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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.3 n.1 Brasília  1982

 

Análise experimental do intercâmbio verbal adulto-criança: efeitos de conseqüentes verbais de dois níveis de complexidade(1)

 

 

Elza M. Stella ProrokI, (2); Regina Celia O. Dos SantosII; Vera Maria SoaresIII; Vera Lucia CasariIV

IDepartamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP
IIUniversidade de S.Paulo
IIIUniversidade de S.Paulo
IVUniversidade de S.Paulo

 

 


RESUMO

Este estudo descreve a análise experimental do desempenho verbal de uma criança em uma situação controlada, onde estímulos verbais de variada complexidade estrutural foram apresentados como conseqüência das verbalizações de criança a um baneco-falante (i.e., Experimentador). O sujeito do experimento foi um menino, com 22 meses de idade. As Sessões experimentais desenvolviam-se em uma sala de brinquedos, ligada a uma sala de observação por um espelho unidirecional. As verbalizações da criança eram seguidas por verbalizações do boneco-falante, durante períodos alternados, constituídos por sentenças curtas e simples (semelhantes à verbalização prévia da criança) ou longas e complexas (diferentes da verbalização prévia da criança). O desempenho da criança foi analisado de acordo com a freqüência, o tipo e a pausa entre verbalizações. Os resultados mostraram claramente que os estímulos verbais apresentados diferencialmente afetaram o desempenho da criança: respostas mais freqüentes, mais maduras e mais rápidas ocorreram quando as conseqüências verbais eram mais simples. Discutem-se os resultados em relação às funções de estímulos verbais encontrados no desenvolvimento da linguagem na criança.


 

 

O ambiente lingüístico ao qual a criança é exposta vem assumindo importância teórica crescente face ao confronto de suposições referentes tanto a mecanismos inatamente programados (Chomsky, 1968;McNeill,1970) quanto à função da imitação (Whitehurst e Vasta, 1975), para o desenvolvimento da linguagem. 0 desafio daí decorrente tem estimulado um número progressivo de pesquisas investidas na tarefa de descrever e analisar o dado lingüístico básico fornecido à criança no ambiente natural.

Resultados de estudos naturalísticos e experimentais coincidem na descrição da fala do adulto como qualitativamente diferente quando dirigida à criança: simples, redundante e constituída de unidades curtas (Fraser e Roberts, 1975; Moerk, 1974; 1976; Snow, 1972; Whitehurst, Novak e Zorn, 1972). Ampliando esse quadro, análises pormenorizadas do intercâmbio verbal mãe-criança (Moerk, 1976; Prorok, 1978a; Prorok, Casari, Soares e dos Santos, 1979) evidenciam mudanças gradativas nos padrões de intercâmbio, consoantes ao desenvolvimento do repertório verbal da criança, indicando adaptação da fala do adulto a ele. A partir daí, não seria difícil supor, ao contrário do argumento dos psicolingüistas (Brown e Bellugi, 1964; Ervin, 1964; McNeill, 1970), que a criança esteja sendo exposta a um corpo lingüístico básico, ideal para a aprendizagem da linguagem. Ainda que a verificação de uma suposição dessa natureza seja, no momento, prematura, sua relevância para a compreensão da aquisição da linguagem é inquestionável. A ela subjazem possíveis mecanismos de ajustamento na, e para a, ocorrência do diálogo adulto-criança, com a necessária e conseqüente admissão de que criança e adulto estão mútua e dinamicamente (i. é., na alternância de papéis locutor-ouvinte) influenciando um ao outro. Neste contexto, a regulação de categorias de intercâmbio verbal, promovida pela adaptação do desempenho verbal do adulto ao repertório da criança e pela responsividade desta, representa um fenômeno a merecer análise detalhada.

O presente estudo ilustra uma proposta de análise visando a investigar em que bases essa regulação se processa. Ou seja, o que ocorre no intercâmbio verbal adulto-criança de modo a informá-lo da necessidade de alterar constituintes estruturais e/ou semânticos de sua fala enquanto dirigida à criança? Ou, quais as mudanças no desempenho verbal da criança conseqüentes à variação de categorias verbais pelo adulto? Caracterizadas tais mudanças, seriam elas relevantes à elaboração e diferenciação de classes lingüísticas pela criança? Metodologicamente, este estudo ilustra o planejamento de uma análise experimental de desenvolvimento da fala de crianças normais fundamentada sobre análises descritivas prévias, do desempenho da criança face ao input lingüístico naturalmente ocorrente.

