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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.1 n.1 Brasília jan. 1981

 

Avanços recentes em psicobiologia

 

 

Maria Teresa Araujo Silva

Departamento de Psicologia Experimental - Instituto de Psicologia da USP

 

 


RESUMO

Três assuntos, representando diferentes níveis de abordagem da relação entre o fato psicológico e o fato biológico, são discutidos. Os estudos apresentados são avanços na compreensão dos mecanismos subjacentes ao comportamento, abordando a base molecular da dor, o mecanismo de processos comportamentais simples a nível celular, e o problema psicossomático a nível do organismo como um todo.


SUMMARY

Three issues, representing different levels of a approach of the relationship between behavior and biological events, are discussed. Advances in the understanding of the underlying mechanisms of behavior are presented: the molecular basis of pain, the mechanism of behavioral processes at a celular level, and the psicosomatic problem taken the orgamism as a whole.


RÉSUMÉ

Concernant les relations entre comportement et événements biologiques, on discute trois types de résultats. Comme progrés dans la compréhension des mécanismes sousjacents au comportement, on considere: la base moléculaire de la douleur, les mécanismes des processus de comportement au niveau cêllullaíre, et le probléme psychosomatique lorsqu'on considere l'organisme comme un tout.


RESUMEN

Son discutidos tres asuntos, representando diferentes niveles de abordar la relación entre lo psicológico y lo biológico. Los estudios presentados constituyen un progresso en la comprensión de los mecanismos subjacentes al comportamiento, abordando la base molecular del dolor, el mecanismo de processos comportamentales simples a nível celular, y el problema psicosomático a nível del organismo como um todo.


 

 

À medida em que refletia sobre o tema deste simpósio, me vinha à cabeça um problema que volta e meia me preocupa e assusta, mas com o qual aprendi a conviver: a diversidade de linguagens e aspectos sob os quais a psicologia é tratada. Às vezes sinto-me numa Babel. Mesmo quando se restringe o campo de estudo a apenas um segmento, como e o caso da Psicobiologia, de que vamos tratar, a variedade de enfoques que a área se permite e extremamente vasta. Na realidade a psicobiologia, por se tratar por definição de uma área interdisciplinar, talvez apresente em certos aspectos uma diversidade de linguagem ainda mais complexa. São técnicas de várias disciplinas que se combinam, e não só técnicas, como também métodos de investigação científica, estilos de pensamento, e hábitos de percepção da realidade.

Nesse emaranhado, selecionei três assuntos que representam diferentes níveis de abordagem da relação entre o fato psicológico e o fato biológico. Esses três estudos me parecem representar avanços relativamente recentes e sólidos na comprensão dos mecanismos subjacentes ao comportamento. O primeiro estudo toca no problema da base molecular da dor; o segundo procura o mecanismo de processos comportamentais simples a nível celular; e o terceiro aborda o problema psicossomático a nível do organismo como um todo.

Vamos começar, então, pelas descobertas relativas a uma droga - uma molécula - de forte efeito psicológico: a morfina. A morfina, todos sabem, caracteriza-se pela potencia analgésica e euforizante. À redução da dor e à sensação de prazer produzidas pela morfina soma-se sua tendência a produzir adição, que é caracterizada pela exigência de quantidade cada vez maior da droga e por violentos sintomas físicos quando de sua suspensão. Conhecer o mecanismo de ação da morfina significa então uma possibilidade de entender melhor a dor e o prazer, motores do comportamento, e o problema comportamental do adito.

