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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.40 São Paulo jun. 2015

 

ARTIGOS

 

A psicologia na escola - (re)pensando as práticas pedagógicas1

 

Psychology at school - (re)thinking pedagogic practices

 

La psicologia en la escuela - (re)pensando las prácticas educativas

 

 

André Feliphe Jales CoutinhoI; Kamilla Sthefany Andrade de OliveiraII; Maria da Apresentação BarretoIII

IGraduando de Psicologia e bolsista de Iniciação Científica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. andrefeliphepsi@gmail.com
IIMestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia/Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho – GEPET da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. millasthefany@gmail.com
IIIProfessora do DEPSI, Pesquisadora no Grupo de Estudos Psicologia e Saúde (GEPS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. apresentacao1@hotmail.com

 

 


RESUMO

Dentre a diversidade de concepções teóricas que se propõem a compreender o ensino-aprendizagem, a abordagem histórico-cultural defende tratar-se de um processo no qual o sujeito que aprende tem papel ativo na construção do conhecimento e pode ser influenciado pelo contexto e pelo mediador. Nessa perspectiva, buscando a construção de conhecimentos sobre as possíveis intervenções do psicólogo na escola, o professor torna-se parceiro-chave no planejamento e execução das ações. Este trabalho relata umaproposta de extensão, do Departamento de psicologia da UFRN, numa escola pública do município de Natal-RN. O projeto objetivou (re)pensar junto com professores, coordenadores e servidores as práticas pedagógicas desenvolvidas no cotidiano da escola. A intervenção foi desenvolvida durante um semestre e participaram quatro professores e quatro turmas de alunos. Utilizaram-se como estratégia metodológica a roda de escuta ativa e técnicas variadas de acordo com as demandas levantadas pelos alunos. Essa atividade trouxe a oportunidade da aproximação dos extensionistas da psicologia com o contexto escolar, suscitando aprendizagens articuladoras de teoria e prática. As estratégias utilizadas para compreender o contexto e intervir contextualmente e a avaliação positiva feita pelos docentes, gestores e alunos assinalam a importância de trabalhos dessa natureza. Representou um passo a mais na direção da Construção de práticas entre formandos e formadores da psicologia que sinalizam novos trajetos que vão além das práticas tradicionais que solicitavam que a psicologia ajudasse a "consertar" os "alunos-problemas". Ao invés de aderir a essa demanda, optou-se por problematizar o olhar reducionista em torno das queixas suscitadas.

Palavras-chave: psicologia escolar; extensão; práticas pedagógicas.


ABSTRACT

Among the diversity of theoretical views that seek to comprehend teaching and learning processes, the historical-cultural approach argues that this is a process in which the subject learner has active role in the construction of knowledge and may be influenced by the context and the mediator. Through this perspective, seeking the construction of knowledge about possible interventions of psychologists in school, the teacher becomes a key player in planning/executing actions. This work reports an initiative of the Department of Psychology at UFRN in a public school of Natal-RN. The project aimed to rethinking, with teachers, coordinators and staff, the pedagogical practices developed in day-to-day school activities. The intervention was developed during one semester. Four teachers and four classes of students participated in this initiative. We used as methodological strategy the active listening group circle as well as various techniques according to the demands of students. It was an opportunity to bond the university outreach group of psychologist students to the schooling context, raising lessons of theory and practice. The strategies used to understand the context and intervene within this context, and the positive assessment by faculty, managers, and students, highlight the importance of such study. This represented a further step toward the construction of practices between trainees and trainers of psychology who indicate new paths that go beyond traditional ones, which required psychology to help "fix" the "students-problems". Rather than acceding to this demand, we opted to question the reductionist approach regarding such complaints.

Keywords: psychology at school; outreach; pedagogical practices.


RESUMEN

Entre la diversidad de enfoques teóricos que se proponen comprender el enseño-aprendizaje, el abordaje histórico-cultural sostiene tratarse de un proceso en lo cual el sujeto aprendiz, tiene papel activo en la construcción del conocimiento, que puede influenciarse por el contexto y mediador. En esta perspectiva, buscando la formación de conocimientos sobre las posibles intervenciones del psicólogo en la escuela, el maestro se convierteen un participante clave en la planificación y ejecución de acciones. En este trabajo se describe una propuesta del Departamento de Psicología de la UFRN, en una escuela pública de Natal-RN. El proyecto objetivó (re)pensar junto a maestros, coordinadores y servidores, las prácticas pedagógicas desarrolladas en la rutina escolar. En intervenciones desarrolladas por un semestre, participaron cuatro docentes y cuatro clases de estudiantes. Si utilizó como estrategia metodológica, la ruedas de escucha activa, además de, otras técnicas variadas. Fue una oportunidad de aproximación de los extensionistas de psicología con el contexto escolar, promoviendo aprendizajes que articulan teoría y práctica. Los métodos utilizados a comprensión del contexto y de la intervención, relacionados; la evaluación positiva, hecha por los gestores y alumnos, señalan la importancia de trabajos de esta naturaleza. Representando paso adelante en la dirección de la construcción de prácticas entre aprendices y maestros de la psicología que apuntan a nuevos caminos, que van más allá de los métodos tradicionales en los cuáles solicitan que esta ciencia, ayude a arreglar los "alumnos-problema". Eligiendo otra opción, escogemos la problematización de la mirada reduccionista alrededor de las quejas presentadas.

Palabras clave: psicología escolar; extensión; prácticas educativas.


