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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.1 no.2 Brasília July 1981

 

Propriedades discriminativas e reforçadoras do choque elétrico(1)

 

 

Silvio Morato de Carvalho

Departamento de Psicologia e Educação, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP

 

 


RESUMO

Ratos treinados na resposta de pressão à barra reforçada continuamente com água foram submetidos a treino de discriminação usando-se como estimulo discriminativo um breve choque elétrico. A seguir, usando-se o choque elétrico como reforçador condicionado, modelou-se a resposta de pressão ao trapézio por aproximações sucessivas, resultando em um encadeamento trapézio-choque-barra-àgua. Os resultados mostraram que quando se exige maior número de choques, para que uma resposta na barra seja reforçada, a resposta de pressão ao trapézio diminui em freqüência, o que pode ser explicado pela interação entre as propriedades aversiva e de reforço condicionado adquirida pelo choque elétrico. Os dados obtidos confirmam resultados anteriores que demonstram a aquisição de propriedades discriminativas por eventos aversivos e ampliam outros resultados da literatura mostrando que o comportamento pode ser mantido por estímulos aversivos dependendo do programa de sua apresentação.


 

 

Eventos aversivos têm sido variadamente definidos como "um estado de coisas desagradável" (Thorndyke, 1913), "um aumento relativamente repentino e doloroso de estimulação" (Mowrer, 1947) ou "aquele que aumenta a probalidade de respostas que o eliminam" (Skinner, 1953), salientando sua característica nociva. Tais eventos têm sido bastante utilizados em procedimentos de punição, fuga e esquiva ou em situações mais particulares, como por exemplo, supressão condicionada. O elemento comum a esses procedimentos é o controle aversivo do comportamento e, as vezes, a suposição de que o efeito comportamental desses eventos depende exclusivamente de suas propriedades físicas intrínsecas.

Alguns experimentos, entretanto, lançam dúvidas sobre essa suposição. Um grupo de tais experimentos demonstrou que estímulos considerados aversivos em outras situações podem adquirir propriedades discriminativas quando são seletivamente pareados com reforço, sendo assim capazes de aumentar freqüência de respostas quando sinalisam a ocasião para reforço (Azrin, 1958; Holz e Azrin, 1961 e 1962). Outro grupo de experimentos mostrou que é possível manter a ocorrência de respostas contingentes à apresentação de choques elétricos, seguidos ou não de um período de time-out (Kelleher e Cols, 1963; Kelleher e Morse, 1968; McKearney, 1968, 1969, 1970;Byrd, 1969, 1972; Barret e Spealman, 1978). Esses experimentos sugerem que o comportamento pode ser controlado não só pelas características físicas dos eventos ambientais, mas também pelo modo como tais eventos são apresentados na situação (ver revisões de Morse e Kelleher, 1970 e 1977).

O objetivo do presente experimento foi o de demonstrar, usando um procedimento diferente dos mencionados acima, que um estímulo aversivo que tenha adquirido propriedades discriminativas pode também atuar como reforço condicionado, tal como acontece com um estímulo neutro, em um encadeamento. Em seguida, averiguar como se altera a freqüência da resposta que produz o estímulo aversivo, quando aumenta a densidade de apresentações deste último. Para tanto, foram pareados choque elétrico e reforçador positivo (água) e, a seguir, uma resposta arbitrariamente escolhida foi modelada e mantida pela apresentação de choque elétrico.

 

MÉTODO

Sujeitos:

Foram utilizados quatro ratos experimentalmente ingênuos, com aproximadamente 60 dias de idade, no início dos trabalhos. Dois deles eram machos da raça Wistar (MWl e MW2) e dois eram respectivamente uma fêmea e um macho da raça McCollum (FMI e MM2). Os sujeitos eram mantidos em gaiolas-viveiro individuais com alimento à vontade e privados de água por cerca de 23 horas antes de cada sessão experimental. Após as sessões, os sujeitos tinham acesso à água por 15 minutos. As sessões eram realizadas diariamente.

Equipamento:

Utilizou-se uma gaiola experimental para condicionamento operante FUNBEC, com barra e mecanismo para apresentação de reforço líquido. A gaiola, que obedecia aos padrões usuais, estava equipada com um trapézio no teto. Utilizou-se ainda um gerador de choque FUNBEC, modelo M-EPOl, com o qual se podia eletrificar as barras do piso. As respostas, tanto na barra como no trapézio, eram registradas em contadores digitais FUNBEC.

