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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.47 São Paulo jul./dez. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/2175-3520.20180019 

ARTIGOS

 

Gerenciamento de tempo: uma interpretação analítico-comportamental*

 

Time management: a behavior analysis interpretation

 

Gestión del tiempo: una interpretación analítica-conductual

 

 

Shimeny MichelatoYoshiyI; Nádia KienenII

IORCID: 0000-0002-2583-0209. Programa de Mestrado em Análise do Comportamento, Universidade Estadual de Londrina. shimeny.michelato@gmail.com
IIORCID: 0000-0003-2179-3700. Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento Programa de Mestrado em Análise do Comportamento, Universidade Estadual de Londrina

 

 


RESUMO

O gerenciamento de tempo no ensino superior pode contribuir para uma melhor organização das demandas acadêmico-profissionais e pessoais no contexto universitário. O objetivo deste estudo foi interpretar o fenômeno do gerenciamento de tempo a partir de recursos conceituais da Análise do Comportamento por meio de revisão integrativa. Em bases de dados científicas, foram selecionados 10 artigos sobre o gerenciamento de tempo no contexto universitário. A partir da leitura dos artigos, quatro critérios foram elaborados para selecionar informações: definição de gerenciamento de tempo; estratégias de gerenciamento de tempo; dificuldades no gerenciamento de tempo; e consequências do gerenciamento de tempo. As informações selecionadas foram organizadas em duas categorias: "Conceitos da análise do comportamento" e "Comportamentos ou componentes de comportamentos de gerenciamento de tempo". A primeira contém quatro subcategorias: a) Autocontrole, b) Autoconhecimento, c) Tomada de decisão d) Resolução de problemas. A segunda contém cinco subcategorias: a) Aplicação de técnicas ou recursos, b) Planejamento, c) Produtividade e Saúde, d) Desempenho Acadêmico e) Organização. Examinou-se a importância do autocontrole para gerenciar as atividades ao longo do tempo, pois aspectos relativos a esse comportamento como evitar a procrastinação acadêmica e emitir respostas autocontroladas foram identificados na maioria dos artigos analisados. O autocontrole parece envolver processos de autoconhecimento, tomada de decisão e resolução de problemas. Os resultados demonstram que a interpretação analítico-comportamental sobre esse fenômeno traz contribuições relevantes para esclarecer os tipos de comportamentos requeridos para que o indivíduo seja capaz de gerir suas atividades ao longo do tempo de maneira autônoma e efetiva.

Palavras-chave: análise do comportamento, desempenho acadêmico, autocontrole, estudantes universitários, revisão da produção científica.


ABSTRACT

Time management in higher education may contribute to a better organization of the academic-professional and personal demands in the university context. This study aimed at interpreting the phenomenon of time management from the conceptual resources of Behavior Analysis through a bibliographic review. We selected from scientific database 10 articles on time management in university context. From the reading of the articles, four criteria were created to select information: definition of time management; Time management strategies; Difficulties in time management; and consequences of time management. The selected information was organized into two categories: "Complex Behavior Analysis Concepts" and "Behaviors or Components of Time Management Behaviors". The first one contains four subcategories: (a) Self-control, (b) Self-knowledge, (c) Decision making, and (d) Problem solving. The second one contains five subcategories: a) Application of techniques or resources, b) Planning, c) Productivity and health, d) Academic performance, and e) Organization. The importance of self-control to manage activities over time was examined, since aspects related to this complex behavior such as avoiding academic procrastination and emitting self-controlled responses were identified in most articles analyzed. Self-control seems to involve processes such as self-knowledge, decision making, and problem solving. The results show that the analytic-behavioral interpretation on this phenomenon brings relevant contributions to clarify the types of behaviors required for the individuals to be able to manage their activities over time in an autonomous and effective way.

Keywords: behavior analysis, academic achievement, self-control, college students, scientific literature review.


