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Psicologia da Educação

Print version ISSN 1414-6975On-line version ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.46 São Paulo Jan./June 2018

 

10.5935/2175-3520.20180003 ARTIGOS

 

Violência virtual entre alunos do ensino fundamental de diferentes estados do Brasil*

 

Virtual violence between students of elementary school in different states of Brazil

 

Violencia virtual entre estudiantes de la escuela primaria de diferentes estados de Brasil

 

 

Ana Carina Stelko-PereiraI; Rayssa Modesto de Souza BritoII; Danielle Gomes BatistaIII; Raianny de Sousa GondimIV; Vanessa Mendes BezerraV

IORCID 0000-0002-8089-132X. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Universidade Estadual do Ceará
IIORCID 0000-0003-1722-1056. Universidade Estadual do Ceará
IIIORCID 0000-0002-5927-970X; Universidade Estadual do Ceará
IVORCID 0000-0002-2275-5485, Universidade Estadual do Ceará
VORCID 0000-0001-6510-2233. Curso de Graduação em Psicologia, Universidade Estadual do Ceará. ana.stelko@uece.br

 

 


RESUMO

A tecnologia tornou a comunicação mais rápida, porém tornou possível a ocorrência de violência por meio virtual. Este estudo investigou ocorrências de cyberbullying em escolas de diferentes estados brasileiros. Para tanto, foi utilizada a Escala de Violência Escolar, a qual avalia a ocorrência e a gravidade de violência escolar e bullying vivenciada e praticada por alunos. Esta foi respondida por 1534 alunos de seis escolas localizadas nos estados de São Paulo, Ceará, Paraná e Minas Gerais. Notou-se que cerca de 37% dos alunos estavam envolvidos em situações de cyberbullying, dentre eles 23% seriam exclusivamente vítimas, 3% autores e 11% seriam vítimas e autores. Adicionalmente, notou-se haver associação significativa entre ser menina e sofrer ameaças psicológicas (p = 0,041) e receber mensagens ofensivas (p = 0,036). Ser menino associou-se com ser ridicularizado em vídeos (p = 0,051). Verificou-se também que a faixa etária que mais se envolveu em situações de violência virtual foi a de alunos com 15 anos ou mais. Estes resultados são relevantes, pois apontam a necessidade de prevenção ao problema. Seria importante que estudos futuros ampliassem a quantidade e diversidade dos participantes, de modo a se conhecer a prevalência do fenômeno nacionalmente.

Palavras-chave: tecnologia, violência, escola, bullying, cyberbullying


ABSTRACT

The technology has made communication faster, nevertheless made possible the occurrence of virtual violence. This study investigated occurrences of cyberbullying in some Brazilian States. To this end, it was applied a School Violence Scale (Escala de Violência Escolar), which evaluates the occurrence and severity of school violence and bullying experienced and practiced by students. This scale was answered by 1534 students from six schools located in the States of São Paulo, Ceará, Paraná and Minas Gerais. It was noted that approximately 37% of the students were involved in cyberbullying situations or as a victim or as an author, among them 23% were victims, 3% authors and 11% were both victims and authors. Additionally, a significant association was observed between being a girl and suffering psychological threats (p = 0.041) and receiving offensive messages (p = 0.036). To be a boy was associated with becoming object of ridicule in videos (p = 0.051). It was found that the age group most involved in situations of virtual violence was students with 15 years or more. These results are relevant, because they point to the need for preventing the problem. It is important that future studies increase the amount and diversity of participants to get knowledge about the prevalence of the phenomenon in the regions of the country.

Key-words: technology, violence, school, bullying, cyberbullying.