 

 

Aprimorar a atuação do psicólogo em formação nos contextos escolares/educacionais requer considerar uma prática que há muito vem sendo discutida e permeada pelos desafios impostos a qualquer processo formativo. Discorrendo sobre as origens e o desenvolvimento da psicologia escolar, Pfromm Neto (2001) refere que, inicialmente, essa área tinha o compromisso ou intenção de promover o bem-estar e o desenvolvimento saudável das crianças em idade escolar. Numa discussão mais ampla, Bock (2004) sinaliza que na sociedade capitalista, em defesa das diferenças individuais, emerge a necessidade de uma ciência que estude o indivíduo como tal, isolado de seu contexto e responsável por aproveitar as oportunidades que seriam iguais para todos. Nesse cenário, a psicologia se apresentava como ciência a-histórica e capaz de cumprir essa promessa.

Nessa mesma perspectiva, também Tuleski (2002) menciona que a superação desse modelo tradicional de psicologia só aconteceria na medida em que fosse possível elaborar outra alternativa, sendo essa última alicerçada numa perspectiva histórica. E voltando-se ao contexto escolar, discutindo as especificidades do sujeito que aprende, Saviani (2004) aponta que o indivíduo concreto é a síntese de múltiplas determinações.

Considerando-se o exposto, hoje, já se esboça uma preocupação em ampliar a compreensão dos processos de ensinar e aprender, não somente com o desenvolvimento de intervenções focadas, apenas nos alunos, mas que abranjam os adultos da escola, como pais, professores e comunidade. Além desses, importa compreender a instituição e todos os atores envolvidos como sujeitos concretos, ativos, produtores de história e capazes de interferir e sofrer alterações nos mais diversos contextos.Os desafios que se interpõem a essa atuação perpassam a formação dos psicólogos escolares, as condições de trabalho que lhes são oferecidas, as exigências feitas pelas instituições, a visão de sociedade que norteia a prática e as possibilidades de intervenções que saiam do plano apenas curativo, culminando com ações promotoras de saúde, satisfação e prazer relacionadas com o processo de formação humana e cognitiva.

O psicólogo chegando às escolas

Uma vez que a prática do psicólogo no contexto escolar é o foco deste trabalho, é importante realçar que a escola é uma das mais tradicionais instituições sociais, por mediar a relação entre indivíduo e sociedade (Bock, Furtado e Teixeira, 2002). Historicamente, diferentes concepções sobre o significado da escola foram tecidas (Yamamoto, 2004): escola tradicional, escola nova, escola como aparelho ideológico e escola como espaço de disputa entre classes. As diferentes formas de se compreender a escola devem colaborar numa reflexão aprofundada sobre esse contexto de atuação. Portanto, devem ser levadas em consideração por psicólogos e educadores que buscam desenvolver intervenções assertivas no contexto escolar. Além disso, a formação dos professores, suas posturas diante das ações pedagógicas, bem como o contexto social em que vivem muitos alunos, não podem ser desconsideradas ao se pensar no trabalho a ser empreendido no contexto educativo. Ademais, com o intuito de compreender a progressiva atuação da psicologia escolar no Brasil, inicialmente, é necessário observar o contexto no qual a psicologia surge como ciência e profissão.

O desenvolvimento do capitalismo instaurou uma nova dinâmica social, influenciada pelas relações de produção no século XIX, e, dessa forma, mudanças foram sustentadas por diferentes produções de conhecimento, das quais a psicologia fez parte (Penteado e Guzzo, 2010). No Brasil, a psicologia aportou na passagem dos séculos XIX para o XX, com a realização de estudos nas áreas de Medicina e Pedagogia. Tempos depois, já na década de 1960, a Lei n. 4.119 instituiu o ensino superior da psicologia e a regulamentação da profissão de psicólogo, bem como a consolidação da área da psicologia escolar como um dos campos de atuação (Soares e Marinho-Araujo, 2010).

No cenário da época, marcado pela supervalorização do caráter científico dos estudos, as perspectivas positivista e empírica tornaram-se predominantes, sendo inseridas também nas teorias psicológicas que fundamentavam a atuação da psicologia escolar. Dessa forma, as articulações iniciais entre a psicologia e o campo da Educação ocorreram sob a forma de um modelo clínico de intervenção escolar. A prática do psicólogo caracterizou-se por uma postura elitista, tecnicista e normatizadora, fundamentando-se em concepções reducionistas e deterministas (Antunes, 2003).

O profissional da psicologia escolar gradativamente assumiu seu espaço de trabalho, adotando uma postura inspirada no modelo biomédico e apropriando-se dos fenômenos anormais (as dificuldades e transtornos de aprendizagem) como seu objeto de estudo (Soares e Marinho-Araujo, 2010). Como consequência dessa atuação, os psicólogos contribuíam para/com as práticas excludentes, pois rotulavam e estigmatizavam os alunos, defendendo concepções que atribuíam exclusivamente ao aluno a causa das queixas escolares, ou seja, os problemas estavam focados nas características individuais e no ambiente familiar e social dos alunos.