A maioria das drogas age na sinapse nervosa, interferindo com o mecanismo de transmissão neuronal (Fig.1). Esse mecanismo consiste na ligação de uma molécula transmissora, por exemplo acetilcolina, proveniente de um neurônio, com uma molécula receptora, o receptor, encaixado na membrana do neurônio adjacente. O efeito da droga ou do transmissor depende dessa ligação, que pode ser comparada ao ajustamento de uma chave na fechadura. Quando uma substancia ocupa o receptor sem desencadear o efeito esperado, trata-se de um bloqueador, uma chave falsa. No caso da morfina, há tempos se suspeitava que ela agisse, não indiretamente, afetando transmissores fisiológicos endógenos, como acetilcolina ou noradrenalina porem diretamente, atuando em seus próprios receptores. Isso foi demonstrado por Solomon Snyder há cerca de quatro anos atrás, através de técnicas refinadas em que demonstrou a ligação específica da morfina com receptores de alguns tecidos. Não só isso, demonstrou também a presença desses receptores em porções do sistema nervoso central especialmente relacionadas com a dor e com as emoções. Trata-se da via nervosa paleoespinotalâmica, que coneta centros da medula espinhal com o tálamo, e que e responsável precisamente pela condução do estímulo doloroso do tipo mais afetado pela morfina, a dor difusa, queimante e não localizada. Numa outra via espinotalâmica, que conduz estímulos referentes à dor aguda, localizada, pouco afetada pela morfina, não foram encontrados receptores. Também foram encontrados receptores em regiões do sistema límbico como hipotálamo e amígdala, regiões que poderiam estar envolvidas com o componente afetivo e emocional do efeito da morfina.

 

 

Dada a existência de receptores, pergunta-se qual a razão de sua existência. Sua presença foi constatada em vertebrados, dos mais simples aos mais complexos, e não se poderia imaginar que eles tivessem subsistido através da evolução à espera de que um químico alemão extraísse do ópio a molécula adequada à sua conformação, no início do século XIX. Mais lógico seria pensar na existência de opióides endógenos - substâncias semelhantes à morfina mas fabricadas e utilizadas normalmente pelo organismo. E que teriam função de transmissores, visto que também se demonstrara que os receptores específicos da morfima se localizavam na membrana do neurônio, tal como os receptores da acetilcolina ou noradrenalina. Um passo a mais foi dado quando Hughes, pesquisador inglês, mostrou que extratos de cérebro produziam, em um teste farmacológico de rotina, os mesmos efeitos da morfina. Logo mais o mesmo Hughes isolou dois fatores responsáveis por esses efeitos, dois peptídeos compostos de 5 (cinco) amino-ácidos a que deu o nome de encefalinas (leucina e metionina - encefalina). Confirmando a suposição de que as encefalinas representam opióides internos do organismo, sua distribuição nos tecidos revelou-se paralela à distribuição de receptores de morfina a que me referi. Teríamos então substâncias auto-produzidas com funções de mediação da dor e, talvez, da euforia? Como agiriam esses opiáceos transmissores?

Snyder propõe um modelo em que a ação da encefalina como transmissor se exerce sobre neurónios pré-sinápticos das vias dolorosas, atuando no sentido de diminuir a liberação de transmissores excitatórios, e conseqüêntemente diminuindo a taxa de descarga de potenciais do neurônio pós-sináptico (Fig. 1).

Um outro ponto interessante dessa pesquisa diz respeito a um modelo para explicar a adição. Em cultura de células nervosas cancerosas verificou-se que a interação da morfina com seu receptor, quando prolongada, é acompanhada pelos seguintes eventos: ativação do sistema que gera AMP cíclico, conforme ocorre em grande parte das interações transmissor-receptor; diminuição do AMPc através da inibição da enzima de que ele depende; produção compensatória dessa enzima de forma a que os níveis de AMPc retornem ao normal; finalmente, brusco aumento de AMPc quando o opiáceo é suspenso, uma vez que o sistema enzimático continua funcionando em nível supra-normal. Esse brusco aumento, segundo o modelo, poderia ser o responsável pela super-excitação da síndrome de abstinência.