RESUMEN

La tecnología hizo más rápida la comunicación, pero también hizo posible la ocurrencia del acoso virtual. Este estudio investigó casos de ciberacoso en algunos estados brasileños. Para tanto, se utilizó la Escala de Violencia Escolar, la cual evalúa la ocurrencia y gravedad de violencia y acoso escolar vivenciada y practicada por alumnos. Respondieron al instrumento 1534 alumnos de 6 escuelas de las ciudades, localizadas en los estados de São Paulo, Ceará, Paraná y Minas Gerais. Se observó que cerca de 37% de los alumnos estaban involucrados en situaciones de ciberacoso como víctima o como autor, entre los cuales 23% eran exclusivamente víctimas, 3% autores y 11% eran víctimas y autores. Además, se encontró una asociación significativa entre ser chica y sufrir amenazas psicológicas (p = 0,041) y recibir mensajes ofensivos (p = 0,036). Ser chico se mostró asociado con ser ridiculizado en videos (p = 0,051). Se verificó también que la franja etaria que más estuvo involucrada en situaciones de acoso virtual fue la de alumnos con 15 años o más. Estos resultados son relevantes, pues indican la necesidad de prevención al problema. Sería importante que estudios futuros ampliasen la cantidad y diversidad de los participantes, posibilitando que se conozca la prevalencia del fenómeno en las regiones del país.

Palabras clave: tecnología, violencia, escuela, acoso escolar, cyberbullying.


 

 

Nos últimos anos, o conceito de violência tem passado por novas ampliações e análises, com a finalidade de contextualizar e compreender as diferentes manifestações e funções do comportamento violento (Wendt & Lisboa, 2013), inclusive de modo a abarcar as situações que envolvem as novas formas de comunicação. Uma forma de violência se refere ao cyberbullying, cujo conceito deriva do termo bullying.

O bullying é um fenômeno que se apresenta como um subtipo de comportamento agressivo. Segundo Olweus (1993) bullying é uma ação violenta sistemática, desigual e recorrente, em que é possível identificar um agressor com a intenção de causar danos à vítima, a qual normalmente possui pouco ou nenhum recurso de revidar o comportamento violento. Já o cyberbullying fenômeno envolve agressões que ocorrem principalmente pelo uso de telefones celulares (envio de mensagens, vídeos e realização de telefonemas) e da Internet (envio de e-mails, de comentários em salas de bate-papo e de mensagens em redes sociais) onde são divulgadas imagens, vídeos ou mensagens ofensivas sobre um indivíduo ou um grupo (Wendt & Lisboa, 2013).

Os fenômenos bullying e cyberbullying são bastante relacionados. Segundo meta-análise de Kowalski, Giumetti, Schroeder e Lattanner (2014) de 131 estudos publicados em periódicos científicos, dissertações, teses e capítulos de livros, notou-se que os autores de cyberbullying em sua maioria costumam ser autores de bullying face a face. Contudo, esta relação não é de 100%, de modo que pode existir alunos envolvidos em bullying, mas não em cyberbullying e vice-versa.

A vitimização por cyberbullying relaciona-se com danos variados em suas vítimas, como ansiedade, sentimento de solidão, depressão, sintomas psicossomáticos e comportamento suicida, enquanto autoria de cyberbullying associasse com abuso de substâncias, outros comportamentos agressivos e infratores (Nixon, 2014). Tanto autoria de cyberbullying, quanto vitimização estão relacionados à sensação de baixa autoestima (Brewer & Kerslake, 2015) e quando o aluno se envolve tanto quanto vítima, quanto como autor, costumeiramente, apresenta piores resultados em testes que avaliam saúde psicológica e física e rendimento escolar (Kowalski & Limber, 2012).

O cyberbullying possui algumas características específicas que dificultam o combate dessa forma de agressão. As informações ofensivas disseminadas podem se manter para sempre no espaço virtual, por mais que os comportamentos violentos tenham cessado. E, existe a possibilidade do anonimato e a dificuldade de identificar os agressores quando estes se utilizam da internet e de outras tecnologias de informação, dificultando punições. Afirma-se que no mundo virtual o agressor se sente menos inibido e menos responsabilizado por seus atos, já que sua identidade permanece muitas vezes oculta (Souza, Simão & Caetano, 2014).

