SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 issue1Contribuições da Gestalt - Terapia para o referencial teórico da Orientação ProfissionalA re-orientação profissional apoio em época de crise author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista da ABOP

Print version ISSN 1414-8889

Rev. ABOP vol.1 no.1 Porto Alegre June 1997

 

ARTIGOS

 

A orientação profissional e a globalização da economia 1

 

 

Maria Célia Pacheco Lassance

Serviço de Orientação Profissional - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

 

 

Trajetórias

1. Marta, 43 anos, nascida em um estado do nordeste, família de poucos recursos, 10 irmãos. Formou-se em Ciências Sociais em São Paulo; e encontrou emprego na área administrativa de uma multinacional. Há 2 anos foi demitida, logo depois do nascimento de sua filha. Apesar do diploma e da experiência, não encontrou mais trabalho: alega que as empresas procuram os mais jovens. Quando, recentemente, seu marido perdeu também o emprego, resolveu trabalhar como faxineira, apesar de achar pouco adequado.

2. Marco, 42 anos, estudou Psicologia numa universidade tradicional de São Paulo, na intenção clara de tornar-se psicoterapeuta. No momento de fazer estágio curricular na área de organizacional, tarefa difícil na época, conseguiu boa colocação em uma indústria automobilística, através de seu pai, funcionário antigo. Lá permaneceu até formar-se, quando foi contratado, como psicólogo para o setor de Recursos Humanos. Após dois anos, criou-se uma nova estrutura na empresa e Marco passou a trabalhar exclusivamente na relação entre o sindicato e a empresa, trabalho eminentemente político. Até onde pude acompanhar, estava muito satisfeito e sentia-se realizado profissionalmente.

3. Vera, gaúcha de 46 anos, foi dona de casa até os 41. Casada desde os 19 anos, 3 filhos, boa situação socioeconômica. Com os filhos crescidos, passando muito tempo fora de casa, sentiu-se só e inútil, definindo-se mais como governanta do que como mãe, esposa e dona-de-casa. Sua escolha aos 16 anos pelo curso de Medicina havia sido barrada pelo namorado, atual marido e Vera cursou o Magistério. Após 24 anos como dona de casa, decide retomar sua escolha antiga e decide-se pelo curso de Psicologia, como um "atalho" para os conhecimentos que queria - psicoterapia. Ingressa no curso, considerando a possibilidade de ser apenas uma estudante diletante, O curso proporciona experiências que lhe indicam a possibilidade de poder trabalhar. Engaja-se em grupos de pesquisa e de estudos extra-curriculares, trabalha como voluntária com recuperação de dependentes químicos. Atualmente prepara-se, e muito bem, para ingressar no mercado como terapêuta familiar na linha cognitivo-comportamental. Forma-se em 1997 e tem sido uma das melhores alunas que temos.

Estas três histórias ilustram trajetórias profissionais bastante comuns nos dias de hoje e servem de base a que se repense o próprio processo de O.P. (Orientação Profissional) e a organização teórica em torno da questão dos fatores que influenciam uma escolha.

Tradicionalmente, tem-se visto a escolha profissional como um processo multifacetado, organizado em torno de sobredeterminações subjetivas como a autopercepção de interesses, aptidões, valores e traços de personalidade. Estes traços e fatores tornam-se realidade para o sujeito na medida em que ele reconhece sua existência. Por isto, falo em autopercepção dos mesmos.

A utilização de testes pressupõe que haja um instrumento científico capaz de medir traços e fatores que o sujeito não pode reconhecer, geralmente, em função de processos emocionais conflitivos típicos de etapas de crise. Assim, uma pessoa entrega-se à "ciência", que lhe dirá de suas competências e capacidades e o melhor caminho a seguir, confrontando suas características a características exigidas por determinadas profissões ou ocupações, como entendidas pelo orientador ou pelos manuais que descrevem as profissões disponíveis.

Se, por outro lado, na OP através de abordagens dinâmicas, pressupomos que a pessoa, apesar da crise, tem condições de reflexão e decisão, os processos concretos de OP variam, mas todos lidam com autoconhecimento e conhecimento da realidade do mundo do trabalho, na suposição de que a construção de um projeto profissional pode ser realizado quando o sujeito pode prever a realização de seus desejos e características em uma gama de possibilidades conhecidas. O Vocacional jamais deve estar separado do Ocupacional. O que diferencia estes trabalhos em termos de qualidade é a forma como se vê autoconhecimento e como se trabalha as representações do sujeito acerca da realidade do mundo do trabalho.

