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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.52 São Paulo jan./jun. 2021

http://dx.doi.org/10.23925/2175-3520.2021i52p10-21 

ARTIGOS

 

Origem social e percurso: mérito e contingência entre egressos de um curso superior

 

Social origin and career: merit and contingency among graduates

 

Origen social y trayectorias mérito y contingencia entre los graduados

 

 

Claúdia Beatriz de Lima NicácioI; Rosânia Rodrigues de SousaII; Letícia GodinhoIII; Marina Alves AmorimIV; Vera Scarpelli CastilhoV

IFundação João Pinheiro - FJP - Belo Horizonte - MG - Brasil; claudia.beatriz@fjp.mg.gov.br
IIFundação João Pinheiro - FJP - Belo Horizonte - MG - Brasil; rosania.sousa@fjp.mg.gov.br
IIIFundação João Pinheiro - FJP - Belo Horizonte - MG - Brasil; leticia.godinho@fjp.mg.gov.br
IVFundação João Pinheiro - FJP - Belo Horizonte - MG - Brasil; marina.amorim@fjp.mg.gov.br
VFundação João Pinheiro - FJP - Belo Horizonte - MG - Brasil; vera.scarpelli@fjp.mg.gov.br

 

 


RESUMO

A problemática das desigualdades educacionais evidencia a influência da origem social sobre aspectos que envolvem o acesso e a permanência dos estudantes no ensino superior e ao longo da trajetória profissional. Este artigo tem como objetivo analisar em que medida o Curso de Administração Pública (CSAP) da Fundação João Pinheiro (FJP) é atravessado pela reprodução da estrutura de classes, seja da perspectiva dos ingressantes, seja da perspectiva dos egressos, à luz do referencial teórico de Bourdieu e Lahire. Realizou-se uma análise quanti e qualitativa dos dados dos alunos egressos do Curso de Administração Pública da Fundação João Pinheiro. A abordagem quantitativa nos forneceu um perfil do grupo estudado, a partir da análise de variáveis relacionadas à origem de classe. Entrevistas foram utilizadas para entender os percursos específicos dos sujeitos entrevistados. Corroborando o que apontam estudos da sociologia da educação, verificou-se estatisticamente que a origem social impacta sobre as chances de acesso ao curso. Por outro lado, dentre os indivíduos oriundos das camadas populares, há aqueles que vencem a barreira do ingresso e constroem trajetórias de sucesso acadêmico e profissional. Assim, por meio de análise qualitativa, procurou-se vislumbrar os fatores que possibilitaram o acesso ao CSAP e a permanência na carreira. Percebeu-se a importância da socialização secundária, da bolsa de estudos assegurada pelo curso, da garantia do ingresso no serviço público prevista com a conclusão da graduação e da persistência.

Palavras-chave: Administração Pública; Carreira; Desigualdades educacionais; Ensino superior; Classe social.


ABSTRACT

The problem of educational inequalities evidences the influence of social origin on aspects that involve the access and permanence of students in higher education and along the professional trajectory. This article aims to analyze the extent to which the Public Administration Course (CSAP) of the João Pinheiro Foundation (FJP) is affected by the reproduction of class structure, either from the perspective of the students or from the perspective of the graduates, in the light of the theoretical framework of Bourdieu and Lahire. A quantitative and qualitative analysis of the students and graduates of the Public Administration Course of the João Pinheiro Foundation was carried out. The quantitative approach provided a profile of the group studied, from the analysis of variables related to the origin of the class. Interviews were used to understand the specific paths of the subjects interviewed. Corroborating with studies of the sociology of education, it verified statistically that the social origin affects the chances of access to the course. On the other hand, among individuals from the popular classes, there are those who overcome the entrance barrier and build trajectories of academic and professional success. Thus, through a qualitative analysis, it sought to glimpse the factors that made it possible, as far as this group is concerned, access to the CSAP and the permanence in the career. The importance of the secondary socialization, the scholarship assured by the course, the guarantee of the entrance in the public service provided with the graduation and the persistence was confirmed, corroborating the theory.

Keywords: Public Administration; Career; Educational inequalities; Higher education; Social class.


RESUMEN

La problemática de las desigualdades educativas evidencia la influencia del origen social sobre aspectos que involucran el acceso y la permanencia de los estudiantes en la enseñanza superior y al largo de la trayectoria profesional. Este artículo tiene como objetivo analizar en qué medida el Curso de Administración Pública (CSAP) de la Fundación João Pinheiro (FJP) es atravesado por la reproducción de la estructura de clases, sea desde la perspectiva de los ingresantes, sea desde la perspectiva de los egresados, a la luz del referencial teórico de Bourdieu y Lahire. Se realizó un análisis cuantitativo y cualitativo de los alumnos y egresados ​​del Curso de Administración Pública de la Fundación João Pinheiro. El enfoque cuantitativo proporcionó un perfil del grupo estudiado, a partir del análisis de variables relacionadas con el origen de clase. Entrevistas se utilizaron para entender los itinerarios específicos de los sujetos entrevistados. Corroborando con lo que apuntan estudios de la sociología de la educación, se verificó estadísticamente que el origen social impacta sobre las posibilidades de acceso al curso. Por otro lado, entre los individuos oriundos de las clases populares, hay aquellos que vencen la barrera del ingreso y construyen trayectorias de éxito académico y profesional. Así, por medio de análisis cualitativo, se procuró vislumbrar los factores que posibilitar, en lo que se refiere a ese grupo, el acceso al CSAP y la permanencia en la carrera. Se percibió la importancia de la socialización secundaria, de la beca de estudios asegurada por el curso, de la garantía del ingreso en el servicio público prevista con la conclusión de la graduación y de la persistencia.

