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Revista da ABOP

versión impresa ISSN 1414-8889

Rev. ABOP v.3 n.1 Porto Alegre jun. 1999

 

 

A formação do orientador profissional na UFMG: O reinício de um percurso

 

 

Delba Teixeira Rodrigues Barros13

Universidade Federal de Minas Gerais - Departamento de Psicologia

 

 


RESUMO

Este trabalho apresenta em linhas gerais como se dá atualmente a formação do orientador profissional no curso de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Situa como se deu o desenvolvimento dessa modalidade de trabalho em Minas Gerais e descreve a formação teórico-prática dos alunos enfocando o atendimento de clientes em grupo.

Palavras-chave: Formação orientador profissional, Atendimento em grupo.


ABSTRACT

This paper shows how professional guider are trained at Universidade Federal de Minas Gerais in the Psychology graduation course. Registers the development of this subject at Minas Gerais and describes the students’ theorical and practical learning, highlighting group attendance.

Keywords: Vocational guindance training, Group approach in vocational guidance.


 

 

Como se dá a formação do Orientador Profissional na Universidade Federal de Minas Gerais?

Esta é uma pergunta cuja resposta ainda está em elaboração no Departamento de Psicologia da UFMG. Alunos, estagiários e professor vêm-na construindo, juntos, há pouco tempo, pois embora a UFMG tenha participado ativamente do início do desenvolvimento da Orientação Profissional não só em Belo Horizonte, mas também no Brasil, há alguns anos essa tradição estava abandonada.

Em 1924, bem antes do ano de 1962 quando foi regulamentada a profissão de Psicólogo em nosso país, a Orientação Profissional (vinculada à Seleção Profissional) foi introduzida no Brasil (CARVALHO, 1995). Desenvolvendo-se, de início, no eixo Rio-São Paulo, essa modalidade de trabalho encontrou no final da década de 40 abrigo em Minas Gerais. No ano de 1949, a convite de uma equipe de profissionais da educação da cidade de Belo Horizonte, entre eles o professor Pedro Bessa, da Faculdade de Filosofia da então Universidade de Minas Gerais, veio à cidade, o Dr. Mira y Lopes. Espanhol radicado no Brasil, com formação em psiquiatria e psicologia, desde 1947 dirigia no Rio de Janeiro o ISOP – Instituto de Seleção e Orientação Profissional (CARVALHO, 1995). O objetivo da vinda de Mira e Lopes a Belo Horizonte era ajudar na criação do Serviço de Orientação e Seleção Profissional, o SOSP.

Com uma atuação marcante desde sua fundação, o SOSP se tornou referência na Orientação Vocacional, tanto para profissionais, quanto para a população que buscava esse tipo de serviço. Figuras de projeção no cenário nacional constam na extensa lista de clientes atendidos pelo SOSP, dentre eles o economista Roberto Macedo autor do livro “Seu Diploma, Sua Prancha” (Ed. Saraiva, 1998).

A importância desse serviço no desenvolvimento da educação no estado foi acentuada quando serviu de berço aos dois primeiros cursos de Psicologia de Minas Gerais: o da UFMG e o curso da antiga Universidade Católica de Minas Gerais, hoje PUC-MG.

Vinculado desde sua criação ao antigo Instituto de Educação, há 5 anos o SOSP foi incorporado à Universidade do Estado de Minas Gerais, UEMG, com o nome de Centro de Psicologia Aplicada, CENPA. Para nossa satisfação, no dia 12 de Novembro desse ano de 1999, o CENPA (SOSP) estará completando 50 anos.

Apesar dessa ligação antiga com a Orientação Profissional, com o já conhecido e tão falado problema das aposentadorias de professores das IFES (Instituições Federais de Ensino Superior), a UFMG perdeu o professor da disciplina de Orientação Profissional do Departamento de Psicologia. Em função da não menos conhecida lentidão na reposição do quadro de efetivos das universidades, essa disciplina esteve por um bom tempo a cargo de professores substitutos.14

A despeito do fato da maioria desses professores substitutos serem profissionais com excelente nível de formação, alguns deles com título de Mestre, e sólida experiência na área que certamente contribuíram para o bom andamento da disciplina nesse período, a falta de uma vinculação efetiva com a UFMG tornava o trabalho descontínuo e praticamente impossibilitava a oferta de estágios nessa modalidade.

