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Revista da ABOP

Print version ISSN 1414-8889

Rev. ABOP vol.3 no.1 Porto Alegre June 1999

 

 

Reflexões em defesa da teoria na prática da OP8

 

 

Maria Célia Lassance9

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Departamento de Psicologia - Serviço de Atendimento Psicológico

 

 


RESUMO

Este artigo defende a necessidade de uma base sólida ao orientador profissional. Indica algumas questões relevantes na prática da OP, apontando pontos de reflexão sobra a inserção da teoria, na perspectiva do trabalho no SOP/UFRGS (Serviço de Orientação Profissional / UFRGS).

Palavras-chave: Orientador profissional, Base teórica, Orientação profissional.


ABSTRACT

This article argues that career counselors need a solid theoretical basis in order to develop their practice. It considers also some important questions related to this practice.Theoretical considerations are made as the practice developed in SOP/UFRGS.

Keywords: Career counselors, Theoretical basis, Vocational guidance.


 

 

A orientação profissional vem tornando-se nitidamente, no RS, área em expansão. O mercado de trabalho que se sofistica a cada dia, a falta de informação crescente dada à maior quantidade de informações necessárias ao conhecimento das profissões, ficando a distribuição do conhecimento cada vez mais limitada, o alargamento da etapa da adolescência, quando pensamos na entrada na vida adulta através de tarefas evolutivas, principalmente ligadas à entrada no mercado de trabalho e ao auto-sustento do indivíduo, são apenas alguns dos fatores culturais e institucionais que aparecem na atividade de orientação profissional através das dificuldades que os adolescentes trazem.

Já há alguns anos venho defendendo a importância de uma fundamentação teórica sólida para a compreensão da problemática vocacional e a prática da orientação profissional / ocupacional.

No RS, e acredito que devido à proximidade e larga influência da Argentina e sua vocação inquestionavelmente psicanalítica, a prática da orientação profissional, quando considerada, sempre ocupou um lugar subalterno na prática dos psicólogos, pois, e não a exemplo do que ocorre na Argentina, estava muito restrita a práticas psicometristas que, sabe-se, não forneciam instrumental nem de compreensão, nem de intervenção adequados. Tinha-se a orientação profissional como prática escolar, quase que restrita a orientadores educacionais que reproduziam estas práticas psicometristas indiscriminadamente. E até hoje observa-se esta vocação reprodutora dentro das escolas de Educação, uma vez que Orientadores Educacionais não são devidamente preparados para o trabalho em orientação profissional, tendo em seus currículos algum conhecimento da área, mas sem o embasamento teórico necessário a um real entendimento desta prática.

Ao longo dos últimos 10 anos, alguns autores começaram a surgir como uma proposta diferenciada no meio da orientação profissional: os trabalhos que remetem a uma prática proveniente da escola psicanalítica - R. Bohoslavsky e, na sua esteira, Marina Müller, o que exige uma opção teórica específica do ensino nas escolas de Psicologia. Outras abordagens começam a ter lugar, através do trabalho com a teoria de John Holland ( na UNISINOS, a partir do trabalho de Armando Marocco), a Teoria Evolutiva de Donald Super e o trabalho de Denis Pelletier. Mas são ainda trabalhos timidamente explorados, na medida em que dentre as principais escolas de Psicologia, apenas na UFRGS e PUC temos um ensino curricular de orientação profissional..

A partir destes enfoques teóricos, muitas técnicas de trabalho vêm sendo desenvolvidas através de pesquisa sistemática (UNISINOS, UFRGS) gerando um conhecimento de qualidade, mas ainda pouco difundido acerca do avanço da orientação profissional

No Serviço de Orientação Profissional da UFRGS, trabalhamos com ensino, pesquisa e extensão completamete integrados, tendo por princípio a idissociabilidade destas três áreas para uma produção científica sólida.

Acreditamos que a prática eficaz do orientador tem uma boa sustentação quando considera as diversas facetas do atendimento em orientação profissional.

Quando tomamos um cliente de orientação profissional, algumas questões são sugeridas:

1) Quem é este adolescente?
2) O que quer aqui?
3) O que podemos fazer por ele
4) Como fazer?

A primeira questão remete diretamente a um pensar social em orientação profissional.