Procedimento:

Após um treinamento preliminar que constou de duas sessões para aquisição e manutenção da resposta de pressão à barra reforçada continuamente com água, os sujeitos foram submetidos às fases que se seguem.

 

FASE 1 - AQUISIÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO

As sessões eram compostas por 30 tentativas com duração de 120 segundos. Cada tentativa começava com a apresentação de um breve choque elétrico (aproximadamente 0,5 segundo) que sinalizava um período no qual as respostas de pressão à barra eram reforçadas com a apresentação de 0,05 ml de água. Inicialmente eram reforçadas todas as respostas que ocorriam nos primeiros 60 segundos. Nos 60 segundos restantes, as respostas de pressão à barra eram colocadas em extinção. Posteriormente, diminuiu-se a duração dos períodos em que ocorria reforço e aumentou-se, proporcionalmente, a duração dos períodos de extinção. A Tabela I ilustra o procedimento com mais detalhes. Nas últimas quatro sessões, não foi levado em conta o tempo necessário para a emissão das respostas reforçadas; os períodos de extinção duravam 120 segundos, iniciando-se a partir da última resposta reforçada. No final da fase, após cada choque elétrico, era reforçada uma única resposta de pressão à barra, depois da qual seguia-se o período de 120 segundos de extinção. Nesta fase, o choque elétrico era controlado manualmente e ajustado para a intensidade 3 do gerador de choques (aproximadamente 0,6 mA, considerando-se o rato como tendo uma resistência de 10 K).

 

 

 

FASE 2 - AQUISIÇÃO E MANUTENÇÃO DA RESPOSTA DE PRESSÃO AO TRAPÉZIO

Constou de sessões em que aproximações sucessivas ou pressões ao trapézio tinham como conseqüência um choque elétrico, após o qual a emissão de uma resposta de pressão à barra era reforçada. Nesta fase, as sessões não eram compostas por tentativas e os choques não eram mais apresentados a cada 120 segundos. Cada pressão à barra somente era reforçada com água quando precedida por um choque, como no final da fase anterior. Assim, o número de choques não era mais determinado pelo procedimento, mas pelo próprio comportamento do sujeito. A seguir, depois de 11 sessões de modelagem e de treino da resposta de pressão ao trapézio reforçada continuamente com choque elétrico, foram realizadas sessões onde se exigiu um número gradativamente maior depressões ao trapézio (e, conseqüentemente, também um número maior de choques) para que apenas uma resposta de pressão à barra fosse reforçada com água. Respostas na barra antes de completar a seqüência no trapézio não tinham consequência programada. A Tabela II ilustra o procedimento com mais detalhes. Nesta fase, as sessões duravam 60 minutos.

Resultados e Discussão

O procedimento usual para o estabelecimento de uma discriminação é reforçar as respostas que ocorram durante a apresentação de um determinado estímulo e não reforçá-las - extingui-las - em sua ausência. Esse procedimento faz com que ocorram muitas respostas na presença do estímulo e poucas ou nenhuma em sua ausência. No presente trabalho, empregou-se um procedimento análogo. O reforço, no entanto, não era apresentado para as respostas que ocorriam durante a apresentação de um estímulo, mas para as que ocorriam após a apresentação do choque elétrico, por períodos que variavam de 60 segundos ate uns poucos segundos (ver Tabela I). Da mesma forma, as respostas não reforçadas não eram sinalizadas pela ausência de um estímulo, mas pela decorrência de tempo e, mais provavelmente, pela primeira resposta não reforçada, após os períodos de reforço.

A figura 1 mostra os resultados obtidos na Fase 1, de aquisição da discriminação. Pode-se observar que todos os animais gradativamente concentram suas respostas nos períodos em que ocorria reforço, ao mesmo tempo em que exibem frequências muito baixas de respostas nos períodos de, extinção. Esse dado sugere que a apresentação do choque elêtrico foi usada pelos sujeitos como estímulo discriminativo dos períodos de reforço e a ocorrência da primeira resposta não reforçada, como estímulo discriminativo dos períodos de extinção.

Os resultados obtidos nesta fase do experimento são essencialmente análogos aos obtidos por Azrin (1958) e por Holz e Azrin (1961, 1962), apesar das diferenças de procedimento. Pode-se concluir, conforme mostraram esses autores, que um estímulo aversivo pode adquirir propriedades discriminativas.