A partir de 1998, com minha efetivação no quadro de professores do Departamento de Psicologia, estamos tentando resgatar o lugar que esse tema sempre ocupou na formação de nossos alunos oferecendo, além do conteúdo teórico, a possibilidade de estágio para aqueles que se interessem.

A disciplina teórica “Orientação Profissional”, vinculada ao Setor de Clínica, é oferecida como disciplina optativa no elenco das disciplinas do curso, com alguns pré-requisitos dentre eles as cadeiras de Técnicas de Exame Psicológico I e II. Em função desses pré-requisitos estão aptos a se matricular na disciplina alunos que estejam cursando do 6º período em diante. Dessa forma o curso teórico conta sempre com uma composição bastante heterogênea uma vez que os alunos estão em diferentes momentos do curso. Tal fato, longe de comprometer o andamento do trabalho, contribui para uma maior troca entre os alunos. Percebe-se uma ansiedade muito grande nos alunos que estão se formando (10 º período), particularmente no que diz respeito às técnicas que são vivenciadas e discutidas durante o semestre. Há uma certa avidez por contato e conhecimento de técnicas utilizadas na Orientação Profissional, na fantasia de que a informação sobre as técnicas é o mais importante na formação do Orientador Profissional (“fantasias onipotentes relativas à faculdade” – BOHOSLAVSKY, 1977). Bohoslavsky descreve a situação do diplomando em seu luto pelo papel de estudante apontando que a crise evolutiva por que passa o formando ou o recém-formado é similar àquela que o adolescente atravessa. Essa ansiedade é relativamente contrabalançada pelos alunos dos outros períodos que têm uma postura menos ansiosa, mais “solta” em relação ao conteúdo trabalhado.

O programa da disciplina, que inclui tópicos como conceituação, histórico, grupos de interesse, métodos e instrumentos, é dado em um semestre com uma carga horária total de 60 hs/aula. Procura apresentar diferentes abordagens na Orientação Profissional, enfocando a tomada de decisões e o aprendizado da escolha. Para atingir esse objetivo são discutidos textos de autores de diferentes bases teóricas, mas há, contudo, uma predominância de autores de orientação psicanalítica.

Dentre as várias técnicas apresentadas aos alunos durante o semestre figuram também os testes psicológicos. Alguns dos instrumentos já são conhecidos dos estudantes através de outras disciplinas do curso, e outros como o TESTE PROJETIVO ÔMEGA - TPO são novidade.

Como uma das atividades práticas da disciplina os alunos realizam entrevistas semi-dirigidas com profissionais de várias e diferentes áreas. O objetivo dessa tarefa é aproximá-los mais da realidade do mundo do trabalho, além de recolher informações que possam ser compiladas para serem utilizadas como recurso no estágio. A discussão dessas entrevistas propicia aos alunos vislumbrar a enorme diversidade na atuação profissional em praticamente todas as áreas, o que os sensibiliza para a importância de que a Orientação Profissional seja mais do que apenas “indicar” profissões, mas possa ajudar o orientando na busca da elaboração de um projeto de vida.

O estágio curricular na modalidade de Orientação Profissional é oferecido aos alunos, a partir do 7º período, que tenham cursado a disciplina teórica. É realizado na própria clínica do Departamento, CEAP - Centro de Aplicação de Psicologia, e está no elenco dos estágios regularmente oferecidos pelo curso. Há ainda a possibilidade de que os alunos realizem a Orientação Profissional em instituições de ensino fora da UFMG, sob a supervisão conjunta de um psicólogo da instituição e do professor da disciplina, sendo este chamado de Estágio Especial.