RESUMEN

La gestión del tiempo en la enseñanza superior puede contribuir para una mejor organización de las demandas académico-profesionales y personales en el contexto universitario. El objetivo de este estudio fue interpretar el fenómeno de la gestión de tiempo a partir de recursos conceptuales del Análisis del Comportamiento por medio de una revisión bibliográfica. Con base en datos científicos, se seleccionaron 10 artículos sobre la gestión de tiempo en el contexto universitario. A partir de la lectura de los artículos, cuatro criterios fueron elaborados para seleccionar informaciones: definición de gestión de tiempo; estrategias de gestión de tiempo; dificultades en la gestión del tiempo, y; las consecuencias de la gestión del tiempo. La información seleccionada se organizó en dos categorías: "Conceptos complejos del análisis del comportamiento" y "Comportamientos o componentes de comportamientos de gestión de tiempo". La primera contiene cuatro subcategorías: a) autocontrol, b) autoconocimiento, c) toma de decisión d) resolución de problemas. La segunda contiene cinco subcategorías: a) aplicación de técnicas o recursos, b) planificación, c) productividad y salud, d) desempeño académico e) organización. Se examinó la importancia del autocontrol para gestionar las actividades a lo largo del tiempo, pues aspectos relativos a ese comportamiento complejo, como evitar la procrastinación académica y emitir respuestas autocontroladas, fueron identificados en la mayoría de los artículos analizados. El autocontrol parece involucrar procesos de autoconocimiento, toma de decisión y resolución de problemas. Los resultados demuestran que la interpretación analítico-conductual sobre este fenómeno aporta contribuciones relevantes para esclarecer los tipos de comportamientos requeridos para que el individuo sea capaz de gestionar sus actividades a lo largo del tiempo de manera autónoma y efectiva.

Palabras clave: análisis de comportamiento, rendimiento académico, autocontrol, estudiantes universitarios, revisión de la producción científica.


 

 

Dentre as várias definições e interpretações sobre o fenômeno do gerenciamento de tempo encontradas na área de conhecimento da Psicologia, são recorrentes estudos na perspectiva cognitivista e voltados à investigação de aspectos tais como a procrastinação e o desempenho acadêmico. Esses estudos investigam a relação entre traços de personalidade, procrastinação e desempenho acadêmico (Kim, Fernandez, & Terrier, 2017); a relação entre força de vontade, autorregulação e desempenho acadêmico sobre o comportamento de procrastinar (Job, Walton, Bernecker, & Dweck, 2015); assim como programas de intervenção para desenvolvimento de habilidades de estudo (Paola, Scoppa, 2015) e de gerenciamento de tempo sobre o comportamento de procrastinar (Häfner, Oberst, & Stock, 2014).

Definir ou caracterizar fenômenos de modo subjetivo e/ou com termos vagos é um obstáculo para a explicação do comportamento, pois atribui a causalidade do comportamento a instâncias internas ou não físicas, o que sob a perspectiva analítico-comportamental afasta as variáveis de controle do comportamento que devem ser identificadas no ambiente em que o comportamento ocorre. Um dos problemas da definição e caracterização imprecisa dos comportamentos é a utilização de termos vagos, pois dificulta não apenas a comunicação entre os indivíduos que são interessados por um mesmo fenômeno, mas a própria visibilidade acerca do que constitui tal fenômeno.

A partir de uma perspectiva analítico-comportamental de investigação dos fenômenos, a proposta de Skinner (1945) consiste na análise do uso dos termos cognitivistas com base em conceitos comportamentais. Sob a ótica skinneriana, comportamento é produto de uma história de seleção de variações (ações do indivíduo) por eventos ambientais (consequentes) diante de condições específicas (antecedentes) ao longo do tempo (explicação histórica). As ações do organismo são mantidas e determinadas pelas suas consequências; essa relação de interdependência entre as ações do organismo e o ambiente altera a probabilidade de o organismo comportar-se de certa forma no futuro (Skinner, 1953/2003). Conforme essa perspectiva, o "gerenciamento de tempo"é comportamento. Portanto, é produto das variáveis ambientais e, nesse sentido, pode ser analisado como qualquer outro comportamento. Apesar desse fenômeno ser mais precisamente nomeado "gerenciar atividades de acordo com o tempo disponível" e não "gerenciar o tempo", uma vez que o tempo pode ser considerado uma série ininterrupta e infindável de eventos, sendo as atividades (e não o tempo!) passíveis de modificação, esse fenômeno será sinteticamente nomeado "gerenciamento de tempo" já que é uma expressão comumente utilizada em diferentes áreas do conhecimento para nomear esse fenômeno.

