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Revista da ABOP

Print version ISSN 1414-8889

Rev. ABOP vol.1 no.1 Porto Alegre June 1997

 

ARTIGOS

 

O envelhecimento: Encantos e desencantos da aposentadoria 1

 

Aging: Hopes and Disappointments of Retiring

 

 

Maria Alves de Toledo Bruns I 2; Antonio Suarez Abreu II 3

I Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Riberão Preto, Universidade de São Paulo
II Departamento de Lingüistica, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Neto

 

 


RESUMO

Com objetivo de compreender o modo de envelhecer de homens e mulheres, elegemos o momento da aposentadoria para indagarmos 50 mulheres e 50 homens pertencentes as várias classes sociais, acerca do significado que atribuíram ao trabalho ao longo de suas vidas. Pela atividade profissional a pessoa concretiza projetos e sonhos, pelo trabalho o homem se produz e, ao mesmo tempo, modifica suas relações. Desse modo, o mundo atual, tal qual o conhecemos hoje, é o resultado da ação do homem. Utilizamos um questionário composto de cinco questões fechadas e quatro abertas. As fechadas objetivavam obter informações a respeito de sexo, estado civil, grau de escolaridade, nível de formação profissional e receberam um tratamento quantitativo que são apresentados em tabelas. As questões abertas visavam compreender o significado do trabalho e os projetos a serem concretizados após a aposentadoria e foram submetidos aos procedimentos metodológicos da análise de discurso. Os resultados revelaram que apesar das diferenças marcadas pelas posições e lugares sociais de cada entrevistado, o sentido e o significado de trabalho que incorporaram, encontram-se matizados pelos valores veiculados pelo liberalismo. A realização pessoal fica sempre como num esboço de projeto para ser executado após a aposentadoria, e quando essa chega os entrevistados em sua maioria se sentem surpresos e desencantados por não saberem gerenciar com prazer a existência sem uma ocupação profissional, mesmo quando essa atividade tinha sido executada com insatisfação. A ausência de projetos para serem concretizados após a aposentadoria provoca angústia e solidão.

Palavras-chave: Aposentadoria, Envelhecimento, Terceira idade, Trabalho, Projeto de vida.


ABSTRACT

With the objective of understanding the way men and women ago we dose the moment of retirement of 50 women and 50 men of different social classes to ask about the significance they attributed to work during their lives. Through professional activity persons solidify projects and dreams, "make" themselves and at the same time modify their relations with others. In this way, the real world, as we know it today, is a result of mans actions. A questionaire composed of tive closed and four open questions was used. The closed ones had the objective of obtaining information with regards to sex, civil status, degree of schooling, professional level and received a quantitative treatment with results presented in tables. The open questions were aimed at understanding the significance of work and the projects to be carried out after retirement and were submitted discourse analysis procedure. The results revealed that in spite of large differences in professional occupations and social positions of each interviewed subject their incorporated senses and significances of work are matizades by senses propayated by liberalism. Personal realization always remains like a project design to be executed after retirement. And when retirement arrives a majority of the interviewed subjects feel surprise and disappointment because they do not know how to handle existence in a pleasurabel way without a professional occupation, even if its related activity was carried out with much insatisfaction. The absence of a project to be realized after retirernent leads to anxiety and isolation.

Keywords: Retiring, World, Third age, Project the life, Aging.


 

 

Partimos da premissa de que há algo em comum entre os seres humanos que independe da classe social, preferência sexual, estado civil, religião: todos trilham a incontornável trajetória do envelhecimento. Trata- se, portanto, de um fenômeno coletivo, experienciado fatalmente por toda a espécie humana.

No entanto, essa realidade tão comum e corriqueira continua sendo ainda hoje, final do século XX, uma fonte geradora de angústia, tédio e depressão. O fenômeno da depressão, tal qual um vírus, vai contaminando as gerações, que, na luta contra o tempo, submetem o corpo às mais diversas práticas estéticas: das aeróbicas e hidros, às variadas práticas de cirurgia plástica. Isso sem falarmos do sucesso de venda da indústria cosmetológica, espécie de fast food da beleza que, com seu marketing atualizado, vende a ilusão' da eterna juventude com a promessa de sexo, poder e beleza.

Cabe aqui interrogar somo ser velho numa sociedade que cultua o novo, o jovem, o efêmero? Numa sociedade onde ser novo e jovem significa ser belo, forte e viril? Isto é, significa ter um corpo produtor de mais valia. Portanto, não, ser jovem significa ser descartável, fora de uso, tal qual uma bateria com duração programada que, após o período de uso, vai para o cesto de lixo.

Nessa perspectiva, parece-nos que a sociedade estabelece um "tempo útil", "um limite" de vida para as pessoas, em geral estabelecido pela aposentadoria, dispositivo legal que o sistema criou para estabelecer o limite da mais valia do corpo.

O que significa aposentar.

Segundo o Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, significa pôr de parte, de lado; estado de inatividade de funcionário público ou de empresa particular, ou seja, estar fora do sistema produtivo. Isso significa estar expulso da vida. Nesse sentido, o que fazer após a aposentadoria? Aqui cabem várias respostas, que se encontram na dependência da classe social a que o (a) aposentado (a) pertencer. O poder aquisitivo possibilita o acesso a modos de relações sociais diferenciadas. As práticas sociais de homens velhos ricos são diferentes das de homens velhos pobres.

Os ricos em geral não se aposentam, são profissionais liberais (médicos, usineiros, políticos; etc.) Os pobres ou assalariados se aposentam, mas passam a realizar os "bicos", os biscates para tentar manter o mesmo nível sócio-econômico e/ou para complementar as despesas com os familiares.

Numa sociedade em que o mercado de trabalho não absorve nem os bem qualificados profissionalmente - os jovens (psicólogos, médicos, físicos, químicos, biólogos, etc), numa sociedade em que o salário mínimo gira em torno de cem dólares, fica difícil falar em aposentadoria, a não ser mesmo para uma minoria. Isto sem falarmos dos que nem salário mínimo recebem.

Nessa perspectiva, as contingências sociais, políticas, ideológicas e econômicas de cada sociedade exercem influência e afetam o universo significativo e/ou semiótico de cada pessoa - o qual é dinâmico e expressa a ação transformadora do humano no decorrer da história. Todavia, todos trilhamos a incontornável trajetória do envelhecimento.

Questionar o envelhecimento é interrogar as diversas dimensões do ser humano, não apenas sua trajetória ou a herança da espécie, mas a própria noção de temporalidade, ou seja, o tempo como criação da realidade humana, que é condição de sua existência, e ao mesmo, tempo garantia de sua finitude e de sua morte.

Como nos dizeres de Augras (1992:27), "analisar o tempo é observar o homem em sua maior contradição: a tensão entre a permanência, vida e morte". O envelhecimento é a materialidade desse paradoxo, visto que revela os costumes, valores, mitos e crenças em relação aos sentidos e significados atribuídos à própria existência, o que envolve o próprio gerenciamento do tempo vivido. O fato, é que envelhecemos. Nosso corpo fala e sua fala desvela a um só tempo a consciência das "instruções" genétiicas, os sinais sútis das marcas dos controles sociais e o significado das experiências vividas que constituem o que chamamos de nossa vida.

Como evidencia Foucault (1987: 28) "o corpo também está diretamente mergulhado num campo político, as relações de poder têm um alcance imediato sobre ele, elas, o investem, o marcam, o dirigem, o suplicam sujeitam-no ao trabalho, obrigam-no a cerimoniais, exigem-lhes sinais".

Isso significa que, ao nascer, o humano já se encontra num mundo político, cujo contexto histórico social e ideológico cria as condições, o lugar do sujeito no grupo social a que pertence; desse modo estabelece o processo de socialização do sujeito, que internaliza crenças, normas e ideologias, as quais contribuem para a elaboração da própria identidade (processo que só se extingue com a finitude, a morte).