Palabras clave: Administración Pública; Carrera; Desigualdades educacionales; Enseñanza superior; Clase social.


 

 

Introdução

O presente trabalho analisa a reprodução das estruturas de classe nas trajetórias escolares e profissionais de um grupo de egressos de um curso de graduação em Administração Pública, que se tornaram servidores públicos de uma carreira de Estado. A análise buscou focar os fatores que supostamente contribuem para o acesso ao curso de graduação, que vincula formação profissional a uma carreira pública, e ao desenvolvimento da trajetória escolar e profissional dos sujeitos pesquisados. Busca-se também entender os motivos que tornam possível o acesso e o sucesso escolar e profissional de indivíduos oriundos de grupos vulneráveis, com chances reduzidas para tanto.

Para tanto, realizou-se uma análise quanti e qualitativa dos dados dos alunos e egressos do CSAP1, da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. A abordagem quantitativa (descritiva) nos forneceu um perfil do grupo estudado, a partir da análise de variáveis relacionadas à origem de classe. As entrevistas, por sua vez, foram utilizadas para entender os percursos específicos dos sujeitos entrevistados - os quais, a despeito de uma tendência do grupo de origem de terem menos oportunidades, superaram essa condição e desenharam trajetórias escolares e profissionais bem sucedidas.

O Csap é um curso de graduação orientado para a formação de profissionais que integrarão, após formados, uma carreira no serviço público estadual, os Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG). O candidato aprovado em concurso público para o Csap conta com a garantia de, ao terminar o curso, ser nomeado para a classe inicial da carreira, sendo designado para atuar em secretarias do estado ou órgãos da administração direta, fundações e autarquias em todo o Estado2

Pesquisar os cursos do campo da administração pública é importante, pois problemas de evasão e insatisfação profissional têm sido observados em várias carreiras públicas no país (Klein & Mascarenhas, 2016). A respeito desses cursos, observa-se nas duas últimas décadas um aumento importante de graduações e vagas, importante para suprir a demanda por profissionais qualificados nas carreiras públicas dos diferentes níveis do estado brasileiro (Coelho, 2019). Contudo, é sabido que há ainda lacunas importantes na formação e recrutamento em determinadas áreas de políticas públicas, o que afeta, portanto, a capacidade do Estado em determinadas áreas (Souza, 2017).

A discussão acerca da temática de classe, especificamente para esse curso, é relevante, tendo em vista que se trata do acesso ao Estado de servidores que serão responsáveis por atividades estratégicas de condução do governo e suas políticas públicas; neste sentido, democratizar o acesso a essas posições é fundamental. Também se insere no debate acerca das relações entre escolaridade, desigualdade e mobilidade social, importante para o campo da educação. Essas investigações, realizadas desde a primeira metade de século passado, no Brasil e no mundo, evidenciaram a relação entre origem social e participação no sistema escolar, demonstrando a influência de fatores socioeconômicos e culturais na constituição de percursos escolares e profissionais caracterizados por sucesso ou fracasso.

Neste trabalho, optou-se por uma abordagem teórica de base que pudesse contribuir para a análise da relação entre desigualdades sociais, acesso ao ensino superior público e sucesso escolar e profissional e que, principalmente, pudesse matizar a abordagem "clássica", tanto a microeconômica quanto as teorias sociológicas da modernização, que consideram que a escolarização é o fator principal de determinação da posição social do indivíduo. No modelo clássico, a escolarização formal garantiria aos indivíduos acesso universal às posições na estrutura social, criaria as condições de mobilidade social e cumpriria papel central na redução das desigualdades sociais. Ocupar posições de prestígio na sociedade passaria a depender do sucesso dos indivíduos no sistema de ensino, ou seja, de seu esforço pessoal ou mérito.

Em contraposição, certas correntes criticam essa abordagem, principalmente porque se fundam numa perspectiva subjetivista ou individualista, que concebe o ator social como predominantemente capaz de tomar decisões de forma reflexiva, racional e mesmo livre. Além disso, discutem como fatores socioeconômicos, culturais e simbólicos determinam as chances de sucesso no sistema escolar, relativizando, assim, o papel central do mérito.