O tema gerenciamento de tempo começou a ser estudado na década de 1950. Desde então, o conceito de "gerenciamento de tempo" foi definido e operacionalizado de várias maneiras. Uma revisão de 32 estudos empíricos, realizada por Claessens, Van Eerde, Rutte e Roe (2007), examinou o estado da arte sobre o fenômeno gerenciamento de tempo dos anos de 1982 a 2005 e demonstrou que o conceito não é definido de forma clara e que muitas dessas pesquisas foram baseadas em estudos transversais e usando apenas instrumentos de autorrelato, alguns com instrumentos não validados e, portanto, apresentaram resultados não confiáveis do ponto de vista científico. As diferentes definições e interpretações de gerenciamento de tempo examinadas por Claessens et al. (2007) referem-se a: processos (envolvidos na determinação de necessidades e objetivos, planejamento e priorização de tarefas para atingir metas); técnicas de manejo do tempo (para maximizar a produtividade); planejamento e alocação do tempo; grau de percepção de uso do tempo; aplicação de processos de autorregulação no domínio temporal; ausência de definição; uso de procedimentos que ajudam o indivíduo a alcançar seus objetivos; dentre outras.

Nota-se uma variedade de critérios para as definições de gerenciamento de tempo e isso gera problemas na teoria e na prática, uma vez que "as teorias afetam a prática (...) Confusão na teoria significa confusão na prática" (Skinner, 1953/2003, p. 23). Definições imprecisas são problemáticas, pois fragilizam a fundamentação teórica por não fornecerem a consistência conceitual necessária para a validação de evidências empíricas e impossibilitarem o consenso científico acerca do tema.

A interpretação do fenômeno gerenciamento de tempo a partir de instrumentos ou técnicas para aperfeiçoar o uso do tempo ou por meio da caracterização do uso do tempo pode ser insuficiente para compreender este fenômeno. Em vista disso, o objetivo deste estudo foi interpretar o fenômeno de gerenciamento de tempo a partir de recursos conceituais da Análise do Comportamento, por meio dos conceitos de comportamento,autocontrole, autoconhecimento, tomada de decisão e resolução de problemas.

 

MÉTODO

Seleção do material

Foram realizadas buscas bibliográficas de artigos sobre a temática "gerenciamento de tempo" em bases de dados on-line por meio do Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES). No site do Portal CAPES, por meio do recurso "busca avançada", foram restringidas as bases de dados por meio da utilização dos filtros "ciências humanas" e "Psicologia". Isso produziu como resultado a listagem de 40 bases de dados, sendo que para o presente estudo foram utilizadas três delas: PsycNET (PsycINFO, PsycARTICLES, APAbooks), PePSIC e Scielo.

Na base de dados PsycNET, foram utilizadas as seguintes combinações de palavras-chave: "time management" AND "behavior analysis"; time management AND didactic material; time management ANDteaching programming; "time management" AND "college students"; e "college students"AND"time management skills". No PePSIC e Scielo, as seguintes combinações foram utilizadas: (organização do tempo OR uso do tempo OR administração do tempo OR gerenciamento do tempo OR manejo do tempo); (organização do tempo OR uso do tempo OR administração do tempo OR gerenciamento do tempo OR manejo do tempo AND material didático-instrucional OR material didático OR material programado); (organização do tempo OR uso do tempo OR administração do tempo OR gerenciamento do tempo OR manejo do tempo AND estudante OR estudantes); (organização do tempo OR uso do tempo OR administração do tempo OR gerenciamento do tempo OR manejo do tempo AND habilidade OR treinamento OR técnica); (tempo OR organização AND universitários).

Foram estabelecidos como critérios de inclusão para a recuperação dos artigos: (a) pesquisas de qualquer abordagem psicológica; (b) pesquisas de caracterização ou aplicação do gerenciamento de tempo; (c) avaliadas por pares. Como critérios de exclusão foram considerados: (a) idiomas diferentes de português ou inglês; (b) pesquisas em que o gerenciamento de tempo era aplicado em contextos não acadêmicos (e. g. área hospitalar) e sem uma intervenção aplicada; (c) estudos de reflexão teórica; (d) teses e dissertações.

O levantamento do material foi realizado de janeiro a março de 2016. Ao todo, foram encontradas 285 publicações, das quais 16 foram previamente selecionadas a partir do exame dos títulos e palavras-chaves e, posteriormente, da leitura dos resumos. Após a leitura completa dos artigos, considerando os critérios de inclusão e exclusão, 10 artigos foram selecionados, conforme Tabela 1.

