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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.43 São Paulo dez. 2016

http://dx.doi.org/10.5935/2175-3520.20160009 

ARTIGOS

 

Representações sociais de estudantes universitários sobre dinheiro

 

University students' social representations of money

 

Representaciones sociales de estudiantes universitarios acerca del dinero

 

 

Agda Regina Vieira CarneiroI; Maria Laura Puglisi Barbosa FrancoII; Elaine da Silva Ferretti BarbiériIII

IMestranda do Curso de Psicologia Educacional, Centro Universitário FIEO. agda.reg@gmail.com
IIDocente do Programa de Psicologia Educacional, Centro Universitário FIEO
IIIDoutoranda em Psicologia Educacional Centro Universitário FIEO – UNIFIEO Grupo de Trabalho – Educação, Complexidade e Transdisciplinaridade

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi identificaras representações sociais de universitários sobre dinheiro. A Teoria das Representações Sociais foi utilizada como referencial teórico. Participaram desta pesquisa 50 estudantes de engenharia, de uma universidade privada localizada na região central de São Paulo. Para a coleta de dados utilizou-se o questionário, com questões fechadas para a caracterização dos participantes e questões abertas para captar as representações sociais em estudo. Foram definidos três pontos temáticos: o significado do dinheiro, o que é necessário para se obter um bom dinheiro e porque as pessoas têm muito ou pouco dinheiro. Os dados provenientes das questões fechadas foram submetidos a uma análise percentual e os demais a análise de conteúdo. A partir das representações expressas pelos estudantes foi possível identificar que o dinheiro concretiza a possibilidade de melhores condições de sobrevivência e prospecta melhores oportunidades na vida. Para ter um "bom" e "muito" dinheiro é necessário ter atitudes, ser destemido. Entretanto, para os que têm "pouco" dinheiro foi expressa a representação relacionada ao desinteresse, fracasso. O estudar também apareceu nas representações desses estudantes e teve sua relevância, sendo para alguns, primordial para o sucesso.

Palavras-chave: representações sociais, dinheiro, estudantes universitários.


ABSTRACT

The present study aims at identifying and analyzing the social representations of money by university students. The Social Representations Theory was used as a theoretical referential. 50 students of engineering from a private university from the central region of São Paulo have participated in this research. For the data collection questionnaires were used, with closed questions for characterization of the participants and with open questions to capture the social representations under study. Three thematic points were defined: the meaning of money, what it takes to obtain a great amount of money and why people have little or a lot of money. The data proceeding from the closed questions were submitted to a percentage analysis and the others to a Content Analysis. From the representations expressed by the students, it was possible to identify that money materializes the possibility of a better survival prospects and better opportunities in life. In order to have "good" and "much" money one must show attitudes, and no fear. However, for those who have "little" money representation related to disinterest and failure was expressed. "Study" also appeared in the students' representations has its relevance, and by some of them, is essential to success.

Keywords: social representations, money, university students.


RESUMEN

El objetivo de este estudio es identificar las representaciones sociales de los estudiantes acerca del dinero. La Teoría de las Representaciones Sociales fue utilizada como marco teórico. El estudio reunió a 50 estudiantes de ingeniería, de una universidad privada ubicada en el centro de São Paulo. Para la recolección de datos se utilizó cuestionario con preguntas dirigidas para caracterizar a los participantes y preguntas abiertas para captar las representaciones sociales en estudio. Tres puntos temáticos se definieron: el significado del dinero, qué es necesario para obtener un buen dinero y porqué la gente tiene mucho o poco dinero. Los datos de las preguntas dirigidas fueron sometidos a un análisis porcentual y los demás a análisis de contenido. A partir de las representaciones expresadas por los estudiantes fue posible identificar que el dinero se materializa en la posibilidad de mejores perspectivas de supervivencia y mejores oportunidades de vida. Para obtener "mucho" y "buen" dinero es necesario tener actitudes y no tener miedo. Sin embargo, aquellos que tienen "poco" dinero fue expresa la representación relacionada al desinterés y fracaso. En este estudio también apareció, en las representaciones de algunos estudiantes, el dinero como esencial para el éxito, hecho que tiene su relevancia.

Palabras clave: representaciones sociales, dinero, estudiantes universitarios.


