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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.44 São Paulo jun. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/2175-3520.20170008 

ARTIGOS

 

Fatores determinantes ao ingresso de alunos com deficiência no ensino médio

 

Determinants for the entry of students with disabilities in high school

 

Factores que determinan la admisión de estudiantes con discapacidad en la escuela secundaria

 

 

Laura BorgesI; Juliane Aparecida de Paula Perez CamposII

IDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Universidade Federal de São Carlos
IIProfessora do Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos. laura_borges01@hotmail.com

 

 


RESUMO

Este estudo visou identificar os aspectos positivos e negativos da escolarização de alunos com deficiência antes de seu ingresso no ensino médio e fatores determinantes ao ingresso no ensino médio, segundo os mesmos e seus familiares. Participaram sete alunos com deficiência matriculados no primeiro ano do ensino médio de escolas públicas regulares, e seus respectivos responsáveis (cinco mães e um pai, com idades entre 37 e 57 anos). Os participantes foram entrevistados, respondendo a questões sobre a escolarização antes do ingresso no ensino médio e a transição para esta etapa de ensino. O roteiro de entrevista foi submetido à apreciação de quatro juízes, a fim de verificar a compatibilidade do instrumento com os objetivos propostos e com a população alvo. Foi possível considerar que apesar da escola ser protagonista dos acontecimentos positivos e negativos da escolarização do aluno, exerceu pouca influência na decisão e motivação ao ingresso no ensino médio.

Palavras-chave: educação especial, inclusão escolar, ensino fundamental, ensino médio, deficiência.


ABSTRACT

This study aimed to identify the positive and negative aspects of the education of students with disabilities before their entry into high school and determinants for enrollment in high school, according to them and their parents. The participants were seven students with disabilities enrolled in the first year of public high schools, and their respective parents (five mothers and one father, aged 37-57). The participants were interviewed with questions about their schooling before entering high school and the transition to this stage of education. The interview script was submitted to four judges in order to verify the compatibility of the instrument with the proposed objectives and with the target population.It was possible to consider that, although the school is a protagonist in the positive and negative schooling events of the student, it exercised little influence on the decision and motivation to enroll in high school.

Keywords: special education, school inclusion, elementary school, high school, disabilities.


RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo identificar los aspectos positivos y negativos de la educación de estudiantes con discapacidades antes de su entrada en la enseñanza media y los factores determinantes para inscribirse en la enseñanza media, de acuerdo con ellos y sus familias. Los participantes fueron siete estudiantes con discapacidad matriculados en el primer año de la enseñanza media de las escuelas públicas ordinarias, y sus respectivos tutores (Cinco madres y un padre, con edades entre 37 y 57 años). El guión de la entrevista fue sometido a la consideración de cuatro jueces, a fin de verificar la compatibilidad del instrumento con los objetivos propuestos y con la población. Los participantes fueron entrevistados, respondiendo a preguntas sobre la escuela antes de entrar en la enseñanza media y en la transición a esta etapa de la educación. Fue posible identificar que aunque la escuela sea la protagonista de los acontecimientos positivos y negativos de la escolarización del estudiante, exerció poca influencia en la decisión y motivación para inscribirse en la enseñanza media.

Palabras clave: educación especial, inclusión escolar, enseñanza fundamental, enseñanza media, discapacidad.


 

 

No cenário nacional, as políticas de inclusão (Brasil, 2008) contribuíram com o aumento no número de matrículas de alunos público-alvo da educação especial (PAEE) nas salas de aulas comuns na última década, inclusive no nível médio. Entende-se por alunos público-alvo da educação especial aqueles com deficiência física, deficiência intelectual, deficiência sensorial, transtorno do espectro autista e/ou superdotação/altas habilidades (Brasil, 2008).