É muito difícil quantificar de forma exata a prevalência do cyberbullying, devido à diversidade de métodos utilizados na obtenção de dados, desenhos de pesquisa e tamanho das amostras. Apesar da dificuldade, o cyberbullying se apresenta como um fenômeno com importantes taxas de prevalência. Bottino, Bottino, Regina, Correia e Ribeiro (2015) revisaram estudos acerca da prevalência de cyberbullying e sua associação com problemas de saúde mental, tendo selecionado 43 artigos e a prevalência de cyberbullying nas pesquisas encontradas variou entre 6,8% e 35,4%. Já em estudo de Garaigordobil (2011) vitimizações ocasionais ocorreram entre 20 a 50% dos alunos e vitimizações severas entre 2 a 7%, a depender do país, sendo que Estados Unidos e países asiáticos apresentaram maior prevalência de cyberbullying do que Canadá e países europeus.

Em relação aos fatores que predispõe ao envolvimento com o cyberbullying, seja como autor ou vítima, a teoria bioecológica de Bronfenbrenner pode ser empregada para se entender a enorme complexidade destes. De modo bastante didático, segundo Calafati (2013), há influências de características pessoais, como aparência e força física, e as relações corriqueiras entre o aluno e seus pares, pais, entre outros, o que englobaria o microssistema. O mesossistema também interfere, isto é, o modo como microssistemas diferentes interagem entre si, por exemplo, se há uma boa interação entre os pais e professores do aluno. O exossistema envolve dois ou mais ambientes, sendo que em um destes o aluno não se envolve, por exemplo, conforme Calafati, as normas estipuladas por gestores escolares a docentes implicam no modo como esses organizam a dinâmica em sala de aula. Já o macrossistema se refere a fatores sociais mais amplos, como a influência da mídia no comportamento dos alunos.

Estudar diversos fatores é importante, mas no presente estudo destaca-se a necessidade de se investigar a influência do gênero e da faixa etária. Investigações realizadas em Portugal em relação ao gênero identificaram que há uma maior tendência entre as meninas em utilizarem agressões indiretas, rumores ou comentários pejorativos, e os meninos em utilizarem gravações e imagens de colegas em situações embaraçosas e agressões por meio do celular (Recupero, 2008). Já Sun, Fan e Du (2016), ao realizar meta-análise de 39 artigos sobre a prática de cyberbullying, indicaram que meninos costumam estar mais envolvidos como autores deste tipo de violência do que meninas, e que os estudos asiáticos notaram ser maior a diferença na proporção de meninos autores para meninas autoras do que as pesquisas norte-americanas e europeias, sendo necessários mais estudos sobre o tema, a fim de se entender melhor essas diferenças.

Em relação à vitimização, algumas investigações revelaram uma maior prevalência em meninas, embora outras investigações não tenham encontrado diferença significativa no que se refere à vitimização virtual (Hinduja & Patchin, 2008; Williams & Guerra, 2007). Em mesmo sentido, Kowalski et al. (2014) afirmam que os resultados quanto a relações entre gênero e cyberbullying são contraditórios, assim, há necessidade de mais estudos sobre estas relações.

Sobre a relação entre cyberbullying e idade, Tarapdar e Kellett (2013) notaram que alunos ingleses de 14 e 16 anos se envolveram com mais frequência em vitimização por cyberbullying do que alunos de 12 e 13 anos e que essa ocorreu por formas mais complexas e "criativas", como gravar vídeos da vítima. Já na meta-análise de Barlett e Coyne (2014) em que analisou-se 109 artigos, notou-se que a idade exerce um efeito moderador na relação entre cyberbullying e gênero. Meninos estão mais envolvidos em práticas de cyberbullying do que meninas ao final da adolescência, enquanto que no início da adolescência meninas se envolvem mais com estas práticas do que meninos. Os autores hipotetizam que o desenvolvimento cognitivo necessário para práticas mais sutis e sofisticadas de agressão ocorrem mais precocemente em meninas do em meninos, de modo que, por isso, no início da adolescência as meninas praticam mais cyberbullying.

