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Revista da ABOP

Print version ISSN 1414-8889

Rev. ABOP vol.3 no.1 Porto Alegre June 1999

 

 

A formação do orientador profissional/vocacional4

 

 

Mariza Tavares Lima5

Pontifícia Universidade Católica - Minas Gerais

 

 


RESUMO

Este trabalho objetiva apresentar como se organiza e se processa o aprendizado da disciplina Orientação Vocacional que faz parte do rol de disciplinas do 7° período do Curso de Psicologia da PUC/Minas. Explanaremos sobre as dificuldades encontradas no início da disciplina que ministramos, os fatores que percebemos intervir neste momento e no decorrer da mesma, a dinâmica de condução do conteúdo teórico e o processamento do aprendizado vivenciado, especialmente, no “Estágio de Atendimento em Orientação Profissional/Vocacional”. Visando atingir o objetivo da proposta de debate entre professores de Orientação Profissional/Vocacional do ensino superior, discutiremos o compromisso social envolvido no trabalho de Orientação assim como a importância e a seriedade ética implicadas no papel do orientador. O curso de Orientação Vocacional que ministramos tem como referencial teórico-metodológico o método clínico-operativo descrito por Marina Müller. Através desta modalidade de trabalho buscamos mostrar aos alunos a Orientação Profissional/Vocacional como uma forma de intervenção psicológica breve, focada no conflito da escolha profissional, que apresenta metodologia específica e exige, igualmente, preparação específica. Descreveremos as dificuldades iniciais na condução da disciplina como advindas, em grande parte, de uma formação anterior voltada especialmente para uma visão clínica/psicanalítica da dinâmica de funcionamento do psiquismo humano. Também assinalaremos a falta de uma disciplina anterior ligada à área de Psicologia Organizacional, que apresente o ser humano como ser produtivo e diga do trabalho humano e dos vínculos que o sujeito estabelece com este. Apresentaremos conclusões tiradas a partir de questionário que elaboramos e submetemos a um total de 263 alunos da PUC Minas e das Faculdades Integradas Newton Paiva, em relação à disciplina de Orientação Profissional/Vocacional. Demonstraremos a posição destes alunos em relação à investigação de questões como: interesse pela disciplina em si, pelo estágio de atendimento, pela continuidade do estudo da Orientação Vocacional após a conclusão da disciplina curricular e pela aplicabilidade dos conteúdos estudados no curso de OP/OV na vida profissional futura.

Palavras-chave: Estágio orientação profissional, Pesquisa ex-estagiários, Método clínico-operativo.


ABSTRACT

The objective of this paper is to present how the teaching of the subject “Vocational Guidance” from the psychology course at the Pontifícia Universidade Católica – Minas Gerais is processed and organized. We’ll explain the difficulty we have found teaching the basis of the subject, the factors that intervene at the beginning and during the teaching of the same; the leadership dynamics of theoretical contents and the processing of the experiences lived during the learning period, specially during the “internship of professional vocational counseling”. We aim to reach the objective of creating a debate among University teachers of Professional/Vocational Counseling, we will discuss the social commitment involved in counseling work, as well as the importance and ethical seriousness that implicit in counseling. The Vocational Counseling course we give uses as methodological theoretical reference the operational-clinical method describes by Marina Muller. Through this methodology we intend to show our students professional/vocational counseling as a way of short psychological intervention focuses on the conflict of the election of profession, that has a determined methodology and requires, specific preparation, just the same. We will describe the initial difficulties in conducting the subject, that greatly comes from a former training that was specially oriented towards a clinical/psychoanalytical point of view of the functional dynamics of the human psychics. We will also show the lack of a previous subject tied in with organizational psychology, that presents the human being as a productive being and talks about human work and the bonds that the subject establishes. We will present conclusions found from the inquiry we elaborates and submitted to 263 students of PUC/Minas and “Faculdades Integradas Newton Paiva”, in reference to the subject professional/vocational counseling. We will show the ideas of these students in relation to matters as: interest in subject itself, in the internship, in follow up studies or vocational counseling after finishing the curricular subject and about the applicability of the contents studied in the professional/vocational counseling course in the future professional life.

Keywords: Internship of professional vocational counseling, Inquiry with trainees, Operational-clinical method.