Esse modelo de atuação começou a ser questionado quando, no interior da psicologia, perguntava-se a quem se estava servindo. A psicologia no contexto educacional, praticada até então, sofreu severas críticas. Para muitos, tornou-se consenso que a aplicação do modelo médico de intervenção conduziu à patologização e psicologização do espaço escolar, conforme já dito. Atribuindo ao aluno a culpa por suas dificuldades de aprendizagem isentavam-se outras instâncias de suas responsabilidades educativas (Campos e Jucá, 2003). A relação profissional dos psicólogos com os educadores se estabeleceu com dissonâncias, tornando-se um agravante nas iniciativas que visavam a uma orientação pedagógica direcionada aos problemas que surgiam no contexto das escolas (Soares e Marinho-Araujo, 2010).

Diante dascríticas sofridas pelas práticas inicialmente construídas, da década de 1980 para cá, a psicologia escolar vem ampliando suas perspectivas de atuação. Novas estratégias têm sido articuladas, e nelas busca-se uma visão mais abrangente ou multicausal das questões, bem como são consideradas as relações intersubjetivas (Marinho-Araujoe Almeida, 2005). O psicólogo inserido no campo da educação, cada vez mais, vem se defrontado com desafios, sendo, pois, convidado a agir de forma inovadora, sentindo a necessidade de ampliar sua formação e desenvolvimento de habilidades para atuar em equipe com outros profissionais (Caro e Guzzo, 2004).

A diversidade de desafios ligados à atuação do profissional da psicologia escolar se assenta no fato de que, ao se descartar a "culpabilização" do aluno, novas explicações ainda estão sendo construídas para os problemas relacionados ao fracasso escolar. Assim, suscita a necessidade de refletir e construir um conjunto de práticas profissionais e interdisciplinares. Considera-se que o aluno e suas dificuldades estão inseridos ou relacionados a uma gama de determinantes. O desafio é, então, gestar intervenções que articulem as diversas dimensões humanas e as relações dos humanos nos contextos de ensino-aprendizagem e nas instituições escolares (Cruces, 2003).

No que tange à realidade do sistema educacional brasileiro, pode-se observar o quanto ainda é preciso avançar para o ingresso dos profissionais da psicologia nas escolas públicas, onde estuda a quase totalidade das crianças do país. Junto com a ausência de políticas públicas que garantam o ingresso de psicólogos na rede pública de ensino, soma-se o despreparo observado no percurso formativo. A resultante dessas lacunas materializa-se nas dificuldades para que a psicologia escolar possa ser utilizada como ferramenta para a promoção do desenvolvimento de crianças e adolescentes (Penteado e Guzzo, 2010).

Não menos importante, assinala-se que os reflexos do neoliberalismo na educação, dentre tantos outros, além de acentuar a discrepância entre o ensino público e o privado, ainda dissemina a ideia de que as oportunidades são iguais e que basta o esforço individual para merecê-las (Bueno, Ghiraldelli Júnior, Marrach, e Silva Júnior, 1996). Essa ideologia fomenta altos níveis de competição dos alunos entre si, fazendo com que os perdedores sintam-se culpados e, provavelmente, contribuindo para acentuar a prática da violência nos espaços de formação.

A ideologia disseminada encobre a perversidade da desigualdade crescente, e, assim, observa-se uma distância considerável entre as políticas educacionais, a legislação educacional, a pesquisa acadêmica, e o que acontece na realidade das escolas, isto é, no ensino, no trabalho cotidiano dos professores e na aprendizagem dos alunos (Libâneo, 2008). Dimensões que se interligam, mas que parecem esfaceladas e desarticuladas.

Há de se convir que o século XXI está ávido por intervenções que contribuam não apenas com a apropriação de um saber erudito, mas com um processo de ensinar e aprender que vá além do racional, quiçá atinja os patamares da educação emancipadora preconizada por Freire (1999). Nessa direção, as experiências que vão sendo tecidas e compartilhadas configuram novas perspectivas de atuação.

Novas perspectivas

Segundo Leite e Valle (2003), há uma união de esforços para que esse campo de atuação não mais incorra na função de contribuir para a seleção dos mais capazes e exclusão dos que enfrentam algum tipo de dificuldade. Nesse sentido, justifica-se a importância de que as intervenções previstas não deixem de fora um personagem primordial no processo de ensino-aprendizagem: o professor.

Dentre a diversidade de concepções teóricas que se propõem a contribuir com o processo ensino-aprendizagem, oportuno se faz destacar o que é proposto na abordagem histórico-cultural. Defende-se o processo como uma relação complexa no qual o sujeito aprendente tem papel ativo na construção do conhecimento e, ao mesmo tempo, é influenciado pelo meio assim como pelo mediador (Fontana e Cruz, 1997). Agora, o professor passa a ser parceiro-chave para que o psicólogo possa planejar as propostas de intervenções na instituição de ensino. No entanto, o professor, esse parceiro-chave, bem como a equipe pedagógica da escola, mesmo sendo imprescindíveis, dentro de uma lógica de trabalho multiprofissional, também poderão dificultar a atuação do profissional de psicologia, ao criarem expectativas equivocadas no que diz respeito às possibilidades de intervenção no âmbito escolar. A literatura aponta que ainda persiste a ideia de que caberá ao psicólogo "consertar" os alunos "problemas" (Giongo e Oliveira-Menegotto, 2010).