Existem poucos estudos direcionados ao tema, especialmente no Brasil, visto que em importantes e recentes estudos de revisão de Barlett e Coyne (2014), Bottino et al. (2015), Kowalski et al. (2014) e Sun et al. (2016), não se mencionam estudos brasileiros. Assim, a presente pesquisa tem como objetivos averiguar a prevalência de cyberbullying em algumas escolas brasileiras e verificar relações do fenômeno com gênero e faixa etária.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram desse estudo 1534 estudantes, com consentimento livre e esclarecido e termo de assentimento, sendo que 52% era do sexo feminino e 48% masculino, a idade média foi igual a 13 (DP=1,37) anos, sendo que o aluno mais jovem tinha 10 anos e o mais velho 17 anos. Desses alunos, 28% cursavam o 6º. ano, 28% o 7º ano, 29% o 8º ano e 15% o 9º ano do Ensino Fundamental de escolas públicas. Os estudantes eram de diferentes cidades, sendo que 55% residia em Curitiba (PR), 16% em Sumaré (SP), 10.5% em São Paulo (SP), 9% em Fortaleza (CE) e 3% em Pouso Alegre (MG).

Instrumento

Escala de Violência Escolar - versão alunos (Stelko-Pereira, 2012). Tem como objetivo avaliar a ocorrência de violência escolar e bullying vivenciada e praticada por alunos. No presente estudo apenas foram analisados 28 itens, os quais são relativos à frequência e gravidade de situações de violência virtual. Exemplos destes itens são: enviar/receber mensagem para ofender ou xingar; enviar/receber mensagem para ameaçar que iria agredir fisicamente; publicação de mensagens sobre o aluno/pelo aluno xingando ou tirando sarro e fingir que é um aluno ou alguém ter se passado pelo aluno a fim de ofender. Para cada um destes itens, fez-se a pergunta: "O quanto isto te prejudicou ou te fez mal?".

Procedimentos

O estudo obteve aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CAAE 25377913.6.0000.5534), tendo contado para a coleta de dados com o auxílio de pesquisadores da Universidade Tuiuti do Paraná, Universidade Federal de São Carlos, Universidade de São Paulo, Universidade Estadual do Ceará e Universidade do Vale do Sapucaí.

Foram marcadas reuniões com o diretor de cada escola participante a fim de se explicar sobre a escala e com qual objetivo seria empregada. Posteriormente à aprovação do diretor, os pesquisadores foram nas salas das turmas selecionadas, explicaram os objetivos da pesquisa e a relevância da mesma, destacando o caráter voluntário da pesquisa. Foram entregues Termos de Consentimento Livre e Esclarecido e Termos de Assentimento, sendo que somente participaram os estudantes cujos ambos os termos estava assinados. A Escala foi preenchida em horário letivo e nas salas de aulas dos alunos.

Análise de dados. Os dados são apresentados por meio de porcentagens, sendo que as categorias de respostas relativas à frequência de vitimização e frequência de autoria foram agrupadas em duas categorias: "sim ocorreu" (somando-se quando o respondente anotou "1 ou 2 vezes", "3 ou 4 vezes", "5 ou 6 vezes" e "7 vezes ou mais") e "não ocorreu" (nenhuma vez). Padrão semelhante foi adotado para a análise das respostas relativas à gravidade de vitimização: "sim afetou" ("um pouco", "médio", "muito" e "muitíssimo") e "não afetou". Em seguida, fizeram-se análises de qui-quadrado comparando-se as respostas de acordo com o gênero e faixa etária (10 a 12 anos, 13 a 15 anos e mais de 15 anos).