Bohoslavsky propõe que o que o adolescente vai buscar na orientação profissional é algo que se relaciona com realização profissional, a felicidade, a alegria de viver etc. "Os psicólogos estão acostumados a ver o que o adolescente é. O adolescente se preocupa com o que pode chegar a ser" (1974).

O adolescente é uma pessoa inserida numa cultura específica e, nesta inserção, salienta-se a questão do futuro. É no aqui e no agora que o vemos, mas é de futuro que tratamos. É sobre desempenhos adultos, sobre assunção de uma identidade ainda desconhecida em um momento de crise, é de opção por um estilo de vida que falamos.

Este estilo de vida inclui as injunções culturais afetas aos grupos a que pertence, com sua rede específica de tipificações e interpretações. O indivíduo interioriza estas injunções principalmente durante a socialzação primária, que, dado seu caráter de inevitabilidade, gera as opções que construirão sua subjetividade ao longo da socialização secundária (com o outro generalizado internalizado) (Berger e Luckmann, 1978; Mead, 1934)

A problemática vocacional está, assim, na intersecção das determinações externas e internas. A compreensão da identidade vocacional pressupõe a compreensão de suas sobredeterminações subjetivas, sendo assim, pressupõe a compreensão, inicialmente, das relações deste indivíduo com sua cultura, através das representações em termos, por exemplo, de status, qualificação necessária, gênero e possibilidades de mercado. E isto pressupõe, por sua vez, uma visão teórica clara das relações entre o indivíduo e a sociedade.

Veisnten (1994) salienta que o vocacional tem uma relação íntima e dialogada com o sentido que se encontre para a vida. É o que se pretende ser. O ocupacional é o fazer, que permite agir neste sentido de vida. O vocacional sem o ocupacional é somente fantasia, sonho, esperança. O ocupacional sem o vocacional é alienação, automatização, fazer sem sentido. Separar o vocacional do ocupacional é manter a dicotomia SER e FAZER: faz-se necessário assumir o vocacional/ocupacional, o indivíduo no seu fazer, em existência ativa.

Assim, o adolescente não é um indivíduo em desenvolvimento per si, mas um ser em desenvolvimento contextualizado em relação com diversos âmbitos: escolar, familiar, produtivo. E é neste contexto específico que se dá a atividade em orientação profissional.

 

O Que Quer Este Adolescente Que Nos Procura?

A que vem este adolescente: vem buscar um curso (as coisas que eu vou estudar, a faculdade que eu vou freqüentar), um plano de estudos (sempre fui bom em matemática/história/ geografia,.. vou cursar matemática/história/ geografia), uma profissão (quero ser psicólogo, arquiteto, engenheiro), um status (quero ser um executivo de sucesso, mandar, administrar, criar...) Isto indica sua representação de futuro possível neste momento, com as condições de segurança e maturidade possíveis aqui e agora.

Naturalmente quer vencer dificuldades e escolher.

Mas como conhecer estas dificuldades? Como considerá-las para uma intervenção?

O diagnóstico em orientação profissional deve dar conta destas questões e deve, necessariamente, ter uma base teórica sólida que instrumentalize o orientador tanto na identificação da problemática do cliente quanto no planejamento do processo que se seguirá.

O adolescente quer assegurar-se de que sua escolha é a melhor, a mais adequada e a que garantirá sucesso e satisfação profissional.

Quer assegurar-se de que sua problemática pode ser "resolvida" pela ciência.

Quer assegurar-se de que concordamos com suas soluções.

Quer assegurar-se ... do futuro.

 

O Que Podemos Fazer?

Certamente nem tudo o que ele quer, nem como ele quer.

Não podemos dar atestados de sucesso, realização, segurança, êxito ou o que for.

Podemos facilitar a escolha. Podemos dar a ele condições para que, vencendo suas dificuldades faça esta escolha ajustada ao momento e às perspectivas de futuro que ele pode vislumbrar no momento.

Estamos condicionados a estas perspectivas, a seus valores, enfim, basicamente à sua própria rede de significados e tipificações, a seus filtros sociais e pessoais.

Podemos ampliar esta rede interpretativa, trabalhar suas ansiedades, identificar seus filtros, mostrar novas perspectivas, ampliando a gama dos possíveis, mas sempre dentro das possibilidades que este adolescente nos permitir.

Assim, o primeiro passo é diagnosticar e definir um rumo para o trabalho. Este rumo pode ou não envolver uma escolha profissional final. Pode, apenas, possibilitar uma escolha (pois pode escolher adiar a escolha profissional).