 

 

Seja qual for a concepção atribuída ao dinheiro, ele ultrapassou os limites de ser apenas uma moeda de troca e passou a atribuir poder a quem o detém. "O dinheiro confere poder ao seu detentor em virtude do seu poder de compra" (Dodd, 1994/1997, p. 97).

Além disso, é inegável o peso do dinheiro na vida das pessoas sejam elas, crianças ou adultos. Mesmo assim, após algumas buscas na internet sobre a temática, observou-se, apenas uma publicação pertinente.

Costa (2003), em seu estudo A representação social do dinheiro, ressalta a importância do dinheiro na vida econômica e social e a surpreendente falta de atenção que tem merecido por parte das ciências sociais em geral (economia, sociologia, psicologia, etc.).

O autor ainda corrobora e enfatiza a necessidade de se realizar mais estudos e pesquisas, de modo que se compreenda melhor como as atitudes e as representações sobre o dinheiro determinam os comportamentos, seja na vida cotidiana, seja em situações mais específicas, como por exemplo, os comportamentos financeiros (investimentos, endividamentos, etc.), e também nos comportamentos de consumo (atitude diante dos preços, a escolha dos produtos, etc.).

Abordar as representações sobre dinheiro, neste estudo, significa identificar as atitudes e comportamentos de um grupo de universitários. Para Moscovici (2000/2013), "nós pensamos através de uma linguagem; nós organizamos nossos pensamentos, de acordo, com um sistema condicionado, tanto por nossas representações, como por nossa cultura" (p. 35).

Assim, considerando que o dinheiro traz consigo conceitos subjetivos importantes, recorreu-se à Teoria das Representações Sociais com o propósito de compreender o significado do dinheiro, o que é necessário para se obter um 'bom' dinheiro e a relação estabelecida entre 'muito' ou 'pouco' dinheiro.

A fim de apresentar o entendimento sobre a temática, será contextualizado um prévio conceito sobre dinheiro e seus desdobramentos.

 

POR QUE O DINHEIRO?

O dinheiro como instrumento de troca não é um assunto novo, os povos primitivos já praticavam a troca de mercadorias para manter a própria sobrevivência.

Para Amato (2009), a história da civilização nos mostra que o homem primitivo procurava defender-se do frio e da fome, abrigando-se em cavernas e alimentando-se de frutos silvestres, ou do que conseguia obter da caça e da pesca. Ao longo dos séculos, a espécie humana sentiu a necessidade de maior conforto e a necessidade de interagir com seus semelhantes. Assim, como decorrência das necessidades individuais, surgiu as trocas por mercadorias e depois por dinheiro.

Com o passar do tempo, o dinheiro passou a ser o meio de pagamento mais seguro e eficiente."A existência do dinheiro numa sociedade serve para minorar os tipos de incerteza inerentes a um sistema de troca por escambo" (Dodd,1994/1997, p. 33).

Entretanto, há muito tempo o dinheiro deixou de ser apenas um papel moeda, um cartão magnético, uma folha de cheque ou um sinônimo de troca, simplesmente.

A comparação entre troca monetária e escambo fornece o melhor ponto de partida para atacar o problema da generalidade e estabelecer o que é peculiar acerca da troca monetária. Trata-se apenas de uma versão ampliada do teste simples para distinguir dinheiro e não-dinheiro. A troca monetária é mais conveniente do que o escambo[...] o dinheiro pago ou recebido pode ser entregue mais tarde em qualquer outro lugar. Uma vez recebido o dinheiro em pagamento de alguma coisa, a relação entre as partes pode ser encerrada. (Dodd, 1994/1997, p. 27)

Há uma necessidade eminente de discutir a temática do dinheiro como instituição social relevante, uma vez que ele tem um inestimável poder quando está ancorado em suas funções sociais e ainda tem a capacidade de intervir nas satisfações das necessidades humanas, individuais e sociais.

O sistema econômico moderno depositou no dinheiro o poder de transformar sonhos em realidade; o dinheiro traz consigo o símbolo de poder perante um grupo determinado grupo social.[...]"o dinheiro se torna um meio apenas para sensação de poder derivada de seu status de meio" (Dodd, 1994/1997, p. 181).