Considero esses fatos e modelos importantes pelas perspectivas que abrem. Em primeiro lugar, podem ser o caminho para a descoberta do analgésico ideal, não aditivo, que até agora não existe - uma descoberta que, se bem diga respeito especificamente à farmacologia e à prática médica, nos interessa pessoalmente a todos. Depois, há o problema da adição - a descoberta de seu mecanismo orgânico certamente facilitaria seu tratamento psicológico. Há perspectivas também de que o efeito "placebo", em que uma solução inócua tem poderes analgésicos, e que, afinal, é um efeito psicológico, seja mediado pela liberação de encefalinas, uma vez que parece ser bloqueado por uma droga que bloqueia o receptor opiáceo. Finalmente, existem elaborações teóricas interessantes a respeito do papel dos opióides internos na mediação do reforço, reforço aqui entendido como redução de impulso. Stein defende a tese de que as encefalinas, juntamente com a dopamina, codificariam a sensação de redução de impulso. Cita a favor dessa hipótese o fato de que a administração de encefalina é altamente reforçadora para o organismo - no rato, sua auto-administração ocorre em taxas superiores à de morfina, que jà e alta. Por outro lado, ratos respondem para obter estimulação elétrica na substância cinzenta central, o mesmo local que, se estimulado, libera encefalina e produz analgesia. Se, porém, os receptores opiáceos são bloqueados com naloxona, os animais param de se estimular - presumivelmente, a encefalina liberada pela estimulação não está mais produzindo seu efeito, e bater na barra não tem mais graça.

Essas são, pois as idéias lançadas pela descoberta dos opióides internos.

Vamos passar agora para um outro mundo - ou melhor, um mundo vizinho. Trata-se do trabalho de Kandel, da Escola de Medicina da Universidade de Columbia. Kandel publicou um livro em 1976, "A base celular do comportamento", que já se tornou indispensável aos psicobiólogos. O livro trata dos estudos que ele e outros vêm conduzindo, tentando decifrar como o sistema nervoso, com seus neurônios, suas sinápses e seus transmissorres, medeia o comportamento. Kandel raciocinou que um sistema simples pode ser melhor estudado do que um sistema complexo, e pode servir de base para a compreensão deste.

O acerto dessa estratégia poderá ser melhor estimado à medida que se for discutindo suas descobertas, Kandel escolheu então para estudo um organismo não muito ortodoxo para psicólogos: um molusco, a Aplysia. A aplysia apresenta um repertório comportamental constante de reflexos simples, padrões fixos de ação, respostas complexas de locomoção, orientação, e fuga, e comportamento sexual em par ou em grupo. Um dos reflexos mais estudados é o de retração de guelra, que e uma resposta de defesa, obtida experimentalmente pela estimulação tátil da pele do sifão. A grande vantagem da aplysia I a simplicidade de seu sistema nervoso. Compõe-se de gânglios, que são concentrações de neurônios, localizados na cabeça e no abdômen, os quais podem ser visualizados ao microscópio. Esses gânglios têm um número invariável de neurônios, cuja localização é constante de animal para animal. Não só o número é invariável, mas também as conexões entre eles: por exemplo, o neurônio A faz sinapse com os neurônios B e C em qualquer aplysia que se examine. Mais ainda, o tipo de conexão também e invariável: A pode fazer um contato excitatório com B, inibitório com C, e inibitório e excitatório com D. Um sistema desses não é para se desprezar!

Kandel traçou o circuito neural que controla o reflexo de retração da guelra. O reflexo, como já disse, consiste na retração da guelra em resposta à estimulação do sifão, um pouco como a mão que se afasta do fogão quente. A estimulação é transmitida por 24 neurônios da pele do sifão. A resposta é mediada por seis neurônios motores. Os neurônios sensoriais fazem sinapse direta com cada um dos neurônios motores, e com três neurônios intermediários: dois excitatórios e um inibitório.