Nesse processo a linguagem é mediadora, o ponto de união entre o ser que se manifesta e o lugar que ele ocupa. Mediação é aqui entendida, segundo o significado atribuído por Olandi (1988: 01), ou seja, "como relação constitutiva, como ação transformadora"

Nesse sentido, é uma apropriação social que expressa a relação do ser consigo próprio e com os demais seres, podendo ser portanto "instauradora (imitadora) de mundo, tendendo para a sorte, ou como desveladora de mundo, como ponta de lança do ser, tendendo para a ciência" (Orlandi, 1993: 15).

Desse modo, o humano é um ser situado e sua história é o "registro" da relação consigo mesmo, com seus semelhantes e com o mundo, dentro de um determinado espaço de tempo em um certo momento histórico, e é isso que se chama historicidade.
Num primeiro momento, ao constatar a facticidade humana, tem-se a impressão de que o homem é um ser determinado, e que sua história é mera repetição e reprodução de fatos e atos passados, visão fechada e anacrônica.

Entretanto, dirigindo um olhar mais atento ao redor, percebe-se que quem faz a história é o homem, na constante conquista de si mesmo e de sua situacionalidade.
Nessa perspectiva histórico-dialética é que propomos realizar essa pesquisa, cuja intenção foi compreender o modo de envelhecer de homens e mulheres.

Essa trilha ocorre na interface com o trabalho, no sentido de que o homem, ao longo de sua vida; não é apenas o que é, mas o que deseja ser, e é, em particular, o trabalho que lhe permite expressar-se e identificar-se em relação a esses horizontes. Pela atividade profissional o ser humano concretiza projetos e sonhos, ou seja, pelo trabalho o homem se produz e, ao mesmo tempo, modifica o outro. Sendo as relações dinâmicas, o trabalho altera a visão que o homem possui do mundo e de si. próprio. Desse modo, o mundo atual, tal qual o concebemos hoje, é o resultado da ação do homem. Essa ação é expressa tanto no modo de ser e de aparecer de grupos indígenas do Uchuaia, Amazonas, aos esquimós no Alasca; dos nômades do Norte da Africa aos diretores das bolsas de valores de Nova York; isso sem falarmos dos astronautas; os cientistas em seus assépticos laboratórios espaciais e/ou terrestres. Todos pela atividade do trabalho transformam a natureza a seu modo, a seu tempo, enquanto modificam a si próprios.

No olhar lançado ao machado de pedra de ontem ao computador eletrônico de hoje revela-se o sentido do humano ao longo da sua caminhada pelo tempo, na elaboração e reelaboração do seu projeto de vida que implica inúmeras possibilidades que envolvem o universo de trabalho, o universo familiar, o lazer, o mundo político, o econômico, o ideológico, os meios de comunicação e expressão, o mundo religioso... reveladores das condições materiais e sociais de sua existência de produção, de valores, crenças e mitos.

Estudado ao longo da história sob diferentes perspectivas (religiosa, política, econômica, filosófica) o trabalho teve e tem ainda o seu significado carregado de diferentes sentidos. Sentidos esses que se encontram desde a etimologia da palavra trabalho4, ao seu conteúdo semântico.
Desse modo a palavra trabalho denota e conota significados diversos (de dores do parto à divisãõ do trabalho social), revela ainda as condições de engajamento ou de exploração experienciada pelo humano ao longo de sua existência.

A historicidade e durabilidade da forma e do sentido de uma palavra marcam a flutuação esua polissemia, que por sua vez explicita a posição do sujeito, ou seja, sua temporalidade e circunstância.

 

Procedimentos e Metodologia

Sujeitos

Participaram desse estudo 100 pessoas de ambos os sexos, aposentadas. Com escolaridade a partir do 1º grau incompleto, remuneração mínima a partir de um salário mínimo, pertencentes às diversas classes sociais, residenies em várias cidades do interior do Estado de São Paulo, Brasil.

Instrumentos

Foi utilizado um questionário composto de 5 questões fechadas e 4 abertas.

As questões fechadas objetivavam obter algumas informações a respeito de: sexo, estado civil, grau de escolaridade, compatibilidade ou não entre a atuação e a habilitação profissional por grau de escolaridade, nível de formação profissional e a atuação profissional por grau de escolaridade, atitude sobre o modo de experienciar a aposentadoria para os diferentes sexos e, para finalizarmos a caracterização dos sujeitos em estudo, elaboramos uma pergunta sobre o grau de escolaridade de seus pais, que visava obter informações acerca da posição da mulher em relação ao acesso ao trabalho qualificado.

As questões abertas visavam compreender o significado do trabalho como atividade que acompanha por um longo tempo a vida dos humanos. Foram norteadas por questões que nos possibilitassem acesso ao modo como o humano experienciou o seu tempo vivido e quais projetos ancoraram a sua existência após a aposentadoria. Afinal, como experienciou o seu tempo no trabalho que passou e como visualizava o futuro?

Análise dos Resultados

Os dados obtidos das questões fechadas receberam um tratamento quantitativo e são apresentados em gráficos de 1 a 8, recurso utilizado para situar, demarcar o lugar dos locutores em estudo. Os gráficos nº 6 e 7 foram submetidos ao tratamento estatístico (Qui-quadrado = X2) para evidenciar possíveis diferenças entre homens e mulheres.

Dos relatos obtidos por intermédio das questões abertas, foram selecionados 10 entre 100. Essa seleção obedeceu ao seguinte critério: obtidos os depoimentos, foi feita uma leitura geral com o intuito de apreender o sentido global dos discursos. Nesse momento verificou-se que várias formações discursivas apresentavam dificuldade de entendimento, outras muito lacônicas e repetitivas. Esses motivos levaram-nos a selecionar dez que expressavam a posição dos sujeitos em relação ao significado atribuído ao trabalho e aos projetos que ancoravam a existência após a aposentadoria, bem como o significado do tempo vivido, o envelhecimento.

Essas formações discursivas são apresentadas com identificação profissional, sexo e idade; os nomes dos (as) entrevistados (as) foram omitidos, visando resguardar-lhes a identidade e submetidas aos procedimentos metodológicos da análise de discurso.

A análise de discurso, como outra abordagem metodológica; oferece a seu modo e a seu tempo, juntamente com os pressupostos epistemológicos5, opções de caminhos ao pesquisador que o escolhe, de acordo com seu momento histórico, sua visão de mundo que envolve crenças, valores, ideologias.

Assim, a tão falada, discutida e almejada "neutralidade" ou objetividade" científica, defendida pelo paradigma positivista se vê comprometida no próprio momento da escolha de uma determinada investigação.

No entanto, a adoção de um paradigma, seja ele positivista, materialista, histórico-dialético, e/ou fenomenológico, implica assumir procedimentos distintos em relação ao subjetivismo e/ou objetivismo, bem como na questão da separação corpo-espírito e da própria visão de mundo que influenciou diferentes áreas das atividades humanas, quer seja na Sociologia, Química, Psicologia, Filosofia, quer na Lingüística.

A partir dessas colocações, escolhemos a análise de discurso como trajetória metodológica para orientar este trabalho, por ela nos possibilitar o acesso aos processos de formação discursiva.

Para Foucault (1987), uma formação discursiva é um conjunto de regras, anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definem numa determinada época e para uma área social, econômica, geográfica ou lingüística dada, as condições de exercício da função enunciativa.

Nesta perspectiva, a fala, os discursos, marcam as posições dos sujeitos no meio, porque elas revelam as formações imaginárias, oriundas das projeções que os sujeitos fazem das situações vivenciadas.