Ao analisar os dados dos últimos anos do Censo Escolar, porém, constata-se uma interrupção no processo escolar desses alunos, principalmente quando são focalizadas as matrículas no ensino médio (EM), cujo número é bastante inferior aos números do ensino fundamental II (EFII). Do total de alunos PAEE matriculados no EFII, menos de um terço deram continuidade à escolarização no EM comum - em 2011, 2012, 2013 e 2014, cerca de 22,73% (ou seja, 30.228 alunos), 24,52% (38.479 alunos) , 25,85% (42.577 alunos), 29,10% (50.124 alunos), respectivamente. Apesar de haver um aumento contínuo no número de matrículas de alunos da educação especial no ensino fundamental e no ensino médio nas escolas públicas estaduais e municipais, identifica-se constante aumento da diferença entre os números de matrículas no EF II e no EM ao longo dos anos (Brasil, 2011b, 2012, 2013a, 2014a).

A diferença entre o número de alunos matriculados no EFII e o número de alunos matriculados no EM merece ser alvo de atenção e de ações para que possa ser revertida, pois o EM refere-se à etapa final da educação básica e tem como finalidade a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental e a preparação básica para o trabalho e para a cidadania (Brasil, 2013b).

Alguns estudos (Instituto Unibanco, 2010a; Souza, Oliva & Ponczek, 2010; Brasil, 2014), focalizando a relação entre o EF e o EM, investigaram os fatores que contribuíram para a descontinuidade da escolarização dos alunos egressos do ensino fundamental, identificando como contribuintes ao abandono dos estudos as altas taxas de repetência, a evasão escolar e a distorção idade-série existente nos últimos anos do ensino fundamental, a deficiência de infraestrutura das escolas, a falta de valorização dos professores, a pressão para que os adolescentes contribuam com a renda familiar e uma cultura que ainda pouco valoriza o estudo no país. Ainda, "há indícios consistentes de que alunos que têm melhor desempenho no SARESP na oitava série do ensino fundamental têm maior probabilidade de ingressar no ensino médio" (Instituto Unibanco, 2010b, p. 18). Na análise do fluxo escolar do ensino fundamental para o ensino médio, Souza, Oliva & Ponczek (2010) identificaram que as variáveis mais relevantes na determinação da aprovação referem-se a: aprovação, idade, gênero, escolaridade dos pais, e, em alguns casos, o número de moradores da residência, os anos de atraso escolar e variáveis de qualidade de educação apresentaram resultados significativos.

Fica evidente, pelo exposto, que a conclusão do ensino fundamental é um momento crítico na decisão do prosseguimento ou abandono escolar pelos alunos (Brasil, 2014b).

Considerando o alunado PAEE, cujo processo de escolarização é permeado por singularidades e especificidades, que nem sempre são atendidas pela escola, quais seriam os fatores que influenciaram e motivaram os mesmos a ingressarem no EM após a conclusão do ensino fundamental? Há influência das características pessoais e familiares dos alunos ou da escola nesta decisão?

Pautando-se nestas questões, foi desenvolvida uma pesquisa objetivando identificar, segundo os alunos PAEE e seus familiares: (a) os aspectos positivos e negativos da escolarização, antes do ingresso no ensino médio comum; (b) os fatores determinantes ao ingresso no ensino médio.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram da pesquisa sete alunos PAEE matriculados no primeiro ano do Ensino Médio comum de escolas públicas estaduais de um município de médio porte do interior paulista, e seus respectivos familiares. Os alunos participantes foram nomeados no presente estudo como "A" (aluno), seguidos por um número de identificação (A1, A2, A3, A4, A5, A6 e A7). Os familiares participantes foram identificados como "F" (familiar), seguidos pelo número correspondente ao do filho.

Os alunos tinham entre 15 e 17 anos de idade, sendo que A1 e A2 (irmãos gêmeos) possuíam deficiência auditiva e realizaram os últimos anos do EF em uma escola bilíngue; A3 tinha baixa visão; A4 tinha deficiência intelectual; A5 tinha baixa visão, contudo, foram destacados pela mãe e pelo coordenador da escola comprometimentos intelectuais e motores; A6 tinha Síndrome de Williams e frequentou uma escola especial dos três aos quatro anos, e A7 tinha deficiência múltipla, sendo que tanto A6 quanto A7 tinham problemas de saúde relacionados à deficiência. Todos os alunos tiveram sua trajetória escolar realizada em escolas públicas (municipais e estaduais). Apenas, A4, A5 e A6 passaram por avaliação psicopedagógica em uma escola especial do município a fim de diagnosticar a deficiência.