Também com a duração de 1 semestre letivo, o estágio oferece 12 vagas que são distribuídas entre os alunos interessados segundo critérios definidos pelo supervisor. Um projeto de extensão que permitirá aos estagiários continuarem o atendimento em Orientação Profissional deverá ser implantado a partir do próximo semestre letivo em instituições conveniadas com a UFMG. Esse projeto vem em resposta à solicitação dos próprios alunos que sentem que apenas um semestre é insuficiente para a prática dessa abordagem.

Sendo uma clínica–escola, o CEAP recebe um número bastante grande de inscrições para atendimento todo início de semestre. Até o ano passado a demanda por Orientação Profissional não era acolhida por falta de quem a atendesse. Desde que nos propusemos a retomar esse trabalho temos tido um número significativo de inscrições, que para nossa surpresa incluíram estudantes de mestrado e doutorado. Considerando essa demanda elevada, bem como uma série de outras vantagens para o trabalho em grupo conforme aponta Carvalho (1995), além da possibilidade de propiciar aos estagiários um aprendizado mais amplo, optamos pela formação de grupos para o atendimento. Preocupados com a dimensão de ensino que o estágio encerra decidimos que a coordenação de cada grupo caberia a uma dupla de estudantes e que o número de participantes não excederia a oito. Acreditamos que essa é uma forma de facilitar a condução do trabalho em grupo, à medida que os alunos poderão compartilhar percepções, temores e responsabilidades e o próprio trânsito da transferência-contratransferência.

Também é possível aos alunos–estagiários realizarem atendimentos individuais além dos grupos, caso tenham interesse e disponibilidade de tempo. A ênfase contudo é dada para a primeira modalidade de atendimento.

Para a formação dos grupos parte-se de uma entrevista inicial, individual, feita por um único estagiário seguindo um roteiro previamente elaborado com o grupo de supervisão (supervisor e estagiários). Embora não precise ser seguido à risca, esse roteiro tem por objetivo padronizar as informações que serão privilegiadas nesse primeiro contato com o cliente. Uma vez que quem realiza a entrevista pode não ser um dos coordenadores do grupo no qual aquele cliente será colocado, consideramos importante que os estagiários tenham acesso ao mesmo tipo de informação sobre todos os candidatos ao processo. Tendo sido elaborado pelos próprios estagiários esse roteiro geralmente contempla as questões que eles consideram básicas para o processo de Orientação Profissional. Buscamos também desenvolver a habilidade diagnóstica dos alunos na busca da percepção da adequação do cliente a um trabalho em grupo. Alguns candidatos ou não se beneficiariam da abordagem em grupo pela especificidade de sua problemática, ou apresentam características que poderiam comprometer o bom andamento de um grupo.

Realizadas as entrevistas todo o material é discutido no grupo de supervisão, e os grupos de atendimento são montados. Enfatizamos a necessidade de uma certa homogeneidade nos integrantes do grupo, pois acreditamos que isso facilitaria o movimento do próprio conjunto bem como a atuação dos estagiários. Essa homogeneidade se refere a idade, escolaridade e condições sócio–econômicas. Na tentativa de evitar a formação prévia de sub–grupos, não aceitamos irmãos e parentes no mesmo grupo.

Quanto ao seu funcionamento os grupos são fechados, encontram-se uma vez por semana por cerca de 1h e 30 min., numa média de oito encontros. O contrato de trabalho geralmente é feito na primeira sessão do grupo, mas alguns aspectos como os honorários15 e a proposta do grupo são abordados na entrevista individual. A realização de entrevistas individuais de devolutiva fica a critério dos coordenadores do grupo.

Aceitamos que a tarefa da Orientação Profissional é “coordenar o aprendizado da escolha, facilitar o desenvolvimento de um projeto de vida... e que ...este aprendizado implica basicamente três parâmetros:

  • O conhecimento de si mesmo
  • O conhecimento das profissões
  • A integração destes aspectos em uma síntese pessoal”. (OLIVEIRA, 1997)

Dessa forma usamos esses critérios como norteadores de todo o trabalho com os grupos.

Mas quais as técnicas que ao serem utilizadas poderiam atingir esses parâmetros? Essa é uma pergunta frequente dos alunos que se sentem perdidos diante do grande número de possibilidades apresentadas.