Por outro lado, a formação contínua se configura como parceira itinerante dos profissionais psicólogos, pois, em se tratando das queixas escolares, partindo dos estudos de Patto (1987), até os dias atuais, muito tem sido escrito a esse respeito, o que facilita a atualização teórica. Nessa mesma linha de pensamento, convém mencionar outro desafio interligado à necessidade de formação permanente: além de manter-se atualizado conforme os conhecimentos da área, para assegurar uma atuação em equipe interdisciplinar, o psicólogo, muitas vezes, será convidado a apropriar-se de conhecimentos que transcendam a psicologia propriamente dita (Santos, 2002) de modo que tais conhecimentos subsidiem sua prática através de um maior entendimento da dinâmica educacional. Além do que, considerando-se que a problemática existente na vida cotidiana aparece refletida nos espaços escolares, conforme Martín-Baró (2000), seria ingenuidade defender uma atuação na qual os psicólogos escolares conseguissem solucionar todos os problemas. Entretanto, essa evidência não deve imobilizar os profissionais, mas situá-los como capazes de contribuir, talvez forjando as mudanças necessárias.

Segundo Giongo e Oliveira-Menegotto (2010), uma atitude questionadora, por vezes, se mostra difícil, tendo em vista a contradição em que a atuação do profissional é posta, pois em alguns contextos revela-se um impasse entre o que dele é demandado e o que ele tem que fazer. Aponta-se, então, a necessidade de intervenções que possibilitem aos professores repensarem suas práticas pedagógicas, como também proporcionem aos alunos momentos de reflexão que viabilizem uma construção conjunta de possibilidades.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do projeto de intervenção quatro professores e uma média de 120 alunos, que estudavam em quatro turmas diferenciadas (uma do oitavo ano, duas do nono ano do ensino fundamental II e uma do terceiro ano do ensino médio).

Procedimentos

Chegando à escola - os primeiros passos. Para viabilizar um conhecimento da instituição, utilizou-se um roteiro com aspectos a serem observados/conhecidos na instituição, bem como foram desenvolvidos rodas de escuta ativa e o registro das informações consideradas relevantes.

É importante pontuar que a concepção de observação e interação que conduziram a busca por conhecer e, ao mesmo tempo, interagir nesse contexto se guiou por uma abordagem sócio-histórica, como discute Freitas (2002). Ou seja, se distancia de modelos empiristas (fragmenta a realidade por um intenso objetivismo) e modelos românticos (mitifica a realidade por um intenso subjetivismo) e se aproxima de um modelo que não desiste de conhecer os fatos e suas riquezas correspondentes. Em síntese, a autora traz que conhecer em uma perspectiva sócio-histórica envolve "a arte da descrição complementada pela explicação" (p. 26).

Seguindo esse raciocínio, a partir dessa concepção, teve início o processo de construção de conhecimento e de imersão no campo de maneira imbricada. Houve, portanto, uma tentativa de aproximação progressiva da totalidade, apesar dessa aproximação nunca ser completa pela própria dinamicidade e complexidade do acontecer histórico. Logo, as observações e interações dos extensionistas estiveram totalmente imbricadas com os demais sujeitos da escola, um diálogo entre várias consciências, que mutuamente aprendiam, se desenvolviam e interferiam umas nas outras.

Nesse sentido, o passo inicial tratou das negociações legais com a instituição locus da intervenção. No total, foram feitas doze visitas à escola. No primeiro encontro, apresentou-se a proposta do projeto à direção, se discutiram os espaços a serem utilizados e acolheram-se as apreciações e sugestões para a realização do contato inicial com os professores. Levantaram-se algumas preocupações sentidas pela direção, especialmente relativas às dificuldades de relacionamento professor-aluno. Gerou-se a expectativa de que essa temática fosse contemplada na intervenção a ser desenvolvida.

Na segunda visita se apresentou, verbalmente, a proposta de trabalho aos professores. Inicialmente, apenas três aderiram, tendo um quarto professor aderido posteriormente. Os critérios de inclusão para participar no projeto consistiam em ser professor regular na instituição e ceder, de 15 em 15 dias, um horário de suas aulas para o desenvolvimento das atividades junto aos alunos.

No contato inicial com um grupo de 16 docentes, dentre os quais quatro foram participantes no decorrer desse projeto, ouviram-se suas percepções, responderam-se algumas dúvidas e, de modo geral, houve uma acolhida positiva ao trabalho. Emergiu a expectativa de que a escola precisava de psicólogos para curar "os loucos e os burros" das salas de aulas. Essa expectativa assinala que ainda é recorrente a tentativa de culpabilizar os alunos pela diversidade de problemas que emergem no contexto escolar. Ademais, quando se busca delegar a outrem as demandas que se apresentam na sala de aula, o professor perde a oportunidade do desenvolvimento de um trabalho baseado numa postura reflexiva e crítica, como assinalam Marcos e Pessoa (2014). Uma atuação alicerçada em ações comprometidas com as pessoas e que busca explicações aprofundadas para os desafios que emergem cotidianamente.

No terceiro encontro, fez-se a negociação com os coordenadores pedagógicos e professores a respeito das reuniões quinzenais. Ficou acertado que aconteceriam reuniões simultâneas, ou seja, no horário em que os professores estivessem reunidos, também os alunos seriam acolhidos e teriam suas demandas consideradas pelos extensionistas. Daí em diante, conhecer a instituição e planejar o trabalho junto aos alunos e professores passou a ser sistemático.

Ainda duas visitas à escola foram realizadas com fins de conhecer mais detalhadamente a instituição. O levantamento de dados, além de favorecer a caracterização da instituição, foi de grande relevância para que os extensionistas iniciassem a construção de vínculos.

