crianças de três a seis anos de idade. Fernandesetal.(2009) procuraram determinar a prevalência de sintomas osteomoleculares nos professores da rede municipal de Natal-RN, verificando a relação entre as variáveis socioeconômicas, ocupacionais e de saúde e a presença dessa sintomatologia. Por sua vez, Simões-Zenari e Latorre (2008) avaliaram as mudanças em comportamentos considerados na literatura especializada como negativos para a voz, ao longo de um programa de intervenção fonoaudiológica oferecido a educadoras.

Paparelli et al. (2007) investigaram, mais especificamente, as causas do sofrimento mental de educadoras de creches, enquanto Beraldo e Carvalho (2006) analisaram as experiências de trabalho, especialmente quanto aos fatores de satisfação, insatisfação e estresse entre essas profissionais. Por fim, o estudo desenvolvido por Simões e Latorre (2006) verificou a prevalência de alteração vocal autorreferida em educadoras de creche e fatores associados.

Entre os artigos que abordam as concepções e práticas das educadoras sobre o cuidado/educação infantil, dois enfocam aspectos da alimentação (Longo-Silva et al., 2013; Maciel e Veríssimo, 2010), enquanto dois se referem à educação do corpo da criança no espaço físico da creche (Richter e Vaz, 2010; Izae Mello, 2009). Os demais tratam das percepções e representações das educadoras sobre o cuidado oferecido às crianças (Alves e Veríssimo, 2007; Bógus et al., 2007; Veríssimo e Fonseca, 2003).

No artigo sobre o impacto de um treinamento de educadores nas percepções e práticas acerca da alimentação infantil (Longo-Silva et al., 2013), os resultados mostraram que os grupos que passaram pelo treinamento apresentaram discursos com indícios de pequenas mudanças ou de reconhecimento de que é preciso mudar as concepções e práticas acerca da alimentação saudável. No estudo desenvolvido por Maciel e Veríssimo (2010), as educadoras destacaram a importância do aleitamento materno para o desenvolvimento infantil. Além disso, indicaram que o aleitamento depende do interesse das mães e que a facilidade para a realização dessa ação depende da instituição, das garantias legais e do apoio das educadoras. Apontaram ainda, como principais dificuldades, a distância entre local de trabalho das mães e a creche e a relação de dependência proveniente da manutenção do aleitamento.

No tocante aos estudos que abordaram a educação do corpo no espaço físico da creche, Richter e Vaz (2010) encontraram que a rotina das crianças segue um itinerário fixo e previsto e que a passagem de uma atividade a outra não é marcada pela linguagem. Nessa ocasião, a linguagem se resume à regulamentação corporal, com destaque para castigos e ameaças sobre o corpo da criança, que se submete aos ritmos e espaços impostos pelos adultos. A pesquisa realizada por Iza e Mello (2009) ressalta que as professoras têm experiência de trabalho com as crianças, mas falta-lhes o conhecimento de como trabalhar atividades educativas com movimento, razão pela qual priorizam a manutenção das crianças em situação de não movimento.

Entre os três artigos que tratam das percepções e representações das educadoras sobre o cuidado oferecido às crianças, o de Alves e Veríssimo (2007) revela que o trabalho em creche é caracterizado por ações integradas entre educar e cuidar. Como dificuldades no trabalho foram destacadas a precária formação para os cuidados, principalmente de saúde, e a sobrecarga de atividades. No estudo de Bógus et al. (2007), as educadoras destacam, primeiramente, a grande carga de trabalho correspondente à sua função. Outros momentos considerados como difíceis correspondem à troca de fraldas e de roupas e à atividade educativa com relação à alimentação, por haver um grande número de crianças para ser alimentadas. Outra dificuldade relatada pelas educadoras diz respeito ao que fazer com relação ao choro, já que são muitas as crianças a serem atendidas. As educadoras também incluem, em suas queixas, o problema do cansaço, relacionado ao não reconhecimento institucional. E, finalmente, a relação educadora-família é pontuada por conflitos e ambiguidades, uma vez que os valores das educadoras são, muitas vezes, divergentes dos das famílias. Já na pesquisa de Veríssimo e Fonseca (2003), os resultados evidenciaram que as educadoras procuram destacar o aspecto educativo do seu trabalho, que exige formação profissional, enquanto o cuidar é compreendido como uma função de suporte.