Se partirmos do pressuposto que o trabalho de autoconhecimento deve dar ao sujeito a auto-identificação de suas características em termos de interesses, aptidões, traços de personalidade etc., estamos trabalhando com seu autoconceito e, basicamente, com o que ele está disposto a declarar e a compreender sobre si mesmo e sobre os outros naquele momento. O autoconceito é formado por auto-identificações que se modificam ao longo da vida, de acordo com as experiências a que a pessoa se submete e, mesmo que tivéssemos uma forma de apurar os exatos conceitos que o indivíduo tem de si, ainda assim estaríamos longe de conhecê-lo, pois nosso funcionamento dá-se mais pelas interpretações que fazemos dos autoconceitos do que pela sua identificação momentânea.

Da mesma forma, se partirmos do pressuposto que o conhecimento do mundo do trabalho pode ser obtido pelo conhecimento de profissões como descritas nos manuais e currículos acadêmicos a que temos acesso, estamos lidando com uma noção de mercado onde as profissões estão "engavetadas" como nos cursos superiores e como eram descritas e vividas há cerca de dez anos atrás.

Assim, o autoconhecimento e o conhecimento da realidade do mundo do trabalho, embora sejam tomados, em si, como a grande estratégia de êscolha, terminam, muitas das vezes, oferecendo conhecimento para ingresso em cursos superiores, como se fosse, este. ingresso, um fim em si mesmo.

Todo e qualquer processo de OP deve considerar, em plano privilegiado, o espaço social com que se relaciona. Mas como traduzir estas conseqüências das transformações ao trabalho de OP?

O ritmo de crescimento nas grandes metrópoles é menor do que o das cidades.de porte médio (100 a 900 mil habitantes)1. Em 1970, 13% da população brasileira vivia nestas cidades de porte médio; em 1990, já eram 17%. Segundo a ONU, o crecimento populacional acima de 7 a 8 % ao ano inviabiliza qualquer tentativa de oferecer os serviços básicos - água, esgoto, moradia etc. No Brasil, na última década, as cidades de porte médio chegaram a crescer de 15 a 18% ao ano! São as cidades não urbanizadas, ou amontoados de gente sem urbanização. As grandes metrópoles crescem em ritmo menos acelerado.

Segundo o diretor-presidente do grupo SHARP, Manoel Horácio Francisco da Silva, a demanda está estabilizada em um patamar alto. Por ex., a SHARP aumentou em 50% a produção neste ano em comparação com 1995 e não sentiu retração nos pedidos do comércio. A ENXUTA aumentou em 20% a produção a partir de março de 96 para atender a demanda.

Em abril deste ano, o IBGE divulgou os resultados do PNAD de 1993, com alguns resultados surpreendentes: de 1990 a 1993, 4.469.000 pessoas somaram-se ao total das pessoas ocupadas, das quais 4.073.000 na agricultura e apenas 397.000 nas atividades não agrícolas. Depreende-se que, apesar da impressão contrária que temos, o início dos anos 90 marca uma volta ao campo, e a explicação parece estar na direção da crise não só na indústria, mas também no setor de serviços.

Estes são alguns dados econômicos que nos indicam que a economia mundial e especialmente a brasileira têm especificidades difíceis de se compreender no seu todo, levando-nos a uma tendência de particularização da interpretação que fazemos da realidade.

O processo de globalização da economia sempre existiu, mas jamais em ritmo tão acelerado. O produtor adquire a matéria prima onde é mais barato; fabrica onde a mão de obra é mais vantajosa e vende em todo o mundo. Com muita facilidade os grandes grupos econômicos transferem suas fábricas para regiões e/ou países de mão de obra mais barata. Um exemplo, a Black & Decker (com fábricas também nos EUA, México, China e Indonésia) decidiu fechar a fábrica de Sto André (SP), ao verificar, que a unidade brasileira era a de mão de obra mais cara dentre todas, decorrente de uma política de pessoal fora da realidade mundial (em termos de qualificação, salários, benefícios). Dada a inflexibilidade do Sindicato, desmanchou a fábrica, vendeu o terreno, dispensou milhares de funcionários e construiu nova unidade em Uberaba, MG, com produção adequada aos moldes do grupo. No lugar da antiga fábrica, surge um Shopping Center. Ao mesmo tempo, tem sido acusada de produzir na Indonésia utilizando mão-de-obra escrava - crianças de até 11 anos que recebem US$ 0,14 / hora). Para montar 6 unidades na indonésia, a NIKE gastou menos do que pagou a Michel Jordan para usar sua imagem: US$ 20 milhões.