 

 

O Ensino de Orientação Vocacional na PUC/Minas

 

Caracterização da disciplina de Orientação Vocacional

 

Primeiramente, pensamos ser importante situar o contexto em que insere-se a “Orientação vocacional” (esta é a nomenclatura vigente no atual currículo) no curso de Psicologia da PUC/Minas, onde lecionamos. A disciplina é obrigatória e está localizada no 7° período nos turnos manhã e noite do curso que tem, respectivamente 10 e 11 períodos. Sua carga horária semestral é de 45 horas/aula, distribuídas em 03 horas/aula semanais. Pensamos também ser importante esclarecer as disciplinas que consideramos como requisitos, à OP/OV, e aqui, utilizamo-nos da nomenclatura que têm no atual currículo, em nossa Instituição.

Procuraremos explicar/justificar porque julgamos estas disciplinas importantes como base ou como estudo complementar à OP/OV, caracterizando-as em linhas gerais e correlacionando-as com a necessidade circunstancial ao estudo da OP/OV. São elas:

a) Psicologia do Desenvolvimento II, que é ministrada no 4° período do curso, em ambos os turnos. Trata do desenvolvimento humano no período que compreende a adolescência, a vida adulta e velhice. Nossa ênfase é na retomada dos conteúdos relativos, principalmente, à adolescência e início de vida adulta visto ser esta a principal faixa etária das pessoas que buscam ajuda através da OP/OV em nossa Clínica do Instituto de Psicologia da PUC/Minas. Buscamos salientar para nossos alunos a importância do domínio e compreensão das teorias, incentivando-os a reverem o conteúdo estudado, visto a possibilidade que tais teorias nos fornecem para melhor compreender as pessoas com as quais mais provavelmente trabalharemos na OP/OV. Enfatizamos como esta compreensão nos dará melhores possibilidades para atuar como facilitadores ao processo de auto-conhecimento de nosso cliente.

b) Técnicas de Exame e Avaliação Psicológicas II, ministrada no 6° período manhã e no 7° noite, portanto, neste último caso, concomitantemente à disciplina teórica de OP/OV. Esta disciplina tem como pré-requisito, TEAP I e é, através de ambas que os alunos têm uma fundamentação teórica sobre a intervenção psicológica, estudam a importância do “rapport”, como fazê-lo, como realizar a entrevista psicológica, aprendem a utilizar-se dos principais inventários de interesse, dos testes fatoriais, e de algumas técnicas de investigação da personalidade.

Buscamos salientar a importância especial que a entrevista psicológica tem dentro do processo de OP/OV. Procuramos deixar claro para nossos alunos que é através da entrevista, do contato orientador/orientando que poderemos ter a maior e melhor possibilidade de facilitação ao processo de autoconhecimento que buscaremos desenvolver através da OP/OV. Assinalamos que será através da entrevista que poderemos ouvir e dialogar com nosso cliente e também que é, fundamentalmente através dela que poderemos ajudá-lo a ouvir-se e a dialogar consigo mesmo. Enfatizamos que esta será a melhor forma de possibilitar a reflexão e a precipitação da maturidade que a escolha profissional/vocacional irão exigir .

Destacamos ainda a seriedade e o compromisso ético envolvidos na utilização das técnicas de intervenção de que lançaremos mão para agilizar e facilitar a reflexão de nosso cliente.

c) Psicopatologia I que, como TEAP II é ministrada no 6° período manhã e no 7° noite. A exigência em relação a esta disciplina relaciona-se a importância que creditamos ao fato de que o aluno deve possuir uma visão, ainda que inicial, das diversas patologias e que tenha possibilidade de perceber uma problemática emocional mais intensa que pode estar comprometendo a capacidade do sujeito de realizar sua escolha de maneira autônoma e integrada.

Em nossa prática percebemos que não é raro o indivíduo procurar a OP/OV como forma de buscar ajuda na resolução de conflitos emocionais outros, muito mais intensos e amplos que aqueles que “circundam”, geralmente, a escolha profissional/vocacional. Durante o processo de atendimento não é raro que o cliente de OP/OV seja sensibilizado, por seu orientador, para que procure apoio psicológico através de um processo psicoterápico, o que às vezes começa a acontecer ainda durante o atendimento. A percepção desta necessidade só é possível se o orientador domina, pelo menos minimamente, os conteúdos da psicopatologia.

d) Ética Profissional embora esta disciplina não esteja formalmente registrada como requisito, ela o é implicitamente, pois é ministrada no 4° período para os turnos manhã e noite e constitui-se em pré-requisito para TEAP II. Durante o curso de OP/OV e, principalmente, durante a prática do estágio, procuramos salientar a importância e a necessidade de uma atuação embasada nos princípios éticos, remontando os conhecimentos adquiridos durante a disciplina anteriormente cursada.