Tais vínculos são apontados como necessários por Caliani e Otani (2008) para o desenvolvimento de uma intervenção. Essas autoras apontam aspectos que favorecem o estabelecimento e fortalecimento dos vínculos, quais sejam: manter uma postura não autoritária, exercer a comunicação com uma linguagem não rebuscada e buscar suporte teórico, que facilita a condução dos temas elegidos como centrais entre as demandas escutadas, atendendo a princípios éticos e de acordo com as normas profissionais.

As outras sete visitas foram para a execução de atividades de intervenção junto a professores e alunos. As atividades com os professores consistiam na roda de escuta, que geralmente partiam de perguntas disparadoras a fim de que se posicionassem e compartilhassem suas experiências. Com os alunos, as intervenções foram diversificadas, pois algumas delas se justificavam pela própria dinâmica da sala, sendo algumas das temáticas propostas pelos próprios alunos.

Conhecendo a escola e construindo a intervenção. A escola onde o projeto foi desenvolvido é mantida pelo governo estadual e funciona há mais de 30 anos. Suas atividades acontecem nos três turnos: matutino, vespertino e noturno. Está localizada num bairro de classe média na cidade de Natal-RN, embora atenda populações provenientes de bairros onde, em sua maioria, residem populações com baixa renda.

O quadro funcional tinha, no momento do levantamento de dados, um total de 48 professores e 38 funcionários distribuídos em diversas funções: merendeira, vigilante, porteiro, secretárias, inspetor, auxiliar de serviços gerais, dentre outros. De maneira geral, as atividades da escola são planejadas bimestralmente, e, ao longo do semestre, não há uma rotina diferenciada - a não ser atividades que são propostas por parceiros da escola.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No primeiro encontro com o grupo de professores, fez-se uma explanação dos objetivos da intervenção e estabeleceu-se o contrato psicológico de trabalho. Acordou-se acerca da confidencialidade de todas as conversas veiculadas, bem como do fato de que o grupo estaria aberto, caso outros professores tivessem interesse em participar em outros momentos.

Deram-se as informações iniciais para a participação na roda de escuta ativa: a partir de perguntas disparadoras, cada pessoa teria o direito de se posicionar, mas seria evitado todo tipo de apreciação, concordância, julgamento ou discordância das falas emitidas pelos outros participantes. Quando todos tivessem se posicionado em relação à pergunta disparadora, novamente a coordenadora do grupo instigava os participantes a se posicionarem em relação ao que haviam escutado (Gianella, 2008). A pergunta norteadora foi: "O que eu considero mais difícil na prática docente?".

Apontaram, inicialmente, as dificuldades relativas ao afastamento da família na vida escolar do aluno. Na percepção dos professores, isso torna o processo do ensino mais difícil, uma vez que a escola se distancia de informações relevantes para o processo de ensino e de aprendizagem do aluno. Nesse cenário, a falta de diálogo entre a escola e a família é a dificuldade mais evidenciada. Tal problemática, pela recorrência com que aparece, já fora mencionada nos estudos de Zanella, Nuernberg, Teixeira, Côrte e Silva (2008), que elencaram dois argumentos utilizados pelos pais para justificar a ausência da vida escolar. Afirmaram que um dos motivos da não participação está associado à falta de tempo, posto que trabalham o dia todo e, quando chegam em casa, querem descansar. A outra justificativa, interligada à primeira, diz respeito aos horários das reuniões serem incompatíveis com a rotina de trabalho dos pais.

Ainda houve queixa quanto à falha na comunicação com a direção/coordenação da escola. Assinalou-se que o contato estabelecido com os alunos não é suficiente, ou seja, não permite a identificação e compreensão da problemática que muitos vivenciam. Registra-se que, muitas famílias sequer demonstram interesse em conhecer o contexto escolar no qual o filho está situado. Além disso, a escola não prioriza momentos para que essas famílias participem de reuniões pedagógicas.

No tocante a essa problemática, bastante ilustrativo é o conhecimento das queixas esboçadas por um grupo de professores numa atividade de extensão em Florianópolis-SC. Também discutindo a importância da família no processo educativo, relatou-se que mesmo havendo reunião, nem sempre produzem os resultados esperados. Os professores referiram haver uma baixa expectativa, por parte dos pais, em relação à escola, ou seja, nas reuniões que participam se satisfazem com as informações passadas e não questionam a condução do processo de ensino-aprendizagem (Zanella et al., 2008).

No âmbito da psicologia escolar, discutem-se as situações em que os pais são altamente participativos e, mesmo assim, não garantem o sucesso na aprendizagem. Esse dado reforça que são múltiplas as dimensões envolvidas no processo de ensinar e aprender, assim, não se concebem explicações unicausais para as dificuldades vivenciadas por alunos e professores no cotidiano (Candau, 2009).

Num segundo encontro, a escuta trouxe as dificuldades decorrentes da escassez de material para trabalhar em sala de aula. Realidade que, na visão dos professores, contribui para que as aulas se tornem monótonas, além da falta de material, algumas falas desses profissionais ilustram outras dificuldades, pois os participantes mencionam a falta de uma liderança institucional que incentive o desenvolvimento de uma cultura colaborativa que os faça articular suas ações de maneira mais interligada e participativa: "Aqui não temos momento para sermos ouvidos ou para compartilharmos nossas dificuldades"; "Fica cada um sentindo os problemas e os coordenadores pedagógicos sequer abrem espaços para o compartilhamento"; "Penso que se tivéssemos tempo para discutir as dificuldades que sentimos, uns ajudariam os outros com as experiências que já têm". Considerando o que fora discutido por França (2009), tem-se que os recursos didáticos servem de mediadores entre os conteúdos e os alunos. Entretanto, para que a mediação resulte numa construção de conhecimentos, há de se compreender que as dificuldades de aprendizagem remetem à necessidade de observar a individualidade de cada um. Demanda que vai além da escassez de material, como bem assinala García (1999) ao discutir a formação de professores.