A razão básica dessa proposta está na necessidade, reconhecida por alguns (Whitehurst, Novak e Zorn, 1972), mas não pela maioria dos analistas experimentais do comportamento verbal infantil (veja, por exemplo, revisões de Sherman, 1971; Whitehurst e Vasta, 1975; e Segel, 1975), de substituição do "locus" gerador de hipóteses e variáveis de investigação, isto é: do conhecimento do investigador sobre seu próprio comportamento verbal pela observação do comportamento verbal da criança, insipiente ou não, em resposta ao seu ambiente. Neste contexto, Segel (1975) lastima a escassez de dados sobre classes naturais de respostas verbais de crianças.

É importante que o leitor tenha claro, contudo, que, para a viabilidade de uma análise integrada, naturalística (observacional) e experimental, a primeira deve estar sedimentada sobre uma racional que lhe confira as características básicas de uma análise funcional. Stella (1974) discute algumas dessas características e descreve uma técnica para tal análise. De sua aplicação resultaram alguns dados que fundamentam a proposta do presente estudo:

a) caracterização de um padrão temporal no intercâmbio verbal Mãe (M) - Criança (C) , pela consistência da duração das pausas (< 2 seg) promovidas por M e C. (Stella, 1974 para M-C inglesas e Prorok, 1978a, para M-C brasileiras).

b) alteração no padrão, pelo aumento na duração das pausas (> 4 seg) de C, significativamente associado ao tipo de categoria verbal materna previamente ocorrida (Stella, 1974; Prorok, 1978a; Prorok e Silva,1978).

c) mudança no padrão, pela concentração em diferentes durações de pausas (> ou < 1 seg), significativamente associada a medidas de desenvolvimento da linguagem (MLU 'mean length of utterance'; inteligibilidade da fala; respostas por minuto), para crianças de um a três anos de idade (Prorok,1978b).

d) ocorrência de seqüências M-M no intercâmbio M-C, em que M emitia séries de verbalizações sucessivas (ié, seqüência do mesmo locutor, M-M), caracterizadas pela subtração e/ou substituição de formas verbais. A essas seqüências de 'simplificação' da fala materna, sucediam-se seqüências do tipo M-C, evidenciando que, a um certo ponto, a resposta verbal materna foi eficaz para o (re)estabelecimento do diálogo com C (Stella, 1974).

e) caracterização de uma variedade de categorias verbais maternas ocorrentes no diálogo com C: modelos nomeativos ou descritivos de objetos e eventos; expansão da fala prévia de C; repetição, parcial ou idêntica, da fala prévia de C; perguntas do tipo WH; confirmação (ou correção ou elogio) da prévia de C; ordem para desempenho motor; instrução para desempenho verbal, definidas detalhadamente por Prorok, Casari,- Soares e dos Santos (1976). Além dessas categorias, na maioria referidas também por outros estudos (Moerk, 1974; Snow, 1972; Whitehurst, Novak e Zorn, 1972), e que por suas definições se prestam mais à simplificação e redundância da fala materna, Stella (1974) relata uma categoria ('comentário'), característicamente divergergente das demais por sua estrutura complexa, tamanho longo, e por não ter referencial semântico observável, ou por não se relacionar ao contexto imediato do diálogo. Essa categoria materna determinava, consistentemente, uma perturbação na fluência do intercâmbio M-C, traduzida freqüentemente pelo silêncio imediato de C, ou às vezes, pela 'mudança de assunto' por parte de C.