 

Contexto geral

Como registrado por pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e publicada em Quem é o psicólogo brasileiro (1988), também em nosso curso há privilégio da formação clínica. Embora realizada há mais de 10 anos, a pesquisa ainda revela-se muito atual, conforme nossa percepção, quando confrontada com a informação não oficial que temos através de contato com escolas de Psicologia de diversas partes do país.

Carvalho (1984-b), pesquisando modalidades alternativas de trabalho para os psicólogos recém-formados, relata que 66% dos entrevistados indicaram a área clínica como sendo a área de atuação em que foram melhor preparados durante o curso de graduação” (GOMIDE, 1988)

No curso de Psicologia da PUC/Minas, os alunos que iniciam a disciplina, vêm de uma vivência de 06 períodos durante os quais a orientação clínica, especialmente a psicanalítica, foi maciça até mesmo em disciplinas de formação básica como Psicologia do Desenvolvimento.

As disciplinas ligadas às organizações e ao trabalho estão alocadas nos últimos períodos. “É evidente que existe na maioria dos nossos currículos uma preferência por disciplinas clínicas em detrimento de disciplinas da área escolar ou organizacional” (GOMIDE, 1988) portanto os alunos não estão acostumados a pensar o homem como ser produtivo e a refletir sobre os vínculos que o sujeito estabelece com seu trabalho, até o período em que se insere a OP/OV. É ainda difícil para os alunos refletir sobre as relações que este sujeito estabelece com a sociedade através deste trabalho, bem como pensar sobre os reflexos desta relação na saúde mental e física deste sujeito.

Uma nova revisão curricular, já iniciada, pretendia corrigir ou pelo menos minimizar este problema em nosso curso, mas essa foi suspensa, visto as modificações ditadas pelo MEC através da nova LDB e questões referentes ao currículo mínimo. A proposta do Núcleo de Psicologia Organizacional, ao qual pertenço, pretendia que houvesse uma melhor distribuição de disciplinas ligadas à Psicologia Organizacional e do Trabalho ao longo do curso a partir do 4º período, dando aos alunos melhores possibilidades de estarem em contato com outra área de atuação do psicólogo que não apenas a clínica. Vale comentar que a nova proposta de currículo compreendia também maior contato com a área de Psicologia Educacional e abria vertentes para a Hospitalar e Jurídica, além de favorecer disciplinas optativas que permitissem maior flexibilidade, atendendo demandas emergentes dos alunos e da comunidade.

A falta de uma disciplina anterior à OP/OV que faça uma interligação entre a Psicologia e as questões do trabalho e que pense o ser humano em suas relações com este é, sob nosso ponto de vista, um dos “dificultadores” à compreensão que os alunos possam ter da importância de se refletir sobre a escolha profissional ou sobre a inserção no mercado de trabalho, através de um processo de Orientação Profissional/Vocacional. Penso que com esta base seria mais fácil e fariam mais sentido para os alunos as discussões propostas por nossa disciplina.

Por vezes sinto que até mesmo a linguagem de que nos utilizamos parece estranha aos alunos e o contexto em que ela se aplica não parece fazer sentido como objeto de estudo.

Pensamos ser interessante esclarecer que não somos contrários à formação básica clínica e psicanalítica, percebemo-la como necessária e importante na formação do psicólogo, apenas queremos marcar que, a nosso ver, a ênfase que é dada a esta orientação acaba por fazê-la ser percebida como a melhor, como a única “leitura” possível de ser feita do ser humano, levando, freqüentemente, grande parte dos alunos ao desinteresse por outras vertentes teóricas.

Portanto, percebemos certa resistência inicial por parte de considerável número de alunos em relação à disciplina de OP/OV, frente a mudança de proposta de compreensão da dinâmica do ser humano, frente a nova forma de ver o homem e de estudá-lo não mais apenas como “paciente”, alguém de quem se vai tratar. Silva(1984) salientou que,

provavelmente, a graduação está criando um tipo de profissional que não atende às necessidades da maioria da população” ... “os psicólogos são profissionais com uma formação técnica; preocupados muito mais com a doença do que com a saúde...” (GOMIDE 1988).

