SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 número1Estágio profissionalizante em orientação profissional: a visão de alguns psicólogos-estagiários (II)Orientação vocacional/ocupacional e psicoterapia índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista da ABOP

versão impressa ISSN 1414-8889

Rev. ABOP v.3 n.1 Porto Alegre jun. 1999

 

 

A formação do orientador profissional*

 

 

Mariita Bertassoni da Silva**

Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR

 

 


RESUMO

Pretende-se com este trabalho expor algumas reflexões sobre os principais aspectos que devem compor a formação de um orientador profissional. Na visão da autora esses aspectos giram em torno de três eixos básicos, dos quais derivam-se todos os outros: 1) uma sólida base teórico-técnica; 2) clareza na definição de homem no mundo e 3) resolução dos próprios conflitos quanto a escolha.

Palavras-chave: Orientação profissional, Formação.


ABSTRACT

The intention of this work is to expose some reflections of the main aspects that should be taken into account to the formation of a professional who will facilitate the choice of a profession or occupation to other people within their own reality. In the author’s view these aspects turn to three basic angles from which all of the others derive: 1) a solid theoretical-technical basis; 2) a clear definition of the man’s position in the world, and 3) the resolution of his own conflicts according to his choice.

Keywords: Professional orientation, Formation.


 

 

Venho trabalhando com a Orientação profissional desde o início de minha carreira como psicóloga autônoma, no atendimento de clientes e como docente em cursos de Psicologia, colaborando na formação de futuros profissionais.

Concebo a Orientação Profissional como um campo extenso e interdisciplinar, onde o psicólogo como orientador trabalha na esfera da APRENDIZAGEM. Aprendizagem do cliente sobre si mesmo (autoconhecimento); aprendizagem sobre o mundo do trabalho e aprendizagem na elaboração de um projeto vocacional-ocupacional. Essas aprendizagens ocorrem a nível do Esquema Conceitual Referencial Operativo (ECRO), conforme conceituado por Pichon – Rivière (1986), permitindo ao cliente aprender a escolher uma profissão ou ocupação de forma mais consciente e autônoma.

Cabe ao psicólogo auxiliar o orientando, facilitando essa construção, e para desempenhar essa tarefa é necessário que ele também passe por sua própria aprendizagem formativa.

Essa formação está centrada em três eixos principais, dos quais derivam-se todos os outros. São eles:

1) uma base teórico-técnica sólida, que permita ao orientador articular de forma segura suas percepções teórico-práticas;

2) clareza em sua definição de homem no mundo, ou seja, como respondo à pergunta “qual é minha visão de homem”? Será essa definição que orientará a escolha do psicólogo do tipo de intervenção ou modalidade de trabalho (modelo clínico, modelo estatístico, processual...)

3) resolução dos próprios conflitos quanto a escolha, ou seja, é preciso que o orientador tenha feito seu próprio “luto” (BOHOSLAVSKY, 1977) em relação a todas as outras possibilidades de atuação e esteja comprometido totalmente com sua tarefa de orientador.

O domínio teórico-técnico é conseguido por meio do aprofundamento de conteúdos tais como as raízes históricas da orientação vocacional profissional; as diferentes concepções teóricas sobre as origens da escolha vocacional; os determinantes intrapsicológicos; a estrutura do psiquismo, dos valores e das atitudes; as diferentes atribuições do sujeito nas diversas fases de seu desenvolvimento (especialmente a adolescência), o funcionamento dos grupos e os papéis sociais, dentre outros. Esses temas situam-se dentro da ciência psicológica, porém a base teórica do orientador deverá estender-se também ao âmbito das ciências afins ou “extrapsicológicas”, tais como a Sociologia, Antropologia, Economia... uma vez que a Orientação Profissional abrange muito mais do que o conhecimento estrito do campo psicológico.

O mesmo movimento aplica-se ao domínio dos recursos técnicos, porém adequando-os aos objetivos da orientação profissional.

Nesse âmbito faz-se necessário um conhecimento relativamente amplo das várias técnicas de intervenção, desde a entrevista clínico-operativa; as técnicas projetivas, lúdicas e expressivas; os testes padronizados; e as técnicas de informação ocupacional.