 

RESULTADOS

Verificou-se que a porcentagem dos envolvidos em situações de violência virtual foi de 37%, sendo que, assim como indicado na Figura 1, a categoria mensagens ofensivas por meio de celular e internet foi a situação de violência mais comum, seguida por fingir ser a pessoa, ameaças, publicação de vídeos no qual a pessoa aparece de modo que possa ser ridicularizada e vídeos a ofendendo. Dentre os estudantes que afirmaram que já se envolveram em algum tipo de situação de violência virtual, em torno de 23% seriam exclusivamente vítimas, enquanto que 3% exclusivamente autor e 11% tanto vítima quanto autor de cyberbullying. Estatisticamente, os itens analisados demonstraram que existe diferença significativa (p < 0,001) quanto à frequência de envolvimento entre autores e vítimas, de forma que há muito mais alunos que se descrevem vítimas do que autores de cyberbullying.

Foram analisadas, também, as diferenças de gênero no que se refere à violência virtual. Assim, a Figura 2 ilustra que, com relação à vitimização, as meninas afirmaram sofrer mais com: ameaças psicológicas, mensagens ofensivas, xingamento e alguém fingir ser elas, enquanto que os meninos apontaram que estas eram as formas de agressão menos frequentes para eles. Já os vídeos ofensivos, as ameaças físicas e os vídeos em que a pessoa aparece de modo que possa ser ridicularizada se destacaram como as manifestações mais frequentes de violência no grupo dos meninos, enquanto que no grupo das meninas foram as menos frequentes. Apesar do padrão diferente de respostas quanto às categorias de violência virtual, estatisticamente, apenas as ameaças psicológicas (p = 0,041), as mensagens ofensivas (p = 0,036) e os vídeos em que a pessoa aparece de modo que possa ser ridiculariza (p = 0,051) apresentaram diferenças significativas quanto ao gênero.

Com relação à autoria, as análises por gênero também demonstraram um padrão diferente entre meninas e meninos, assim como demonstrado na Figura 3, embora de forma menos acentuada que as análises de vitimização. Porém, não ocorreram diferenças significativas quando comparou-se porcentagens de envolvimento de acordo com o gênero.

Houve diferenças na prática e vitimização por cyberbullying de acordo com a faixa etária. Notou-se que a faixa etária mais envolvida seja enquanto autor ou vítima se refere a alunos de 15 anos ou mais. Receber vídeos ofensivos ocorreu a 6,6% dos alunos com 15 anos ou mais, 4% dos com 13 a 14 anos e 2,4% dos com 10 a 12 anos, sendo estas proporções significativamente diferentes (X2=7,69, p=0,021). Semelhantemente, enviar vídeos ofensivos foi mais frequente aos alunos com 15 anos ou mais (3,3%), em comparação com alunos de 13 a 14 anos (2,8%) e 10 a 12 anos (0,7%), sendo essas diferenças estatisticamente relevantes (X2=8,829, p=0,012). Receber vídeos de modo que pudesse ser ridicularizado também ocorreu proporcionalmente mais aos alunos com 15 anos ou mais (7,5%) do que em relação a outras faixas etárias (10 a 12 anos, 2,8%, 13 a 14 5,6%, sendo X2=9,669, p=0,008).

Em relação a receber mensagens ofensivas, a faixa etária em que houve maior proporção de alunos vítimas foi a de 13 e 14 anos (18,8%) quando comparada a de 10 a 12 anos (12,8%) e a de 15 anos ou mais (17%), sendo esta diferença significativa (X2=8,424, p=0,015), mas quando se refere a enviar mensagens ofensivas a faixa etária com maior proporção foi a de 15 anos ou mais (12,6%), seguida pela de 13 e 14 anos (7,5%), sendo a proporção aos alunos de 10 a 12 anos de 5,1%, havendo relevância nas diferentes proporções (X2=13,284, p=0,001). Igualmente, sofrer a situação de que alguém fingiu ser a pessoa para prejudicá-la destacou-se mais na faixa etária de 13 a 14 anos (16,5%) quando contrastada com as demais faixas etárias (10 a 12 anos 11,7%, 15 anos ou mais 12,4%, sendo X2=6,504, p=0,039). Não houve diferenças estatisticamente relevantes por faixa etária quando se compararam proporções de vitimização relativas a xingamentos, ameaças físicas e psicológicas. Já em relação a situações de autoria não houve diferenças relevantes quanto a xingamentos, ameaças físicas e psicológicas, vídeos que ridicularizam e fingir ser a pessoa.