 

Expectativas à disciplina teórica

No início de cada semestre letivo e de nosso curso de OP/OV, temos por hábito realizar uma sondagem com cada turma, na qual buscamos levantar expectativas em relação à disciplina assim como verificar o nível de conhecimentos anteriores a ela nas disciplinas-requisito acima citadas

Em geral os alunos declaram não ter conhecimento sobre as teorias que subsidiam a prática da OP/OV. Alguns afirmam ter vivenciado, eles mesmos, um processo de OP/OV no colégio, quando estudantes do 2° grau, mas também estes dizem desconhecer as raízes teórico-metodológicas que embasam esta prática.

Muitas vezes estes alunos fazem declarações desabonadoras ao trabalho vivenciado, descrito como “superficial, taxativo, frustrante e improdutivo”. Nestes casos as declarações referem um trabalho “impessoal”, através do qual relatam terem sido submetidos, juntamente com o restante dos mais de 40 colegas da turma, a uma grande bateria de testes os quais não sabiam para que serviam. Alguns chegam a dizer que, muitas vezes houve “cola” entre eles durante a execução dos testes.

A maioria destes alunos declara, ainda, não ter feito sequer uma entrevista durante o processo e muitos dizem ter recebido o “resultado” através de outra pessoa que não aquela que lhes aplicou os testes. Tal resultado, na maioria das vezes indicou mais de uma área, ou diversas profissões/cursos o que, segundo os jovens, os deixou ainda mais ansiosos e confusos. Muitos reclamam da falta de informação sobre cursos/profissões. Na fala, deixam claro a decepção pois esperavam que houvesse uma resposta mais “definitiva” e “exclusiva”. A disponibilidade que estes alunos têm em relação ao aprendizado da OP/OV não é, então, das melhores.

Pensamos que a grande questão que se pode levantar a partir destas declarações é que a “frustração” advém de uma expectativa criada a partir de uma não definição de objetivos do processo, da falta de esclarecimento sobre a metodologia a ser utilizada e do que se poderia esperar realmente como resultado do trabalho realizado. Parece-nos que o pouco envolvimento do orientado com o processo, a sua não compreensão dos limites e possibilidades do mesmo, é a causa da “decepção” declarada.

Por outro lado, há aqueles que consideram positivo o atendimento vivenciado, referindo-se, nestes casos especialmente àquele tipo de intervenção que foi fundamentalmente baseada em entrevistas e técnicas diversas, incluindo testes psicométricos e a informação profissional. Estes alunos declaram um processo mais integrativo, participativo, no qual houve melhor possibilidade de compreensão dos “porquês” das tarefas realizadas e maior “confronto” com cada uma destas. Nestes casos descreveram, geralmente, um processo feito em grupos pequenos ou individualmente. Cremos ser interessante acrescentar ainda que esta modalidade de atendimento foi realizada, predominantemente, por psicólogos e algumas vezes por pedagogos, em consultórios particulares ou em clínicas de atendimento psicológico.

Nesta fala o trabalho é descrito como tendo sido realizado com maior envolvimento e comprometimento e com melhor definição de objetivos e possibilidades em termos de resultados. A participação é relatada como mais intensa parecendo mais claro para a pessoa que recorre a este tipo de ajuda que o “resultado” deverá ser fruto desta participação e comprometimento.

Neste primeiro momento procuramos, então, delimitar como conduziremos nosso curso, fornecendo não apenas bibliografia ampla e atualizada, mas também fundamentação através das principais teorias da escolha profissional. Estudamos as teorias de PARSONS (como marco histórico de criação da Orientação Profissional), HOLLAND, ANNE ROE, BORDIN, SUPER, GINZBERG e outros.

A partir deste estudo, trabalhamos a sedimentação teórica à intervenção em OP/OV, usando como referência principal a metodologia apresentada por Marina Müller em Orientação Vocacional: contribuições clínicas e educacionais (1988) tendo como bibliografia complementar LUCCHIARI, CASTANHO e LEVENFUS, dentre outros.

Procuramos incentivar nos alunos o questionamento sobre os motivos das escolhas profissionais, incrementando a leitura de livros atuais e revistas informativas/periódicos que tratam de questões relacionadas ao trabalho e as implicações deste para o ser humano. Vimos salientando a importância da atualização das informações, a busca pelo saber, especialmente no mundo atual, frente as exigências advindas do processo de globalização e à perspectiva do desemprego.