Procedimentos

Primeiramente foi realizada a leitura, na íntegra, dos dez artigos selecionados. A partir dessa leitura, foi possível identificar que várias das informações apresentadas tinham relação com conceitos da Análise do Comportamento, ainda que não utilizassem diretamente a linguagem dessa perspectiva teórica. Como exemplo, é possível citar Oliveira et al. (2016) que, ao tratar de procrastinação, afirmou haver "dificuldade frequente de evitar atividades que as distraem das tarefas prioritárias" (p. 228), o que foi relacionado ao conceito de autocontrole, uma vez que diz respeito à dificuldade de se dedicar a tarefas prioritárias.

Em seguida, foram elaborados critérios para orientar a seleção de informações relevantes ao objetivo deste estudo: (a) Definição de Gerenciamento de Tempo (referente à definição de gerenciamento de tempo para o autor do artigo), (b) Estratégias de Gerenciamento de Tempo (uso de recursos ou técnicas de gerenciamento de tempo e comportamentos do indivíduo para promover ou aprimorar o gerenciamento de tempo), (c) Dificuldades no Gerenciamento de Tempo (comportamentos do indivíduo que dificultavam ou impediam o gerenciamento de tempo), (d) Consequências do gerenciamento de tempo (efeitos do gerenciamento de tempo para a saúde e produtividade).

Posteriormente, realizou-se a transcrição literal dos trechos selecionados, a partir dos critérios,juntamente com a referência bibliográfica e a localização do trecho na obra. Em seguida, as informações foram categorizadas por meio da identificação de palavras-chave nos trechos, as quais foram classificadas a partir de recursos conceituais da Análise do Comportamento, a partir das seguintes categorias e subcategorias: (1) "Conceitos da Análise do Comportamento" - a) Autocontrole, b) Autoconhecimento, c) Resolução de problemas, e d) Tomada de decisão - (2) "Comportamentos ou componentes de comportamentos de gerenciamento de tempo": a) Aplicação de técnicas ou recursos, b) Desempenho Acadêmico, c) Planejamento, d) Produtividade e Saúde, e) Organização.

Em relação aos "Conceitos da Análise do Comportamento",as definições que orientaram a categorização dos dados foram: (a) autocontrole - emissão de respostas de manipulação de variáveis do ambiente (respostas controladoras), alterando a probabilidade de outra resposta (resposta controlada) (Skinner, 1953/2003); (b) autoconhecimento - comportamento verbal discriminativo, expressa um conhecimento sobre as variáveis que controlam o próprio comportamento (Skinner, 1953/2003); (c) resolução de problemas - implica emitir comportamentos preliminares para alcançar a resposta solução (Skinner, 1953/2003) e (d) tomada de decisão - manipulação de variáveis ambientais de modo a ampliar o conhecimento a respeito das consequências envolvidas na emissão das respostas disponíveis e assim aumentar a probabilidade de reforço no comportamento de escolha (Nico, 2001).

No que se refere aos "Comportamentos ou componentes de comportamentos de gerenciamento de tempo" foram categorizados os dados em relação à: (a) aplicação de técnicas ou recursos - uso de agenda, aplicativo de celular e lembretes; (b) planejamento - decidir quais tarefas desempenhar, definir prioridades, definir objetivos, estabelecer planos, compor listas de atividades, cumprir prazos, definir horários para lazer e estudo, e respeitar prazos; (c) produtividade e saúde - melhorar a produtividade e reduzir o estresse, diminuir a tensão e aumentar a satisfação no trabalho; (d) desempenho acadêmico - médias anuais de estudantes e sucesso acadêmico; (e) organização - lidar com mudanças e fazer planos para organizar o tempo, criar rotinas de estudo e dividir as atividades para melhor execução.

Os dados analisados foram organizados em duas tabelas, uma para cada categoria(Conceitos da Análise do Comportamento e Comportamentos ou componentes de comportamentos de gerenciamento de tempo). Em cada tabela foram inseridos, para cada artigo analisado,os trechos correspondentes a cada subcategoria.