Neste estudo, trabalhou-se a partir de Pierre Bourdieu (2004, 2014) e Bernard Lahire (2003; 2006; 2011). Esses autores buscaram compreender por que alguns alunos alcançam melhores resultados do que outros na escola se, formalmente, ela trataria a todos da mesma forma: assistem as mesmas aulas, são submetidos às mesmas avaliações, devem obedecer às mesmas regras e, portanto, possuem, supostamente, as mesmas chances de êxito?

Responder a essa questão, ou seja, compreender o fenômeno das desigualdades escolares, era um dos temas centrais de Pierre Bourdieu (1930-2002). Até meados do século XX, as desigualdades escolares eram interpretadas como uma questão de dom e mérito individual. Em outras palavras, se alguns alunos alcançavam melhores resultados do que outros na escola, isso se deveria ao fato de serem mais inteligentes (dom) ou mais dedicados (mérito). Nessa perspectiva de leitura do fenômeno, impunha-se a universalização da educação pública e gratuita e a garantia da sua qualidade, para que todos, inclusive os nascidos em famílias das camadas populares, tivessem a oportunidade de alcançar melhores condições de vida e os lugares sociais que lhe cabiam em função dos seus dons e méritos individuais. Acreditava-se na seleção baseada em critérios neutros e racionais, o que também contribuiria para o aumento da mobilidade social.

A década de 1960 é marcada, dentre outras, por uma crise de uma concepção de escola e de educação. Alguns países já haviam democratizado o acesso ao ensino público e gratuito e, a despeito disso, pouco ou nada havia mudado. É o que demonstravam diversos estudos, patrocinados pelos governos americano, francês e inglês acerca dos seus sistemas de ensino: o sucesso escolar, contrariando as expectativas, não estaria ligado apenas às aptidões individuais (dom e mérito), mas, ao contrário, estaria fortemente associado à origem social do aluno. É o que demonstrava também a insatisfação popular com relação ao sistema educacional, algo que ganhou vazão, sobretudo, nos movimentos estudantis em torno de maio de 1968 (Nogueira & Nogueira, 2009).

Nesse cenário, a proposta teórica de Bourdieu aborda, entre outras, a problemática das desigualdades sociais em sua relação com as desigualdades escolares e, mais ainda, considera que as últimas reproduzem o sistema de hierarquização social. O sistema social, por meio da reprodução cultural que lhe é característica, contribui para a reprodução da condição de classe social de uma geração para outra, em cada contexto social. Não apenas as desigualdades escolares resultam das desigualdades sociais, mas as reproduzem e reforçam. Em consequência, os membros das classes favorecidas (econômica, social e culturalmente) tenderiam a obter mais êxito nos processos de seleção escolar e ter uma escolarização mais prolongada e com ingresso na universidade (Nogueira & Catani, 2014).

Bourdieu promove uma nova interpretação do fenômeno das desigualdades escolares. Alguns sujeitos alcançariam melhores resultados do que outros porque, ao tratar de modo igual quem é diferente, a escola estaria privilegiando quem, por sua origem social, já seria privilegiado. Em outras palavras, alguns alunos estariam em condições mais favoráveis, graças a sua origem social, de atender às exigências, muitas vezes implícitas, da escola. Trata-se da emergência de um novo paradigma para a compreensão das desigualdades escolares: o paradigma da reprodução.

A leitura da realidade de Bourdieu também se ancora no suposto de que a estrutura das relações de classe num dado contexto social é necessariamente multidimensional, dado ser determinada pela distribuição de distintos capitais. O capital econômico de um indivíduo, para ele, diz respeito à renda e ao patrimônio; seu capital social é constituído por sua rede durável de relações, em que os agentes se reconhecem como pares, sendo dotados de propriedades comuns e estando unidos por ligações úteis; por fim, o capital cultural de um indivíduo envolve os seus títulos e certificados escolares (estado institucionalizado), os seus bens culturais, como livros, quadros, instrumentos e máquinas (estado objetivado) e o seu habitus ou disposições duráveis (estado incorporado).

É dessa forma que, no momento da avaliação escolar, a origem social termina por se transformar em histórico escolar, tendendo os privilegiados a construir trajetórias de sucesso escolar e os desfavorecidos, trajetórias de fracasso.

É a partir dessa perspectiva que a presente investigação busca explorar o vínculo entre origem social e trajetória escolar e profissional, com o objetivo de mostrar a existência de desigualdades de oportunidades presentes no curso e na carreira estudados, quando se consideram as distintas classes sociais.

Mas o que dizer dos casos improváveis de sucesso e fracasso escolar, em especial dos casos de sucesso escolar experimentados por sujeitos oriundos das camadas populares? Bernard Lahire, outro sociólogo francês (1963-), tem enfrentado essa questão, procurando avançar no entendimento das relações entre desigualdades escolares e desigualdades sociais, principalmente, por meio de análises microssociológicas que destacam como os próprios sujeitos constroem suas trajetórias escolares.

Para Lahire, o ator social é considerado um ser que se constitui por meio dos processos de socialização, obtendo um patrimônio de disposições que passa a orientar suas ações de forma prática nos contextos subsequentes. O autor busca realçar a importância da diversidade de experiências de socialização a que um mesmo ator é submetido, o que leva a construções de disposições múltiplas e mesmo contraditórias. O ator social de Lahire é, portanto, plural (Lahire, 2003).