 

O problema crucial ao aprendizado da OP/OV

Além do que foi acima exposto, percebemos, ainda como fator dificultador ao aprendizado inicial da disciplina OP/OV, a existência de uma outra questão muito importante que “incomoda” diversos alunos e que constitui-se, sob nossa ótica, no cerne do estudo da disciplina: o questionamento sobre a escolha profissional.

No período em que a disciplina é lecionada os alunos acabaram de concluir , digamos assim, a segunda parte de seu curso, encaminhando-se para a etapa final deste e deverão brevemente realizar, eles mesmos, uma nova escolha que é a da “ênfase”. Esta é uma característica específica do curso de Psicologia da PUC/Minas (que pode também ser de outros cursos no país ou mesmo fora dele). No final do 8° período manhã e 9° noite, o aluno opta pela ênfase em Psicologia Clínica, Educacional ou Organizacional, ou seja, ele delimita uma área de interesses e opta por ela propondo-se a estudar uma concentração de disciplinas ligadas à área escolhida, nos dois últimos períodos do curso. Estará, portanto, ele mesmo realizando uma escolha.

Ao estudar os conteúdos de OP/OV o aluno estará, portanto, estendendo a si próprio, o questionamento em relação aos motivos, desejos, características pessoais e necessidades relacionadas à escolha profissional. Os conteúdos que serão estudados em OP/OV, o debate que a disciplina oportuniza, levam o aluno a questionar sua opção inicial pelo Curso de Psicologia, assim como aquela que realizará ao selecionar uma das ênfases.

Desta maneira, percebemos que diversos alunos “resistem” à disciplina e preferem considerá-la de pouca ou nenhuma importância e apenas realizam o estritamente necessário para serem aprovados, sem sequer cuidarem de obter um bom resultado (em termos de notas), o que é preocupação comum à maioria.

É freqüente que determinados alunos deixem a sala durante a aula e que refiram cansaço, falta de interesse e de motivação pela disciplina. No entanto, quando individualmente/particularmente questionados, declaram estarem bastante preocupados com sua própria formação, com a possibilidade de engajamento futuro na profissão, referem sentirem-se apreensivos pela falta de visão da real aplicabilidade dos conhecimentos aprendidos na Universidade na vida profissional e outras expressões que denotam dificuldades em relação à identidade profissional. Estas afirmativas reforçam estão nossa percepção de que é difícil ouvir falar, refletir sobre e envolver-se com questões relativas à escolha profissional e o projeto profissional futuro. Assim, às vezes, torna-se mais fácil, para alguns, tentar ignorar este questionamento, fugindo do envolvimento e comprometimento com a disciplina.

Ao iniciar o período de supervisão de estágio, quando é possível conversar melhor com os alunos em grupos menores, ouvimos declarações sobre como eles sentem-se temerosos por terem que trabalhar com a escolha do outro sendo que a deles próprios lhes vem trazendo angústias e dúvidas.

 

A prática de atendimento

O estágio de atendimento em OP/OV é realizado concomitantemente à disciplina teórica para os alunos do 7° período, no turno da manhã. Para os alunos do turno da noite este é ofertado no 8° período, ou seja, após a conclusão da disciplina teórica. O “Projeto de Atendimento em OP/OV”, é parte de um conjunto de quatro projetos que são oferecidos nestes períodos, dentre os quais os alunos deverão escolher dois, portanto não é obrigatório.

É importante assinalar que o estágio, embora optativo, é muito procurado pelos alunos como apresentado no registro abaixo, referente ao ano de 1997 e 1998, para as duas turmas que podem realizar o estágio de “Atendimento em OP/OV” a cada semestre.

Observa-se que mais da metade da turma procura o estágio e há de se comentar que, a princípio, as vagas são limitadas a um máximo de 32 alunos por turma. Tal limitação visa uma distribuição mais eqüitativa dos alunos nos quatro projetos oferecidos. Estamos tendo sempre uma procura maior do que o oficialmente oferecido. Pelo registro dos dados, observa-se ainda um aumento percentual no número de alunos que procura o estágio a cada semestre. O quadro abaixo apresenta a soma das turmas manhã e noite.

 

Semestre/
Ano

Alunos matriculados no 7º período

Alunos optantes pelo estágio em OP/OV

Percentual

1º 1997

107

61

57%

2º 1997

111

66

60%

1º 1998

101

68

67%

2º 1998

99

72

73%

 

A maioria dos alunos avalia positivamente a experiência que o estágio proporciona. Esta avaliação é realizada ao final do semestre letivo através de relatórios.