No encontro posterior, explicitou-se a necessidade da presença do psicólogo na escola, visto como um profissional que apoiaria os professores na construção das práticas pedagógicas, algumas falas dos docentes ilustram essa demanda: "Aqui precisamos da presença constante do psicólogo para discutirmos os problemas que surgem"; " Um psicólogo na escola nos apoiaria na criação de estratégias que facilitassem a aprendizagem dos alunos"; "Aqui tendo um psicólogo, ao menos saberíamos que tinha alguém para nos escutar". Demanda legítima, embora há muito tempo explicitada nas instituições escolares, sugere políticas educacionais que legitimem a necessidade. A demanda é legítima, embora ainda carecendo de vontade política para que se torne realidade, dada a morosidade com que avança o Projeto de Lei n. 3688 (2000) que prevê a presença de assistentes sociais e psicólogos nas escolas do ensino fundamental.

No quarto encontro, fez-se uma avaliação das ações desenvolvidas pelos professores. Estabeleceram-se comparativos entre as escolas públicas e privadas. Compararam os ambientes de trabalho, a motivação na realização das atividades e como as relações se estabeleciam num e noutro ambiente. Os professores trouxeram a insatisfação com os salários e a discrepância entre as condições de trabalho oferecidas e as cobranças feitas. Na avaliação do grupo, a articulação desses fatores se materializa numa prática que ainda tem muito a melhorar. Observam que são categorias interligadas, exigindo, portanto, a conjugação de esforços pessoais e institucionais, a fim de produzir ações pedagógicas sintonizadas com o contexto.

Finalizando os espaços de atendimento aos professores, pediu-se que pudessem caracterizar ou traduzir, por meio de uma palavra-chave, os aprendizados gerados: desabafo, importante e perspectiva. Enfatizou-se a contribuição que os estagiários da psicologia puderam propiciar, especialmente no tocante às possibilidades de avaliar e fazer pequenas proposições de melhorias das ações cotidianas, bem como no fortalecimento das relações entre os professores. O compartilhamento das dificuldades vividas torna os professores mais próximos e sentindo-se companheiros de uma mesma trilha. Essa mesma referência pode ser encontrada na pesquisa de Raposo e Maciel (2005), que assinalaram a importância do fortalecimento das relações interpessoais entre os pares na realização do projeto pedagógico da escola. O referido estudo interliga as diversas dimensões envolvidas nos processos de ensinar e aprender, realçando que as relações humanas têm papel crucial.

Escutando os alunos: ensaios de construções pertinentes

As atividades junto a este grupo contribuíram para uma melhor percepção do contexto escolar. A escuta foi uma estratégia privilegiada, visto que era perceptível a necessidade que apresentavam por serem ouvidos. No primeiro atendimento, com todas as turmas, foi desenvolvido um trabalho de escuta grupal a partir da questão norteadora: "No momento, o que mais preocupa vocês como estudantes?".

Como resultado, observaram-se diferentes demandas: questões associadas com a violência, prática do bullying e outros fatores interligados e associados ao ambiente escolar: medo de ser reprovado; estrutura física inadequada da escola; ansiedade gerada pelas expectativas em relação ao futuro; indisciplina na sala de aula; problemas com os meios de transporte utilizados para se locomover de casa para a escola; greve de professores; ausência de professores em algumas matérias; materiais didáticos insuficientes; e pouco reconhecimento dos esforços dos alunos por parte dos professores.

Havia clareza de que, no tempo disponível para realizar as atividades, não seria possível contemplar todas as necessidades. Tendo isso por base, foram propostas algumas atividades específicas. Começando pela turma do 3º ano do ensino médio foi aplicada a técnica do "curtigrama" (Aguiar e Ozella, 2003). O intuito foi proporcionar reflexões que permitissem o autoconhecimento sobre as diversas atividades que realizam ou deixam de realizar, e o prazer relacionado com tais práticas. A técnica consiste em solicitar que os alunos escrevam, numa folha, o que curtem fazer e fazem; o que curtem fazer e não fazem; o que não curtem fazer e, mesmo assim, fazem; e o que não curtem fazer e não fazem. A produção suscitou reflexões sobre a influência do prazer nas atividades que cada um se vincula ou rejeita. Na fala dos alunos, observaram-se muitos momentos de identificação mútua.

Na mesma turma, num outro encontro, a dinâmica da construção de uma teia almejou favorecer uma visão das expectativas futuras do grupo, identificando estratégias que poderiam utilizar para potencializar a concretização dessas expectativas. Através do fio de barbante foi sendo formada a teia, sendo as falas norteadas pela seguinte questão: "Como você se visualiza daqui a três anos?". O trabalho facilitou a expressão não apenas das dimensões acadêmicas e profissionais, mas também da pessoal, e com isso a explicitação de falas associadas a casamento e desejo de viajar. Novamente, confirma-se a teoria de que o sujeito é multidimensional, e os processos de ensinar e aprender não podem desconsiderar essa realidade. No final desse encontro, entregaram-se panfletos informativos sobre as diversas profissões e processos formativos requeridos (Material alusivo à 4ª Mostra de Profissões da Universidade Federal do Rio Grande do Norte). A distribuição dos panfletos almejou contribuir com a orientação profissional e o planejamento de vida dos alunos.