No período do estudo, apenas três alunos realizavam algum tipo de atendimento ou atividade fora da escola, e A5 participava de aulas de pintura do projeto municipal, A6 frequentava aulas de música do projeto municipal, e A7 frequentava atendimento fisioterapêutico.

O grupo de familiares foi composto por cinco mães e um pai, com idades entre 37 e 57 anos. Quanto à composição familiar, contabilizando-se somente as pessoas que moravam na mesma residência do aluno participante, incluindo o mesmo, variou entre três e seis pessoas. Em relação à escolarização dos familiares, quatro tinham EM completo (F1-2, F3, F4, F5), um tinha EFI incompleto (F6) e um tinha EFI em andamento (F7). Quanto à ocupação, quatro eram trabalhadores (doméstica, auxiliar de creche, repositor de supermercado e vigilante), um estava aposentado e uma era dona de casa. A participante F1-2 é mãe dos participantes A1 e A2.

Os familiares receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e os alunos receberam e assinaram o Termo de Assentimento, assim como informações acerca do objetivo e realização do estudo.

Instrumentos

Questionário. Contendo questões para identificação e caracterização dos alunos PAEE e seus familiares.

Roteiro de entrevista. Composto por questões (abertas? Estruturadas?) sobre a escolarização. O roteiro foi submetido à apreciação de quatro juízes, a fim de verificar a compatibilidade do instrumento com os objetivos propostos e com a população-alvo.

Procedimento

Nos dias acordados com familiares e alunos, a pesquisadora realizou as entrevistas utilizando o questionário de identificação e o roteiro de entrevistas. Esses instrumentos foram aplicados primeiramente com os alunos, durante o período de aula. A coleta com os pais ocorreu posteriormente, considerando-se a disponibilidade de dia e horário por eles fornecidos As entrevistas foram registradas em áudio e tiveram uma duração média de 20 minutos.

Procedimento de análise de dados. Os dados obtidos por meio das entrevistas com os alunos e seus familiares foram transcritos e analisados por meio da análise de conteúdo e organizados em categorias, de acordo com os temas gerados, que permitissem responder aos objetivos da pesquisa. Foram extraídas informações a respeito de: (1) Aspectos positivos e negativos da escolarização; (2) Fatores determinantes para o ingresso no EM. Para garantir a fidedignidade dos dados, os mesmos foram submetidos à análise de dois juízes.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir serão apresentados os resultados, iniciando-se pelos aspectos positivos e negativos do processo de escolarização do aluno PAEE antes do ingresso no EM.

 

Tabela 1

 

Verificou-se que todos os alunos mencionaram pelo menos um fator relacionado à escola como aspecto positivo de sua escolarização, e a maior parte se referiu à amizade (n=5). Ao indicarem a amizade, os participantes relataram auxílio na explicação e na execução das atividades na sala de aula, bem como a socialização, interação, conversas e proximidade com os colegas. Nesse sentido, Faciola, Pontes & Silva (2012) explicam que os comportamentos pró-sociais dos colegas, como o auxílio na realização de tarefas, auxílio na locomoção, brincadeiras e conversas, tendem a ser associados à amizade pelos alunos com deficiência.

Com menor frequência (n=3) foram citados fatores relacionados à atuação do professor em sala de aula, como a atenção e preocupação em relação a eles e iniciativas de envolvê-los nas atividades e debates. Verifica-se que essa postura do professor refere-se à atenção e preocupação durante as aulas, além de auxiliar o aluno sem deficiência a se relacionar de forma positiva com os colegas com deficiência.

Constata-se que apenas um aluno atribuiu à família o aspecto positivo de sua escolarização, ressaltando a importância do incentivo que recebeu da mãe durante o processo. Por outro lado, verificou-se que nenhum aluno considerou seus próprios atributos, comportamentos, ações ou atitudes como positivos ou benéficos à escolarização.