Para fins de apresentação neste “Workshop”, formulamos um questionário cujos dados, apresentados ao final deste trabalho. Dentre outros, os dados apontam, para o aumento no grau de interesse dos alunos que já concluíram a disciplina teórica e inseriram-se na prática do atendimento através do estágio.

A modalidade de intervenção da qual nos utilizamos em nossos atendimentos, é baseada no Método Clínico-operativo proposto por Müller (1988). Privilegia o atendimento individual, sendo possível também que seja realizado em grupos de até 8 ou, no máximo, 10 pessoas. Optamos por este tipo de sistemática considerando primeiramente a forma de intervenção proposta. Esta incentiva a participação e o comprometimento do indivíduo com sua escolha, o que é facilitado através do contato orientador/cliente. Tal contato é tão mais possível quanto maior for a interação, o que logicamente é mais viável individualmente ou em pequenos grupos.

A proposta de atendimento que apresentamos ao cliente constitui-se de dois contatos semanais e tem a duração aproximada total de 10 sessões (08 a 12), com 50 minutos de duração cada. No caso de grupos a duração de cada sessão é de 1:30 h.

Durante os atendimentos privilegia-se a escuta e o diálogo havendo, portanto, ênfase na entrevista. Também são utilizadas técnicas de intervenção que facilitem a introspeção e reflexão por parte do cliente. Os testes psicológicos podem ser usados na medida da necessidade, quando percebe-se que sua utilização pode fornecer elementos importantes ao processo de autoconhecimento do cliente e para a elucidação e complementação de dados. O uso dos mesmos é estudado caso a caso.

As técnicas utilizadas na investigação são fundamentalmente aquelas citadas em MÜLLER (1988) e em LUCCHIARI (1993), sendo usadas ainda algumas de nossa autoria (uma delas, o “Círculo da Vida” será apresentado neste II Workshop) e outras adaptadas de VASCONCELOS (1980).

Privilegiamos também a Informação Ocupacional sendo que utilizamo-nos de diversos materiais: Guias variados de cursos/profissões, Folders e Revistas informativas, Fitas de vídeo, etc. Além disto, facilitamos ao máximo a pesquisa participativa realizada através de entrevistas com profissionais e visitas dentro ou fora da própria Universidade, através das quais o cliente possa obter esclarecimentos de suas dúvidas e curiosidades sobre os cursos/profissões.

Mais recentemente temos procurado incentivar a pesquisa realizada através da Internet na qual a pessoa possa obter dados sobre as Universidades, cursos, mercado de trabalho, etc., dando oportunidade especial de acesso, dentro da própria universidade, àqueles que não têm condição de realizá-la autonomamente.

 

O papel social do orientador profissional

Entendendo-se a OP/OV como “instrumentalização para a escolha profissional”, que é alcançada através do desenvolvimento do auto-conceito e do conhecimento das oportunidades ocupacionais, daí se deduz que o papel do orientador é de atuar como facilitador deste processo.

Muito mais do que um bom conhecedor de métodos e técnicas que possibilitem a agilização/precipitação deste processo, o profissional de OP/OV deve ser alguém “conectado” com as necessidades e requisitos impostos ao trabalhador pelo mercado de trabalho.

“... julgamos importante lembrar ao profissional da OP que ele pode constituir-se no primeiro elo de ligação do sujeito com sua futura profissão e com as questões referentes ao mundo do trabalho, de uma maneira geral. Entendemos que é imprescindível, portanto, que ele próprio esteja integrado às novas exigências e à realidade” (LIMA, 1996)

É seu papel, então, atuar como agente mobilizador/ facilitador para que, através da OP/OV o cliente possa ser sensibilizado (e até mesmo alertado, em alguns casos) para as mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho. Cada vez mais ele é competitivo, requisita mais qualificação, demanda mais conhecimentos, desenvolvimento pessoal, equilíbrio entre o saber e o fazer, etc.

“...a inteligência e a adequada formação educacional são fatores importantes de sucesso, mas é preciso mostrar outros, como o dinamismo, a flexibilidade, a capacidade de comunicação oral e escrita, a sociabilidade e a inteligência emocional, hoje em dia cada vez mais requisitados pelas empresas” (MACEDO, 1998).

Livros têm sido publicados, artigos têm sido escritos, reportagens diversas têm sido veiculadas através dos meios de comunicação de massa (imprensa escrita, falada e televisiva) todos mostrando as exigências que hoje são feitas ao profissional que deseja ocupar um posto de trabalho. A notícia está aí, sendo divulgada aos quatro ventos mas, infelizmente, não é a maioria que a recebe e mesmo aqueles que a ela têm acesso, muitas vezes não a “metabolizam”, integrando-a a seu contexto.