O dinheiro é o exemplo mais evidente da transformação de uma forma em matéria, de uma imagem mental em uma coisa. Ele se reconhece como meio de representar uma relação invisível através de um objeto visível, a moeda palpável, a cédula ou o cheque que passam de mão em mão e fazem bens circularem de um lugar para o outro. E melhor ainda, ele assegura, particularmente o mundo moderno, a preponderância do sistema de representação, portanto da conversão e do símbolo, sobre o conjunto dos objetos e das relações. (Moscovici, 1990, p. 286)

Há um valor subjetivo àquele que tem, e outro valor àquele que não tem o dinheiro.

[...] o elemento monetário contém elementos econômicos, sociais, culturais e históricos e traz em si uma infinidade de aspectos a serem desvendados, que são inerentes aos usos que dele são feitos, o que, pela sua complexidade e multiplicidade, exige uma observação atenta e constante, para que sua essência e forma possam ser apreendidas plenamente. (Russo, 2007, p. 498)

Portanto, sendo o dinheiro um importante objeto de 'desejo' para a sociedade, o presente estudo pretende investigar as representações sociais elaboradas sobre ele entre os estudantes universitários, uma vez que essas representações sociais orientam a ação coletiva.

 

POR QUE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS?

A escolha de se ter como escopo teórico as Representações Sociais é por serem elas elementos simbólicos que os indivíduos expressam mediante o uso da linguagem, seja ela verbal (oral ou escrita), gestual, sonora, silenciosa, figurativa, documental ou diretamente provocada (Franco, 2011).

Para Moscovici (2000/2013), "Sempre e em todo lugar, quando nós encontramos pessoas ou coisas e nos familiarizamos com elas, tais representações estão presentes" (p. 40). Ainda segundo o autor as representações, "não são criadas por um indivíduo isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem" (p. 41).

Moscovici (2000/2013) conceitua ainda que as representações sociais são sistemas de valores, ideias e práticas com uma dupla função: primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitará as pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhe um código para nomear e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social.

Ainda segundo Moscovici, as Representações Sociais são sustentadas por dois processos, a ancoragem e a objetivação.

A objetivação direciona a concretização do abstrato, traz à realidade algo impalpável. Moscovici (2000/2013) esclarece que a "objetivação une a ideia de não familiaridade com a familiaridade, torna-se a verdadeira essência da realidade. Percebida primeiramente como universo puramente intelectual e remoto, a objetivação aparece, então, diante dos olhos, de uma maneira física e acessível" (p. 71). Portanto o processo mental de objetivar, algo passa pelo significado de ordem pessoal, classificando o objeto num formato pessoal, exteriorizando-o; uma vez que "a materialização de uma abstração é uma das características mais misteriosas do pensamento da fala" (p. 71).

Moscovici (2000/2013) afirma que "a ancoragem é um processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriadas" (p. 61).

Ancorar, portanto, não é apenas processo cognitivo ou semiótico, uma atribuição de sentido que passa a fornecer uma nova categoria à grade de leitura do mundo. [...] trata-se, muitas vezes, de ancorar novos objetos em velhas transversalidades. (Arruda in Sousa et al., 2014, pp. 58-59)

Ancorar é transmitir as coisas que estão nos olhos da mente para ser percebidas pelos olhos físicos e um ente imaginário começa a assumir a realidade de algo visto, algo tangível (Moscovici, 2000/2013). Portanto o processo mental de ancorar algo passa pelo significado de ordem pessoal, codificando o objeto num formato pessoal, diante da vivência do sujeito, internalizando-o.

Em suma, a objetivação e a ancoragem são, pois, maneiras de lidar com a memória. A primeira classifica os conceitos e transforma-os em imagens, direcionando mais ou menos para fora (para os outros), para o mundo externo. A segunda busca na memória a compreensão de algo não familiar, classificando-os, tornando-os familiar, interiorizando-os (Moscovici,2000/2013).

Levando-se em conta o conceito apresentado, podemos concluir que as representações sociais não são estáticas. Há todo um movimento em torno das novas e velhas experiências, os símbolos se renovam e transformam as novas representações. Surgem novas crenças, novos valores, novos grupos e novas cristalizações. Para Franco(2011), podemos atribuir ao ser humano uma virtude preditiva, uma vez que a fala de um indivíduo não apenas pode inferir em suas concepções de mundo, pensamentos, valores, sentimentos ou emoções, como também pode deduzir sua orientação para a ação.

A partir dessas considerações, decidiu-se realizar uma pesquisa com o objetivo de identificaras representações sociais de universitários sobre dinheiro.