A noção de herança também é mobilizada por Lahire, ressaltando que as materiais sempre são acompanhadas das imateriais - conteúdos não palpáveis, tais como gostos e competências. Especial atenção é concedida à família, espaço em que ocorre a socialização primária e no qual se começa a estabelecer o patrimônio individual de esquemas de ação, e se opõe à ideia de um universo familiar homogêneo, sem conflitos e indiferenciado (Lahire, 2011).

Lahire (2011) concede, em suas análises, atenção especial à família, espaço em que ocorre a socialização primária dos sujeitos e no qual se começa a estabelecer o patrimônio individual de esquemas de ação, opondo-se à ideia de um universo familiar homogêneo, sem conflitos e indiferenciado - com efeito, a heterogeneidade das famílias constitui um dos elementos centrais de sua abordagem. Nessa perspectiva, existiria, então, diferenças entre famílias pertencentes a um meio social relativamente homogêneo, caracterizado por um baixo capital econômico, social e cultural. Essas diferenças seriam suficientes para desenharem experiências contrastantes e possibilitarem a incorporação de um patrimônio diferenciado de disposições e, por fim, favorecerem o alcance de resultados escolares mais ou menos positivos.

O autor realça, ainda, não apenas as diferenças entre as famílias, mas também distinções internas ao grupo familiar. Em suma, para entender as relações que uma criança em particular estabelece com a escola e o seu desempenho escolar, seria necessário considerar, mais profundamente, os processos de socialização vivenciados por essa criança específica. Isso porque, afinal, cada criança é submetida a um conjunto de experiências de socialização singulares e é o somatório dessas experiências que importa. Assim, várias são as dimensões que podem ser consideradas de maneira combinada, em relação às quais as famílias se diferenciam e impactam a escolarização das crianças, e nenhuma delas seria suficiente para garantir o sucesso escolar, assim como nenhuma seria indispensável (Lahire, 1997).

A partir desse conjunto de questões levantadas pela obra de Lahire, a presente pesquisa buscou identificar, no interior do grupo social vulnerável, os sujeitos que construíram trajetórias improváveis. Assim, ao visitar as biografias individuais dos outliers, pesquisam-se as razões do sucesso escolar e profissional de alunos oriundos de classes sociais mais baixas em um curso e em uma carreira de elevado prestígio social.

 

Método

Participantes

Participaram da entrevista em profundidade, com consentimento livre e esclarecido, sete egressos do curso Csap.

Com relação ao universo de egressos pesquisados para a análise estatística, foram consideradas informações de 1175 alunos, todos aqueles matriculados entre 1987 e 2012 (e, portanto, que teriam concluído o curso em 2015 e já ingressado na carreira em 2016, ano da construção do banco de dados).

Procedimentos

Foi construído no ano de 2016 um banco de dados com 57 variáveis sobre os estudantes do CSAP e sobre os EPPGG do governo de Minas Gerais, relativas às dimensões sociodemográficas e às trajetórias escolar e profissional. Foram considerados os dados oriundos das seguintes fontes: (1) dos Questionários Socioeconômicos (QSE) preenchidos pelos candidatos a uma vaga no Csap; (2) do Sistema Acadêmico do Csap; (3) do Arquivo da Escola de Governo; (4) do Núcleo de Gestão da Carreira de EPPGG da Secretaria de Planejamento do Estado de Minas Gerais; e (5) do Portal da Transparência do Estado de Minas Gerais.

Além disso, o desenvolvimento da pesquisa contou com uma etapa qualitativa, em que foram realizadas entrevistas em profundidade com sujeitos que alcançaram desempenho e posições inesperadas para estudantes com sua origem social. Essas foram utilizadas na produção dos chamados "retratos sociológicos", a metodologia consagrada por Lahire para a pesquisa em educação e que se tornou hoje recurso frequentemente utilizado nesse campo científico (Lahire, 2006; Lima et alii, 2015). As entrevistas, que buscaram abranger o percurso formativo e profissional dos egressos do CSAP, foram gravadas e transcritas.

A análise buscou, a partir das informações oriundas do banco de dados quantitativo, apurar padrões e tendências por classe; ao relacionar origem social e trajetória escolar e profissional, buscou-se evidenciar a existência de desigualdades de oportunidades presentes no sistema escolar e profissional, quando se consideram distintos grupos sociais.

Dado que as análises estatísticas deixam sem explicação uma série de casos concretos em que se observa sucesso escolar e profissional, a despeito do que seria mais provável, as entrevistas em profundidade foram utilizadas para compreender as diferenças entre percursos de indivíduos de um mesmo grupo social, sobretudo das camadas populares. Exploraram-se as relações entre origem social e percurso escolar e profissional, deslocando o foco de atenção das macroestruturas para a análise das ações e dos processos microssociológicos. Ou seja, buscou-se elucidar a ação individual dos sujeitos e os processos internos ao campo familiar e outros, nos quais estratégias pessoais são elaboradas e implementadas, as quais podem ajudar a entender sua trajetória acadêmica e profissional.