As mudanças desestabilizam e geram, para uma grande maioria, um incômodo que compromete a absorção do conteúdo das informações. Os “transtornos” na capacidade de reconhecimento e aceitação da necessidade de mudanças passam, muitas vezes, pela resistência e, consequentemente, pela manutenção de comportamentos e atitudes sabidamente inadequadas. O “sei que devo e preciso mudar, mas prefiro deixar como está” é uma forma de resistência freqüentemente utilizada, pois parece mais cômodo e menos ameaçador agir assim.

O orientador profissional deve saber que é seu papel contribuir para o aprimoramento e desenvolvimento da sociedade como um todo, através da parcela da população que a ele recorre no momento de sua escolha profissional. Cabe a ele também divulgar eticamente seus serviços e a abrangência dos mesmos, facilitando para que cada vez mais pessoas tenham acesso à OP/OV. “Estudar é fundamental, mas deve-se levar em consideração outro fator: a escolha da profissão” (GRANATO, 1998).

Pesquisa realizada com 263 alunos dos cursos de Psicologia da PUC/Minas e do Unicentro Newton Paiva (BH), mostra que, deste contingente específico, apenas 30,4% realizou uma OP antes de ingressar no curso superior. Pensamos que este número é ainda bem menor se considerarmos a população em geral, visto que nosso objeto de questionamento foram estudantes de Psicologia, pessoas que, pela própria escolha realizada sugerem maior sensibilização pelas questões humanas e pessoais.

Percebemos então ser grande a responsabilidade do profissional que atua em Orientação Profissional visto que ele não deve mais ocupar o lugar do “conselheiro” como fazia nos primórdios da OP/OV.

“Retirando-se, portanto da posição central no trabalho de Orientação Vocacional, o psicólogo ocupa agora uma nova posição: a de assessorar o orientando na descoberta de sua vocação. Em outras palavras: não cabe ao orientador indicar possíveis profissões, mas instrumentalizar o orientando para um processo de tomada de decisão, com todos os riscos e responsabilidades decorrentes dessa opção”.(FELIPPE, 1996)

Nos nossos dias, em plena “Era do conhecimento”, o grande desafio que se impõe ao profissional é estar, ele mesmo, comprometido e envolvido no processo de auto desenvolvimento imposto a todos aqueles que almejam permanecer engajados ao mundo do trabalho.

 

Resultados do questionário de levantamento de dados sobre a disciplina de OP/OV

Nos meses de agosto e setembro do corrente ano (1998) aplicamos um questionário a alunos dos cursos de Psicologia da PUC/Minas e do Unicentro Newton Paiva (BH) através do qual buscamos informações sobre a percepção dos alunos destas duas instituições em relação à disciplina de Orientação Profissional/Vocacional. O questionário foi aplicado às turmas que estavam iniciando a disciplina teórica e àquelas que já passaram por ela e já haviam realizado, ou estavam iniciando o estágio de atendimento em OP/OV.

Apresentamos abaixo as questões formuladas e o levantamento das respostas obtidas, que são auto explicativas.

1) Antes de entrar para a Universidade o aluno fez Orientação Vocacional/Profissional:

 

 

PUC/Minas

N. Paiva

Total

Resp.

%

Resp.

%

Resp.

%

Sim

47

33,3

33

27,0

80

30,4

Não

94

66,7

89

73,0

183

69,6

Total

141

100,0

112

100,0

263

100,0

 

2) Nos dias atuais o questionamento sobre a escolha profissional é para o aluno, assunto de:

 

 

PUC/Minas

N. Paiva

Total

Resp.

%

Resp.

%

Resp.

%

Pequena importância

1

0,7

4

3,3

5

1,9

Média importância

7

5,0

37

30,3

44

16,7

Grande importância

133

94,3

81

66,4

214

81,4

Total

141

100,0

122

100,0

263

100,0

 

3) No curso de Psicologia, Orientação Vocacional deve ser uma disciplina de caráter:

 

 

PUC/Minas

N. Paiva

Total

Resp.

%

Resp.

%

Resp.