Como pode ser observado na Tabela 2, quatro dos familiares atribuíram os aspectos positivos da escolarização do filho à escola. Três deles destacaram a atuação do professor, como a preocupação e atenção para com o filho. É possível constatar que esse aspecto é coincidente entre a díade A4 e F4 e entre díade A6 e F6.

Quanto ao atendimento às necessidades dos filhos, F1-2 refere-se à existência de uma intérprete de LIBRAS na sala de aula dos filhos com deficiência auditiva e F5 refere-se aos materiais ampliados que a filha necessitava e recebia, cabendo destacar que esse aspecto é coincidente entre a díade A5 e F5.

Verifica-se também que dois familiares atribuíram o aspecto positivo da escolarização a fatores relacionados ao filho, como a vontade e a disposição e o desempenho escolar dos mesmos. O bom desempenho do aluno PAEE parece ser variável fundamental para a continuidade do processo de escolarização e se aproxima do achado de Lopes & Capellini (2013), ao verificar que 92,31% dos alunos PAEE de sua amostra revelaram que gostavam de ir à escola e 92,21% gostavam de estudar.

Ainda, confrontando essas informações, percebe-se que, assim como A3 atribuiu o fator positivo à família, F3 atribuiu o fator positivo ao filho. Neste sentido, percebe-se haver um sentimento de reciprocidade entre mãe e filho, na qual a família vê a importância das características do aluno, e esse ressalta o incentivo recebido da mãe.

Destaca-se o fato de os familiares não citarem a amizade com os colegas como fator positivo, apesar de ter sido o mais apontado pelos filhos. Esta questão pode ser justificada pelo fato de os pais não interpretarem a amizade como uma questão relevante no que se refere à escolarização, ou pelo simples fato de desconhecerem essa variável.

Diante dos resultados, constata-se que os aspectos positivos relacionados à escola foram destaque. De acordo com Mendes (2013), quando bem organizada, a escola exerce motivação, incentivando o aluno à continuidade nos estudos e evitando a evasão.

A seguir, são apresentados os aspectos negativos citados pelos alunos e por seus familiares.

 

Tabela 3

 

Identifica-se que seis alunos atribuíram os aspectos negativos de sua escolarização exclusivamente a fatores relacionados à escola. Desses, cinco destacaram o preconceito vivenciado durante os anos escolares, ressaltando o bullying praticado pelos colegas dentro da escola e da sala de aula. Esses dados vão ao encontro dos achados de Smith (2008), ao indicar que indivíduos que têm algum tipo de deficiência têm maior probabilidade de serem alvo de bullying dos colegas por apresentarem características diferentes das dos pares.

Pesquisas como as de Batista & Enumo (2004) e Casado (2012) com estudantes do ensino fundamental com alunos com deficiência incluídos, identificando que esses tendem a ser menos aceitos e mais rejeitados pelos colegas. Ao investigar os motivos relacionados às rejeições e aceitações do aluno com deficiência, Casado (2012) identificou que a aparência física está relacionada a esse comportamento por parte dos pares, podendo ser fator de afastamento ou aproximação; também Batista & Enumo (2004) revelaram que os alunos com deficiência, por apresentarem características físicas e comportamentais contrastantes com os pares, podem provocar comportamentos de rejeição.

Conforme salientado por Castro (2012), a ocorrência dessas práticas discriminatórias para com os alunos com deficiência intelectual incluídos na sala comum é favorecida pelo desconhecimento dos professores sobre desenvolvimento, aprendizagem e práticas inclusivas, entre outros aspectos.

Conforme Nogueira & Villas (2012) ressaltam, muitas vezes o termo bullying é utilizado para definir a aplicação de apelidos pejorativos e negativos socialmente, assim como diversas outras práticas, dando ao termo diferentes significações e dificultando a eliminação dos reais fatores que o causam. Há, pois, necessidade de ações e medidas que minimizem a ocorrência de bullying, principalmente no ambiente escolar, pois essa prática pode desencadear baixo rendimento escolar, baixa autoestima e autoconfiança, estresse e depressão (Fante, 2005).