Seria essa rede neural capaz de controlar apenas uma forma fixa de resposta, ou seria suficientemente plástica para permitir modificações no comportamento? Uma forma simples de aprendizagem não associativa, a habituação, foi um primeiro passo para estudar essa questão. A habituação é provavelmente a forma de aprendizagem mais onipresente entre os organismos, e consiste na diminuição da força de um reflexo após sucessivas apresentações do estímulo novo - desde que o estímulo se mostre inócuo e não reforçador. Sem habituação estaríamos permamentemente solicitados por toda sorte de estímulos, o que geraria o caos no comportamento, pela total ausência de atenção seletiva. O reflexo da guelra da aplysia habitua após 10 a 15 estimulações táteis; esse efeito dura cerca de uma hora, e no dia seguinte já desapareceu: pode-se dizer aí que a aprendizagem teve uma memória de curto-prazo. Se, porém, forem repetidas as sessões de habituação, a habituação se prolonga por dias ou por semanas - modelo de memória de longo-prazo. O componente neural do reflexo da guelra pode ser estudado da seguinte forma: um eletrodo estimula um neurônio sensorial e outro registra o potencial provocado no neurônio motor. A habituação ao longo das sucessivas estimulações pode ser vista claramente. Após um intervalo de 15 minutos há recuperação parcial da resposta, que de novo tende a desaparecer. No final do processo, temos entre uma aplysia treinada e uma não-treinada a diferença mostrada na Fig. 2

 

 

A pergunta seguinte foi: como esse circuito se modifica para que a resposta mude? Kandel demonstrou que a quantidade de transmissor liberado nas sinapses entre neurônios sensoriais, interneurônios e neurônios motores, diminuía com as sucessivas estimulações; e essa diminuição era paralela à diminuição da resposta do neurônio motor. Como o neurônio passa a liberar menos transmissor? Sabe-se que a quantidade de transmissor liberado depende da concentração de cálcio na terminal nervosa; os pesquisadores do grupo de Kandel mostraram então que a concentração de cálcio diminui com as sucessivas estimulações, e retorna ao normal quando o potencial sináptico do neurônio se recupera. Verifica-se, assim, que o mecanismo de armazenamento da memória a curto-prazo depende da depressão da concentração de cálcio na terminal pré-sináptica.

Quais os limites dessa plasticidade - quanto tempo duraria a habituação? Kandel observou que pequenos períodos de treino levavam a modificações relativamente duradouras, que seriam de armazenamento a longo prazo. Mostrou que o controle celular dessa modificação é idêntico ao da habituação de curto prazo, inclusive envolvendo também o mecanismo de depressão do cálcio e conseqüente queda na liberação de transmissores, de tal forma que conexões sinápticas antes eficientes permanecem desativadas por longo tempo. Contradizendo especulações noutro sentido, demonstrou que os dois tipos de memória envolvem um mesmo processo.

Passamos agora à sensibilização. A sensibilização é uma forma de aprendizagem um pouco mais complexa: a resposta a um estímulo e aumentada pela apresentação, concomitante ou não, de outro estímulo. Pode ser considerada como um precursor do condicionamento associativo: em ambos, uma resposta reflexa torna-se mais forte devido à ativação de uma outra via. Na aplysia, o reflexo da guelra é magnificado pela aplicação de um estímulo nocivo na cabeça do molusco. A rede neural que controla esse processo também foi destrinchada (Fig. 3). Relembrando, o potencial do neurônio motor e conseqüêntemente a resposta da guelra dependem da transmissão do impulso a partir dos neurônios sensoriais, diretamente ou através dos interneurônios. O estímulo sensibilizador ativa um outro interneurônio, chamado facilitatório, porque vai facilitar a transmissão entre a terminal do neurônio sensorial e o interneurônio excitatório e o neurônio motor. Essa facilitação se dá através da liberação do transmissor serotonina na terminal do neurônio sensorial. Portanto, um mesmo local sináptico pode ser modificado de formas opostas por formas opostas de aprendizagem. E de tal forma isso é verdade que a sensibilização reverte os efeitos comportamentais e a depressão de cálcio induzidos pela habituação. O fato e que sinapses podem ser inativadas e rentivadas pela experiência. Citando palavras de Kandel, "se essa descoberta for aplicável ao cérebro humano, significaria que, mesmo durante experiências sociais simples, como quando duas pessoas conversam, a ação da maquinaria neural do cérebro de uma pessoa é capaz produzir um efeito direto e talvez duradouro nas sinápses modificáveis do cérebro do outro".