 

MÉTODO

Participantes. Participaram desta pesquisa 50 estudantes do curso de Engenharia de uma instituição de Ensino Superior, localizada em um município na região metropolitana de São Paulo. A instituição de ensino superior citada é privada, de capital aberto, que atua em 21 estados brasileiros, oferecendo mais de 100 cursos superiores, em bacharelados, licenciaturas e tecnólogos, e mais de 60 cursos de pós-graduação e mestrados. A universidade tem preços acessíveis, destinados ao seu público-alvo,a 'nova classe média', e os alunos podem solicitar bolsas de estudos mediante Programas (ProUni, FIES e o Pronatec).

A opção de escolher estudantes do curso de Engenharia justifica-se por serem futuros profissionais, que no mercado de trabalho tomarão decisões e vivenciarão situações ligadas ao dinheiro. Muitos deles terão que tomar decisões sobre o uso do dinheiro, sobre investimentos financeiros, custos de projetos, entre outros.

Seguiram-se as recomendações éticas de pesquisas com seres humanos, como estabelece a Resolução CNS 466/12, tendo os participantes assinado o termo de consentimento livre e esclarecido.

Materiais. Foi aplicado questionário com questões fechadas, a fim de capturar o perfil dos participantes, e questões abertas, essas com a finalidade de permitir a elaboração de opiniões, proporcionando liberdade de resposta, a fim obter as representações sociais dos mesmos.

Procedimento. Durante a aplicação dos questionários, foi indicado aos participantes que não existiam respostas certas ou erradas, que seria garantido o anonimato e sigilo das respostas, e que a pesquisa tinha caráter voluntário. O tempo médio para concluir a participação foi de aproximadamente 20 minutos.

Como procedimento de análise, foi realizado o percentual dos dados provenientes das questões fechadas, e,para os dados provenientes das questões abertas, utilizou-se a Análise de Conteúdo, concebida como um procedimento utilizado para fazer inferências a partir das mensagens.

Para análise do conteúdo realizou-se, inicialmente, uma leitura flutuante, isto é, leitura com idas e vindas do material para que fosse possível criar as categorias. Categorias aqui serão entendidas como uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação, seguida de um reagrupamento baseado em analogias, a partir de critérios definidos (Franco, 2012).

Ainda de acordo com Franco (2012), uma importante finalidade da Análise de Conteúdo é produzir inferências sobre qualquer um dos elementos básicos do processo de comunicação: a fonte emissora; o processo codificador que resulta em uma mensagem; a própria mensagem; o receptor da mensagem; e o processo decodificador. A inferência é o procedimento intermediário que vai permitir a passagem da descrição à interpretação.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicia-se com a apresentação do perfil dos participantes. Quanto à idade, 14% menores de 19 anos, 64% entre 20 e 30 anos, 16% de 31 a 40 anos, 2 % acima de 40 (4% não responderam), sendo 94% do sexo masculino e 6% do sexo feminino. Dos pesquisados, 54% são solteiros, 42% são casados ou em condições maritais e 4% divorciados; ainda, 66% não têm filhos e 34% um ou dois filhos; 94% estão trabalhando.

Portanto a predominância é de trabalhadores, jovens com até 40 anos, do sexo masculino, sem filhos, havendo equilíbrio em relação à condição matrimonial.

Ainda, como parte da caracterização dos estudantes, buscou-se compreender o que os estudantes faziam em seus momentos de folga.

Para a pergunta O que você faz nos seus momentos de folga?, a Tabela 1 apresenta como resultados:

1. 51,61% para a categoria:"diversão". Os indicadores foram: "Praticar esportes, tocar instrumentos musicais, aproveitar com a família, sair com os amigos, jogar em vídeo games, assistir filmes".

2. 28,23% para a categoria:"estudo",com os termos: "Fazer trabalhos da faculdade, ler livros, fazer cursos".

3. 6,45%, com empate para as categorias "religião" e "descanso", com os termos: "Ir à igreja, dormir ou descansar".

4. 4,03% para a categoria "trabalhos extras".

Verificou-se que apenas uma pequena parte dos estudantes está preocupada com assuntos relacionados com a faculdade,quando estão fora da sala de aula. Para a maioria,os momentos de folga servem para diversão, não havendo continuidade para estudos fora da sala;tampouco, para ganhar dinheiro extra.