No que se refere aos colegas, embora tenham sido citados como aspecto negativo pelos alunos PAEE (particularmente, o preconceito) também foram citados como aspecto positivo, conforme já destacado. Esta constatação mostra a importância e a influência que os colegas têm no processo de escolarização de alunos PAEE, podendo agir de forma positiva e propulsora, ou de forma negativa, prejudicial e opressora.

Como aspecto negativo, os alunos ressaltaram também a desordem, a bagunça e o barulho do grupo-classe. A indisciplina em sala de aula é uma problemática que não afeta apenas os alunos PAEE, mas diz respeito à atuação prática do docente, que não sabe como agir e intervir em situações de indisciplina em sala de aula; como destacado por Silva (2014), o tema indisciplina não é abordado nos cursos de formação desses profissionais.

Ainda quanto aos aspectos negativos, dois alunos indicaram fatores relacionados à atuação do professor, como metodologias de ensino práticas pedagógicas inadequadas ou insuficientes. No contexto da inclusão escolar, o (des)preparo e a (falta de) formação para o trabalho com alunos PAEE é questão recorrente, indicando a necessidade e a urgência de uma reformulação na formação e capacitação docente para atuação com este alunado visando uma inclusão escolar bem-sucedida (Reis, 2013).

Verifica-se também que um participante mencionou não ter experienciado aspectos negativos durante sua escolarização anterior, ressaltando que, embora fossem realizadas brincadeiras inadequadas por parte dos colegas, considerava normal e agia da mesma forma. Por fim, constata-se a ausência de referências à família e às características próprias como aspectos negativos da escolarização.

 

Tabela 4

 

Quanto aos familiares, constata-se que quatro mencionaram, como aspecto negativo, a escola, e cada um apontou fatores diferentes: F6 mencionou o bullying (também mencionado por A6); a desordem e a bagunça na sala foram apontadas por F3; também foi mencionada a falta de intérprete nos anos iniciais da escolarização de F1-2 que tinham deficiência auditiva; F4 mencionou a atuação do professor, correspondendo à indicação feita por A4.

Ressalta-se o fato de que os pais elencam aspectos relacionados ao cotidiano e aos acontecimentos da escola ou da sala de aula do filho. Essa constatação indica o conhecimento dessas ocorrências pelos familiares, o que pode significar maior envolvimento nos assuntos escolares do aluno, seja por meio de troca de informação com os gestores e professores da escola e/ou por meio de conversas com o filho.

Contudo, o aspecto mais citado pelos alunos (preconceito/bullying) foi abordado por apenas um familiar, o que, em contraponto com o discutido anteriormente, tende a indicar que esse tipo de informação não é repassado aos pais. Hipóteses levantadas para justificar essa constatação apontam para possibilidades de que a escola ou os alunos, por insegurança, omitem este tipo de acontecimento dos familiares pelo receio da atitude que os mesmos poderiam ter, como irem à escola, por exemplo, o que poderia acentuar as ações inconvenientes dos colegas, ou a vergonha sentida pelo aluno vítima do bullying em expor as ocorrências, medo de ser perseguido ou ameaçado pelos agressores e/ou não ser compreendido pelos familiares. Porém, a função da escola diante da inclusão escolar torna-a responsável pela identificação e pela intervenção nesse tipo de ocorrência (Castro, 2012).

Os familiares também mencionaram, como negativos, fatores relacionados aos alunos PAEE, sendo um referente ao comportamento de isolamento, baixa autoestima e infantilidade (F5) e dois referentes a problemas de saúde (F6 e F7). Além disso, um familiar se responsabilizou, alegando cobrança excessiva quanto ao desempenho e aprendizagem.

Familiares de alunos com deficiência têm questões e anseios diante do desenvolvimento e escolarização do aluno, podendo fazer cobranças e exigências excessivas quanto ao desempenho e progresso escolar dos filhos, prejudicando o rendimento dos mesmos (Hollerweger & Catarina, 2012). Nesses casos, a escola tem o papel fundamental de esclarecê-los sobre as habilidades, capacidades e necessidades do aluno PAEE, tirando as possíveis dúvidas e orientando-os quanto às formas de participar da rotina escolar dos filhos.