Conseqüentemente, simplificação e redundância não podem ser entendidas como estáveis no decurso do intercâmbio verbal do adulto com a criança. De fato, o primeiro elemento de uma seqüência M-M (ou adulto-adulto)pode muito bem ser pensado como constituído de uma estrutura lingüística mais avançada que o nível daquelas presentemente observadas no repertório verbal da criança. Portanto, o tamanho de seqüências M-M (ou, em outras palavras, a ineficácia dos estímulos verbais maternos) ocorrentes no intercambio natural com a criança pode ser definido pela diferença entre os dois níveis (da mãe e da criança), em termos dos componentes lingüísticos que os caracterizem. Dada a variedade possível de categorias verbais disponíveis ao adulto (M), sua adaptação à criança deve proceder-se pela regulação dessas categorias, de forma a estabelecer, ou manter, o intercâmbio verbal com a criança. O proceder do adulto, nesse caso, significaria a 'seleção' e emprego de categorias cujos constituintes estruturais e/ou semânticos básicos estejam contidos no repertório da criança. O desempenho verbal imediatamente subseqüênte desta, por sua vez, deve ser condição necessária para definir a funcionalidade da emissão verbal do adulto. Pode-se supor daí que a regulação das categorias verbais de intercâmbio M-C forneça à mãe os limites variação dentro diferentes classes lingüísticas, e concorra para o desenvolvimento da linguagem.

Para os objetivos do presente estudo, os estímulos verbais a serem utilizados foram definidos a partir das categorias verbais descritivas do comportamento materno naturalmente ocorrente, e agrupados em duas classes:

a) uma delas, referida neste estudo como 'fala espontânea' representa a amostra da fala materna com características básicas de simplicidade estrutural e redundância semântica;

b) a outra, referida como 'fala programada' representa uma porção (20% em média para cinco pares M-C) da fala de M que foge às características acima, apresentando complexidade estrutural e semântica.

Através de um intercâmbio verbal, experimentalmente controlado, da criança com um boneco-falante, pretendeu-se analisar o seu desempenho verbal face à variação dos estímulos verbais, aplicados como conseqüêntes do boneco às emissões verbais da criança.

 

MÉTODO

Sujeito: Uma criança de sexo masculino, idade de 22 meses ao início do estudo, sem apresentar problemas gerais de desenvolvimento, e específicamente, de linguagem.

Local e Equipamento: O estudo foi conduzido no Laboratório de Estudo e Observação do Comportamento Humano do Departamento de Psicologia da FFCL de Ribeirão Preto, que consiste em uma sala de observação conectada a quatro câmaras escuras através de espelhos unidirecionais. Na câmara utilizada para observação e controle neste estudo foi montado o equipamento ouvir gravar as verbalizações produzidas pela criança sala observação, fazer chegar a ela, via boneco-falante, os estímulos verbais emitidos pelo experimentador: gravador Sony M-TC 95A, conectado um amplificador Delta M-2330, microfones, sistema remoto do boneco-falante (fabricado FFCL Ribeirão Preto). boneco permanecia fixado uma das paredes da apresentando duas lâmpadas, 6v, que funcionavam como olhos e, no local boca, alto-falante Cibeal 3x6-CC oculto. 0 permitia, preensão chave telegráfica, acender lâmpadas dos olhos, produzindo ruído audível intensidade suficiente ser gravado. Ao mesmo tempo, essa permitia verbalização emitida experimentador microfone fosse ouvida simultaneamente, gravada. interior havia disponível à variedade brinquedos.

Procedimento: Em períodos alternados de 4 min, o comportamento verbal do boneco-falante consistia em: ou responder 'espontaneamente' às verbalizações de C (período de 'fala espontânea') ou responder com 'comentário' apenas (período de 'fala programada'). As respectivas definições serão dadas a seguir. Dentro de cada período, o intercâmbio do boneco-falante com C caracterizava-se pelas operações:

a) respostas adequadas de C, isto é verbalizações inteligíveis enquanto palavras ou frases, ou às vezes dependentes do contexto, eram atendidas pelo boneco e adequadamente seqüenciadas, conservando as características do período em operação;

b) respostas que não correspondessem aos requisitos acima eram seguidas de silêncio por parte do boneco, com o apagar imediato das luzes de seus olhos;

c) luzes apagadas determinavam operação de um VI 30'', com apresentação de uma pergunta pelo boneco, 'o que é isso?' ou 'o que você está fazendo?'. Ocorrência de uma verbalização adequada pela criança, antes do final do intervalo em vigor, suspendia o VI e determinava o acender imediato das luzes dos olhos do boneco com resposta verbal concomitante definida, segundo o período de "fala espontânea" ou "programada";

d) resposta de C à pergunta do boneco era julgada e adequadamente seqüênciada, como descrito em a) ou b);

e) não-resposta de C, até 2 seg após a pergunta do boneco, determinava o apagar das luzes dos olhos do boneco e seu silêncio, até o intervalo seguinte, ou até a ocorrência de uma verbalização adequada de C.