 

Resultados

Entre 1987, ano de ingresso da primeira turma no Csap, e 2012, quando ingressou a última turma que já havia concluído o curso e ingressado na carreira de EPPGG (na ocasião do levantamento dos dados dessa pesquisa em 2016), 1175 estudantes se matricularam no Csap.

Observou-se, primeiramente, que esses estudantes, em sua maioria (68%), concluíram o ensino médio em escolas da rede de ensino particular. Isso significa que, para cada dez egressos de escolas públicas que entraram no curso, há 23 egressos de escolas particulares. A primeira turma (1987) é exceção. Os egressos de escolas particulares passam a ser maioria a partir de 1994, ano de ingresso da segunda turma, exceto em 2001, e sua representação aumenta gradativamente. O Gráfico 1, a seguir, apresenta a distribuição dos estudantes matriculados no Csap de 1987 a 2012, segundo o tipo de instituição de ensino em que concluíram o ensino médio, se pertencente à rede particular ou à rede pública.

Os registros acadêmicos indicam que os estudantes do Csap vieram de 257 escolas situadas em Minas Gerais, em outros estados do Brasil e mesmo no exterior. A despeito do volume e da dispersão espacial das escolas, o ranqueamento das mesmas quanto ao número de ex-alunos estudantes do Csap mostra que as escolas classificadas nas dez primeiras posições concentram 48% deles. Dentre elas, apenas três, o CEFET/MG, o COLTEC/UFMG e o Colégio Militar Belo Horizonte (CMBH), são escolas públicas, sendo que são escolas públicas federais. Vale dizer também que todas essas dez escolas estão localizadas em Belo Horizonte.

Sabe-se que existe uma correlação no Brasil entre rede de ensino frequentada pelos filhos e renda familiar da família. De acordo com essa correlação, no ensino fundamental e médio, a escola pública seria, em grande medida, uma escola para os filhos das camadas populares, enquanto a escola particular seria uma escola para as camadas elitizadas. Já no ensino superior, ocorreria uma inversão, acolhendo na rede particular os sujeitos oriundos das camadas populares e a rede pública aqueles oriundos das camadas elitizadas.

Considerando-se válida a correlação apresentada anteriormente; as informações sobre a escola de conclusão do ensino médio dos estudantes do Csap, (particular para 68% dos casos e tendo sido verificada uma tendência de aumento desse percentual com o passar dos anos); e, ainda, que quase 50% dos estudantes do Csap concluíram o ensino médio em dez escolas, das quais sete são particulares - pode-se afirmar que o curso possui um recorte de classe social e que o seu corpo discente era predominantemente oriundo das camadas mais elitizadas da população.

Há outros indicadores de classe social que estão disponíveis apenas para as duas últimas turmas que ingressaram no Csap até 20123. Trata-se do nível de escolaridade do pai e da mãe, da ocupação do pai e da mãe, da renda média familiar e da contribuição do estudante para a renda familiar. Entendendo que são preciosos, optou-se por abordá-los, a despeito da limitação explicitada. Conforme se observará, as conclusões anteriores são corroboradas pela análise circunscrita a duas turmas.

Quanto ao nível de escolaridade do pai, evidencia-se que a maior parte dos pais dos estudantes do Csap (63,3%) dessas duas turmas possui ensino superior completo; eles são seguidos dos pais com ensino médio completo (19%). Os pais que não possuem ensino superior completo representam 36,7%. A análise do nível de escolaridade da mãe expressa uma dinâmica similar: a maior parte delas (58,2%) possui ensino superior completo, sendo seguidas das mães com ensino médio completo (27,8%); as mães que não possuem ensino superior completo representam 41,8% (Tabela 1).

Observa-se também, de acordo com a Tabela 2, que a grande maioria das profissões dos pais e mães dos estudantes encontram-se nos agrupamentos 2 e 3 da Classificação Brasileira de Ocupações. São ocupações que exigem nível superior, como os profissionais liberais de nível universitário e cargos técnico-científicos, como professores universitários, grandes proprietários de terra e oficiais militares (agrupamento 2); no agrupamento 3, encontram-se as profissões que exigem nível técnico (bancário, oficial de justiça), professores de ensino fundamental ou médio, pequenos proprietários rurais e militares de baixa patente. A diferença entre pais e mães reside no fato de que, entre eles, as ocupações do agrupamento 2 são predominantes; entre elas, são as ocupações do agrupamento 3.

A tabela 3 indica que a maioria dos estudantes do Csap das turmas XXVIII e XXIX, ou um terço (34,2%), é oriunda de famílias que possuem renda média familiar entre 6 e 10 salários mínimos; as famílias com renda inferior a esta representam 22,8% dos casos e, com renda superior, 53% (Tabela 3).