Além dos itens relativos à frequência de vitimização e autoria de violência virtual, também foram analisados os itens relativos à gravidade (Figura 4), verificando-se que dos que afirmaram ter sofrido violência virtual uma porcentagem que variou de 3% a 12% dos alunos por modalidade de violência sofrida declararam terem sido impactados negativamente. O recebimento de mensagens ofensivas e xingamentos e terem fingido ser o aluno destacaram-se por causar impacto numa porcentagem maior de estudantes.

 

DISCUSSÃO

Compreende-se que as novas tecnologias da informação são recursos adotados, dentre outras razões, para que se estabeleçam novas formas de se relacionar e que comportamentos como bullying são, muitas vezes, transpostos para o ambiente virtual. Assim, é importante que o cyberbullying seja estudado e monitorado. Com esse objetivo, o presente trabalho apontou que o envolvimento em violência virtual entre alunos seja como vítima ou autor foi de 37%, estando um pouco superior à faixa de ocorrência de cyberbullying nos estudos internacionais revistos por Bottino et al. (2015) que encontraram resultados entre 6,8% e 35,4%.

Embora esteja "dentro do padrão" verificado em outros estudos, é expressivo considerar que 34% das crianças sofrem esse tipo de violência no Brasil, especialmente considerando os impactos negativos apontados na literatura a respeito dessa temática (Bottino et al., 2015; Pinto, 2011). Destaca-se, assim, que o problema merece atenção de professores, pais e alunos.

Os dados encontrados também indicaram que provavelmente os autores do cyberbullying possuem mais de uma vítima, já que existem mais vítimas exclusivas (23%) do que autores (3%). Este resultado converge com o de Kowalski e Limber (2013) em que notou-se que, nos últimos meses, ao menos uma vez, 10% dos alunos foram vítimas exclusivas de cyberbullying, 6% de autores exclusivos e 5% de autores-vítimas. Por outro lado, diverge de Patchin e Hinduja (2010), os quais encontraram uma porcentagem de envolvidos bem maior e mais autores que vítimas em uma pesquisa com 1963 alunos do Ensino Médio de 30 escolas americanas, sendo que 23,1% dos alunos alegaram ter sido autores e 18,8% afirmaram ter sido vítima. Assim, são necessários mais estudos que verifiquem as razões destas diferenças, se devido a questões metodológicas e/ou culturais.

No que se referem às diferenças de gênero no envolvimento com situações de violência virtual, diferente do que foi verificado por Recupero (2008), que aponta uma diferença entre as formas que meninas e meninos praticam o cyberbullying, o presente estudo não verificou diferença significativa em relação a autoria desse tipo de violência entre gêneros. Recupero notou que as meninas costumam agredir de forma indireta, como rumores e comentários pejorativos e os meninos costumam utilizar vídeos e imagens de colegas em situações embaraçosas, entretanto, nas análises realizadas no presente estudo essas diferenças não apareceram de forma significativa entre os gêneros, e com relação às meninas, em particular, ameaças físicas apareceu um pouco mais do que as demais categorias, contrapondo-se a informações de agressões indiretas, destacando-se, assim, possíveis diferenças metodológicas e nos contextos em que as pesquisas ocorreram.

Contudo, estes resultados do presente estudo são similares aos da investigação de Schoffstall e Cohen (2011) em que não foram encontradas diferenças significativas em relação à frequência com que alunos e alunas praticavam cyberbullying. Já nas investigações de Li (2006), com 264 estudantes canadenses, 22% dos praticantes de cyberbullying eram do sexo masculino e 12% do sexo feminino e nas de Pinto (2011) verificou-se que meninos praticam mais o envio de links de imagens humilhantes a outras pessoas e à gravação de vídeos ou fotografias de alguém batendo ou magoando outra pessoa. Contudo, nesse estudo não se inqueriu sobre essas categorias de agressão virtual.