Durante o período de 'fala espontânea' o boneco respondia às verbalizações prévias de C com uma das seguintes categorias descritivas do comportamento verbal materno naturalmente ocorrente: repetição, idêntica ou modificada (com aprovação) da fala de C; nomeação, ou descrição de um brinquedo focalizado por C ou de um evento ocorrente na situação; expansão (com adição de elementos sintáticos) à fala prévia de C; confirmação (com ou sem correção) de uma fala prévia de C. Nestes casos, as características constantes das verbalizações do boneco eram as seguintes: frases curtas (5 palavras em média), ordem regular, podendo constituir períodos simples contendo todos, ou quase todos os elementos verbais de respostas prévias de C. Durante o período de 'fala programada' o boneco respondia às verbalizações de C com a categoria 'comentário' definida como: formas verbais longas (10 palavras em média), constituindo períodos compostos, com estrutura gramatical irregular e/ou ordem indireta, referente a não-observáveis para a criança na situação experimental.

Em cada sessão experimental eram realizados quatro períodos alternados, dois de cada tipo. Portanto a duração das sessões era de 16 min, e o intervalo entre elas, semanal.

Depois de cinco sessões em que o procedimento descrito fora aplicado, introduziu-se atraso (3 seg. em média: 2-4 seg) para qualquer tipo de conseqüência apresentada pelo boneco. O atraso entrou em vigor no terceiro período da sexta sessão e foi mantido para os quatro períodos da sétima, após o quê retornou-se à conseqüênciação imediata por mais duas sessões. A mãe da criança permanecia presente na sala experimental. Era solicitada a não iniciar, nem responder a, interações com a criança. Para facilitar sua tarefa, a mãe recebia jornais e revistas com os quais podia 'manter-se ocupada' perante os olhos da criança.

 

RESULTADOS

O desempenho verbal de C, observado durante cada período, no decorrer das sessões experimentais, foi analisado quanto a freqüência e qualidade de fala, e duração das pausas.

A Figura 1 apresenta a freqüência de verbalizações da criança nos diferentes períodos das sessões experimentais. No cômputo da freqüência não foram consideradas as verbalizações ininteligíveis, bem como aquelas constituídas apenas de formas verbais do tipo 'oh, ahn, quê?'. Deve-se lembrar que os primeiros e terceiros períodos, de cada sessão, corresponderam a conseqüências do tipo 'fala espontânea', e os segundos quartos, conseqüências do programada'.

 

 

A alteração no desempenho verbal da criança subseqüente à variação nos dois tipos de conseqüentes verbais apresentados pelo boneco está clara durante as cinco primeiras sessões: as maiores freqüências de verbalizações ocorreram durante os períodos em que as respostas do boneco consistiram em nomeações, descrições de objetos e/ou eventos da situação, ou de repetições e expansões da fala prévia de C, mantendo grande proximidade topográfica a verbalizações da criança; nos períodos em que se introduziu a complexidade estrutural e semântica na conseqüência verbal à fala de C, a freqüência de suas verbalizações diminuiu comparativamente ao ocorrido nos períodos anteriores. A introdução do atraso (média de 3 seg) na apresentação de qualquer estímulo conseqüente à criança, determinou uma perturbação generalizada no seu desempenho verbal, expressa na Figura 1, pela diminuição geral das freqüência de verbalização, embora persistindo uma pequena diferença entre os períodos. Com a reintrodução da conseqüenciação imediata (duas últimas sessões), o desempenho verbal da criança se restabelece com notável maior responsividade ao boneco durante os períodos de "fala espontânea".

A fim de caracterizar a qualidade da fala expressa pela criança no decorrer dos períodos experimentais, as suas verbalizações foram agrupadas em: a) inteligíveis; b) repetitivas das respostas verbais do boneco (idênticas, reduzidas ou modificadas) e c) ininteligíveis, incluindo-se aqui também as onomatopéias e exclamações puras. Deve-se lembrar que, para efeitos de conseqüenciação, as verbalizações definidas em c) eram consideradas inadequadas e/ou ineficazes para o diálogo com o boneco.