 

 

Agora, a idéia de Kandel é estudar as formas associativas de aprendizagem. Afirma já ter conseguido obter o fenômeno na aplysia, e sua expectativa é de relacioná-lo com a sensibilização, já decifrada. Outra perspectiva é verificar qual a relação entre a natureza das mudanças na eficiência sináptica que ocorrem ao longo do desenvolvimento do embrião e as que ocorrem com a aprendizagem. Seu objetivo é verificar se existe um "alfabeto" elementar que possa ser combinado para produzir a linguagem de processos mentais muito mais complexos.

O terceiro trabalho a que vou me referir percorre um terreno mais familiar à maioria dos psicólogos experimentais: utiliza ratos como sujeitos, choque como estimulação aversiva, e girar uma roda como resposta instrumental. Trata-se da série de experimentos de Jay Weiss, da Universidade Rockefeller, sobre a relação entre variáveis psicológicas e a formação de úlceras estomacais. Como em outros problemas colocados pela psicossomática, havia uma dificuldade técnica grande em isolar, na causalidade da úlcera, os fatores físicos dos fatores psíquicos. Um animal submetido a uma série de choques elétricos ou a imobilidade forçada pode contrair úlceras; mas, além da agressão física ao organismo, haveria componentes da interação comportamento - ambiente que contribuissem para agravar a ulceração ou, ao contrário, proteger os tecidos?

Uma possível variável relevante em situação de tensão é o controle que o organismo pode exercer sobre o agente aversivo. Outra variável de provável relevância e a possibilidade de prever ou não a ocorrência do estímulo nocivo. Weiss estudou esses dois fatores, controlabilidade e previsibilidade, isolando-os engenhosamente do componente físico do agente aversivo, no caso choque elétrico. Lançou mão para tanto do planejamento em tríades, em que os animais são testados em conjuntos de três: um deles recebe choque mas pode terminá-lo ou evitá-lo com a resposta de girar a roda, e pertence ao grupo de fuga-esquiva. Os eletrodos por onde passa a corrente elétrica que atinge a cauda desse rato estão ligados ao segundo rato, que portanto recebe igual quantidade e itensidade de choque, sem porem dispor de qualquer resposta que possa modificá-lo; pertence ao grupo "acoplado" ("yoked") ao grupo fuga-esquiva. Um terceiro rato, finalmente, acompanha todo o procedimento mas não recebe choque.

Weiss colocava os animais em longas sessões de 48 horas, em que o sujeito do grupo fuga-esquiva podia escapar ou evitar o choque através da resposta de girar a roda; o rato a ele acoplado podia também girar a roda, mas suas respostas não tinham nenhuma conseqüência sobre o choque. Suas primeiras observações mostraram que, se o animal tem possibilidade de prever a ocorrência do choque, desenvolve menos ulceras do que se o estímulo nocivo vem de surpresa: é o que mostra a parte esquerda da Fig. 4. A previsibilidade protege de úlceras quer os ratos que podem controlar o choque através de fuga-esquiva, quer os que não podem fazer nada a respeito. Weiss identificou também um outro fator que determinava a extensão de ulceração: a possibilidade de controlar o choque. No gráfico a direita da Fig. 4 pode-se ver que, seja o choque sinalizado, sinalizado progressivamente, ou não-sinalizado, os animais do grupo fuga-esquiva sempre apresentam menos ulceras do que os animais acoplados. Um outro dado emergiu desses experimentos: quanto maior o número de respostas do animal, maior a extensão das lesões gástricas. Em outras palavras, um rato muito ativo, seja do grupo fuga-esquiva ou do grupo acoplado, que faz muitas tentativas de enfrentar a situação através de respostas ativas, tem maior probabilidade de contrair ulceras. Esses dois fatores, controlabilidade e número de respostas emitidas na tentativa de enfrentar a situação, podem explicar como o sinal de aviso protege do efeito psicossomático: o sinal talvez permita alguma resposta pouco visível que reduza o impacto do choque, e permite que as respostas de enfrentamento se concentrem apenas durante sua ocorrência.