Buscamos nas formações discursivas por sua vez a revelação das condições em que foram e são produzidos os discursos de mulheres e homens aposentados (as) pertencentes às várias classes sociais, bem como o significado. atribuído ao trabalho, ao envelhecimento e os projetos que ancoram a existência após a aposentadoria.

Partimos da premissa de que a origem dos processos discursivos não se encontram nos sujeitos em si, estes apenas os realizam. Assim sendo, as palavras faladas por um sujeito são também de outros. Esse movimento separa, ao mesmo tempo que integra o sujeito em relação com o outro e com o mundo, como também evidencia sua incompletude, propriedade do sujeito e do sentido, e o desejo de completude é que possibilita ao mesmo tempo, o sentimento de identidade e o de literalidade (unidade), isto sem falarmos da instância do silêncio fundador, que possibilita, as mais variadas nuanças de significação.

Por este aspecto, apresento a noção de sujeito dinâmico, múltiplo, ou seja, a de um sujeito que é açambarcado por vários discursos ao longo de sua existência, ao mesmo tempo em que outros sujeitos açambarcam os seus. A relação é dinâmica, dialética, e possibilita a vivência de vários, papéis sociais. Para ORLANDI (1988: 11) "a relação eu/tu é reversível"

Nessa perspectiva a reversibilidade é um dos modos de o sujeito explicitar o sentido e o significado de suas experiências de trabalho vivenciadas ao longo de seu tempo vivido. Ao falar, estarão aflorando o passado, o vivido, não no sentido do que ficou para trás, mas como vivências que estão presentes no agora, marcando - e acentuando os significados do por vir, do futuro, ou seja, no modo de ser aos 50, 60, 70 anos de tempo vivido desses locutores está contida a "instância do outro".

Como nos dizeres de Orlandi (1993: 19) "o sujeito não se apropria da linguagem num movimento individual. A forma dessa apropriação é social. Nela está refletido o modo como o sujeito o fez, ou seja, sua interpelação pela ideologia. O sujeito que produz linguagem também está reproduzido nela, acreditando ser a fonte exclusiva de seu discurso, quando na realidade, retoma sentidos pré-existentes".

O discurso revela as formações ideológicas que explicitam as condições de produção, ou seja, o contexto sócio-histórico das relações de poder, seja em relação ao modo de experienciar o envelhecimento, seja em relação ao modo de experienciar o trabalho.

Desse modo a análise de discurso nos possibilitou uma trilha para chegarmos às regularidades discursivas dos aposentados. Isto porque, por seu intermédio, nos permitiu reconstruir os passos do processo discursivo e vir a compreender o seu funcionamento.

Nesse sentido, sua função não é a de atribuir um sentido, mas a de explicitar ao leitor a opacidade dos discursos dos sujeitos que participam desse estudo.

Desse modo buscamos nos seus relatos as transformações dos processos discursivos em relação ao significado do trabalho para homens e mulheres, revelando, de um lado, a sedimentação, a cristalização dos sentidos oriundos nas formações discursivas oficiais e, de outro, as construções das posições de homens e mulheres aposentados e/ou em vias de se aposentarem.

Ao analisarmos os discursos de aposentados (as) de classes sociais diferentes, estaremos identificando as transformações dos processos discursivos ao longo do tempo vivido por eles e, conseqüentemente, as modificações reveladas nas práticas sociais em relação ao modo de envelhecer.

Apresentacão dos Resultados

Os resultados referentes ao sexo, idade, estado civil, grau de escolaridade dos entrevistados, da compatibilidade ou não entre a atuação e a habilitação profissional por grau de escolaridade, do nível de formação profissional e a atuação profissional por grau de escolaridade, a atitude sobre o modo de experienciar a aposentadoria para os diferentes sexos, como também o grau de escolaridade dos pais dos entrevistados serão apresentados nos gráficos de 1 a 8 e em porcentagem.

Após a apresentação desses gráficos iniciaremos a discussão em relação a eles e, em seguida, passarêmos a expor ao leitor a análise das formações discursivas dos 10 entrevistados e a conclusão desse estudo.

Gráfico 1: Porcentagem dos 100 entrevistados de acordo com o sexo

SEXO

 

 

O gráfico 1, mostra que, dos 100 sujeitos entrevistados, 49% eram homens e 51% mulheres

Gráfico 2: Porcentagem dos entrevistados por sexo e idade

 

 

O gráfico acima mostra que 51 % das mulheres aposentadas estão entre 51 e 60 anos de idade, 16% têm menos de 50 anos, 25% estão acima dos 80 anos e somente 8% estão acima dos 70 anos. Para os homens a posição é de 61 % entre 51 a 60 anos, 21 % entre 61 a 70 anos, 12% estão abaixo de 50 anos e 6% têm mais de 70 anos.

Gráfico 3: Porcentagem dos entrevistados por sexo e estado civil

 

 

O gráfico revela que das mulheres 49% são casadas, 21% são viúvas, 12% são solteiras e 18% são descasadas. Com relação aos homens, 74% são casados, 4% são viúvos, 10% são solteiros e 12% são descasados.

Gráfico 4: Porcentagem dos entrevistados por sexo e grau de escolaridade

 

 

O gráfico revela que 42% das mulheres possuem o 3º grau completo, sendo que destas, 6% possuem nível de pós-graduação. Além disso, 34% possuem o 2º grau completo, sendo que 1 7% têm formação em nível técnico. Do restante das mulheres, 2% possuem o 2º grau incompleto, 2% possuem o 3º grau incompleto, 8% possuem o 1º grau incompleto e 12% têm o 1º grau completo.

Com relação aos homens, 43% possuem o 3º grau completo, sendo que destes, 6% possuem nível de pós-graduação. 29% possuem o 2º grau completo e destes, 21 % têm nível técnico. Do restante dos homens, 2% possuem o 2º grau incompleto, 4% têm o 3º grau incompleto, 16% têm o 1º grau incompleto e 6% têm o 1º grau completo.

Gráfico 5: Porcentagens referentes ao grau de escolaridade dos pais dos entrevistados por sexo

 

 

Nota-se no gráfico 5 que 81 % das mães dos entrevistados cursaram o primário e/ou o ginásio, 14% fizeram o colegial e 1 % fez faculdade, sendo que 4% não responderam. A posição dos pais mostra que 47% tiveram acesso ao primário e/ou ginásio, 35% completaram o colegial, 11% terminaram a faculdade, sendo que 7% não responderam.

Obs.: O grau de escolaridade dos pais dos entrevistados está sendo apresentado de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases nº 4024/61, cuja denominação para os diferentes níveis de escolaridade era: Primário – 1ª a 4ª série; Ginásio – 5ª a 8ª série e Colegial (Científico, Clássico e Normal).

Gráfico 6: Porcentagens dos entrevistados em termos de compatibilidade entre a atuação e a habilitação profissional por grau de escolaridade.

 

 

O gráfico mostra que dos entrevistados que possuem O 3º grau, 71% revelam compatibilidade entre a atuação e a habilitação profissional, para 29% não há compatibilidade entre a habilitação e a atividade desempenhada. Dos que possuem 2º grau, 66% responderam que há coerência. Para 28% não há coerência e 6% não responderam. Para os que possuem o 1º grau, 12% desempenham atividades correspondentes, para 44% não há coerência entre o que fazem e o grau de escolaridade e 44% não responderam.

Obs.: 17% não possuem nenhuma habilitação.

 

 

Gráfico 7: Porcentagens dos entrevistados em termos do nível de formação e atuação profissional por grau de escolaridade.