A grande maioria dos estudantes do curso das turmas XXVIII e XXIX não trabalhava quando se matricularam no Csap (86,1%). Dentre os 12,7% que trabalhavam, apenas dois estudantes eram os principais responsáveis pelo sustento da família (0,2%); quatro eram responsáveis pelo próprio sustento e contribuíam parcialmente para o sustento da família (0,3%) e outros quatro trabalhavam, mas eram sustentados parcialmente pela família ou outras pessoas (0,3%) (Tabela 4).

Esses achados da pesquisa indicam, por um lado, que os estudantes do Csap são, em sua maioria, pessoas oriundas dos extratos superiores das camadas médias. Mas importa ainda verificar se, vencida a barreira do acesso, as pessoas oriundas das escolas públicas (extratos inferiores das camadas médias e pobres) possuem menos oportunidades de desenvolver o percurso acadêmico e profissional com êxito, quando comparado com os estudantes das camadas mais favorecidas, de acordo com a hipótese teórica assumida neste trabalho.

É o que revela o indicador de origem social, disponível para todos os estudantes/egressos de todas as turmas do Csap até 2012, a escola de conclusão do ensino médio, quando correlacionado às chances de conclusão do curso, à permanência na carreira e à obtenção de cargos ou comissões. Assim, na tabela 5, vemos que se mantém um padrão de classe para esses indicadores, embora ele pareça se atenuar ao longo do percurso.

Quando se analisa a relação entre o número de estudantes que concluíram o CSAP e o tipo de escola em que concluíram o ensino médio, verifica-se que a taxa de alunos oriundos de escola pública que não concluíram o curso é quase o dobro (32%) dos não concluintes oriundos de escola privada.

Da mesma maneira, as chances de se manterem na carreira parecem associadas, ainda que em menor grau, à variável escola de origem. Essa lógica se faz presente, ainda, quando se analisam as oportunidades de se obter cargos comissionados, um indicador de acesso a posições de gestão superior. Essas estão vinculadas, nas organizações, não apenas à maior remuneração, mas também ao acesso a posições de status, indicando prestígio e poder. Assim, entre os egressos, verifica-se que aqueles que concluíram o ensino médio em escola privada têm maior chance de obter cargo comissionado (60,40%), conforme apresentado na Tabela 5, ainda que essa diferença seja menor do que a observada quanto ao indicador anterior. Esses achados reforçam a hipótese de Bourdieu, de que as desigualdades escolares acabam por reforçar e reproduzir as desigualdades sociais, com exceção do indicador "remuneração média". Quando analisada em função da escola de origem, observa-se o inverso, que os egressos oriundos de escola pública possuem maior média salarial, em comparação com os oriundos de escola privada (Tabela 5).

Em suma, a análise da relação entre percurso acadêmico e profissional e a classe social revelaram a sub-representação dos estudantes com biografias mais vulneráveis no conjunto de estudantes e egressos do curso, corroborando a hipótese teórica do trabalho. Resta, a seguir, examinar por que, desse conjunto de indivíduos com oportunidades de êxito inferiores, alguns sujeitos acabam por constituir trajetórias de exceção ao padrão esperado.

Na etapa qualitativa da pesquisa, realizada por meio de entrevistas, analisaram-se trajetórias biográficas improváveis de egressos do curso investigado. São sujeitos oriundos do grupo que, como se constatou acima, possuíam chances menores de conclusão do curso, de se manterem na carreira e de assumirem posições de comando e de chefia superior. No entanto, os sete entrevistados não apenas venceram a barreira do acesso, mas construíram trajetórias escolares que destoam do padrão geral do grupo, concluindo o curso com êxito e assumindo trajetórias profissionais bem sucedidas. O que explica serem exceções?

Foram entrevistados cinco EPPGG egressos do Csap que concluíram o ensino médio em escolas públicas e dois em escolas particulares com bolsa de estudo, tendo afirmado em seus depoimentos serem provenientes das camadas populares e possuírem um perfil socioeconômico distinto e inferior ao da maioria dos colegas da graduação. Vale dizer ainda que, desses egressos do Csap que se autodeclararam desfavorecidos do ponto de vista da classe social, duas são mulheres, dois são negros e dois possuem deficiências (são cegos), sendo que uma conjuga o fato de ter nascido pobre, do sexo feminino, é preta e possui deficiência. A partir dos depoimentos desses sete sujeitos, buscou-se compreender o que os teria levado a construírem trajetórias acadêmicas e profissionais improváveis, no âmbito do Csap e da carreira de EPPGG?