 

 

Levando então em consideração a influência dos fatores controlabilidade e atividade na produção de úlceras, Weiss propôs um modelo teórico para explicar a ulceração. Nesse modelo as duas variáveis contribuem para o grau de lesão gástrica: se um sujeito responde pouco e tem excelente controle sobre as consequências de suas respostas, devera ter menos ulceras do que o sujeito que também exerce o mesmo controle mas que responde em taxas muito altas. Se o sujeito não tem controle sobre a situação e responde muito, estará em piores condições, quanto a ulceração, do que o sujeito que também não tem controle mas que emite poucas respostas de enfrentamento. O grau de controle, por sua vez, e considerado maior ou menor, conforme o animal receba informação mais ou menos clara de que sua resposta foi efetiva. Por exemplo, o animal que trabalha em um esquema de esquiva Sidman tem menos informação sobre o efeito de suas respostas do que o animal que se esquiva e recebe um sinal luminoso consequente a sua respostas, e portanto devera sofrer maior extensão de ulceração do que este, segundo o modelo. Previsões como esta foram confirmadas experimentalmente por Weiss.

O leitor terá notado a discrepância entre os resultados de Weiss e o conhecido experimento dos "macacos executivos" de Brady. Neste, os animais que tinham controle sobre o choque foram precisamente os que contrairam mais úlceras. Weiss analisou o experimento de Brady, cujos dados aliás se mostravam de difícil replicabilidade. Os macacos "executivos" respondiam em altas taxas, em esquiva Sidman, portanto com baixo grau de informação sobre o controle que suas respostas estavam exercendo. Eficientes, permitiam que os respectivos animais acoplados recebessem poucos choques, cerca de dois por hora, criando uma situação em que estes não precisavam se dedicar a muitas respostas de enfrentamento. Além disso, um fator de seleção foi inadvertidamente introduzido no experimento: como o esquema exigisse prolongado treinamento, os quatro primeiros macacos que aprenderam o esquema foram destinados ao grupo "executivo" - eram precisamente os macacos espontaneamente mais ativos. Weiss raciocinou então que poderia "replicar" o experimento de Brady se selecionasse, dentre os sujeitos de seus experimentos, aqueles que mais respondiam dos grupos fuga-esquiva e os que menos respondiam dos grupos acoplados. Quando analisou seus dados dessa forma, realmente os ratos "executivos" foram os que mostraram maior extensão de ulceração, quando comparados aos acoplados (Fig. 5). Seu modelo teórico serviu, assim, a elucidação de um dado enigmático da área.

 

 

Finalmente, gostaria de lembrar que a pesquisa em psicobiologia referente ao ser humano, conquanto difícil pela complexidade e pelas considerações éticas, vem sendo desenvolvida em áreas de importância como linguagem e memoria. Um avanço tecnológico que poderá impulsioná-la é a medida do fluxo sanguíneo cortical por detetores de radioatividade, cuja informação é computarizada e transformada em um mapa indicativo da atividade funcional das diversas áreas corticais. Talvez essa seja uma das técnicas que permitirá melhor acesso ao substrato biológico de funções complexas no homem.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Kandel, E. - Cellular Basis of Behavior. San Francisco: Freeman, 1976.        [ Links ]

Kandel, E. - Small systems of neurons. Scientific American, 1979, 241, 60-70.        [ Links ]

Snyder,S.H.- Opiate receptors and internal opiates. Scientific American. 1979, 236, 44-56.        [ Links ]

Stein, L. - Reward transmitters: catecholamines and opiod peptides. In Lipton, M.A. et al(ed.). Psychopharmacology: a review of progress . New York: Raven Press, 1978.        [ Links ]

Weiss,J.M. - Influence of psychological variables on stress -induced pathology. In Ciba Foundation Symposium 8 (new series. Physiology, Emotion and Psychosomatic illness. Amsterdam: Elsevier, 1972, pág. 253-279.        [ Links ]