 

RESULTADOS

Dos artigos analisados, oito utilizaram inventários ou outros instrumentos para caracterizar o gerenciamento de tempo (Bembenutty, 2009; Britton & Tesser,1991; Ishimura & Kodama, 2009; Kaminski, Turnock, Rosén, & Laster, 2006; Leite, Tamayo, & Günther, 2003; MacCann, Fogarty, & Roberts, 2012; Macan, Shahani, Dipboye, & Phillips, 1990; Pellegrini, Calais, & Salgado, 2012) e dois tratavam da elaboração e avaliação de oficinas que envolviam o gerenciamento de tempo (Basso, Graf, Lima, Schmidt, & Bardagi , 2013; Oliveira, Carlotto, Teixeira, & Dias, 2016).

Na Figura 1, é possível observar os resultados referentes à categoria "Conceitos da análise do comportamento". O conceito mais frequentemente identificado nos estudos foi autocontrole(em sete dos dez artigos analisados), seguido de tomada de decisão e autoconhecimento (em dois artigos cada) e, por fim, resolução de problemas (em apenas um artigo).

A partir da Figura 1, é possível identificar, em relação ao autocontrole, que a maioria dos trechos dos artigos analisados faz referência à procrastinação acadêmica(Basso et al. , 2013; Leite et al, 2003; Macan et al. , 1990; Oliveira et al. , 2016). Além disso,no estudo de Bembenutty (2009), foi possível identificar que o gerenciamento do tempo foi definido como atraso de gratificação dependente das crenças motivacionais e processo de decisão dos estudantes. O autor citou a "autoeficácia" como estratégia de gestão do tempo, de modo que quanto maior a autoeficácia, melhor o manejo do tempo. A definição de gerenciamento de tempo apresentada por Ishimura e Kodama (2009) se referiu a uma "habilidade autorregulatória" que envolve discernir as maneiras mais eficientes de usar o tempo. Já Britton e Tesser (1991) também fizeram menção à autoeficácia, porém, associando-a à capacidade de "dizer não" a determinadas tarefas ou rotinas como forma de evitar sobrecarga de atividades.

Em relação à tomada de decisão, verificou-se que esta foi indicada nos estudos de Oliveira et al. (2016) e de Bembenutty (2009). Oliveira et al. (2016) definiram o gerenciamento de tempo como o processo de tomar decisões sobre quais tarefas desempenhar e definir a prioridade de cada uma delas. Em relação às estratégias para gerenciamento de tempo, a tomada de decisão foi considerada como essencial para que o indivíduo não assuma tarefas que não pode realizar: "não decidir imediatamente para que se possa verificar se a atividade está de acordo com os objetivos e prioridades (...)" (p. 230). Já no estudo de Bembenutty (2009), a tomada de decisão foi relacionada à motivação e ao processo de decidir.

Quanto ao autoconhecimento, também foi indicado em dois estudos (Basso et al. , 2013; Oliveira et al. , 2016) e, em ambos, foi relacionado a estratégias para gerenciamento de tempo. No estudo de Oliveira et al. (2016), diz respeito ao "discernimento" das tarefas importantes ou urgentes. No caso de Basso et al. (2013) foi tratado como identificar "fatores intervenientes", os quais favorecem a procrastinação. Essa identificação foi considerada o primeiro passo para eliminar os fatores intervenientes a fim de superar a procrastinação acadêmica. Além disso, foi ressaltada a importância das atividades acadêmicas: "fazer uma ressignificação do lugar das atividades acadêmicas para cada um, estabelecer prioridades e redimensionar o tempo (...)" (Oliveira et al. , 2016, p. 285).

Por fim, a resolução de problemas foi identificada apenas no estudo de Pellegrini et al. (2012), ao definirem gerenciamento de tempo como "respostas de enfrentamento ao estresse". Neste caso, segundo os autores, resolver problemas relativos ao gerenciamento de tempo poderia reduzir o estresse e a tensão somática devido ao gerenciamento eficiente das atividades ao longo do tempo.

Na Figura 2 encontram-se os dados referentes à categoria "Comportamentos ou componentes de comportamentos de gerenciamento de tempo". A subcategoria mais frequentemente identificada nos estudos foi planejamento (em seis artigos analisados), seguida de produtividade e saúde e de desempenho acadêmico (quatro artigos cada), e, por fim, organização e aplicação de técnicas e recursos (dois artigos cada).