Uma primeira questão que chama a atenção é que, no momento da escolha do curso superior, os professores da educação básica e do cursinho apresentaram o Csap a dois dos EPPGG entrevistados oriundos das camadas populares, sugerindo que investissem nessa direção. "Conheci o curso por acaso. Uma ex-professora, prima de um professor da Fundação, sabia que tinha facilidade em certa área do conhecimento. Ela me sugeriu o Csap" (Entrevista 1). Colegas da escola e do cursinho, por sua vez, foram determinantes em duas trajetórias, porque foram eles que mencionaram a existência dessa alternativa. "Quando fui prestar vestibular para administração, no meu segundo vestibular, um dos meus colegas comentou da Fundação João Pinheiro" (Entrevista 2). Um entrevistado conheceu o Csap, quando foi feita uma divulgação do curso em seu pré-vestibular; outro entrevistado, através do edital do concurso público. "Bem, fui fazer cursinho após a conclusão do ensino médio. E, lá, no primeiro dia de aula, um colega de carreira estava divulgando o Csap" (Entrevista 3). E, em uma das histórias, por acaso, encontrou-se um material informativo, em meio a apostilas de estudo para o vestibular que havia ganhado. "Como não estava fazendo cursinho, estudava com o material do colégio e ganhei alguns outros materiais de estudo. No meio desses materiais que eu ganhei, ouvi falar em administração pública e cheguei, então, até a Fundação" (Entrevista 4). Vale ressaltar que, em nenhum caso, os pais ou a família, responsáveis pela socialização primária dos sujeitos, desempenharam um papel central no primeiro contato com o Csap. Ao contrário, é no espaço da socialização secundária, a escola, seja pelos professores, colegas, materiais de estudo, que travaram esse primeiro contato.

O fato de o Csap garantir uma bolsa de estudos, ao longo de toda da graduação, e de assegurar o ingresso no serviço público, caso o estudante conclua o curso cumprindo determinado requisitos, foi algo que chamou a atenção de todos os entrevistados oriundos das camadas populares. Isso foi, sem dúvida, determinante para a escolha pelo Csap. "Fui pesquisar, vi que tinha bolsa. Achei que seria muito interessante para mim, porque sabia que precisava de uma fonte de renda, meus pais não tinham condições" (Entrevista 5).

Posteriormente, uma vez aprovados e matriculados, a bolsa de estudos foi também fundamental para sua permanência no ensino superior e a conclusão da graduação com sucesso, a despeito das adversidades que eventualmente enfrentaram.

No Csap, a gente recebe uma bolsa que equivale a um salário mínimo. Na época, os meninos da minha turma usavam a bolsa para ir para o boteco. Eu tinha que usar para me manter em Belo Horizonte, porque minha família não tinha condições de arcar com a minha estadia. (...) o auxílio que a Fundação oferece para a gente me ajudou a me manter e a terminar o curso. Não digo que seria impossível sem a bolsa, mas seria muito complicado (Entrevista 6).

Os EPPGG oriundos das camadas populares entrevistados são sujeitos persistentes. Alguns tiveram que encarar o concurso que dá ao acesso ao Csap mais de uma vez e mesmo inúmeras vezes.

No primeiro concurso, foi uma tragédia. No segundo, quase passei para a segunda etapa. No terceiro, fui para a segunda etapa. Somente no quarto concurso, eu passei. Essa foi a minha história. O concurso foi sofrido; achava super difícil, injusto. Não tinha cota ainda (Entrevista 7).

Uma vez matriculados no curso, alguns sentiram dificuldades em garantir um bom desempenho acadêmico para se formarem e, mais que isso, garantirem o direito à nomeação no serviço público; precisaram estudar muito, contar com a ajuda de colegas e dos professores para aulas de reforço e mesmo enfrentar repetências.

A minha defasagem fez com que eu tivesse que me esforçar muito mais do que os meus colegas. Eu tive a sorte também de ter boas pessoas na minha sala, que tinham disponibilidade para me ensinar. Por exemplo, em cálculo, eu tinha uma dificuldade imensa. Na turma, tinha um colega engenheiro que salvou. Eu sou realmente muito grato a ele. Me deu aula de cálculo, ficava lá a tarde inteira estudando comigo. Não podia tomar duas bombas, porque, senão, perdia o acesso à carreira (Entrevista 4).

A partir dos depoimentos acima, merecem destaque: a orientação acadêmica recebida de professores da educação básica, de professores do cursinho e de colegas; o fato do Csap garantir uma bolsa de estudos de um salário mínimo por mês aos estudantes do curso, ao longo de toda a graduação; o fato de o ingresso no curso estar vinculado a uma carreira e consequentemente ao ingresso no serviço público e sua importância para sujeitos das camadas populares; a persistência e a dedicação aos estudos, visando o acesso ao ensino superior, mas também a permanência no curso e a sua conclusão com sucesso. São essas as possíveis chaves para se compreender a escolha desses sujeitos pelo Csap e pela carreira de EPPGG, e também compreender o que teria levado esses sujeitos a construírem trajetórias improváveis de sucesso acadêmico e profissional no âmbito do CSAP e da carreira de EPPGG4.

 

Discussão

Neste artigo, analisou-se a relação entre classe social e percurso acadêmico e profissional, mobilizada a partir de uma discussão dos aportes teóricos de Bourdieu e Lahire. Os achados apoiam empiricamente a hipótese teórica, de que as desigualdades de classe se explicitam e são reforçadas no percurso escolar e profissional.