A empresa é a pátria. Os investidores internacionais - com um estoque de capital estimado em 13 trihões de dólares buscam com uma agilidade extraordinária o local e o produto em que investir, sem considerar pátria, ideologia, cor, religião, sotaque. A busca é o lucro. A FORD é proprietária de 25% das ações da MAZDA (japonesa) e, juntas, são sócias majoritárias da KIA MOTORS (coreana). Em abril a FIAT de Betim, MG, lançou o Palio, que também é fabricado na Argentina, Colômbia, Venezuela, lndia, Marrocos e China, com peças e componentes fabricados também no Equador, Egito, Argélia e Vietnã.

Muito se tem escrito sobre a questão do emprego nos próximos anos. De 1988 até o final do primeiro trimestre de 1996, cerca de dois milhões de empregos desapareceram da indústria brasileira. Estima-se que, em SP, desde 1990, o número de novos postos de trabalho no setor de serviços é o dobro do número de demissões na indústria e que, por exemplo, nos EUA, no ano 2000, apenas 2% dos empregos urbanos estarão nas linhas de produção das fábricas. Entre 1981 e 1991 mais de 1 milhão e 800 mil empregos desapareceram na área industrial. O setor financeiro verificou uma diminuição em 19% em suas vagas; o setor de comunicação e transportes, 6,5%. Verifica-se uma brutal diminuição nos postos de trabalho nas grandes cidades.

O ritmo da automação está levando a economia global a uma fábrica sem trabalhadores.

A modernização (pela introdução de novas técnologias) das linhas de produção, diminuindo o número de vagas de emprego, o alto custo do empregado em função dos encargos sociais que envolvem, a necessidade de reduzir custos e tornar as empresas mais competitivas, cria o desemprego estrutural e desloca, cada vez mais, urna massa enorme de trabalhadores do lugar do emprego para a atividades na economia informal ou na produção de serviços.

O desemprego estrutural é, assim, produto da fábrica automatizada e do escritório informatizado, o que já era, de certa forma, apontado por Marx, no final do século XIX, quando chamava a atenção para a tendência capitalista e o excesso da produção como geradores de desemprego e por Keynes, economista inglês, que falava no desemprego tecnológico durante a Grande Depressão de 1930.

Reengenharia, produtividade enxuta, gerenciamento de qualidade total as estrelas da era pós-fordista, gestam um processo acelerado de demissões e redução de estruturas. E uma reestruturação na direção de tornar a empresa computer-friendly, eliminando, assim, níveis de gerência tradicionais, sendo a gerência média a mais vulnerável ao desaparecimento. Comprime categorias de cargos, cria equipes de trabalho, treina funcionários em várias habilidades, reduz e simplifica os processos de produção e de distribuição, dinamizando a administração, aumentando significativamente a produtividade e, portanto, a lucratividade. Nos EUA, nos últimos 10 anos, mais de 3 milhões de cargos administrativos foram eliminados, e a produtividade global, só em 1992, cresceu 2,8%.

Os poucos bons empregos disponíveis na nova economia global pertencem a uma elite que detém o conhecimento das altas tecnologias: são físicos, cientistas, técnicos de alto nível, biólogos moleculares, consultores empresariais, advogados, auditores. Mas estes postos são em número extremamente reduzidos, e não seria possível retreinar-se estes trabalhadores alijados do processo produtivo (como pretende o governo Clinton, por exemplo) face ao precipício entre os que precisam de emprego e o tipo de oportunidades que se afiguram em termos de habilidades cognitivas necessárias à execução destas tarefas.

O escritório eletrônico, com a possibilidade de telecomutação, elimina a necessidade de secretárias, recepcionistas, mensageiros, e até do próprio local físico para funcionamento. Em 1993, a Microsoft reunia-se com outras 50 empresas multinacionais como a Cannon, Xerox, HP e Compaq, a fim de integrar todos os sistemas existentes numa única rede. O Microsoft at Work inaugura a era do escritório eletrônico totalmente digitalizado e extremamente eficiente, que pode ser operado de qualquer ponto do mundo, a qualquer momento.