 

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A partir dos dados coletados nas questões abertas, foram realizadas análises das convergências observadas nos conteúdos das respostas; foram inferidos seus significados e sentidos expressos. Só então, foram estabelecidas as categorias pertinentes.

Para a pergunta O que é dinheiro para você?, a Tabela 2 indica os resultados:

1. 30,99% para a categoria"necessário para sobrevivência"; os termos atribuídos foram: "necessidade de sobrevivência, complemento, sustento, ajuda financeira".

2. 28,17 %para a categoria "motivador", sendo os indicadores: "solução de muitos problemas, busca pela felicidade, satisfação dos desejos, conquista dos sonhos".

3. 21,13%para a categoria"qualidade de vida"; os principais termos foram: "qualidade de vida, conforto digno, lazer, padrão de qualidade, viver tranquilamente".

Observou-se que aproximadamente um terço (30,99%) dos participantes destacou o quanto o dinheiro é necessário para a sobrevivência. As outras duas categorias mais pontuadas ("motivador" e "qualidade de vida") juntas apresentaram 49,30%, praticamente a metade de todas as respostas.

Pela significância do percentual respondido, o foco dessa análise será sobre as três primeiras categorias.

Os discursos dos estudantes trazem a compreensão do quão importante é o dinheiro em nossa sociedade capitalista. Para eles o dinheiro é necessário para sobreviver, traz motivação e ainda oferece qualidade de vida às pessoas.

O dinheiro não é apenas um papel ou uma moeda de troca,seu poder de compra e conquistas vem carregado de significados. "O dinheiro, sempre e onde quer que seja usado, não se define por suas propriedades como objeto material, mas pelas qualidades simbólicas genericamente vinculadas ao ideal de concessão irrestrita de poder" (Dodd, 1994/1997, p. 235).

Entretanto, se para uns o dinheiro serve para atender uma simples necessidade de sobrevivência, para outros ele serve de motivação e oferece qualidade de vida. Ou seja, conforme as necessidades pessoais vão sendo atendidas surgem novas. Para a representação social é o processo de ancorar e ocorre quando o indivíduo codifica internamente um objeto, dentro de uma categoria pré-existente, e estabelece familiaridade com esse objeto. "No momento em que determinado objeto ou ideia é comparado ao paradigma de uma categoria, adquire características dessa categoria e é reajustado para que se enquadre nela" (Moscovici, 2000/2013, p. 61). "[...] trata-se, muitas vezes, de ancorar novos objetos em velhas transversalidades, o que pode provocar mudanças de um lado e de outro, trazendo novos sentidos ao antigo e antigas disposições ao novo. " (Arruda in Sousaet al., 2014, p. 59).

Contudo, após a identificação e incorporação do indivíduo às benesses do dinheiro, a representação social compreende que o indivíduo concretiza todas essas subjetividades de sobrevivência, motivação e qualidade de vida no dinheiro. É o que se entende por objetivação. "[...]a objetivação torna físico e visível o impalpável, pela transformação em objeto do que é representado" (Braz et al., 2011, p. 58).

Com 80,29% nessas três primeiras categorias, fica claro que o dinheiro significa ter melhores condições de vida e melhores oportunidades na vida.

Na pergunta O que você acha necessário para obter um bom dinheiro?, os resultados foram:

1 . 34,62% na categoria "estudo e capacitação" e os termos atribuídos foram: "ter conhecimento e qualificação profissional, ser capacitado, estudar engenharia, ter estudo".

2. 26,92% na categoria "trabalho e esforço"e os indicadores utilizados foram: "ter dedicação, ser esforçado, ser eficiente".

3. 15,38% na categoria "oportunidade e investimento", e os termos utilizados foram: "aplicar o dinheiro da melhor forma, ter sorte, ter oportunidade".

4. 12,50% para a categoria " inteligência e esperteza"; os estudantes descreveram que para se obter um bom dinheiro é necessário: "ser inteligente, ser esperto, saber administrar, vender boas ideias".

5. 5,77% na categoria "valores morais", e os termos utilizados foram:"ser honesto e ter responsabilidade".