Quanto ao planejamento, Oliveira et al. (2016) e Bembenutty (2009) destacam como gerenciamento de tempo,"competências" ou comportamentos, tais como: definir objetivos e prioridades (em curto e longo prazo), estabelecer planos, compor listas de atividades, manejar imprevistos, cumprir prazos. Planejamento de curto e longo prazo também foi destacado por Britton e Tesser (1991). Já no estudo de Basso et al. (2013), a definição desse fenômeno teve como foco o planejamento das atividades extracurriculares, o qual deve ser o suficiente para completar as atividades, preparar-se para as avaliações e melhorar o desempenho acadêmico. Nos estudos de Leite et al. (2003) e Pellegrini et al. (2012), o planejamento diz respeito a identificar metas, colocá-las em ordem de prioridade ou importância, e então alocar tempo e recursos adequadamente. O grau de importância e urgência determinarão as metas e as estratégias (Leite et al. , 2003).

A subcategoria produtividade e saúde foi indicada na concepção de gerenciamento de tempo no estudo de Oliveira et al. (2016). Os autores destacam que comportamentos de gerenciar o tempo podem promover a produtividade e a redução do estresse. Além de diminuir o nível de estresse, Pellegrini et al. (2012) destacam que a produtividade e a saúde estão relacionadas à melhora da eficiência, satisfação e saúde geral. Em relação às dificuldades no gerenciamento do tempo, o déficit em comportamentos de administração de tempo foi considerado como estressor e relacionado ao baixo desempenho acadêmico nos estudos de Macan et al. (1990) e Pellegrini et al. (2012). Em Leite et al. (2003) e Macan et al. (1990), o gerenciamento de tempo foi relacionado à diminuição da tensão somática e do estresse, e ao aumento de satisfação no trabalho e na vida pessoal.

Quanto ao desempenho acadêmico, o estudo de Britton e Tesser (1991) apontaram o gerenciamento de tempo relacionado ao aumento das notas médias de universitários. No caso de Bembenutty (2009), o desempenho acadêmico foi considerado como resultado da performance, a qual afeta a aprendizagem atual e o desempenho acadêmico no futuro. Ao considerar as consequências do gerenciamento de tempo, Britton e Tesser (1991) afirmam que práticas de gestão do tempo devem desempenhar um papel na "realização educacional". No estudo de Kaminski et al. (2006), a boa gestão do tempo e a liberdade de preocupações financeiras estão associados ao sucesso acadêmico. No estudo de MacCann et al. (2012), também foi encontrada relação entre gerenciamento de tempo e resultados acadêmicos, e foi ressaltada a importância de programas de treinamento em gestão do tempo para a melhoria do desempenho acadêmico.

A subcategoria organização foi identificada no estudo de MacCann et al. (2012) ao definir gerenciamento de tempo a partir de vários fatores: utilizar itens como fazer listas, lidar com mudanças. No estudo de Oliveira et al. (2016), estratégias são sugeridas para melhorar a organização, como por exemplo, centralizar as informações relacionadas às tarefas a serem realizadas para que fiquem em apenas um local (agenda ou aplicativo de celular). Outras sugestões foram apresentadas no estudo de Basso et al. (2013): criar rotinas de estudo e dividir as atividades para garantir sua execução para potencializar os resultados acadêmicos.

Por fim, a partir dos estudos de Basso et al. (2013) e Oliveira et al. (2016) foi possível identificar indicações sobre aplicação de técnicas ou recursos. Os autores descrevem a utilização da agenda e a preparação do ambiente de estudo como estratégia para gerenciamento de tempo.

 

DISCUSSÃO

A interpretação do fenômeno gerenciamento de tempo a partir de recursos conceituais da Análise do Comportamento pode produzir maior visibilidade a respeito desse fenômeno, possibilitando examiná-lo como um processo comportamental a ser desenvolvido no repertório dos indivíduos. Entretanto, para que esse desenvolvimento se torne possível, é necessário primeiramente caracterizar os tipos de comportamentos que constituem esse fenômeno.