Nos artigos que buscaram estudar a organização do trabalho e a saúde do trabalhador, foram analisadas variáveis como perfil, formação e condições de trabalho (Nylander et al., 2012) e fatores de satisfação, insatisfação e estresse (Beraldo e Carvalho, 2006). Outras variáveis investigadas foram os sintomas osteomoleculares (Fernandeset al., 2009), a alteração vocal (Simões-ZenarieLatorre, 2008; Simões eLatorre, 2006) e a saúde mental (Paparelliet al., 2007).

No estudo de Nylanderet al. (2012), o perfil sociodemográfico dos participantes revelou que, em sua totalidade, eram mulheres, a maioria tendo idade superior a 35 anos (70%); apresentavam experiência anterior de trabalho com crianças de pelo menos dois anos (90%) e frequentaram cursos de capacitação em período recente (90%). Em relação ao seu trabalho em creche, as maiores dificuldades estiveram direcionadas primeiramente ao relacionamento com os pais dos alunos, seguido pelo salário e o ambiente físico da escola. Sobre os aspectos cansativos de sua rotina de trabalho, destacaram o esforço físico e as emoções presentes no relacionamento com as crianças e na comunicação com os pais.

Beraldo e Carvalho (2006) também estudaram fatores de satisfação, insatisfação e estresse de educadoras em creches. Entre os motivos de satisfação, identificaram a relação com as crianças (carinho, afeto, espontaneidade, retorno, prazer em acompanhar o desenvolvimento das crianças) e com as famílias, o reconhecimento do trabalho por parte da direção e o apoio e a ajuda das colegas. Entre os motivos de insatisfação estão: a desvalorização do trabalho das educadoras por parte da sociedade; os problemas relacionados às famílias; as preocupações e problemas com as crianças; e a insatisfação com o horário e com a carga de trabalho.

Entre os estudos que abordaram questões ligadas diretamente à saúde da educadora de creches, Fernandes et al. (2009) identificaram uma prevalência de sintomas osteomoleculares, nos últimos doze meses, em 93% dos participantes. Também encontraram uma associação estatisticamente significativa entre a prática inadequada de atividade física, no sexo feminino, e a presença desses sintomas.

Os trabalhos de Simões-Zenari e Latorre (2008) e Simões e Latorre (2006) objetivaram verificar, respectivamente, as mudanças em comportamentos negativos para a voz, ao longo de um programa de intervenção fonoaudiológica, e a prevalência de alteração vocal autorreferida em educadoras de creche. No primeiro estudo, observou-se uma diminuição gradativa no uso da voz fora do trabalho, no falar muito grave ou agudo e no comer em excesso antes de dormir. As mudanças observadas ao longo do programa foram interessantes, mas muito restritas. Segundo os autores, as ações que envolvem exclusivamente informações sobre o bem-estar vocal devem ser revistas. No segundo estudo, houve um registro de 80% das educadoras referindo a presença de alteração vocal, e 26% delas procuraram algum tipo de tratamento; 39% delas relataram que a alteração está presente há quatro anos ou mais; 82% disseram que o problema é intermitente; 74% consideram que o problema tem um grau leve ou moderado; 82% acreditam que o uso da voz seja a principal causa da alteração vocal; e 54% apontaram a rouquidão como o principal sintoma vocal. A alteração vocal autorreferida foi estatisticamente associada à presença de alteração vocal constatada por avaliação e ao fato de as educadoras já terem tido alguma orientação sobre o uso da voz.

A pesquisa de Paparelli et al. (2007), que teve como objetivo investigar as causas do sofrimento mental de educadoras de creches, constatou a sobrecarga de trabalho dessas profissionais e a prática corrente do desvio de função. Como principais queixas de adoecimento, as educadoras mencionaram as dores, tanto na coluna, quanto nas articulações, nos membros superiores e inferiores e na cabeça, além do sofrimento mental. Outros pontos destacados foram: a exigência de formação para as profissionais, sem possibilidades concretas de efetivação; a rígida hierarquia presente no sistema educacional, que opera uma divisão do trabalho, na qual as auxiliares de desenvolvimento infantil estão postas como meras executoras de regras definidas em outros lugares; e a desvalorização do seu conhecimento prático, que se acentua neste contexto de transição pelo qual passam as creches de hoje.