Entre 1982 e 1990, o emprego temporário cresceu dez vezes mais que o emprego total. Em 1992, os empregos temporários correspondiam a dois terços dos novos empregos no setor privado, nos EUA.

A economia informal tem absorvido grande massa de trabalhadores excluídos da produção e, embora, não seja a situação ideal, tem mantido os níveis de consumo e garantido a subsistência de boa parcela desta população. Segundo o IBGE, a economia informal caracterizada pela ausência de registro em carteira, certidão do INSS alvará de prefeitura e nota fiscal, só no Rio de Janeiro gera um faturamento anual de cerca de 6 bilhões de reais. No Brasil, calcula-se que está em torno de 30% a porcentagem de trabalhadores na economia informal e o faturamento gira em torno dos 200 bilhões ao ano. O ingresso nesta força de trabalho marginal tem sido a explicação oficial para a diminuição em 25% do contingente que vive abaixo do nível de pobreza em nosso país.

O trabalho assume uma nova forma, e isto se verifica quando, por exemplo, o maior empregador nos EUA é uma empresa de fornecimento de mão de obra temporária, a Manpower, com 560 mil trabalhadores cadastrados. Isto se verifica quando já se fala não só no terceirizado, mas no quarteirizado. Quando se estima, por exemplo, que no Brasil, no ano 2000, haverá mais de 200 mil pontos franqueados. Quando se abre o caderno de emprego dos jornais e se vê a busca de trabalhadores por suas potencialidades pessoais de empreendimento e liderança e conhecimento de língua e informática, e não mais por formação. Quando se procura psicólogos que sejam grafólogos ou engenheiros para cargos administrativos em empresas do setor de alimentos.

A NIKE tem 75.000 empregados no mundo, só nos EUA, são 9.000. Nenhum deles no setor de confecção direta do tênis. Todos, em atividades de projetos, marketing, gerenciamento, vendas.

O mercado de trabalho é hoje uma rede intrincada de ocupações, tarefas e atividades, muitas vezes híbridas, se tomarmos como base as descrições ocupacionais disponíveis.

O médico que produz softers para a área médica, o psicólogo que trabalha com marketing pessoal, o engenheiro que ocupa cargos gerenciais administrativos, o agrônomo que faz planejamento educacional em escolas de regiões de vocação agrícola, o engenheiro elétrico que trabalha com prótese cognitiva, na área de dificuldades de aprendizagem, são exemplos de profissionais do mercado atual, que estão fora destes manuais de informação.

Já não mais podemos falar em especialização, como a forma de se conhecer muito sobre pouco. Especializar-se, em muitas áreas, é, hoje, ampliar o espectro de conhecimentos que os cursos superiores consideram periféricos, de forma a que o indivíduo se torne um profissional flexível, empreendedor, inovador, capaz de exercer múltiplas tarefas e que tenha sensibilidade aos problemas e intuição! É o super-homem do mercado de trabalho de aqui para frente. O conceito de analfabetismo estende-se aos que desconhecem procedimentos informatizados.

Os projetos mais complicados com que nos deparamos no Serviço de Orientação Profissional da UFRGS hoje, são os que provêm de uma escolha vocacional para o ingresso em um curso superior que dê acesso ao mercado de trabalho através de um emprego estável, bem remunerado, onde o sujeito possa trabalhar por toda a vida até aposentar-se e retirar-se para uma velhice tranqüila. E este é o desejo, ou a fantasia de futuro mais freqüente entre adolescentes. Tanto é, que, atualmente, na UFRGS, o curso mais procurado é o de Direito, que chamamos Ciências Jurídicas e Sociais, e o objetivo básico destes candidatos é a obtenção de um emprego público nas diversas carreiras jurídicas. As dúvidas mais freqüentes dos orientandos referem-se ao mercado de trabalho e às possibilidades de emprego. E muito difícil para o adolescente internalizar que as modificações do mercado são tão rápidas e profundas que em 5 ou 6 anos sempre haverá novas formas de exercício profissional, em ocupações diversas das atuais e tradicionais em todas as profissões praticamente.