O mesmo agrupamento foi feito para as verbalizações da criança registradas durante quatro sessões de intercâmbio natural com sua mãe, prévias ao início do estudo experimental. A Tabela I mostra a porcentagem de ocorrências dessas verbalizações para as duas situações.

 

 

As duas primeiras colunas indicam quase o mesmo desempenho verbal da criança, nas duas situações, em termos de inteligibilidade versus ininteligibilidade de sua fala: 72% e 71% versus 28% e 29%, respectivamente à natural e à experimental. Nota-se, contudo, proporção maior de verbalizações da criança, contendo constituintes verbais dos estímulos conseqüentes na situação experimental do que na natural: 16%, versus 9%. Nas duas colunas seguintes, os dados, singualarizados com relação aos períodos de 'fala espontânea' e de 'fala programada', mostram diferenças significativas (x2: 23.99; P<.001) no desempenho de C, associadas às duas classes de estímulos verbais apresentados. Enfatiza-se a duplicação das verbalizações de C contendo formas verbais dos estímulos conseqüentes e diminuição de verbalizações ineficazes para o diálogo (ininteligíveis, onomatopéias e exclamações),quando os estímulos verbais utilizados caracterizavam-se por proximidade topográfica às verbalizações (prévias) de C. Quando estes introduziam a discrepância topográfica, em relação às verbalizações de C, a diferença notável no seu desempenho correspondeu à diminuição na proporção da fala inteligível, contrabalança, principalmente, pelo aumento de verbalizações ineficazes para o diálogo, isto é, cuja conseqüência programada era o silêncio.

Finalmente, a distribuição das pausas entre respostas verbais do boneco e verbalizações subseqüentes de C seguiu um padrão bastante próximo ao observado durante o intercâmbio natural com a mãe: 66% das pausas de C após verbalizações de M, eram de 0-2 seg, e 86%, de 0-4 seg, enquanto 60% de 0-2 seg e 76% de 0-4 seg ocorreram após os estímulos apresentados pelo boneco. Esse padrão temporal do diálogo B-C correspondeu a 68% dos estímulos apresentados por B sendo respondidos por C dentro de 4 seg. Completando o quadro descrito acima, e interessante ressaltar que, desses estímulos, apenas 13% corresponderam àqueles definidos por complexidade estrutural e semântica.

 

DISCUSSÃO

As operações experimentais do presente estudo implicaram, basicamente, na variação, entre duas classes amplas, de estímulos verbais conseqüentes às verbalizações de uma criança. Os dados resultantes mostraram mudanças significativa no desempenho verbal da criança, em termos de freqüência e qualidade de suas verbalizações conforme a classe de conseqüentes verbais em operação: frases curtas, simples e regulares corresponderam a maior freqüência e melhor qualidade (ié, maior inteligibilidade, e incorporação de formas verbais contidas nos conseqüentes), comparativamente aos efeitos das frases longas, complexas e irregulares. Tendo presente a definição das categorias verbais componentes das,duas classes de estímulos empregados, esse resultado indica que a eficácia de um estímulo verbal sobre responsividade da criança, em fase inicial desenvolvimento linguagem ('mean length of utterance': 3.34 para o presente sujeito), é determinada pelo grau similaridade topográfica desse componentes lingüísticos já existentes no repertório criança. confirma e reforça efeito descrito várias categorias do comportamento mães inglesas (Stella, 1974) brasileiras (Prorok Silva, 1978), assim como os efeitos aplicação 'recasting technique' (Nelson, 1977), resposta experimentador à verbalização prévia criança incorporava seus elementos básicos, apresentando-os nova forma sintática. Portanto, este estudo sugere, concordância com Nelson (1980), possibilidade comparação, pela dos constituintes suas respostas aqueles das seu interlocutor, uma condição facilitadora, se não promotora, linguagem.

As implicações dessa afirmação face à função do 'input' lingüístico da criança, durante o desenvolvimento da linguagem, podem significar uma limitação ao papel da imitação enquanto processo básico para aquisição da linguagem no ambiente natural.