%

Obrigatório

111

78,7

90

73,8

201

76,4

Optativo

30

21,3

32

26,2

62

23,6

Total

141

100,0

122

100,0

263

100,0

 

4) O grau de importância dada pelo aluno à disciplina é:

 

 

PUC/Minas

N. Paiva

Total

Resp.

%

Resp.

%

Resp.

%

Nenhum

 

 

 

 

 

 

Pouco

1

0,7

3

2,5

4

1,5

Médio

28

19,9

41

33,6

69

26,2

Grande

112

79,4

78

63,9

190

72,3

Total

141

100,0

122

100,0

263

100,0

 

5) Ao iniciar o curso de Orientação Vocacional o aluno sentiu-se:

 

 

PUC/Minas

N. Paiva

Total

Resp.

%

Resp.

%

Resp.

%

Desinteressado

5

3,5

4

3,3

9

3,4

Interessado

87

61,7

70

57,4

157

59,7

Muito interessado

49

34,8

48

39,3

97

36,9

Total

141

100,0

122

100,0

263

100,0

 

6) A carga horária da disciplina parece ao aluno :

 

 

PUC/Minas 45h

N. Paiva 60h

Total

Resp.

%

Resp.

%

Resp.

%

Pequena

30

21,3

17

13,9

47

17,9

Adequada

108

76,6

98

80,3

206

78,3

Grande

3

2,1

7

5,8

10

3,8

Total

141

100,0

122

100,0

263

100,0

 

7) A realização do estágio de atendimento é para o aluno de:

 

 

PUC/Minas

N. Paiva

Total

Resp.

%

Resp.

%

Resp.

%

Pouco interesse

3

2,1

4

3,3

7

2,7

Interesse regular

33

23,4

23

18,9

56

21,3

Muito interesse

105

74,5

95

77,8

200

76,0

Total

141

100,0

122

100,0

263

100,0

 

8) O aluno considera que a possibilidade de aplicação dos conteúdos da disciplina na vida profissional é:

 

 

PUC/Minas

N. Paiva

Total

Resp.

%

Resp.

%

Resp.

%

Pequena

2

1,4

7

5,7

9

3,4

Regular

31

22,0

40

32,8

71

27,0

Grande

108

76,6

75

61,5

183

69,6

Total

141

100,0

122

100,0

263

100,0

 

9) O interesse por continuar o estudo da OV/OP e por atuar como Orientador após a conclusão do curso é:

 

 

PUC/Minas

N. Paiva

Total

Resp.

%

Resp.

%

Resp.

%

Pequeno

28

19,9

25

20,5

53

20,2

Regular

50

35,5

58

47,5

108

41,0

Grande

59

41,8

34

27,9

93

35,4

Total

141

100,0

122

100,0

263

100,0

 

Referências bibliográficas

FELIPPE, Wanderley Chieppe. Orientação vocacional: as práticas profissionais e a representação social. Cadernos de Psicologia. Belo Horizonte v.4, n 5, p.68-61, dez. 1996        [ Links ]

GOMIDE, Paula Inez Cunha. A formação acadêmica: onde residem as deficiências? In: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: EDUC, 1988.        [ Links ]

GRANATO, Alice. Estudar vale ouro. Veja, São Paulo, n.1565, p. 111 117, set. 1998.        [ Links ]

LEVENFUS, Rosane S et al. Psicodinâmica da escolha profissional. – Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.        [ Links ]

LIMA, Mariza Tavares. Orientação vocacional: tendências atuais e desafios. Cadernos de Psicologia. Belo Horizonte, v 4, n 5, p 51-58, dez. 1996.        [ Links ]

LUCCHIARI, Dulce Helena Penna Soares. Pensando e vivendo a orientação profissional. São Paulo: Summus, 1993.        [ Links ]

MACEDO, Roberto. Seu diploma, sua prancha. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.        [ Links ]

MÜLLER, Marina. Orientação vocacional: contribuições clínicas e educacionais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.        [ Links ]

VASCONCELOS, Maria José Esteves et al. Curso de informação profissional. Belo Horizonte: Vigília, 1974.        [ Links ]

 

 

4 III ENCONTRO DA ABOP – SC - I ENCONTRO DE PROFESSORES DE ORIENTADORES PROFISSIONAIS - II WORKSHOP DE TÉCNICAS DE ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL - II SEMINÁRIO DE INFORMAÇÃO E ORIENTAÇÃO DO LIOP – Florianópolis, Outubro De 1998.
5 Professora da Disciplina Orientação Vocacional da PUC/Minas E-Mail: mariza@pucminas.br.

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