Gráfico apresenta o nível da formação profissional em termos de atuação profissional por grau de escolaridade dos entrevistados. Dos que possuem 3º grau, 81 % atribuiram bom, 7% excelente, 7% razoável e 5% ruim. Dos entrevistados com 2º grau, 50% atribuíram bom, 3% excelente, 6% razoável, 19% ruim e 22% não responderam. Quanto ao 1º grau, 22% atribuíram bom, 11 % razoável e 67% não responderam.

Obs.: 17% não possuem habilitação.

Gráfico 8: Porcentagens das atitudes dos entrevistados sobre o modo de experienciar a aposentadoria para os diferentes sexos.

 

 

Nota-se no gráfico acima que 36% das mulheres entrevistadas e 41% dos homens possuem uma atitude positiva em relação à aposentadoria; para 14% das mulheres e 10% dos homens é um momento indiferente; 16% das mulheres e 19% dos homens não desejavam se aposentar; 2% das mulheres e 10% dos homens não se aposentam, por razões financeiras; 14% das mulheres e 10% dos homens possuem uma atitude negativa em relação à aposentadoria.

 

Discussão

O gráfico nº 1 indica que dos 100 entrevistados 51 % são mulheres e 41 % são homens. Em relação ao sexo X idade, o gráfico nº 2 revela que a grande maioria dos entrevistados está na faixa etária de 51 a 60 anos, 21% tem mais de 61 anos e 12% mais que 70 anos. Esse dado é importante no sentido de indicar que a expectativa de vida está aumentando nesta última década, visto que, em 1960, a média de vida do brasileiro era de 52 anos. Fatores como: maior controle da natalidade, descobertas científicas nas diversas áreas do conhecimento - química, física, biologia e genética; o acesso aos meios educacionais explicam esse aumento. Entretanto, essa melhoria não se estende a toda a população com mais de 60. anos infelizmente. Apenas alguns privilegiados socialmente têm acesso a essa melhoria.

Outro aspecto interessante diz respeito ao estado civil (gráfico nº 3) dos entrevistados, que indica mudanças significativas na, estrutura da família brasileira. O nº de descasados e solteiros para ambos os sexos juntos perfazem um total de 42%, sendo que 18% são mulheres. Em relação à viuvez, os números confirmam que os homens morrem mais cedo que as mulheres.

O gráfico nº 4 também confirma as mudanças, principalmente em relação à posição de participação da mulher. Das 51 mulheres entrevistadas, 42% possuem o 3º grau completo, sendo que 6% possuem mestrado e/ou doutorado ou os dois, ocupando a posição semelhante a dos homens, ou seja, 43% possuem o 3º grau completo, sendo que desses 6% possuem curso de pós-graduação. A diferença entre os sexos em relação ao colegial técnico é de apenas 4%. No entanto essa diferença é acentuada em relação ao 1º grau completo em que só 6% dos homens possui o 1º grau, enquanto que 12% das mulheres concluíram o 1º grau. Outra diferença que nos chamou a atenção diz respeito ainda ao 1º grau de escolaridade, 16% dos homens e 8% das mulheres não o concluíram, a diferença entre ambos é de 8%. Ao compararmos esses dados com os do gráfico nº 5, referente ao grau de escolaridade dos pais dos entrevistados, podemos perceber a posição da mulher para essas duas gerações. Apenas 1 % das mães cursaram o 3º grau, enquanto que 11 % dos pais tiveram acesso ao grau universitário. O acesso da mulher ao curso primário e/ou ginasial também é bem menor se comparado com o dos homens.

O gráfico nº 6 mostra que a compatibilidade entre a atuação e a habilitação profissional por grau de escolaridade, representada pelas categorias (s/r, sim e não) não se distribui ao acaso em função do grau de escolaridade (X2 = 116.19: p.05).
Para os entrevistados que possuem o 3º grau a compatibilidade é maior do que para os que possuem o 2º grau. E em relação com o 1º grau o significado é expresso pelos 44% (sem resposta).

Em relação aos entrevistados que possuem o 2º grau, a diferença é de 66% que expressam que há compatibilidade entre o trabalho que realizam com a habilitação profissional, por apenas 12% dos que possuem o 1º grau. Os 44% (sem resposta) que possuem o 1º grau também marcam a diferença entre os graus de escolaridade.

Isso nos possibilita evidenciar que, quanto maior o grau de escolaridade, maior será considerada a compatibilidade entre a atuação e a habilitação profissional. E quanto menor o grau de escolaridade, maior o número de (sem resposta) e a não compatibilização (66%) com o trabalho realizado.

Esses dados revelam um descompasso entre a solicitação do mercado de trabalho e a habilitação profissional. Ao olharmos para os que possuem somente o 1º grau, a realidade do sistema educacional brasileiro se mostra em seu descompromisso com a preparação profissional, a qual deveria desencadear a função de não só preparar a mão de obra de que a economia se valeria como também, a de criar e recriar condições para que os sujeitos, habilitados, pudessem ascender os seus poderes reivindiçatórios.

O gráfico nº 7 mostra que a avaliação dos entrevistados em termos do nível de formação e atuação profissional por grau de escolaridade, representada pelas categorias bom ruim, excelente, razoável e s/r, distribui- se de modo diferente, ao acaso (X2 =146,18).

O significado atribuído pelos entrevistados com 3º grau e com aqueles que possuem o 2º grau é expresso pela maior intensidade, (81 % - 3º grau) consideram boa a formação profissional por (50% dos do 2º grau). Os 22% (sem resposta) e os 19% que consideraram ruim o nível de formação e atuação profissional, destaca a opinião dos entrevistados com 2º grau. Entre os com 3º grau e os entrevistados que possuem só o 1º grau, a intensidade é relevante (81%-3º grau) para (22% - 1º grau). Para os que possuem até o 2º grau 50% classificam como boa a formação e atuação profissional, enquanto que 67% dos que só têm o 1º grau, expressaram que não sabem avaliar a compatibilidade entre a formação e a atuação profissional.

Ao compararmos o 1º grau com o 2º grau, a situação da escola pública é revelada pela sua desarticulação entre o que é ensinado na escola com as exigências do mercado de trabalho. Levando em consideração que a maioria dos entrevistados não possui o 3º grau, essa situação adquire nuanças mais significativas.

Outro aspecto a ressaltar diz respeito à intensidade de 67% (sem respostas), obtida nos dados referentes ao 1º grau. Isso mostra que o grau de escolaridade pode possibilitar o acesso a solicitações de um mercado de trabalho mais exigente.

O gráfico 8 mostra em porcentagem que somente 36% de mulheres e 41 % de homens possuem uma atitude positiva frente à aposentadoria. 16% das mulheres e 19% dos homens não desejavam se aposentar, sendo a diferença de 4% entre ambos. Essa diferença se acentua, ou seja, passa a 8%, em relação aos que não se aposentam por razões financeiras (2% de mulheres e 10% de homens). Isso revela a' situação da condição de vida dos entrevistados e não se trata apenas dos que, possuem apenas o 1º grau. Ao analisarmos os discursos do entrevistados no próximo segmento desse estudo, essas razões serão explicitadas ao leitor. Outra situação que merece atenção diz respeito à atitude negativa que os entrevistados possuem em relação à aposentadoria. O total é de 24% (14% mulheres e 10% homens), uma diferença de 4% entre os sexos. Essa situação evidencia que o modo da mulher experienciar a aposentadoria é relativamente diferente do masculino.