Baseado em análises prévias do intercâmbio natural M-C, este estudo procurou reproduzir características desse intercâmbio, com programação das operações procurando focalizar como o desempenho de C era afetado por conseqüências verbais contingentes, representativas de respostas verbais maternas. Pela mesma razão, e principalmente, evitou o emprego clássico do paradigma com binado de modelação, imitação e reforçamento diferencial. Ainda que mães empreguem com freqüência, o que tem sido definido como modelo verbal e, muito raramente, o que tem sido utilizado como reforçador social(verbal) generalizado ('that's rigth' e similares), as seqüências do diálogo em que ambos ocorrem não podem ser consideradas como análogos diretos dos procedimentos experimentais que operacionam o paradigma acima (ver Brown e Hanlon, 1970; Moerk, 1976; Stella, 1974). Em lugar de seqüências puras M-M-C-M (significando:modelo-instrução-resposta imitativa-reforço) observam-se seqüências sucessivas do mesmo locutor (M-M-M...) em que M reelabora suas emissões verbais, eventualmente seguidas de uma resposta de C (M-M-M-C), raramente idêntica à resposta de M, seguida por sua vez de nova resposta materna (M-M-M-C-M). Neste último elo, M é, raramente qualquer das formas utilizadas como reforçador verbal generalizado mas, uma resposta que (re)incorpora os constituintes verbais da emissão prévia de C. Uma variedade de categorias descritivas do comportamento verbal materno documenta esse evento (Nelson, 1978; Prorok, 1978a; Stella, 1974), consistentemente ignorado nos estudos experimentais identificados com a tradição operante e de aprendizagem social (ver Whitehurst e Vasta, 1975). Conseqüentemente, estudos naturalísticos como os acima, não permitem a extensão dos dados gerados através de procedimentos de modelação e reforçamento diferencial para a explicação do desenvolvimento da linguagem no ambiente natural.

Numa tentativa de fazer convergir esses dois conjuntos de evidência, Whitehurst e Vasta (1975) sugerem mecanismos de 'imitação seletiva', em que as emissões verbais da criança se equiparariam a, e seriam controladas pela estrutura gramatical de, uma emissão prévia do adulto, sem conter o mesmo referencial semântico, e para as quais, contingências explícitas de reforçamento não seriam necessárias. Contudo, se as emissões da criança não precisam conter os mesmos elementos verbais nem manter o mesmo referencial semântico e se a equiparação será feita, necessáriamente, sobre constituintes verbais já existentes em seu repertório, então qual a função de mecanismos imitativos? Ou, então, a que na realidade se refere, quando se fala em efeitos de modelação (+ imitação) e reforçamento diferencial para o desenvolvimento da linguagem? Lembrando a crítica de Premack 'a strict training procedure is not an explanation of how, as result of carrying out the prescribed steps, the or ganism accomplish the function in question' (1970, p. 107), deve-se enfantizar que nos estudos experimentais acima referidos, a questão do como tem recebido pouca, ou nenhuma, atenção.

Se a afirmação anteriormente feita, sobre a possibilidade de comparação pela criança, dos constituintes lingüísticos de suas respostas com aqueles da resposta do seu interlocutor, deve ser estendida na direção de que respostas imitativas constituem uma classe de respostas de comparação, então resta saber, do ponto de vista de linguagem, qual a função específica de 'feedback' sobre classes amplas de respostas de comparação. À parte da utilização clássica de reforçamento positivo na análise experimental de desempenho verbal de crianças normais ou deficentes, o efeito potencial de outras formas de conseqüenciação contingente não tem sido investigado. No seu conjunto, os dados do presente estudo sugerem a relevância da determinação da eficácia relativa de variadas formas de 'feedback' verbal contingente para uma análise experimental do desenvolvimento da linguagem mais adequada. Sugerem também a necessidade de fundamentar a variação dessas formas verbais num conhecimento maior do que ocorre no diálogo natural, através do qual, de um ou outro modo, a criança adquire e desenvolve a linguagem.

 

NOTAS

(1) - Uma parte dos dados deste estudo foi apresentada na IX Reunião Anual de Psicologia, Ribeirão Preto, outubro, 1979. Este estudo foi parcialmente financiado pela FAPESP.

(2) - Nossos especiais agradecimentos ao Dr. Isaias Pessotti, que gentilmente, idealizou e construiu o boneco-falante com tal habilidade de modo a fazê-lo uma figura extremamente simpática aos nossos sujeitos.

 

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