Na segunda fase do experimento, aproveitando o pareamento entre choque elétrico e o reforçador incondicionado água, realizado na primeira fase, modelou-se a resposta de pressão ao trapézio, pela técnica de aproximações sucessivas. Assim, a resposta de pressão ao trapézio tinha por consequência a apresentação de um choque elétrico, o qual, por sua vez, era estímulo discriminativo para a resposta de pressão a barra. Após 11 sessões, exigiu-se que os animais emitissem um número cada vez maior de pressões ao trapézio (cada uma seguida por um choque), para que uma resposta de pressão à barra fosse reforçada (ver Tabela II). O objetivo desse aumento na exigência foi o de verificar como o aumeto na densidade de apresentação do choque elétrico alteraria a frequência de respostas no trapézio. A Figura 2 mostra a frequência de respostas de pressão ao trapézio e de respostas de pressão à barra não precedidas por choque, aqui denominadas erros. No inicio desta fase, o sujeito MM2, devido a uma falha no equipamento, recebeu um choque muito prolongado e posteriormente de xou de pressionar a barra e o trapézio, sendo eliminado do experimento. Pode-se notar na figura, que a frequência de erros é baixa e permanece constante durante cerca de 20 sessões (aproximadamente um erro por minuto), decaindo nas sessões finais. A frequência de pressões ao trapézio (cada uma seguida por um choque) tende a se elevar nas 11 primeiras sessões e a diminuir quando se aumenta a razão (maior número de pressões ao trapézio) para que uma resposta na barra seja reforçada. 6 interessante notar que embora cada animal tenha passado por um número diferente de sessões com diferentes razoes (ver Tabela II), a frequência no trapézio diminui ao longo das sessões de modo semelhante para os três sujeitos. É provável que, com o aumento da razão, o choque tenha passado a exercer controle sobre o comportamento mais por sua propriedade aversiva do que por sua propriedade de reforçador condicionado, em virtude das características do procedimento. Essa transição deve ter ocorrido já nas razões mais baixas, visto que a queda de freqüência na barra não é proporcional ao aumento das razões. Interação semelhante, entre propriedades aversivas e discriminativas do choque elétrico já foi relatada (Holz e Azrin, 1962). Outro resultado interessante, que salienta as propriedades reforçadoras do choque elétrico, é o fato dos sujeitos FMI e MW2 terem realizado as últimas sessões (oito e sete, respectivamente) pressionando o trapézio e recebendo choques, sem que nenhuma pressão à barra fosse reforçada com água.

Os dados obtidos nesta fase são compatíveis com resultados de outros experimentos que relatam a manutenção da freqüência de respostas com a apresentação de choque elétrico. Alguns desses experimentos treinam os animais em um programa de esquiva, sobrepondo em seguida um programa de apresentação de choque em intervalo fixo ou variável, para em seguida retirar a esquiva, deixando o comportamento mantido apenas pela apresentação do choque elétrico contingente às respostas (Byrd, 1969, 1972; McKearney, 1968, 1969, 1970; Barrett e Spealman, 1978); outro sobrepõe a apresentação contingente do choque elétrico em intervalo fixo a um programa de reforço positivo em intervalo variável, que é removido posteriormente, deixando as respostas mantidas apenas pela apresentação do choque elétrico (Kelleher e Morse, 1968); ainda outro sobrepõe a um programa de reforço positivo em intervalo variável a apresentação de uma luz terminada por choque inevitável e não contingente e demonstra que o comportamento pode ser mantido, na presença da luz, apenas pela apresentação não contingente do choque elétrico (Kelleher e Cols, 1963). Todos esses experimentos, mais o presente trabalho, dão suporte à idéia de que a manutenção do comportamento com uso de choque elétrico depende do programa de apresentação do mesmo. Nesse sentido, o presente trabalho amplia o conjunto de evidências anteriores, sugerindo mais uma forma de empregar choque elétrico para manter o comportamento. Deve-se, entretanto, levar em conta que, ao contrário dos experimentos mencionados, o presente trabalho não retirou o reforço positivo apresentado à resposta de pressão à barra, vinculando-o, de certa forma, à resposta de pressão ao trapézio. Serão necessárias mais pesquisas, tentando desvincular resposta de pressão ao trapézio e resposta de pressão à barra, para averiguar se e por quanto tempo o choque é capaz de manter a resposta de pressão ao trapézio.

 

NOTA

(1) Agradecimentos a José Carlos Simões Fontes pelas sugestões e revisão do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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