Essa primeira parte do trabalho possibilitou-nos explicitar que na medida em que a mulher conquista seu espaço no mercado de trabalho, a estrutura sócio-político-cultural vai se reestruturando, ao mesmo tempo em que provoca inúmeras modificações na estrutura de valores familiares. A família de hoje não é a mesma de ontem. No entanto, embora essas diferenças estejam sendo minimizadas ao longo dos anos, elas ainda persistem e determinam, muitas vezes, a própria visão diferenciada de como experienciar a própria temporalidade para ambos os sexos. Como nos dizeres de Alberoni (1988: 11) "Certamente, as diferenças entre homens e mulheres são o sedimento de milênios de história e de opressão", e podemos dizer que "faz apenas alguns decênios que isto está mudando".
Homens e mulheres, portanto, "não são categorias imutáveis e abstratas, mas antes, tipificações culurais socialmente construídas" (in Saiem, 1980:37).

As formações discursivas - que serão apresentadas a seguir corroboram tal afirmação.

O trabalho realizado foi agradável ou um fardo deixado ao longo caminhada?

 

Formações discursivas dos entrevistados (p.20 e 21)

 

 

Análise, Compreensão e Interpretação

As formações discursivas em relação à satisfação com o trabalho desempenhado revelam a posição, os "lugares ocupados" pelos sujeitos que, ao falarem do como experienciaram o trabalho, explicitam as diferentes relações ocupadas e desempenhadas por eles, as quais mostram suas condições de produção. Por exemplo, as formações discursivas do técnico, do engenheiro, da fiscal de rendas, das professoras, mostram suas posições e os lugares de onde falam. Assim a fiscal de rendas diz... "minha profissão é de alto nível, invejável, pouca gente consegue galgá-la, é seletiva..." O engenheiro diz.. ."cheguei a gerente... tudo unicamente por esforço pessoal..." tal como o técnico que reconhece a satisfação profissional, pois chegou a ser "chefe de seção".

Nessas formações encontramos uma forte influência do estilo taylorista cristalizado em nossa sociedade, estilo esse ancorado nas formações ideológicas do liberalismo que enfatiza a eficácia e a eficiência que se materializam na prática como capacidade pessoal. Dizem respeito ainda a uma suposta liberdade do sujeito em optar, em saber fazer suas escolhas certas. A ênfase recai na individualidade, isto é, o sujeito é um possuidor de aptidões inatas pelas quais ele é responsável, para desenvolvê-las ao máximo, para ser reconhecido pelos outros indivíduos. As formações discursivas a seguir mostram esse máximo. O técnico, analista de sistema, expressa..."o esforço pessoal é reconhecido na promoção a chefe de seção"... a fiscal de rendas diz...'Minha profissão é boa, de alto nível, invejável, pouca gente consegue galgá-la, é uma profissão seletiva"... ou nos dizeres do engenheiro. .."Enfrentei muitos desafios.., comecei aos 1 4 anos como operário e cheguei a gerente, tudo unicamente por esforço pessoal e competência... e como prêmio"... o engenheiro completa seu discurso..."foi uma experiência de vida extraordinária, oportunidade de conhecer 45 países, diferentes viagens a serviço da empresa"; a professora readaptada confessa que "desempenhou com eficiência e segurança o serviço.., de ler o diário oficial, daí dependia o andamento da escola".

Essas formações discursivas estão apoiadas nos princípios da liberdade oriundos da concepção da doutrina liberal arraigados na nosa sociedade e denunciada pelos estudiosos Cunha (1975), Patto (1987) e outros.

Desse modo, essas formações discursivas indicam "as representações ilusórias, nas quais os fenômenos manifestos ocultam as estruturas latentes" (Patto, 1987: 85), reforçam a ideologia das aptidões naturais que visam adaptar o sujeito ao mercado de trabalho em função de sua capacidade inata e do esforço pessoal. Desse modo, encobrem e dissimulam a divisão de classes sociais.

Essas formações veiculam as formações ideológicas do discurso oficial cuja intenção é de ajustar o sujeito ao meio, fato que determinará o sucesso de sua realização profissional. Situação análoga ocorre com a professora alfabetizadora, quando considera a alfabetização de crianças "um milagre", "uma obra divina". Postura messiância, a criança é vista como um ser carente, que necessita de escola para se completar e se aperfeiçoar, pois nela encontra pessoas mais experientes detentoras de poder até "divino" que lhes permite "assistir ao despertar de uma obra divina" que é a alfabetização. Essa formação discursiva marca uma posição de alienação em relação à práxis pedagógica. Isso facilitará o ajustamento desses futuros adultos à estrutura ocupacional, pois, imbuídas de uma ilusão de que sucesso e o fracasso estão somente em suas capacidades, passam a contribuir para o aumento da mais valia da classe dominante, que é a que detém o controle da produção.

A formação discursiva do pesquisador marca também sua posição de onde fala, o que fala e para quem fala. Revela que a satisfação com o trabalho está em "formar novos pesquisadores". Essa formação discursiva admite que a relação eu/tu (pesquisador/orientando) é dinâmica, cujo compromisso profissional está não só na informação, mas sim na formação. A competência está ancorada numa relação dialética, que mostra o lugar político do cientista.

Por outro lado, de um modo geral, as formações indicam que a burocracia, o não reconhecimento pelo esforço empregado na atividade exercida são aspectos que contribuem muito para o desencantamento ao longo da caminhada do trabalho. Os discursos ainda mostram que a competência profissional exige esforço e tempo, tempo que deveria ser dedicado à família.

Outro aspecto que chama a atenção diz respeito aos salários... somente o engenheiro expressa seu descontentamento em relação à sua remuneração. No entanto, sabemos que os salários das Universidades Públicas Estaduais e dos professores da rede pública estão defasados há algumas décadas. Isso nos leva a pensar que o reconhecimento pelos superiores e pares é um estímulo suficiente, independente dos salários.

Num segundo momento, inquiri o profissional tendo em vista comprovar ou não a satisfação com o trabalho.

Recomeçaria tudo de um modo diferente...e/ou faria as mesmas escolhas profissionais?

 

Formações Discursivas dos Entrevistados

Pesquisador (grau doutor)- Universidade pública estadual- 51 anos

"Sim, eu faria as mesmas escolhas... gosto do que eu faço e aceito as conseqüências."

Técnico (2º grau) -analista de sistemas - 57 anos

"Se o tempo também voltasse atrás recomeçaria tudo de novo, mas como não volta, hoje em dia não daria certo, pois os computadores de grande porte sumiram da praça, dando lugar aos micros e com isso o fim do analista de sistemas."

Engenheiro (3º grau) - Empresa multinacional- 60 anos

"Penso que sim, porque sempre dei pouco valor ao reconhecimento financeiro e ao dinheiro, procurando a realização na técnica. Para mudar a minha vida teria que mudar a minha personalidade e filosofia de vida, penso que isto não valeria a pena."

Cirurgião dentista (3º grau) e docente de Universidade particular - 57 anos

"Acredito que sim, pois gosto de ensinar e quem ensina também muito aprende. Não se pode parar no aprendizado e quem pára retrocede. Trabalho com uma equipe mais jovem e existe uma troca de experiência com conhecimentos mais atualizados."

Advogado (3º grau) - 51 anos

"Não faria as mesmas escolhas..."

"Na vida de classe média baixa num país capitalista, quem não tem o capital não tem muita escolha. Primeiro você tem que ter condições para fazê-lo. Como sempre trabalhei, desde menino, para poder estudar, não havia outra opção. Mas hoje eu gostaria de ser ou ter sido um político bem sucedido e ter feito pelo meu país algo que o tirasse do Terceiro Mundo, e fizesse as pessoas mais felizes, principalmente o professor e os que morrem de fome."

Professora (2º grau)- readaptada- 5 1 anos

"Eu não faria a mesma escolha. Na época em que eu era menina, o pai exercia muito poder, eu não tive muita opção. Magistério não era a minha opção profissional."

Fiscal de rendas (2º grau)- 52 anos

"Creio que faria a mesma escolha, só que com uma faculdade de primeira linha e dedicação total. Faria tudo bem feito. Procuraria alguns atalhos para chegar aonde cheguei."