Em relação à vitimização por cyberbullying, verificou-se, como indicado na Figura 2, um padrão diferente para vítimas do sexo feminino e masculino. Maior porcentagem de meninas do que meninos demonstraram receber ameaças psicológicas e mensagens ofensivas, enquanto maior porcentagem de meninos do que meninas sofreram com vídeos em que a pessoa aparece de forma que possa ser ridicularizada. Em relação à frequência de vitimização virtual, as investigações de Li (2006), diferentemente do presente estudo, não evidenciaram diferenças significativas por gênero, sendo de cerca de 25% de vítimas, independentemente se homem ou mulher. Este resultado do estudo de Li foi semelhante ao de Pinto (2011), em que não se percebeu diferenças na vitimização por gênero.

Apesar dos diferentes resultados verificados nas pesquisas, vale ressaltar que meninas e meninos praticam e são vítimas de violência virtual e são afetados pelo cyberbullying. Deve-se apontar, também, que tanto a autoria quanto a vitimização por violência virtual demonstraram padrões diferentes entre os gêneros neste estudo, mesmo que apenas os dados de vitimização tenham sido significativos.

Quando se discute questões relacionadas ao gênero e cyberbullying, os elementos culturais surgem como alguns dos fatores determinantes em relação às diferenças entre mulheres e homens. Em relação à violência presencial, sabe-se que desde a infância se valoriza ações agressivas por parte de meninos, enquanto se pune manifestações de violência física por parte de meninas. Não é incomum escutar frases como "aquele menino briga como menina" em situações em que garotos não querem ou não são tão agressivos fisicamente ou "se comporte como uma mocinha", quando a menina se expressa de modo mais direto, como debater de modo mais efusivo sobre assuntos ou mesmo quando é agressiva fisicamente. Culturalmente, a figura feminina aparece associada à fragilidade, instinto maternal e a necessidade de se expressar de modo sutil, indireto e delicado.

As diferentes motivações pelas quais meninos e meninas praticam o cyberbullying, embora não sejam aspectos investigados no presente trabalho, também podem auxiliar a compreensão desse fenômeno. Caetano et al (2017) investigaram os motivos da agressão virtual na perspectiva de jovens portugueses de 10 a 23 anos. 3.525 estudantes participaram da pesquisa e destes 3,9% eram agressores e 7,6% eram vítimas. No que diz respeito a motivação dos agressores do sexo masculino, a justificativa de aborrecimento foi significativa (rs=0,206; p<0,05). Já os motivos de quebra de amizades (rs=-0,171; p<0,05) e por não gostar do outro (rs=-0,193; p<0,05) foram significativos entre as meninas.

Com relação à idade em que ocorrem situações de cyberbullying, os resultados da presente investigação são similares a algumas pesquisas e diferentes de outras. Pinto (2011) em seu estudo sobre comportamentos de cyberbullying indica que a partir da 8ª série é que ocorre maior índice de violência e, semelhantemente, a metaanálise de Kowalski et al. (2014) indicou que estudos envolvendo alunos com idades em torno de 14 a 15 anos, também notaram maior envolvimento no problema do que alunos mais novos. Assim, os resultados de Pinto (2011) e Kowalski et al. (2014) estão de acordo aos dados obtidos neste estudo, em que a faixa etária que mais se envolveu, seja como autor ou vítima, em situações de violência virtual, foi a dos alunos com idade de 15 anos ou mais, destacando-se nessa faixa etária as categorias de receber vídeos ofensivos e vídeos em que se aparece de modo a ser ridicularizado, enviar vídeos ofensivos e enviar mensagens ofensivas. Outras categorias que se destacaram neste estudo são as de receber mensagens ofensivas e de que alguém fingiu ser uma pessoa para prejudicá-la, havendo maior proporção de vítimas com 13 e 14 anos. Nas demais categorias, no presente estudo, não houve diferenças significativas entre as idades.