A universidade não está, em geral, preparada para esta realidade. Seus cursos são funis, nos quais se parte de conhecimentos gerais (filosofia, antropologia, sociologia, ensino religioso, português, matemática, introduções a e etc.) em direção a praxis específicas determinadas pela idéia que as comissões de coordenação dos cursos têm da profissão em questão. Os conteúdos das disciplinas ficam a cargo dos professores (por conta de uma liberdade de cátedra ainda mal interpretada) que, em geral, adaptam os programas de acordo com as especificidades de seus conhecimentos. As universidades públicas são locais de ponta de pesquisa, de produção de conhecimento, inegavelmente, mas nem sempre são locais de ponta com relação às possibilidades de mercado para seus alunos. Os professores que mantêm atividade profissional além do magistério, nem sempre estão dispostos a formar a concorrência, mantendo o ensino em nível teórico às vezes desvinculado de qualquer possibilidade de prática competente.

Estruturalmente, as universidades privilegiam a incursão por disciplinas seriadas e circunscritas a estas concepções profissionais pré-determinadas. A carga horária dos cursos e as opções oferecidas a cada curso, em geral, impedem que um aluno faça disciplinas importantes de outros cursos, que poderiam suprir esta deficiência de estreitamento da concepção de cada profissão.

No Serviço de Orientação Profissional realizamos uma pesquisa, desde 1991, um estudo longitudinal com alunos de diversos cursos da UFRGS, tentando acompanhá-los desde que ingressaram no curso, até sua formatura. A primeira fase, caracterizou-se pelo entusiasmo. Entusiasmo com a vitória no vestibular e, principalmente, com o ingresso na universidade, em muitos casos, não importando o curso, pois mesmo que entrando em segunda opção, estavam na universidade, e este era um valor maior que a perseguição de sua escolha principal. A segunda etapa caracterizou-se pela decepção: com os cursos, com os professores, com a instituição, com as condições de aprendizagem e o discurso dos alunos indicava muita reflexão em torno de uma reopção pelo curso. Na terceira etapa, verificou-se que o interesse pela manutenção da opção era variável, mas o engajamento dos alunos em atividades acadêmicas era fundamental para sua satisfação. Denominamos etapa de comprometimento, na qual os alunos mais engajados são os que vêem com maior otimismo suas perspectivas no mercado. Estamos realizando a quarta etapa do estudo, já com alunos formandos e verificando que a percepção que têm de suas chances profissionais deriva da qualidade que atribuem aos estágios, que, apesar de serem exigências curriculares, são vistos como atividades desvinculadas do curso. Esta é uma questão central: embora a universidade tenha uma previsão de inserção através de estágios, na realidade do trabalho, os alunos a desvinculam do curso, pois não têm na universidade todos os conhecimentos específicos necessários para a praxis profissional e a base teórica a que ela se propõe não constitui, para estes alunos, parte essencial destas práticas.

Assim, observa-se uma cultura acadêmica entre os alunos, na qual espera-se que todas as coisas sejam ensinadas, sejam ditas, tenham um lugar concreto no ensino. A capacidade de transferência de aprendizagem tem sido massacrada nas escolas, desde o primeiro grau, com sua culminância no ensino, ou melhor, treinamento, nos cursos pré-vestibulares. Aqui, sensibilidade aos problemas, generalização e fluidez são competências cognitivas desprezadas e de difícil recuperação.

E é neste quadro complexo que tentamos preparar nossos clientes.

Mas, em geral, quem é este cliente?

São basicamente adolescentes, entre 15 e 18 anos, cursando o 3º ano do 2º grau, de escolas particulares, de nível socioeconômico médio e alto, com grandes aspirações, extremamente confusos. Boa parte de nossos clientes também são adultos jovens, entre 25 e 40 anos, em processo de reopção profissional, que não conseguiram realizar a trajetória linear para a qual se prepararam e não conseguem vislumbrar um espaço neste mercado onde se colocar. Muitos já têm curso superior, outros procuram em outros cursos uma forma de colocação. Na cultura de classe média, o curso superior ainda é a forma privilegiada de ascenção social e realização profissional.

A escolha profissional dá-se apenas se um processo exploratório amplo e profundo acontece. A exploração adolescente é um processo de tentativa de desenvolver e implementar um AC realista, em função das saídas que existem na sociedade para alguém que busca desempenhar um dado papel. Envolve pesquisa, experimentação, investigação e tentativa, além de teste de hipóteses. Muitos atos exploratórios originam-se em situações em que o indivíduo confronta-se ou experiencia um problema, necessidade, desejo ou carência.

Mas como poderíamos caracterizar os problemas, necessidades, desejos e carências dos adolescentes desta geração?