Observou-se que, em 34,62% das respostas, relacionou-se o 'bom dinheiro' com a escolaridade. Entretanto, as respostas não surpreenderam, pelo perfil contextualizado anteriormente, pois os estudantes que estão ali pertencem à chamada nova classe média, que há pouco tempo tinha poucas expectativas de um futuro promissor; assim, demonstraram nas respostas a crença de que o estudo seria capaz de fazê-los obter um bom dinheiro, como uma chance de um futuro melhor.

Essa classe média é a camada da população que estava na base da pirâmide social, sendo caracterizados como pobres e sem condições de participar da sociedade de consumo. Entretanto, nos últimos anos, essas condições de subsistências mudaram. Para Neri (2008), os brasileiros da antiga classe C subiram para classe média e passaram a adquirir:

Computador, celular, carro, casa financiado, crédito em geral e produtivo em particular, conta-própria e empregadores, contribuição previdenciária complementar; se sairmos daquelas iniciadas com C, temos ainda diploma universitário, escola privada, plano de saúde, seguro de vida. Mas de todas, a volta da carteira de trabalho talvez seja o elemento mais representativo de ressurgimento de uma nova classe média brasileira. (p. 39)

Contudo, esses brasileiros da classe emergente, que "correspondiam a 51,89% da população em 2008" (Neri, 2008, p. 27), são uma grande massa que não estava acostumada ao pertencimento social do consumismo e talvez isso possa explicar as respostas dadas às categorias: "trabalho e esforço", "oportunidade e investimento" e "inteligência e esperteza", que juntas representam 54,80%, demonstrando que a maioria procura soluções imediatistas para obter um bom dinheiro.

Segundo as representações sociais,um sujeito (estudantes) ativo constrói e reconstrói o objeto (bom dinheiro), atribuindo-o sentido e ajustando-o dentro de seus valores e crenças. Para Arruda (in Sousa et al.,2014) no trabalho de aproximar o novo do já existente, a ancoragem faz o enlace entre o novo e o prévio, e tece os laços da rede de significados que é a representação social.

De um lado, pouco mais de um terço dos estudantes traz resquícios do passado, com a cristalização de que só com estudo se pode pensar num futuro promissor. "(...) os alunos apresentam um discurso condizente com o que, antes mesmo do nascimento deles, está posto na sociedade: estudar é importante para o futuro e para que eles consigam sair da situação econômica em que se encontram" (Koga & Rosso, 2015, p. 630). Do outro, está a maioria que precisa manter o patamar de conquistas e visionam um futuro com soluções rápidas, em curto prazo.

Vale esclarecer que, propositalmente, não foi esclarecido no questionário o termo "bom dinheiro", para que os participantes pudessem fazer suas associações livremente. E para surpresa, conforme o ocorrido com a categoria "valores morais", apenas 5,77% associou um "bom dinheiro" à honestidade.

Na pergunta Por que algumas pessoas têm muito dinheiro?, os resultados foram:

1. 31,15% na categoria "sorte e oportunidade", e os indicadores descritos foram: "ter dinheiro para investir, sorte, oportunidade";

2. 19,67% na categoria " trabalho e esforço pessoal" e os termos atribuídos foram: "esforço, nunca desistir, batalhar bastante, conquistas e dedicação";

3. 13,92% na categoria " estudo e capacidade", e os indicadores apresentados foram: "capacitação, cultura, estudo";

4. 9,84% na categoria "inteligência e esperteza" e os indicadores foram: "planejam o futuro, são espertos, sabem economizar, entendem o que é prioridade";

5. 9,02% na categoria "roubo", com os seguintes termos: "roubam, os caminhos são contrários, usam meios ilícitos".

Observou-se que os resultados das categorias "sorte e oportunidade", " trabalho e esforço" e "inteligência e esperteza" representaram 60,66%,corroborando o resultado apresentado na Tabela 3.

A maioria dos estudantes acredita que, para ter um "bom dinheiro" e "muito dinheiro", são necessárias soluções em curto prazo como oportunidade, trabalho e esperteza, enquanto 13,92%das respostas demonstraram ter cristalizado que a escolaridade é a garantia de um futuro com muito dinheiro.

Por fim, a categoria "roubo", que teria a chance de ser mencionada repetidas vezes em função dos noticiários atuais sobre corrupção no centro do poder executivo do país, representou apenas 9,02% das respostas.