Buscou-se, embora num espaço de tempo breve, subsidiar uma discussão crítica a respeito das escolhas profissionais. Focou-se na ampliação das possibilidades para a concretização de projetos de vida que fossem significativos para esses jovens. Assim, forneceram-se informações possibilitadoras da continuidade de estudo, tais como cursos profissionalizantes, programas do governo que facilitam o acesso à universidade, dentre outros.

Como aprofundamento reflexivo, os estagiários conversaram com os alunos da escola, no sentido de desconstruir noções meritocráticas que atribuem a concretização de projetos de vida como responsabilidade apenas individual, desconsiderando fatores mais amplos. Considerou-se que os fatores históricos, sociais, culturais, políticos e econômicos se articulam na estruturação dos projetos de vida dos jovens pauperizados, colocando-os num patamar de desigualdade no processo de escolarização. Isso pela própria necessidade de, desde muito cedo, terem que conciliar trabalho e estudo ou mesmo evadirem da escola para trabalhar. Enquanto isso, os jovens com maior poder aquisitivo prolongam suas trajetórias nas instituições de ensino, facilitando, assim, a conquista pelo exercício de profissões com melhor remuneração e melhores condições de trabalho (Mandelli, Soarese Lisboa, 2011).

Com uma das turmas do 9º ano, realizou-se uma roda de conversa para discutir a prática do bullying. A temática fora sugerida pelos alunos e fez emergir conflitos geradores de constrangimento e sofrimento, a partir dos apelidos recorrentes e dos xingamentos. A expressão individual através do desenho retratou alguns problemas decorrentes das relações interpessoais e tratamentos indesejáveis entre os pares.

Apoiados nos estudos publicados por Estêvão (2008), pode-se dizer que possibilitar um espaço para se dialogar (efetivamente) sobre os conflitos pode potencializar o papel da escola como organização comunicacional e convivencial. Esse diálogo estaria prejudicado caso a comunicação se desse em formato de prescrição moralizante. É preocupante quando o escamoteamento das tensões objetivando eficiência, eficácia, rendibilidade e competitividade recrudesce modelos de educação heteronômicos para os alunos. Esses modelos bloqueiam alternativas de superação dos conflitos, pois impedem a consideração das divergências e da rebeldia, a aceitação do pluralismo e da diversidade, e o incentivo à disciplina democrática.

Ainda com os alunos do nono nível de ensino emergiu a temática do uso de drogas ilícitas. A estratégia utilizada para aprofundamento desse tema foi bastante semelhante a uma gincana, em que foram levadas algumas afirmações sobre substâncias psicoativas, e os estudantes respondiam "Com certeza!" ou "Fala sério?". A ideia era aprofundar a temática por meio da participação coletiva.

Com outro grupo, também do 9º ano, optou-se por escutar o desejo dos alunos referentes às mudanças "em si mesmo" e mudanças "na escola". A primeira etapa foi de sensibilização para a importância desse tema na vida de cada um. Em seguida, os alunos foram instigados a escrever os seus desejos em duas cartolinas - a cartolina da "Mudança em si" e a cartolina da "Mudança na escola". Houve uma explicitação dialogada sobre como as escritas se relacionavam e foram discutidas as possibilidades de construção de estratégias para que tais desejos pudessem ser canalizados a fim de, minimamente, efetivar transformações positivas. Buscou-se elencar sugestões que articulassem o nível pessoal e as relações de cada um com a escola, enfatizando-se que são relações que se complementam, podendo, portanto, se conjugar na concretização dos desejos.

A facilitação desse espaço, dialogando com o olhar pós-estruturalista de Benevides (2005), que nesse ponto é coerente com a reflexão de matriz sócio-histórica pensando pelo viés da totalidade dos fenômenos, problematizou a falsa dicotomia do individual e do social. Também apontou para uma realidade que é complexa, exigindo, portanto, um olhar qualificado por parte dos psicólogos. Questionou-se a ideia de que quando a psicologia se volta ao cuidado do indivíduo se caracteriza como conservadora e só quando enfoca o social se pode afirmar como emancipadora. Por um prisma diferente, defende-se que a subjetividade e as relações sociais entre os diversos atores no mundo devem ser olhadas de maneira não estanque para que haja melhor compreensão dos processos que emergem e, amparado nisso, se realizem intervenções que potencializem os modos de subjetivação e a coletividade.

Por fim, os espaços facilitados na turma do 8º ano tiveram como propósito, a partir dos dados obtidos com o levantamento das demandas, abordar a temática relação professor-aluno. O encaminhamento era de que os alunos construíssem uma paródia que pudesse elucidar a problemática. Uma vez que as críticas foram focadas na atuação dos professores, propôs-se um exercício de troca de papéis e, portanto, de empatia, em que alguns alunos defendiam seus próprios interesses e outros teriam como tarefa a defesa dos interesses dos professores, colocando-se como tal. O exercício possibilitou a compreensão dos diferentes papéis sociais que cada ser humano assume ao longo de sua vida, ao mesmo tempo em que explicitou a necessidade de cooperação nas diferentes esferas de vida e de papéis a desempenhar. Os extensionistas conduziram as reflexões norteados pelos estudos de Bock et al. (2002), que assinalam o seguinte: "os papéis sociais são referências para a nossa percepção do outro, ao mesmo tempo em que são referências para o nosso próprio comportamento" (p. 140). Vale ressaltar que, entre os alunos do 8ºano, enquanto assumindo o papel de aluno, também se discutiu sobre um papel complementar, que é aquele com quem se interage, nesse caso, o professor.