Secretária de escola pública (2º grau)- 47 anos

"Não faria a mesma escolha. Procuraria na área de relações humanas, como Psicologia por exemplo. Alguma coisa que lidasse com o ser humano em termos de intervenção. Gostaria de ter suporte acadêmico para ajudar."

Professora alfabetizadora (2º grau)- Escola pública estadual- 57 anos.

"Honestamente, se eu fosse jovem e tivesse que optar por uma profissão, eu não hesitaria jamais, abraçaria novamente o magistério e com muito prazer, por que não? Deus me deu a nobre missão de ensinar e eu o agradeço por esse dom sublime."
Funcionária pública municipal (1º grau)- 62 anos

"Faria tudo outra vez e sempre procurando melhorar mais."

 

Análise, Compreensão e Interpretação

Essas formações discursivas revelam o lugar social historicamente determinado pelos sujeitos, em relação ao trabalho realizado. Ao expressarem que não fariam as mesmas escolhas profissionais, estão evidenciando o quanto o trabalho executado foi desagradável, foi um fardo deixado à margem do caminho. Caminho longo e árduo. Nesse sentido designa desprazer, padecimento, cativeiro, revolta.

Essa posição permite verificar que a insatisfação com o trabalho localiza-se não só nos problemas referentes à remuneração e condições sociais e políticas específicas de cada profissão, mas sim com a escolha propriamente dita.

Estudo realizado por Bruns (1992) sobre escolha profissional com universitários revela decepções, frustrações, e grande insatisfação com o experienciar da escolha profissional e apontam as seguintes causas: dicotomia entre teoria X prática; desarticulação entre formação acadêmica X mercado de trabalho; ausência de informação no momento de realizar a escolha profissional. As conseqüências são desastrosas, uma vez que o projeto de vida se reduz a um descomprometimento do SER para consigo mesmo e para com o outro. Explicita, ainda, este estudo que, ao serem os jovens lançados no mercado de trabalho, são tragados por uma rede de valores que passa a decidir por eles. Vão sendo anestesiados e despersonalizam-se.
Mergulhando no anonimato, anulam qualquer originalidade e comprometimento. São açambarcados pelo discurso oficial - o da aceitação e. submissão e passam a dedicar até 30 anos de vida executando um trabalho que só lhes possibilita a dissimulação. Apontam às vezes as falhas, as razões do descontentamento. Entretanto continuam a trajetória como personagens de uma peça que só termina com a aposentadoria. Termina? e/ou reproduz o mesmo ato da mesma peça? Tal qual a trajetória vivenciada pelos entrevistados, aqui também fica evidenciada a acomodação de alguns à situação que passam a enfrentar: "se o tempo também voltasse atrás recomeçaria tudo de novo, mas como não volta..." (Técnico-analista de sistema); ou a frustração de outros, que reconhecem não terem aproveitado convenientemente o tempo vivido: "não faria a mesma escolha ... gostaria de ter sido um político bem sucedido e ter feito pelo meu país algo que o tirasse do Terceiro Mundo" (Advogado).

Cabe aqui indagar ironicamente... Não é essa a fala dos bem sucedidos políticos brasileiros?! Quais sentidos essa formação discursiva oculta? Só o político bem sucedido pode fazer algo para tirar o país do Terceiro Mundo?

Essas formações discursivas mostram um modo de ser alienado, em alguém que justifica o não fazer algo para melhorar o país porque não foi um político bem sucedido. Assim se alivia da responsabilidade e compromisso político que deveria ter, como um sujeito engajado. "A alienação imbeciliza e reduz a capacidade de opôr-se ao sistema e superá-lo" Albornoz (1986: 79). Chamam-nos a atenção as formações discursivas da professora alfabetizadora. Veja como se expressa... "abraçaria novamente o magistério e com muito prazer... Deus me deu a nobre missão de ensinar e eu agradeço por esse dom sublime". Trabalho nesse discurso denota o significado de uma vocação, um dom. Esse sentido está ancorado na Reforma Protestante de Lutero (1483-1 546) e Calvino (1509-1564), ideologias que deslocaram o sentido de penitência e/ou louvor ao Criador, oriundos da concepção católica, para a virtude e/ou obrigação, ou seja, pelo trabalho o homem pode obter êxito e conseqüentemente realizar a vontade de Deus. O trabalho nessa perspectiva é visto como virtude, e o acúmulo de capital só é condenável eticamente se permitir o mergulho no ócio. O trabalho é vida, quem não o realiza está transgredindo uma lei natural, está praticando um pecado e conseqüentemente estará mais distante da salvação de Deus.

Nesse sentido, essas formações ideológicas marcam a posição dos sujeitos, tal como num jogo de xadrez: o jogador é determinado pelas posições das peças, o jogador nesse contexto é jogado pelo jogo, no entanto há a imprevisibilidade do sujeito. A significação não é previsível podendo ser sempre outra coisa, isto caracteriza a singularidade, identidade, ou seja, a grife do sujeito.

A imprevisibilidade possibilita o deslocamento para outros sentidos e açambarcam outros significados, os quais revelam outras condições. E faz parte dessas condições o fato de que se fala sempre de um entre os vários lugares da sociedade da qual se representam os papéis de: professor, cientista, engenheiro, dentista, técnico - analista de sistema; pai, mãe, filho, etc, e de cada lugar social que o sujeito ocupar, estabelecendo-se, assim, relações de poder e de força.

O papel do discurso religioso e do liberal é o de apagamento do lugar social do qual ele é oriundo. Para o sujeito fica a ilusão de que seu sucesso e/ou fracasso é resultado da vontade divina e/ou do esforço pessoal. Assim, a diferenciação entre pobres e ricos construída historicamente pela divisão de laços sociais é também entendida como conseqüência da vontade de Deus, algo natural... afinal sempre existiram pobres e ricos, não precisa nem olhar ao redor, é só olhar para trás... desde os tempos de Cristo era assim. No entanto pelo esforço pessoal, dedicação árdua ao trabalho, os sujeitos conseguem sair da miséria e ser um dos eleitos da vontade de Deus.

Entretanto, o movimento, as contradições e as brechas revelam o imprevisível, mostram que o jogo pode ser mudado, modificado, historicamente.., ao expressarem que não fariam as mesmas escolhas profissionais, alguns entrevistados estão evidenciando que mesmo tardiamente (em relação à sua própria temporalidade que é finita), o trabalho executado foi desagradável, foi um fardo deixado à margem do caminho. Caminho longo e árduo. Esse repensar desloca outras indagações... outros sentidos, outros significados para essa atividade que acompanha o homem ao longo de sua trajetória existencial.

Finalmente buscamos respostas para a possibilidade de construção de projetos após a aposentadoria. Haveria espaço para tal construção?

 

Que projetos ancoram a existência após a aposentadoria? Formação discursiva dos entrevistados

Pesquisador (grau doutor) - Universidade pública estadual - 51 anos

"Minha aposentadoria me permitiu trabalhar em pesquisa e docência. Fiquei livre de trabalhos burocráticos. Dez anos da minha vida profissional foram prejudicados porque ocupei posições de chefia, que infelizmente são quase totalmente burocráticas."

"Os meus planos são dar cursos para universitários, trabalhar com indústria e ter mais tempo para viajar, tentando combinar objetivos profissionais com lazer."
Técnico (2º grau) analista de sistemas - 57 anos

"Já estou aposentado, mas nunca pude parar de trabalhar, pois meu salário foi reduzido a 1/3."