 

Tabela 4

 

 

Tabela 5

 

Na pergunta Por que algumas pessoas têm pouco dinheiro?, os resultados foram:

1. 22,78% na categoria "falta de estudo" e os termos atribuídos foram: "falta de estudo, falta de qualificação, baixo nível cultural, despreparo";

2. 21,78%na categoria "falta de determinação" e os indicadores foram: "sem ambição, falta de vontade, falta de interesse";

3. 20,79% na categoria "falta de oportunidade", e os termos foram: "sem oportunidade, falta de sorte";

4. 18,81% para a categoria "desigualdade social", e os termos atribuídos foram: "nasceram em classe baixa, desigualdade familiar, são explorados, distribuição de renda desfavorável";

5. 12,87% na categoria "falta de administração", e os indicadores: "gastam mais que ganham, má administração, desperdiça dinheiro".

Observou-se que em 22,78% das respostas houve relação entre o 'pouco dinheiro' e a falta de escolaridade.

As categorias "falta de determinação, " falta de oportunidade" e "falta de administração", correspondentes a 55,44% das respostas, indicaram os motivos de se ter pouco dinheiro. Portanto, a falta de dinheiro está associada à insegurança, ao comodismo, ou seja, ao fracasso.

Com 18,81% das respostas, aponta-se que a desigualdade social é o motivo para que alguém tenha pouco dinheiro;conforme apontado nos indicadores,essas pessoas já foram subjugadas, condenadas a permanecerem sem dinheiro.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho consistiu em identificar as representações que estudantes universitários elaboram sobre o dinheiro.

Para atingir este objetivo, foi realizada uma pesquisa empírica fundamentada na Teoria das Representações Sociais. Para Moscovici (2000/2013), "todas as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações. Na realidade, é isso que as caracteriza" (p. 40).

Ainda, destacou-se a importância no dinheiro na vida das pessoas. Ao longo dos séculos a humanidade passou a sentir necessidade de acomodação e interação com seus semelhantes. Com isso surgiram as trocas de mercadorias, em que as pessoas trocavam livremente umas coisas por outras. Posteriormente as pessoas passaram a trocar mercadoria por dinheiro e vice-versa.

Entretanto, o dinheiro está longe de ser um simples meio de troca e passou a exercer funções sociais e subjetivas no cotidiano das pessoas.

O dinheiro oferece ao seu detentor, pelo menos em princípio, um puro instrumento através do qual se torna possível uma variedade quase ilimitada de oportunidades de uso. Assim sendo, afirmar que o dinheiro, como certo tipo de ferramenta, possui possibilidades ilimitadas de uso, em princípio é não dizer nada. (Dodd, 1994/1997, p. 107)

Os resultados obtidos possibilitaram a identificação e análise de algumas representações sociais, quais sejam:

1. As respostas relacionadas ao significado do dinheiro, para os estudantes, indicaram a representação social de que o dinheiro concretiza, para grande parte deles,condições necessárias para sobrevivência e prospecção de melhores condições e oportunidades na vida.

2. Os discursos relacionados ao "bom" e "muito" dinheiro expressaram as representações sociais, para a maioria deles, de que para obter dinheiro é preciso ser destemido, ter atitudes com soluções rápidas.

3. Se nos relatos relacionados ao "muito" dinheiro foi capturada a representação social de que é preciso ser destemido, para os que têm "pouco" dinheiro foi expressa a representação social relacionada ao comodismo e ao fracasso.

Para a maioria dos estudantes o dinheiro está relacionado ao trabalho, oportunidade e determinação. E isso pode explicar, conforme caracterização do perfil, a falta de interesse deles pelos assuntos relacionados aos estudos quando estão de folga.

Observou-se que essa nova geração e classe social, da presente pesquisa, desmitificou uma representação social antiga de que o estudo é a primeira condição para ser bem-sucedido. Contudo, o estudo apareceu nas representações desses estudantes e teve sua relevância, sendo para alguns representado como uma 'ponte' para o sucesso, como a via mais promissora para adquirir dinheiro.

Foi observado também que, para a grande maioria dos estudantes, obter dinheiro não tem relação com questões morais como honestidade, responsabilidade, corrupção, roubo.

Não existe a pretensão de responder todas as questões a respeito do dinheiro, mas considera-se que a presente pesquisa contribui para levantar questionamentos e discussão do assunto, estimulando a realização de outras pesquisas.

 

REFERÊNCIAS

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