As subcategorias autocontrole, autoconhecimento, resolução de problemas e tomada de decisão dizem respeito a ações do sujeito determinadas e mantidas pelas suas consequências. "Quando o homem se controla, escolhe um curso de ação, pensa na solução de um problema, ou se esforça em aumentar o autoconhecimento, está se comportando" (Skinner, 1953/2003, p. 250). Autocontrole, autoconhecimento, tomada de decisão e resolução de problemas fazem parte de um repertório dito "especial", responsável pelo autogoverno dos indivíduos (Nico, 2001), e o autoconhecimento pode ajudar a promover o autogoverno. Dada a importância desses comportamentos na promoção da autonomia dos indivíduos por meio do autogoverno, parece que esses são essenciais para gerir as atividades ao longo do tempo. Isso pode ser observado a partir da análise dos artigos desta revisão.

Os comportamentos denominados autocontrolesão definidos por Skinner (1953/2003) como emitir respostas de manipulação de variáveis do ambiente (respostas controladoras), alterando a probabilidade de outra resposta (resposta controlada). O comportamento de autocontrole pode ocorrer pela existência de consequências conflitantes (reforçadoras e punitivas) e pela separação temporal dessas consequências (imediatas e atrasadas). Desse modo, quanto maior o conflito entre as consequências e maior a separação temporal entre elas, mais complexa se torna a emissão de respostas autocontroladas (Nico, 2001). Essas consequências conflitantes são recorrentes no contexto universitário, uma vez que os estudantes precisam administrar demandas pessoais (e. g. lazer, tempo com a família e amigos, cuidados pessoais, saúde) e demandas acadêmicas (e. g. provas, projetos, atividades extraclasse) de acordo com o tempo disponível, conforme identificado nos estudos analisados. Além disso, precisam criar estratégias para lidar com a procrastinação, fenômeno recorrente entre estudantes universitários (Kim et al. , 2017), que pode causar prejuízos cognitivos, acadêmicos e comportamentais. Isso pode ser feito por meio de estratégias de autocontrole, a partir da avaliação das consequências imediatas e de longo prazo das ações e da emissão de respostas autocontroladas.

Os termos utilizados na literatura analisada parecem estar relacionados ao fenômeno denominado autocontrole na Análise do Comportamento. Como visto, cita-se a "autoeficácia" como estratégia de gestão do tempo, uma vez que o gerenciamento do tempo envolve crenças motivacionais e processo de decisão dos estudantes. Ainda, menciona-se a gestão do tempo como "habilidade autorregulatória" que envolve discernir as maneiras mais eficientes de usar o tempo. Essas definições são semelhantes ao fenômeno denominado autocontrole na Análise do Comportamento, uma vez que "atraso de gratificação" implica esperar para ter acesso à consequência reforçadora, devido ao conflito entre as consequências imediatas e as de médio ou longo prazo. Assim, "habilidade autorregulatória" e "autoeficácia"podem ser entendidas como emissão de respostas autocontroladas.

O processo de tomada de decisão implica o indivíduo manipular as variáveis ambientais para ampliar seu conhecimento sobre as consequências envolvidas na emissão de suas respostas antes de decidir. Decidir não é simplesmente emitir uma resposta, mas consiste em manipular variáveis ambientais de modo a ampliar o conhecimento a respeito das consequências envolvidas na emissão das respostas disponíveis, o que aumenta a probabilidade de reforço do comportamento de escolha (Nico, 2001). Como visto nos artigos analisados, algumas estratégias auxiliam a tomar decisões: não decidir imediatamente, decidir a ordem em que as atividades serão feitas, quais atividades acadêmicas extracurriculares serão realizadas, definir o grau de importância e urgência das atividades, e organizar as informações em listas ou agenda, o que poderia estar associado ao processo de planejamento.

Autoconhecimento diz respeito a conhecimento sobre o próprio comportamento. Para Skinner (1953/2003), o autoconhecimento é tratado como discriminação de estados encobertos e públicos, podendo auxiliar na mudança de comportamento, pois quanto maior o autoconhecimento, maior a probabilidade de o indivíduo se autocontrolar (Brandenburg & Weber, 2005). Dos artigos analisados, um deles relaciona o autoconhecimento ao autocontrole, ao destacar a necessidade de identificar e manipular variáveis relativas à procrastinação e outro explicita a importância de "discernir" entre urgência e importância das tarefas.