"Os planos que eu tinha era poder passar urna temporada aqui em casa e outra viajando... acabou, pois quando em me aposentei meus filhos não tinham ainda se formado, então eu me vi forçado a ter um negócio e aí comprei uma banca de jornal, e, assim, pude ajudá-los a se formarem. Meu plano agora é ampliar a banca de jornal."

Engenheiro (3º grau) - empresa multinacional - 60 anos

"Com muita alegria... o dever cumprido."

"Meus planos?! Vou poder fazer o que gosto de fazer, fora do trabalho, porque vou ter tempo de sobra. Fotografar, cuidar das plantas do jardim, viajar, escrever um livro..."

Cirurgião dentista (30 grau) e docente de Universidade particular- 57 anos

"Minha aposentadoria é pró-forma, pois continuo trabalhando, até mesmo com mais intensidade, e sendo um trabalho relativamente leve e protegido das intempéries, é possível trabalhar por um período maior sem sentir os reflexos dos anos que passam."

"Desse modo meu projeto é este, continuar trabalhando e nem espero parar tão logo, embora tenha uma relativa estabilidade financeira. A possibilidade dos meus filhos seguirem a mesma profissão incentiva-me a prosseguir no exercício profissional."

Advogado (30 grau) - 51 anos

"Eu vi a chegada de minha aposentadoria com muito entusiasmo. Bater ponto, 35 anos de trabalho. Fui office-boy, cheguei a chefe de serviço de uma grande empresa. Não é fácil comandar pessoas e cumprir ordens superiores. Foi um alívio, todavia, com 51 anos, me vejo hoje com muita experiência, bastante vontade, usando 1/3 da minha capacidade, é um desperdício..."

"Meus planos são - formar meus filhos, dar a eles condições de vida, cuidar do meu escritório, viajar e viver intensamente. Sempre que puder, servir, ajudar a quem eu possa, me sinto bem em ver as pessoas felizes, vencedoras, isto me faz bem."

Professora (3º grau)- readaptada - 51 anos

"A aposentadoria me proporcionou uma liberdade de horário, não dependo mais do relógio, de ordem, não sou mais uma subordinada. Não me arrependo de ter aposentado. Me sinto em outro mundo."

"Ainda não tenho planos certos. Eu penso em fazer um monte de coisas. Estou fazendo um balanço, para ver o que eu quero fazer com garra. Já recebi convite para trabalhar com creche, mas ainda não me decidi, estou pensando o que ainda posso fazer. Ainda quero fazer alguma coisa."

Fiscal de rendas (2º grau) - 52 anos

"Com muita tristeza, é sinal que já estou ultrapassado não posso voltar a idade né... tristeza e melancolia."

"Não, não penso ainda nada. Penso ás vezes em viajar e andar bastante, para ter um final feliz."

Secretária de escola pública (2º grau) - 47 anos

"Mais ou menos assim, um utensílio de cozinha guardado no fundo do armário para ser usado em alguma necessidade. Realização profissional zero. Compensação financeira zero."

"Meus planos?! Enfrentar as dificuldades de encontrar outro emprego, uma questão de sobrevivência. Lutar para derrubar as barreiras dos preconceitos, de idade principalmente."

Professora alfabetizadora (2º grau) - escola pública estadual - 57 anos

"A aposentadoria para mim foi um prêmio ao meu supremo esforço de 31 anos de atividades."

"Meus planos?! Como dona de casa, pretendo me dedicar mais aos meus familiares, aprimorando-me na arte culinária, freqüentando ainda cursos de artesanato, isto tudo sem, entretanto, me furtar às oportunidades de lazer e repouso."

Funcionária pública municipal (1º grau) - 62 anos

"Muitos foram os projetos, os sonhos para quando chegasse a aposentadoria. Infelizmente nem tudo se realizou. Para mim foi uma mudança brusca e decepcionante. Eu me sentia mais gente enquanto trabalhava e produzia. Tenho boas lembranças de todos os meus anos de trabalho."

"Meus planos?! Espero que o futuro me traga alegria e muita paz. Que eu possa continuar a ajudar para continuar a me sentir útil. E o mais é aproveitar todas as boas oportunidades que a vida nos oferece para a nossa velhice."

 

Análise, Compreensão e Interpretação

Como diz Orlandi (1993: 58), "as palavras mudam de sentido segundo a posição daqueles que as empregam. Elas tiram o seu sentido dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem".

Nessa perspectiva, ao falar do como estão experienciando a aposentadoria, os sujeitos mostram suas posições, seus lugares de onde estão falando e sobre o que falam, Portanto, as formações discursivas representam as formações ideológicas que lhes correspondem e, desse modo, ao falarem sobre a aposentadoria e dos projetos futuros estão falando do significado e do sentido que o trabalho imprimiu em suas existências.

Por isso é que os significados são diferentes para cada indivíduo. Aposentar para o pesquisador significa se livrar de trabalhos burocráticos, e liberdade para fazer pesquisa, fazer o que lhe agrada, é a possibilidade do lazer; para o técnico e para a secretária significa redução do salário; para a professora do 3º grau é a liberdade de horário, para a alfabetizadora aposentar representa um prêmio.

O advogado diz "foi um alívio", e o cirurgião dentista expressa... "aposentadoria é pró-forma" e sente que o trabalho lhe possibilita "não sentir os reflexos dos anos que passam. Afinal de contas, a possibilidade de um filho seguir a sua profissão incentiva-o bastante a prosseguir no exercício profissional."

A secretárja de escola expressa-se metaforicamente como sendo um "utensílio de cozinha no fundo do armário, para ser usado em alguma necessidade", o fiscal de rendas diz "é sinal que já estou ultrapassado..."

Algumas formações discursivas revelam que o trabalho é experienciado de um modo dezprazeroso, um esforço, uma obrigação. Para esses sujeitos a aposentadoria representa um alívio ao desconforto de 25, 30 anos de trabalho Esse modo de experienciar o trabalho significa padecimento, e aí encontramos as marcas do fardo que foi carregado ao longo do tempo vivido. Como nos dizeres de Rubem Alves (1981: 20) "Como deve ser sem sentido a vida de alguém que após vinte e cinco anos de trabalho, se sente exaurido!"

A materialidade dessa exaustão pode ser identificada pela ausência de reelaboração de projetos, de um lançar adiante que dê sentido à existência após a aposentadoria. E parece-nos que a meta a cumprir, o limite a atingir dos entrevistados é a aposentadoria. Apesar de não chegar de improviso e de ser até esperada, a sua materialidade e concretude provoca as mais variadas reações. Expressões como: "Um alívio", "Ufa! Me livrei dos horários rígidos"...,"Como um prêmio"; "Com entusiasmo", denotam uma sensação de alívio, como vai explicitado nesta fala "consegui me livrar desse penoso trabalho, e chegue à minha meta – a aposentadoria".

Ao lado dessas expressões, encontramos essas outras que representam também um modo comum de experienciar as aposentadorias..."com muita tristeza..., é sinal que estou ultrapassado" (fiscal de renda) "... como um utensílio de cozinha no fundo do armário" (secretária). As convergências dessas formações discursivas estão enfeixadas num sistema de regras, normas e leis criadas e reproduzidas ideologicamente ao longo da história de nossa sociedade, cujo estigma de descartável materializa-se num corpo que, segundo essa visão, não atende mais às exigências produtivas de uma sociedade de consumo, "que só reconhece o indivíduo na medida em que ele produz", como diz Simone de Beauvoir (1970: 103). A aposentadoria concretiza esse limite do corpo, que sofre as conseqüências de não ser reconhecido como produtor de mais-valia, e, assim como uma mercadoria que tem seu tempo de uso vencido, deve ser retirada de circulação.

Desse modo, a sociedade cria as categorias de produtivos e improdutivos que são ideologicamente considerados como atributos comuns e naturais.