Por fim, constata-se que, de forma geral, os familiares identificaram aspectos negativos diversificados e mais específicos aos casos de seus filhos, abrangendo fatores relacionados à escola, ao filho e a si mesmos.

A seguir, serão apresentados os fatores determinantes ao ingresso do aluno PAEE no EM.

 

Tabela 5

 

Verifica-se que a transição do EF para o EM ocorreu de forma diversificada. Para quatro alunos, a decisão de matricular no EM ocorreu em concordância entre eles e seus pais, ou seja, foi um desejo de ambos e ocorreu de forma automática. Verifica-se que a matrícula aconteceu como uma ação natural que deveria ser realizada, um caminho normal a ser seguido.

Entretanto, os outros participantes não apontaram concordância entre eles e os pais: A7, que afirmou ser um desejo seu, já que seus pais não faziam questão, e A4 que revelou que a entrada no EM foi uma imposição de sua mãe, como condição para que continuasse namorando, mas que ele não queria prosseguir os estudos. Apenas A5 indicou que a matrícula foi uma orientação da escola anterior.

Os dados apresentados indicam que, em cinco casos, o aluno esteve envolvido na decisão de dar continuidade nos estudos e ingressar no EM, ou seja, o aluno tinha o desejo de avançar na escolarização (apenas para A4 a continuidade nos estudos não foi sua vontade, pois a matrícula no EM foi imposta).

 

Tabela 6

 

Segundo os familiares, a matrícula ocorreu de forma natural e automática em dois casos (F3 e F4), e que os próprios alunos tiveram iniciativa (F5 e F7). F6 atribuiu a iniciativa à escola anterior do filho e que F1-2 alegou que foi por sua própria iniciativa.

Verifica-se que, semelhante à resposta dos alunos, quatro dos sete filhos estiveram envolvidos na decisão de continuar os estudos, contudo, apenas F3 e F7 coincidiram as respostas com as do filho (A3 e A7).

É possível constatar que, tanto na opinião dos pais quanto dos alunos, a escola esteve pouco envolvida na decisão de prosseguimento nos estudos e matrícula no EM. Observa-se que apenas um aluno e um familiar apontaram a escola como variável envolvida na decisão de ingressar no EM, agindo como orientadora sobre o processo que os pais e alunos deveriam seguir após concluir o EF.

Verifica-se que quatro alunos atribuíram a si a motivação para a matrícula no EM. Dentre eles, dois mencionaram a vontade própria de ir para escola e continuar os estudos, demonstrando prazer e satisfação em estar na escola, assim como identificaram Lopes & Capellini (2013).

Outros dois participantes (A3 e A7) interpretam o EM como um caminho para alcançar seus objetivos, sendo esses o ingresso na universidade para cursar Matemática (A3) e a possibilidade de conseguir o emprego almejado (A3 e A7). Esses demonstram que o desejo de continuidade nos estudos vai além da conclusão desta etapa de ensino, estendendo-se a um objetivo posterior: ensino superior e mercado de trabalho. Ao longo dos anos, por meio das políticas de inclusão escolar e inclusão social, cada vez mais pessoas com deficiência têm acesso ao mercado de trabalho e ao ensino superior, contudo, pesquisas têm identificado que esses setores se encontram despreparados para receber este público e que há muito que ser feito e pesquisado neste âmbito (Garcia, 2014).

Também foi mencionado como fator determinante ao ingresso no EM um aspecto relacionado à escola, sendo esse a experiência positiva no EF (A1 e A2). Essa experiência se refere à existência de uma intérprete de LIBRAS que acompanhava as aulas dos alunos com deficiência auditiva no EF e, motivados por este fator, decidiram ingressar no EM, contudo, nessa etapa de ensino eles não dispunham desta profissional em sala de aula. Corroborando com essa constatação, Mendes (2013) discute sobre o importante papel que a escola tem sobre o aluno no sentido de motivá-lo. Segundo o autor, a mesma pode agir como propulsora da inclusão ou da evasão escolar, dependendo da forma com que concebe e realiza a inclusão dos alunos.