Vale destacar que, além de auxiliar no comportamento de autocontrole, o autoconhecimento também pode auxiliar na tomada de decisões e resolução de problemas, uma vez que, a partir do conhecimento de si próprio, é possível decidir e resolver problemas com maior precisão devido ao conhecimento das variáveis que controlam o próprio comportamento, conforme proposto por Skinner (1953/2003). Desse modo, o indivíduo que identifica os fatores que geram os problemas relacionados ao gerenciar suas atividades ao longo do tempo, como os que propiciam a procrastinação acadêmica e o rendimento acadêmico insatisfatório, torna-se capaz de utilizar o conhecimento desses fatores para manipular variáveis ambientais que favoreçam comportamentos que promovam maior autogoverno.

A resolução de problemas caracteriza-se como um processo que abrange três aspectos: a situação problemática, os comportamentos preliminares e a resposta solução (Skinner, 1953/2003). Desta forma, resolver um problema não é apenas emitir a resposta solução, mas também envolve as respostas preliminares que a antecedem. Resolver problemas implica alterar o ambiente, o próprio indivíduo ou a situação, de maneira a favorecer a ocorrência da resposta ou modificar o estado de privação ou estimulação aversiva em que o indivíduo se encontra (Skinner,1968/1972). Nos artigos analisados, identificam-se como situações problemáticas em relação ao gerenciamento de tempo ineficiente a procrastinação acadêmica, baixo rendimento acadêmico e prejuízos para saúde física e mental. Gerenciar o tempo de forma mais eficiente parece requerer, então, que o estudante se torne capaz de avaliar essas situações, bem com a influência dessas sobre seu comportamento no cotidiano.

Além dos comportamentos analisados na categoria dos conceitos da Análise do Comportamento, outros fatores importantes para compreender o gerenciamento do tempo foram identificados na categoria "Comportamentos ou componentes de comportamentos de gerenciamento de tempo".

Nos artigos analisados, foi possível identificar ações que os estudantes necessitam realizar para gerenciarem seu tempo, tais como: definir objetivos de acordo com as prioridades, alocar os recursos e tempo de maneira adequada e gerenciar imprevistos, além de aplicar diferentes técnicas de gerenciamento de tempo, tais como uso de agenda e manejo de recursos físicos. Foi possível, também, identificar consequências que o gerenciamento de tempo produz, tanto para a saúde, quanto para o desempenho acadêmico do estudante. Ou seja, a produtividade e saúde, somadas ao desempenho acadêmico, são consequências do gerenciamento de tempo eficaz. Por outro lado, o mau gerenciamento do tempo pode estar relacionado à tensão somática e ao estresse, e também à insatisfação com o desempenho geral, como também pontuado nos referidos artigos.

De modo geral, é possível observar que o planejamento, a organização e as consequências do gerenciar o tempo de modo eficaz podem ser atingidos por meio de comportamentos como o autoconhecimento, autocontrole, resolução de problemas e tomada de decisão. Desta forma, os comportamentos referentes às duas categorias elaboradas neste estudo podem ser relacionados: o autoconhecimento pode auxiliar na elaboração de objetivos e no planejamento de forma geral; os comportamentos de autocontrole, resolução de problemas e tomada de decisão facilitam a promoção de autonomia e melhorado autogoverno (Nico, 2001; Skinner, 1953/2003), por isso podem estar envolvidos na organização e cumprimento do planejamento.

Os conceitos examinados neste trabalho trazem contribuições importantes porque possibilitam compreender que gerenciar o tempo é um processo comportamental e, como tal, depende de variáveis ambientais. Tais variáveis podem ser manipuladas, não apenas por agentes externos tais como professores ou gestores, mas pelos próprios indivíduos que necessitam gerenciar suas atividades acadêmico-profissionais no tempo. Trata-se de um processo comportamental que, apesar de complexo, pode ser aprendido, sendo necessário apenas que sejam dispostas contingências adequadas para o desenvolvimento desse tipo de repertório. Considerando a relevância desse repertório para a vida acadêmica e profissional de quaisquer estudantes, entende-se que a interpretação analítico-comportamental sobre esse fenômeno traz contribuições relevantes para esclarecer os tipos de comportamentos requeridos para que o indivíduo seja capaz de gerir suas atividades ao longo do tempo de maneira autônoma e efetiva.

 

REFERÊNCIAS

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* Artigo derivado da dissertação de mestrado da autora, sob orientação da co-autora.

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