Essa perspectiva encobre a ausência dos desempregados, não só dos jovens desqualificados profissionalmente como dos altamente qualificados - os psicólogos, médicos, físicos, biólogos - ocultando assim, as diferenças de classes sociais e a caótica condição de um mercado de trabalho que reflete as necessidades concretas da sociedade e do momento histórico. Encobre, ainda, o fato de que os assalariados se aposentam, mas passam a realizar os "bicos", os biscates para complementar as despesas básicas com alimentação, moradia e saúde.

Retomando os discursos em relação aos projetos para após a aposentadoria, encontramos as seguintes expressões em relação ao futuro. As expressões ..."Ah! Não pensei nisso ainda..."; "Ainda não tenho planos..."; "Meus planos? continuar trabalhando..."; "Penso em viajar... andar bastante, para ter um final feliz..".; "Meus planos? Encontrar outro emprego... questão de sobrevivência..."

Essas formações discursivas mostram que as pessoas encontram dificuldade para um olhar à frente da aposentadoria, mesmo quando o trabalho realizado não tenha sido um possibilidade de expressão e comunicação criadora e/ou, por isso mesmo tal situação ocorre. Parece que esse modo de ser rouba o sentido autêntico de utopia, que significa, não algo inatingível, mas somente algo que ainda não foi realizado.

O trabalho realizado nessas condições alienantes resume-se na espera da aposentadoria, que representa ilusões de liberdade...

No entanto, quando ela chega, pelo fato de a pessoa ter sido condicionada a realizar um trabalho rotineiro, alienante, sem limites a explorar, repetindo, reproduzindo sempre, ela não visualiza um gerenciamento criativo de seu tempo que fora ocupado pelo rotineiro trabalho. Esse modo de ser materializa-se em práticas sociais de acomodação. Nessas condições de alienação, os projetos para vivenciar uma qualidade de vida mais espontânea, erótica e lúdica não passam de um "esboço provisório" para ser testado, quem sabe, após vinte e cinco a trinta e cinco anos de dever cumprido.

Portanto, é nessas condições de trabalho, que essas formações discursivas denotadoras de surpresas estão amparadas... "Meus planos?! Andar bastante para ter um final feliz"...

 

Conclusão

Essa trajetória, considerando-se o trabalho como uma atividade que acompanha o ser humano durante a maior parte de sua existência, e que lhe possibilita expressar-se, identificar-se e concretizar projetos, permitiu-nos um horizonte de compreensão em relação ao modo com que mulheres e homens lidam com o tempo vivido, ou seja, o estar envelhecendo.

Esse estudo mostra-nos que, apesar das diferenças marcadas pelas posições e lugares sociais de cada entrevistado, o sentido e o significado do trabalho que incorporaram encontram-se matizados pelos sentidos vinculados pelo liberalismo, ideologia cujos axiomas básicos são: o individualismo, a liberdade, a propriedade, a igualdade e a democracia, CUNHA (1975). Esses princípios são reeditados pelas gerações ao longo da história.

Essa perspectiva enfatiza a idéia de sucesso individual e de mérito, determinado pelo esforço e pelo trabalho de cada um e, nesse sentido, o único responsável pelo sucesso ou fracasso social de cada um é o próprio indivíduo e não a organização social.
Assim é que o indivíduo, segundo Pêcheux, tem a ilusão de ser a fonte criadora de seu discurso, quando na realidade os discursos são retomados por ele.

Por isso, as formações discursivas dos entrevistados mostram suas posições ideológicas, as quais são permeadas por deslocamentos, conflitos e contradições. Isso revela o processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas, podendo, por isso, "mudar de sentido segundo as posições mantidas pelos que as empregam, o que significa que elas tomam o seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem" (Pêcheux, 1975 apud Orlandi, 1993).

Vista dessa perspectiva, as práticas sociais ancoradas no liberalismo materializam-se, num modo alienado do humano experienciar o trabalho que lhe impede uma postura crítica sobre a possibilidade de realização profissional e realização pessoal.

A realização pessoal fica sempre num esboço para um dia chegar lá... lá após a aposentadoria e, quando ela chega, mesmo que de mansinho - um dia - após - outro, durante vinte e cinco, trinta e/ou trinta e cinco anos de trabalho, provoca surpresa, desencantos, alívio.

Esse momento obriga o humano a uma avaliação temporal. A ausência do trabalho libera um tempo, um tempo que durante anos foi rotineiramente vivido, em conformidade com as normas e regras sociais, convenções, hábitos e estatutos oficiais.

Esse modo resignado de encaixar-se nos limites de uma realidade estéril e pouco criativa permite verificar que a avaliação temporal dos entrevistados revela uma grande insatisfação com o trabalho realizado, um fardo que, na verdade, não foi deixado ao longo da caminhada.

Assim, parece-nos que esse estudo lança um convite, um apelo à sociedade, em especial aos setores educacional, empresarial e político, no sentido de re-visionarem os propósitos do projeto de homem que vem se perpetuando ao longo de décadas: romper com o círculo vicioso de apatia, desencanto e conformismo experimentado pelo homem no momento tão especial de sua existência.

A questão que se coloca é que seja deslocada essa visão fragmentada, rotineira e reducionista que alicerça a prática do trabalho, que não pode, de nenhuma forma, constituir-se num interregno estreito em meio à infinitas possibilidades a serem exploradas na existência.

O trabalho é uma das possibilidades de construção do ser humano, que deve lhe permitir autonomia com relação a todas as atividades nas quais está imerso como condição do próprio existir, ou seja, cabe ao homem viver a fase produtiva com o mesmo sentido de vida completa que fantasia poder viver após a aposentadoria.

Com isto queremos dizer que competência e eficácia profissional deveria lhe proporcionar condições de autonomia para criar um espaço para o lazer e o convívio prazeroso com os familiares. E preciso, para isso, recriar novas práticas de convivência entre as gerações. Aqui cabe ressaltar a práxis do diálogo entre os familiares como uma via de acesso, a ser utilizada para enriquecer o fluir de metas e projetos que visem a um gerenciamento qualitativamente melhor de nosso tempo de vida; bem como mobilizar os setores empresarial, da saúde, escolar, agrário, os meios de comunicação de nossa sociedade, buscando repensar as condições políticas de trabalho.

Lograr-se-ia, assim, uma mudança no modo de pensar, sentir e agir que se materializaria num modo menos inautêntico e alienado de vivenciar essa incontornável trajetória que é o envelhecimento humano. Afinal, o humano é um ser para a morte.

 

Referências Bibliográficas

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1 Este trabalho foi apresentado no Primer Congreso Intercontinental de Gerontologos y Geriatras de Lengua Latina - Lima - Peru, setembro de 1996.
2 Doutora em Psicologia Educacional, docente do Departamento de Psicologia e Educação da FFCLRP-USP.
3 Docente do Departamento de Lingüistica da UNESP. Campus de Araraquara.
4 "Trabalho vem do vocábulo latino tripaliare e do substantivo Tripalium, aparelho de tortura formado por três paus, ao qual eram atados os condenados, ou que servia para manter presos os animais difíceis de ferrar?' (in Albornoz, 1986: 10).
Síntese do quadro epistemológico da análise de discurso.
5 Segundo ORLANDI (1993: 19 e 20), a análise de discurso está ancorada em três regiões do conhecimento científico:
1 - O materialismo histórico, como teoria das formações sociais e suas transformações;
2 - A linguística como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação;
3 - A teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processos semânticos/
Obs. Para aprofundar este quadro o leitor poderá recorrer aos textos apresentados em Cadernos de Estudos Linguísticos. 19/1990, organizado por Eni P. Orlandi e João Wanderley Geraldi; Discurso e Leitura de Eni Orlandi, Ed. Cortez, 1993.