Esse conhecimento não se restringe ao domínio da técnica pela técnica, mas está diretamente relacionado à habilidade de aplicá-la conforme o foco da intervenção desejada, seja a nível individual ou grupal, possibilitando um canal por onde passam a ampliação do autoconhecimento do cliente e sua relação com o contexto amplo do mundo do trabalho. Isso inclui questões como o conhecimento real sobre as diversas áreas e profissões oferecidas, as tendências do mercado de trabalho, o perfil do profissional desejado na comunidade, assim como os estereótipos, preconceitos e influências (familiares, educacionais, político-econômico-sociais, do grupo de pares e psicológicas) no processo de escolha vocacional profissional.

Percebe-se que este é um dos pontos mais difíceis a nível de síntese para os alunos que iniciam seu contato com a Orientação Profissional, pois a maioria traz a princípio uma imagem ou visão parcial ou distorcida da orientação, enxergando o processo como desvinculado, ou só aplicado no pré-vestibular, como um momento estático na vida do ser humano. Essa visão vai se modificando com o avanço dos estudos teórico-técnicos, pois os alunos vão percebendo a real amplitude dos conhecimentos necessários para a atuação na área da Orientação Profissional e que ela não é uma área “menos nobre” da ciência psicológica.

A formação teórico-técnica necessita de realimentação constante, que pode ser conseguida pela educação continuada em seminários, fóruns, cursos e literatura especializada e atualizada sobre o tema e de temas correlatos.

A postura do psicólogo orientador também precisa ser desenvolvida, possibilitando a ele “estar disponível”, mas mantendo uma “distância ótima” ou de dissociação instrumental, de escuta especializada que lhe permita lidar de forma sadia com os aspectos de transferência e contratransferência inerentes ao processo de orientação. Para tanto, é imprescindível que o orientador aprenda a auto-observar-se durante o processo, detectando seus sentimentos e percepções frente aos conteúdos trabalhados com o cliente, assim como reconhecendo intervenções que ao invés de facilitar, “emperram” o encaminhamento da tarefa.

Essa “disponibilidade” está ligada ao esclarecimento pessoal do orientador em termos do reconhecimento de suas potencialidades e limitações no “pensar – sentir – agir”, que é obtido no seu próprio processo de terapia e auto-análise.

Essa auto-análise é o que permite reencaminhar tecnicamente o processo.

Na prática formativa essa falta de “disponibilidade” é observada, por exemplo, na dificuldade de estabelecer a orientabilidade do cliente ou na dificuldade de manter o cliente no processo, seguida de racionalizações que jogam no cliente a “culpa” do fracasso.

Dentro de todos esses pontos ou aspectos da formação do orientador profissional, deve-se dar uma ênfase especial às questões éticas que permeiam todas as fases e focos do trabalho psicológico, tais como a elaboração do contrato de trabalho ou enquadre, a questão do sigilo, a devolutiva ... dentre outros.

Para finalizar, creio que a formação deverá prever também a aprendizagem de aspectos práticos, que devem pelo menos ser pontuados ao futuro orientador e que dizem respeito à questões como elementos mínimos de infra-estrutura para a montagem de um serviço de O.V.P.; remuneração do profissional; elaboração formal de contrato de trabalho; divulgação, propaganda e marketing do serviço dentre alguns dos elementos práticos. Dessa forma o futuro orientador terá uma visão real do empreendimento a que está se propondo.

Todos esses aspectos apontados não pretendem esgotar a questão, mas indicar e contribuir com algumas reflexões que a meu ver são procedentes e importantes para todas as pessoas envolvidas na área.

Enfim, gostaria de pronunciar-me pessoalmente dizendo que abraçar a O.V.P. como modalidade de trabalho e participar na formação de futuros orientadores é extremamente gratificante!

 

Referências Bibliográficas

BOHOSLAVSKY, Rodolfo. Orientação vocacional: a estratégia clínica. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987.        [ Links ]

PICHON-RIVIÈRE, Enrique. O processo grupal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1986.        [ Links ]

 

 

* Trabalho apresentado em mesa-redonda organizada pela ABOP no I FÓRUM DE ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL, realizado em 25/06/1999, na sede do CRP-08, Curitiba-Pr.
** Psicóloga. Mestre em Educação. Professora Adjunto do Curso de Psicologia da PUCPR. Diretora Adjunto do Curso de Psicologia da PUCPR. Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Creative Commons License