Cabe mencionar, contudo, que os estudos de Calvete, Orue, Estévez, Villardón e Padilla (2009) e Slonje e Smith (2008), entretanto, não verificaram diferença significativa por idades. Assim são necessários mais estudos sobre o tema, mas entende-se que no período que compreende a 8ª e a 9ª série do Ensino Fundamental os alunos passam a ter mais acesso aos meios tecnológicos e à internet sem que, contudo, exista de fato um acompanhamento dos pais, dos educadores e das instituições de ensino responsáveis.

Cabe mencionar que conforme explicitado por Calafati (2013), o bullying, o que acredita-se ser verdadeiro também para o fenômeno do cyberbullying, deve ser entendido em relação aos diversos fatores que contribuem para a sua ocorrência os quais englobam o microssistema, mesossistema, exosistema e macrossitema em que a pessoa vive. Assim, para se enfrentar o problema do cyberbullying, não é suficiente intervir com vítimas e autores, com pessoas do gênero feminino ou masculino, de maior ou menor idade, e sim deve-se elaborar estratégias para os diversos sistemas e em como estes interagem.

Em conclusão, o presente estudo buscou investigar a temática de cyberbullying no Brasil por meio de uma pesquisa empírica capaz de levantar informações objetivas a respeito das situações de violência virtual que ocorreram em algumas escolas brasileiras. Verificou-se que o índice de envolvimento em violência virtual nas escolas brasileiras investigadas foi de 37%, destacando-se a importância de estudar e intervir sobre essa forma de violência. Destacaram-se também as diferenças de gênero na vitimização por cyberbullying, de modo que meninas demonstraram sofrer em maior proporção com ameaças psicológicas e mensagens ofensivas e os meninos com vídeos em que a pessoa aparece de modo que possa ser ridicularizada. Assim, verificou-se a importância da pesquisa na compreensão de que para além de investigar as situações de violência virtual, devem-se investigar os aspectos sociais e culturais relativos ao gênero.

Considerou-se relevante que por meio do presente estudo tenha sido destacada a importância de se investigar de forma mais intensa o cyberbullying entre os alunos do 8ª e 9ª ano do Ensino Fundamental, bem como discutir formas de intervenção apropriadas a jovens nessa faixa etária, já que estes demonstraram maior envolvimento com violência virtual. A verificação de faixas de maior incidência desse tipo de violência é fundamental para que se desenvolvam formas eficazes de intervenção e para ajudar na criação de estratégias de prevenção do cyberbullying.

Além disso, este estudo possui relevância por ser um dos pioneiros sobre a temática no Brasil. Contudo, esta pesquisa possui limitações, como não ter abrangido todos os estados do país, apresentando, assim, uma amostra pouco representativa das diferentes regiões do país. Além disso, o número de participantes e escolas por estado não foram os mesmos, e não realizou-se análises mais complexas verificando efeitos mediadores entre cyberbullying, gênero e idade, como realizado por Barlett e Coyne (2014).

Apesar destas limitações, destaca-se, contudo, a relevância e importância dos dados apresentados que, ainda assim, são expressão das situações de violência virtual vividas pelos 1534 estudantes que participaram da pesquisa e instigam para a necessidade de promoção de estratégias de capacitação. Capacitar alunos, professores, coordenadores, assistentes, pais e todos que se relacionam com crianças e adolescentes a respeito da internet e do seu uso, a fim de esclarecer os perigos e as consequências da violência virtual é fundamental.

 

REFERÊNCIAS

Barlett, C., & Coyne, S. M. (2014). A meta-analysis of sex differences in cyber-bullying behavior: The moderating role of age. Aggressive Behavior, 40,474-488. doi: 10.1002/ab.21555.         [ Links ]

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* Agradecimentos aos pesquisadores que contribuíram com a coleta de dados: Camila N. Comodo, Camila Fernandes, Felipe Alckmin Carvalho, Mayta Lobo dos Santos e Paula I. C. Gomide.
Apoio financeiro do CNPQ.

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