A DMB&B Publicidade, na intenção de delimitar as potencialidades de mercado de produtos de consumo para adolescentes, pesquisou em 26 países hábitos e projetos de adolescentes de classes A e B, os que desfrutam a adolescência como um período de transição entre a infância, e as responsabilidades adultas e têm acesso aos bens de consumo disponíveis. A pesquisa revela a instalação, nesta geração, de alto padrão de globalização, padronização, homogeneidade em hábitos de consumo, comportamentos, atitudes e aspirações. Não se ocupam da transformação social, não idealizam modos de vida, odeiam política, não se interessam em deflagar movimentos contestatórios pois não acreditam em mudança social para melhor, não refletem sobre o sentido do amor, da vida ou da morte, não são religiosos e não se ocupam de leituras. Têm uma noção extremamente individualista de construção do futuro e são moderadamente otimistas em relação ao sucesso profissional, desejando um trabalho que dê prazer e que proporcione uma vida confortável, definida como a possibilidade de se obter um bom automóvel, bom apartamento, viagens pelo mundo, roupas e possibilidades de atualização em aparelhos eletrônicos. De acordo com Magalhães (1996) são valores extremamente conservadores, que revelam a falência dos projetos coletivos gerais da sociedade, pela pulverização das tradições e fragmentação dos valores.

A crise adolescente é acentuada pela rapidez com que valores, atributos, interesses e modelos tornam-se obsoletos. A indústria cultural torna toda informação efêmera, transitória. Identifica-se, constata-se; não há tempo para refletir, intuir, concluir. Não há tempo para o resgate histórico ou reflexão sobre as conseqüências, contentam-se com informações soltas, saídas do nada, que podem não levar a nada, vazias em significação.

Desta forma, quero acentuar a dificuldade da construção de um projeto para o coletivo, que seja gestado no diálogo entre o indivíduo e a sociedade, que parta de pautas culturais compartilhadas, para a conservação da possibilidade de intersubjetividade e do foco no social. A escolha profissional deve, antes de mais nada, ser uma tarefa de participação crítica na sociedade, e não mais uma opção de consumo.

Construir um projeto profissional é decidir com que tipo de problemas sociais concretos o indivíduo quer se defrontar. Envolve a percepção de que trabalho é dia-a-dia, todos os dias, é permanência na variedade. Hoje um profissional deve concentrar-se mais no giro das oportunidades que no crescimento em uma carreira. Mas, face à rapidez das modificações no mercado de trabalho, a facilidade com que as oportunidades surgem e desaparecem, e a falta deste valor de compartilhamento presente, como estabelecer metas a longo prazo, como construir um projeto sólido?2

Talvez o maior desafio da OP neste fim de século seja tornar-se uma atividade eminentemente pedagógica, na direção de resgatar ao adolescente o sentido da construção social, a crença nos valores compartilhados e na possibilidade de participação e mudança social, percebendo-se como um agente da história que resgata seu passado e problematiza o futuro. Aqui autonomia deve ser vista não como a forma de movimentar-se individualizadamente, mas como a emissão de comportamentos refletidos provenientes de uma ética refletida, dentro de um espaço que é de todos, do outro e para o outro, para todos.

Os jovens demonstram sua raiva e sua frustração com as possibilidades de futuro num crescente comportamento anti-social. Vêem os adultos trabalhadores sentirem-se despreparados para lutar com a enorme transição que está ocorrendo. Convivem com pais extremamente estressados, deprimidos, assustados, debatendo-se para manter vivo seu próprio projeto.

Como orientar este jovem para uma era de pós-mercado?

Esta é nossa tarefa e nosso desafio, enquanto, nós próprios nos degladiamos com nossa possibilidade de obsolescência e com nossa consciência de que o nosso próprio projeto está em ruínas.

Este é o momento da Economia Social, da preparação para a organização em uma esfera diferente das instituições públicas ou privadas tradicionais (o terceiro setor). É o momento da organização da sociedade para absorver este manancial de potenciais produtivos alijados da nova era tecnológica.

E este tem de ser nosso compromisso com as gerações mais novas.

 

 

1 Os dados econômicos contidos no texto foram retirados de jornais e revistas da época, compilados apenas para uma comunicação oral. Não foi possível para a publicação retomar as referências.
2 Magalhães, Mauro e Donde, Lauraci (1996). Projeto Profissional na Pós-Modernidade. In Rossini, E. & Maciel, E. (orgs.) Rumo à Universidade - um projeto de vida. Edigraf.