Da análise estatística do universo dos estudantes que acessaram o curso superior investigado, depreende-se que sua grande maioria vem de escolas da rede de ensino particular e quase metade concluiu o ensino médio nas dez melhores escolas do estado (das quais sete são particulares). A maior parte dos pais e mães dos estudantes possui ensino superior completo e suas profissões situam-se nos agrupamentos superiores da classificação brasileira de ocupações. A maioria das famílias possui renda familiar média (6 a 10 salários mínimos) ou superior e os estudantes não trabalhavam, enquanto cursaram o ensino médio. Daí se poder afirmar que o curso possui um recorte de classe e que o seu corpo discente é predominantemente oriundo das camadas mais elitizadas da população.

A análise revelou, ainda, uma sub-representação dos estudantes oriundos das camadas populares nas diferentes etapas do percurso escolar e profissional: na conclusão do curso (4,3% inferior à dos oriundos de escola privada), ao longo da carreira (6,3%) e entre os servidores que possuem cargos e comissões (1,6%). Vale pontuar, não obstante, que não foi constatada essa relação quanto à variável remuneração média. Tais resultados evidenciam o fato de que a origem social tem efeito sobre as oportunidades de sucesso (eficácia) ao longo da trajetória escolar e profissional.

Isso não impede, todavia, que alguns indivíduos oriundos das camadas populares consigam vencer a barreira do ingresso e construam trajetórias de sucesso acadêmico e profissional, ainda que com oportunidades reduzidas. Segundo o referencial teórico estudado, os membros das classes desfavorecidas que, contradizendo as probabilidades estatísticas, conseguem ingressar no ensino superior, apresentam vantagens sociais que os diferenciam dos demais de seu grupo. Contudo, isso não seria suficiente para sua inserção eficaz. A condição de classe destes estudantes tende a provocar dificuldades para o cumprimento das tarefas acadêmicas, além de problemas referentes ao financiamento dos estudos, bem como em sua inserção social e simbólica.

A esse respeito, a investigação apurou que o recebimento de bolsa de estudos ao longo do curso de graduação e um bom salário, já no início da carreira, tem o efeito de amenizar o efeito que a classe geralmente tem no percurso escolar e na trajetória profissional - efeitos da política do curso e da carreira.

A essas dimensões institucionais incluem-se hábitos e estratégias familiares, o papel dos professores da escola de origem, além de dedicação e persistência individual, conforme contatado nas entrevistas. Tais dimensões também são constatadas nas pesquisas de Lahire, que deu especial atenção aos processos de socialização e aos contextos de ação, sobretudo no interior da família, como espaço onde ocorre a socialização primária e local onde se começa a estabelecer o patrimônio de esquemas de ação individual (Lahire, 2006).

Assim como em Lahire, a presente pesquisa identificou, nos sujeitos entrevistados, processos de socialização promovidos no interior da família, que promovem uma "ordem moral e doméstica" (Lahire, 2006) estável e ordenada; exemplos positivos dentro do círculo de parentes, entre outros. Isso em famílias vulneráveis do ponto de vista de sua origem socioeconômica, ou mesmo precarizadas por questões contingenciais, como divórcio, doenças, morte ou situação de desemprego.

 

Considerações finais

A presente investigação insere-se em uma agenda de pesquisa relevante e deve impulsionar outros estudos nessa temática, ao menos por dois motivos. Primeiro, porque permite discutir estratégias de políticas públicas no campo da educação voltadas para a efetiva inclusão das classes ou grupos em desvantagem. A pesquisa apoia, assim, a adoção de uma política de cotas (adotada nesse curso em 2018), entre outras, que visem aproximar a diversidade constitutiva da sociedade dos cursos e carreiras de prestígios, tornando-os menos excludentes e mais representativos.

É importante, também, por permitir construir conhecimento sobre as dinâmicas do acesso às carreiras do serviço público, sendo valioso compreender de modo adensado a formação da burocracia estatal e as questões que envolvem as políticas de gestão de carreiras dentro da administração pública brasileira, sobretudo aquelas estruturadas a partir das chamadas reformas gerenciais.

 

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Recebido em: 03 Ago. 2019
Aprovado em: 15 Abr. 2021

 

 

1 Inicialmente, o curso foi denominado Curso Superior de Administração Pública. Posteriormente, passou a ser denominado Curso de Administração Pública. Todavia, a sigla, CSAP, pela qual o curso é conhecido, permaneceu inalterada.
2 Há algumas condições para acessar a carreira, incluindo não ter mais do que três reprovações em disciplinas do curso, que tem duração de 4 anos.
3 Somente a partir de então, os dados desagregados recolhidos através da aplicação de questionários socioeconômicos aos candidatos a uma vaga no Csap são passíveis de ser acessados.
4 O roteiro de entrevista que norteou o recolhimento dos depoimentos de história oral temática tem como foco a formação e a experiência de trabalho. Uma compreensão mais aprofundada das trajetórias improváveis de sucesso acadêmico e profissional desses sujeitos das camadas populares entrevistados demandaria explorar de forma detalhada as suas socializações primárias (no âmbito da família) e também os percursos escolares na educação básica.

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