Este diagnóstico também será realizado através da perspectiva teórica do orientador que, por sua vez, deve ter muito claras suas reflexões sobre realidade e verdade, seus próprios filtros sociais e pessoais. O diagnóstico não pode ser tomado como uma verdade imutável, mas deve estar de acordo com o prossuposto de que as transformações no indivíduo e no contexto são esperadas e imutáveis. A formação do orientador, aqui, deve privilegiar atitudes de flexibilidade e respeito ao processo do outro, possibilitando que o que foi inicialmente planejado permita as variações que certamente ocorrerão. Mas esta flexibilidade só será possível se o orientador tiver clareza da totalidade do processo e de suas peculiaridades.

Em dissertação de mestrado apresentada em agosto deste ano, a psicóloga Marilu Diez Lisboa realizou um trabalho que traz sistematizada uma idéia da qual muitos orientadores partilham: a necessidade e a possibilidade de incluir no processo de orientação profissional atividades que levem o adolescente a projetar-se no futuro de forma a buscar uma inserção no social, buscando organizar-se profissionalmente com a consciência de ser um indivíduo transformador da sociedade. Um trabalho inovador pela sistematização de algo que temos pensado experiencialmente. A intenção de trazer esta informação é de exemplificar a nossa impossibilidade de trabalho não ideológico com o adolescente. Mesmo as propostas mais importantes e óbvias são sempre ideológicas. E também este filtro temos de identificar e relativizar. O que é certo e o que é errado em termos de projeto de vida termina sendo uma negociação entre filtros pessoais e seus valores relativos.

 

Como Fazer?

E aqui chegamos a um ponto crucial da questão no que se refere à necessidade de uma postura essencialmente teórica: as técnicas de trabalho.

E é aqui que o meu pensar em orientação profissional traz mais nitidamente minha vocação acadêmica.

O Serviço de Orientação Profissional da UFRGS reflete esta vocação, no seu trabalho integrado em ensino, pesquisa e extensão. Alimentamo-nos tanto da teoria quanto da experiência e nosso trabalho na formação de orientadores (alunos nas disciplinas teóricas e práticas e/ou profissionais- nos cursos de extensão de formação em orientação profissional) parte deste princípio.

A teoria deve ser o motor do trabalho que, por sua vez, deve servir à produção científica fonte de toda e qualquer prática consistente.

Perder-se nos resultados e aquisições da prática certamente levará a processos casuísticos de trabalho, onde o fazer torna-se vazio ou até mesmo anteparo entre a dificuldade de entendimento do profissional e o seu cliente.

Assim, na medida em que pensamos o vocacional intrinsecamente junto com o ocupacional, gostaria de reforçar, então, a idéia de se trabalhar basicamnente o social, para que se trabalhe os filtros pessoais e, basicamente o cognitivo, para que se trabalhe o afetivo nele envolvido.

Portanto, a base de um trabalho eficaz na formação de Orientadores, necessariamente requer uma gama imensa de variáveis a serem consideradas e as agências formadoras devem ter em mente as implicações de cada uma destas variáveis no processo integral.

 

Referências Bibliográficas

BOHOSLAVSKY, R. (1974). Orientação profissional: a estratégia clínica. São Paulo: Martins Fontes.        [ Links ]

BERGER, P. & Luckmann, T. (1978) A construção Social da REALIDADE. Petrópolis: Vozes.        [ Links ]

LISBOA, Marilu Diez - “Orientação Vocacional/Ocupacional - Projeto profissional e compromisso com o eixo social”, PUCSP, Tese de Mestrado defendida em 1995.

MEAD, G. (1934). Mind, Self and Society. Chicago: University Chicago Press.        [ Links ]

VEISTEN, S. G. (1994). La eleccion Vocacional-ocupacional (estrategias e tecnicas). Buenos Aires: Marymar. 2ª ed.        [ Links ]

 

 

8 Texto base para participação na mesa redonda “A Formação do Orientador Profissional", no II Simpósio Brasileiro de Orientação Vocacional / Ocupacional, São Paulo, 1995. e-mail: macelia@brhs.com.br.
9 Professora do Departamento de Psicologia da UFRS e coordenadora do SOP – Serviço de Atendimento Psicológico. Mestre em Psicologia.

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