Sobre as técnicas, em outra oportunidade BARROS (1996), já afirmamos que : “a eficácia de uma técnica reside, em grande parte, na cumplicidade entre esta e o psicólogo que a utiliza.” Entendemos, ainda, que as técnicas são os meios e os métodos para provocar a ação nos grupos. E que, de acordo com CARVALHO (1995), sua eficácia dependerá do grau de habilidade pessoal de quem as utiliza, bem como de seu sentido e dom de oportunidade, de sua capacidade criativa e imaginativa para adequar as normas às circunstâncias e conveniências do grupo.

Procurando ser fiéis a essas convicções, permitimos aos estagiários se sentirem livres para escolherem e utilizarem as técnicas que cada dupla de coordenadores julgar as mais convenientes. Nesse sentido o texto de LUCCHIARI (1993) nos tem sido de inestimável valia, pois aponta várias alternativas todas elas igualmente interessantes e obedecendo a critérios considerados básicos:

  • Simplicidade de aplicação
  • Despertarem baixo nível de resistência
  • Proporcionarem bom nível de envolvimento dos participantes
  • Permitirem a elaboração imediata por meio de discussões.

O resultado dessa abordagem é que os alunos-estagiários imprimem ritmo próprio aos grupos de acordo com suas características pessoais e com o movimento do conjunto coordenadores-participantes.

O que apresentamos aqui é, em linhas gerais, a descrição de como se dá atualmente a formação do Orientador Profissional na UFMG. Retomando o que foi dito no início de nossas considerações, essa formação é um processo que está sendo construído, com nossa participação, há pouco tempo. Temos a certeza de que muito pode ser feito no sentido de aprimorarmos nosso trabalho, percebermos nossos erros e lacunas, buscando oferecer uma possibilidade de formação cada vez melhor para nossos alunos. O já mencionado Projeto de Extensão em Orientação Profissional é uma tentativa nessa direção, que esperamos possa dar bons resultados.

Como conclusão dessa reflexão gostaria de acrescentar que supervisionar os alunos, na verdade profissionais em formação, tem sido uma experiência profundamente gratificante do ponto de vista pessoal. Além disso, tem nos possibilitado ampliar nossa visão da Orientação Profissional, re-construindo a cada supervisão seu sentido e aumentando nosso encantamento por essa forma de trabalho.

 

Referências Bibliográficas 

BARROS, D. T. R. A Utilização do CAT-A como instrumento facilitador nas entrevistas devolutivas no psicodiagnóstico infantil. Dissertação de Mestrado, PUC – SP, São Paulo, 1996.        [ Links ]

BOHOSLAVSKY, R. Orientação Vocacional – A Estratégia Clínica. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1977.        [ Links ]

CARVALHO, M. M. M. J. Orientação Profissional em Grupo. Editorial Psy, Campinas, 1995.        [ Links ]

LUCCHIARI, D. H. P. S. (org.) Pensando e Vivendo a Orientação Profissional. Summus Editorial, São Paulo, 1993.        [ Links ]

OLIVEIRA, I. D. O Teste Projetivo Ômega no Diagnóstico em Orientação Profissional. In Revista da ABOP, v. 1, n. 1, Porto Alegre, 1997.        [ Links ]

 

 

13 Profª. Assistente - Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: mautone@bhnet.com.br.
14 A contratação de professores substitutos em regime de dedicação parcial e com contrato de tempo definido tem sido o recurso encontrado pela UFMG, bem como por outras universidades, para lidar com a questão da falta da professores e da dificuldade e morosidade no processo de abertura de concursos públicos para o preenchimento de suas vagas.
15 Apesar de ser realizado na clínica do Departamento de Psicologia, que tradicionalmente atende a uma população carente financeiramente, isso não é a realidade de todos os clientes. Além disso, acreditamos na importância do investimento financeiro do cliente como parte de seu comprometimento com o processo. Dessa forma foi estabelecido um preço bastante acessível para o trabalho de Orientação Profissional, pagamento esse que pode ser negociado em cada caso sendo que alguns clientes ficam isentos de efetuá-lo.

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