Ainda na Tabela 7 constata-se que um participante mencionou um fator referente à família como determinante/motivador à continuidade dos estudos, sendo esse o incentivo de seu namorado que não concluiu o EM e enfatiza seu arrependimento por essa decisão, assim como a importância de concluí-lo, alertando-a. Neste sentido, Melo (2014) aponta que muitos jovens passam a valorizar a escola somente depois de abandoná-la e, por esse motivo, aconselham os próximos a persistirem nos estudos e a não evadirem, o que, de fato, torna-se um fator motivacional importante por se tratar de indivíduos que viveram a experiência e se arrependeram.

 

 

Verifica-se que, para quatro familiares (F1-2, F4, F5 e F7) o fator determinante ao ingresso do filho no EM está relacionado a aspectos do próprio aluno.

Nesse sentido, F4 e F5 mencionaram a vontade que os filhos têm de estudar e fazer coisas novas e diferentes, e, no caso de F5, o fator determinante citado correspondeu ao apontado pelo filho (A5). O participante F1-2 indicou como fator determinante a intenção dos filhos em ingressarem na universidade, e esses, em contraponto, apontaram a experiência positiva no EF como fator para o ingresso no EM. O familiar F7 alegou que o filho ingressou no EM a fim de "aprender mais" para poder concluir o curso técnico profissionalizante de engenharia que estava cursando, mas que desistiu por não conseguir acompanhar.

A maior parte dos apontamentos dos familiares se referiu a aspectos relacionados ao aluno e suas características, fatores esses que, segundo Mendes (2013), também podem influenciar positiva ou negativamente na motivação do aluno na inclusão escolar. Destaca-se que, enquanto três alunos (A3, A5, A6) fizeram indicações que revelaram o desejo de continuar os estudos após a conclusão do EM (vide Tabela 7), dois familiares (F1-2 e F7) indicaram os mesmos fatores, sendo que não são díades correspondentes. Tal constatação permite identificar que as expectativas entre pais e filhos são diferentes ou incompatíveis.

Também foram citados pelos participantes alguns fatores relacionados à própria família, como o incentivo que empregaram visando impulsionar o aluno a dar continuidade nos estudos e (F3) e a participação da família nessa escolha como modelo ou exemplo, na qual F6 informa que o filho desejou continuar os estudos pelo fato de que suas irmãs já o haviam concluído. Esses apontamentos demonstram a influência que a família exerce sobre a decisão e escolha do aluno de evadir ou continuar os estudos no ensino médio, assim como destacado por Rumberger (2006).

Salienta-se, nesta categoria, a ausência de fatores relacionados à escola, sugerindo que os familiares não consideraram que a escola exerceu influência direta e determinante na transição do EF para o EM de seus filhos.

***

A partir deste estudo, pôde-se evidenciar que, quanto aos aspectos positivos e negativos da escolarização dos alunos, as variáveis relacionadas à escola estiveram presentes na maior parte dos apontamentos dos alunos e de seus familiares. Além disso, verificou-se menor incidência de aspectos negativos e positivos da escolarização relacionados à família e ao aluno, sendo, em algumas categorias, inexistentes.

Constatou-se também, no que se refere à decisão de ingressar no ensino médio e aos fatores determinantes/motivadores, que os aspectos relacionados ao aluno e aos seus familiares apresentaram maior influência. Os aspectos ligados ao ambiente escolar, mesmo sendo majoritariamente elencados nos aspectos positivos e negativos da escolarização, não apresentaram influência considerável na decisão e motivação de ingresso no EM. Ou seja, apesar de a escola exercer influência ao longo da escolarização destes alunos e ser protagonista dos aspectos positivos e negativos de sua trajetória, no momento de decisão e continuação nos estudos, os fatores mais relevantes para o ingresso são a própria vontade do aluno e a atuação da família, respectivamente.

Portanto, considera-se a importância de um novo enfoque de ação e intervenção visando à diminuição dos índices de descontinuidade nos estudos por parte dos egressos do EF, sendo este, o próprio aluno, pois, nesta amostra, foi possível identificar que a decisão e a motivação de continuidade nos estudos partem, em maior parte, de variáveis relacionadas a eles próprios.

 

REFERÊNCIAS

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