Aprender ou reaprender a desempenhar papéis necessários, isto é, a tornar-se capaz de mudar o papel para fazer face a outras exigências da situação, significa o ajustamento da personalidade social e, segundo Moreno, o desabrochar e o fortalecimento da personalidade simplesmente (Muchielli, 1979)

Nesse mesmo grupo trabalhou-se com a Dinâmica do Barbante, em que se almejava montar a rede de relacionamentos entre os alunos e realçar a importância da união entre eles, ou mesmo, discutir as relações interpessoais. No processo, evidenciou-se que, quando uma pessoa passa a fazer parte de um grupo, existe uma base interna de diferenças que englobam conhecimentos, informações, opiniões, preconceitos, atitudes, experiências anteriores, o que torna inevitáveis as diferenças de percepções, opiniões, sentimentos em relação a cada situação compartilhada entre o grupo (Moscovici, 1989). Entretanto, a despeito das diferenças, o grupo em interação pode desempenhar tarefas e construir relações propiciadoras de prazer e sentido de realização para todos.

De maneira geral, as intervenções privilegiaram a importância de os alunos ouvirem uns aos outros e, efetivamente, abriram espaço para que muitos realizassem o desejo de serem ouvidos.

No último encontro com todos os grupos foram apontados pontos positivos e negativos do projeto e, em geral, as avaliações foram positivas em todas as turmas. Evidenciou-se que a prática do psicólogo nos contextos escolares deve contemplar tanto os aspectos cognitivos associados à aprendizagem, bem como os afetos, as relações e o contexto em que alunos e professores estão inseridos.

Aponta-se como contribuições deste trabalho o vínculo estabelecido com os estagiários de psicologia, a escuta que permitiu a fala sobre temas que os atores da escola consideraram importantes para o desenvolvimento pessoal, as reflexões construídas e as metodologias participativas desenvolvidas em cada encontro.

Com essa experiência, o ganho propiciado aos estagiários foi a aprendizagem gerada pelo exercício da compreensão dos constituintes da realidade em que estão inseridos aqueles jovens estudantes. Além de questões relativas à aprendizagem, como o medo da reprovação e o desejo de ter um futuro profissional, foram apontados dilemas vivenciados na escola como o uso de drogas e a violência. Outros problemas estruturais como o sucateamento do transporte escolar também foram apontados. O que se deduziu foi que os estudantes que participaram do projeto de extensão têm preocupações que transcendem as dificuldades de aprendizagem. Convivem com adversidades de outras ordens, que permeiam todas as esferas de vida, findando por prejudicar o processo de aprendizagem.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acredita-se que a realidade observada e vivida na instituição locus do projeto seja compartilhada por muitas outras. Da parte dos alunos, uma realidade engendrada pela não escuta e falta de acolhimento às suas necessidades, que, na maioria das vezes, estão aquém do desejo de aprender. Medos, dúvidas e incertezas atuais e futuras, sem espaço de compartilhamento. Um processo de ensinar e aprender no qual os principais atores sequer conseguem estabelecer vínculos. Por outro lado, entre os professores perceberam-se a ausência de espaços para compartilhamento de dúvidas, experiências e angústias decorrentes do exercício da docência. As pesquisas produzidas no contexto escolar não apresentam cenários muito divergentes do aqui exposto, ou seja, as contribuições da experiência desenvolvida podem ser aplicadas noutros espaços.

Desse modo, ações como as aqui descritas puderam efetivamente levar contribuições, posto que abriram canais de escuta, acolhendo alunos e professores envolvidos nesse processo. Apenas um tijolo numa obra em que há muito a ser edificado. É necessário ampliar a visão quando há o interesse em criar mecanismos que efetivamente melhorem o processo de ensino-aprendizagem nas escolas e para, além disso, quando há um interesse em dar suporte para melhorar a qualidade de vida das pessoas que constituem a escola. Ou seja, as intervenções devem abranger o maior número de atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem; alunos e professores são apenas uma parcela representativa, muitos outros podem contribuir nessa construção.

À guisa de conclusão, faz-se oportuno registrar que os alunos da psicologia puderam estabelecer os primeiros contatos com um campo de atuação do psicólogo. Sentiram as dificuldades, desenvolveram habilidades relativas à negociação para iniciar qualquer atividade de campo, buscaram literatura que referendasse as ações, planejaram, executaram, avaliaram as ações e devolveram os resultados à instituição que os acolheu. Na finalização do projeto, houve o registro de aprendizados fundamentais para quem deseja contribuir com os contextos educacionais.

 

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1 Este relato é parte de um projeto de extensão desenvolvido por alunos do Curso de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O projeto objetivava (re)pensar junto com professores, coordenadores e servidores as práticas pedagógicas desenvolvidas no cotidiano de uma escola pública na cidade de Natal-RN. Inicialmente concebido para uma atuação junto aos profissionais, por força da necessidade de não deixar os alunos sem aulas, o projeto foi estendido para um grupo de alunos. Também foi uma oportunidade de oferecer aos alunos de psicologia um acompanhamento em atividade prática que articulou os conceitos aprendidos em sala de aula com o contexto escolar.

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