 

DISCUSSÃO

Pela análise dos resultados dos artigos pesquisados, observa-se que a produção científica nacional sobre o trabalho e a saúde mental da educadora de creche não é vasta, sobretudo se se considerar a relação entre essa temática e a Psicologia social do trabalho. A maioria dos artigos aborda o trabalho da educadora de creche a partir de áreas como a Fonoaudiologia, Fisioterapia e Psicologia da criança, relacionando-o com aspectos físicos do trabalho ou com o desenvolvimento infantil. Poucos estabelecem uma relação entre as características do trabalho e a saúde mental do trabalhador.

O estudo dos processos de saúde e doença relacionados ao trabalho do educador torna-se importante, em virtude da forma como se organizam suas atividades. Muitos aspectos da organização e das condições de trabalho podem causar danos físicos e psíquicos ao educador, como, por exemplo, as múltiplas tarefas desenvolvidas em um curto período de tempo, o número elevado de crianças sob sua responsabilidade e a dificuldade de comunicação e compreensão com as famílias. Outros fatores considerados como relevantes incluem a ausência de formação especializada para o desenvolvimento de suas atividades, o baixo salário e a desvalorização de suas funções (Beraldo e Carvalho, 2006; Fernandes et al., 2009). Como ressaltado por Merlo (2002), o fato de ser o indivíduo mais ou menos ativo no processo de produção está diretamente relacionado às possibilidades de seu trabalho se inserir no terreno da saúde ou do adoecimento. Quanto menos o trabalhador puder intervir sobre o que lhe causa sofrimento, quanto mais inflexível for a organização do trabalho, menos ele terá condições de respeitar seus limites e mais penosa será a realização das atividades.

Nesse sentido, alguns elementos apontados pela psicodinâmica do trabalho (Dejours, 2012; LancmaneSznelwar, 2011), como técnicas e consequências da dominação do trabalho, apareceram nas falas das educadoras como característicos de suas rotinas de atividades. Esses elementos referiram-se à diferença entre trabalho prescrito e trabalho efetivo, à presença de sobrecarga e aos conflitos de poder entre a direção e as trabalhadoras (Bóguset al., 2007; Paparelli et al., 2007; Alves e Veríssimo, 2007; Beraldo e Carvalho, 2006). Por outro lado, percebeu-se também, em algumas pesquisas (Nylander et al., 2012; Maciel e Veríssimo, 2010; Beraldo e Carvalho, 2006), a presença de dimensões amplamente valorizadas na organização do trabalho, como a cooperação, a confiança e o reconhecimento.

Outro resultado que chama a atenção é a concentração de estudos sobre o tema nas regiões Sul e Sudeste. O fato de não contemplarem outras regiões brasileiras, com seus mais diversos aspectos culturais, pode estar relacionado à forma como o educador vivencia e confere significado ao seu trabalho.

Ademais, destaca-se nos artigos analisados a necessidade de encarar o binômio cuidar/educar como um processo indissociável, que deve fazer parte da formação e do trabalho do educador. Conforme estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (art. 61, 87, 1996), todos os profissionais de educação básica terão de ser habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revisão dos estudos sobre as características e organização do trabalho de educadoras de creches proporciona um olhar panorâmico acerca da problemática e permite perceber que contribuições podem ser dadas na compreensão das relações entre as condições do trabalho e a saúde dessas profissionais no contexto brasileiro. Vale ressaltar que o presente trabalho constitui a primeira revisão sistemática sobre o tema em questão.

O trabalho das educadoras de creches constitui um objeto de estudo recente, uma vez que o perfil dessas profissionais foi construído a partir da crença nas habilidades naturais da mulher para o exercício da função de educadora infantil e só recentemente investimentos têm sido feitos em sua formação e capacitação. Provavelmente por esse motivo, ao se realizar uma revisão sistemática sobre o tema constatou-se um pequeno número de estudos e, mais especificamente, uma prevalência de estudos realizados nas regiões Sul e Sudeste do país. Faz-se necessário um avanço no sentido da pesquisa e intervenção em outras regiões do país, com o intuito de se retratar o tratamento dado a tão importante tema, levando-se em conta a diversidade da cultura brasileira.

 

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