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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.3 no.2 Brasília  1983

 

Terapia comportamental cognitiva: uma comparação entre perspectivas

 

 

Dra. Rachel Rodrigues Kerbauy

Departamento de Psicologia Experimental Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

A Terapia Comportamental Cognitiva desenvolveu-se a partir de dados e maneiras de trabalhar da Terapia Cognitiva e da Terapia Comportamental. Essas origens e as várias influências parecem determinar maneiras diferentes de conduzir a terapia o que se procurou analisar neste trabalho.
Optou-se pela apresentação do trabalho de três autores: Ellis, Beck e Meichembaum como representativos da área embora se reconheça que há diferenças entre algumas concepções e também unanimidade na explicação de comportamentos, especialmente emocionais.


 

 

Estudando comportamento e pressionados pela necessidade de ajudar eficientemente as pessoas, os psicólogos buscam constantemente novas maneiras de atuar. A terapia comportamental desde seu início tem sofrido alterações, resultando em correntes diversas e bastante discrepantes entre si. Entre essas divergências encontra-se a Terapia Comportamental Cognitiva com pressupostos próprios e novas abordagens, senão ao nível de atuação, pelo menos quanto às interpretações teóricas.

Embora seja interessante fazer uma análise comparativa da Terapia Comportamental e da Terapia Comportamental Cognitiva (TCC) nos limitaremos, neste artigo, a fazer uma exposição dos pressupostos e das maneiras de atuar dos terapeutas comportamentais cognitivos.

É difícil levantar todas as causas das transformações que resultaram na TCC pois estendem-se desde divergências teóricas, até pressão do trabalho dos consultórios e das pesquisas que demonstravam a dificuldade em explicar certos dados dentro de um só referencial teórico, especialmente no que se refere a estados internos serem tratados ou não como observáveis e como regidos pelas mesmas leis do comportamento aberto (Meichembaum, 1977; Kerbauy, 1982).

Falando em TCC estamos aceitando cognições e mediações. Passa-se a aceitar cognições (percepções, pensamentos, crenças) como tendo uma influência direta no comportamento (Bandura, 1969; Meichembaum, 1974; Ellis, 1966 e Beck, 1963). Efetivamente, ao se aceitar cognições decorre a aceitação da mediação na aprendizagem, com a inclusão de processos simbólicos como a percepção e interpretações de eventos do meio em um sistema de crenças ou instruções verbais. De fato, para a TCC os indivíduos fariam interpretações estereotipadas, que seriam empregadas em várias situações, causando distúrbios de comportamento. Nesse caso é a análise da interação dos processos cognitivos do indivíduo com os eventos do meio que permite a compreensão de muitos comportamentos.

A ênfase está na proposição de que a responsabilidade é do indivíduo, quando premissas irracionais orientam seu comportamento premissas essas, construídas a partir de observações falsas e conclusões errôneas. Estaria, portanto, nas mãos desse mesmo indivíduo empregar técnicas racionais para lidar com esses elementos perturbadores. É a aceitação de que o indivíduo pode corrigir suas interpretações errôneas que produzem distúrbios emocionais.

Esse desenvolvimento da terapia comportamental, com o acréscimo do cognitivo, pode ser considerado por muitas pessoas como não comportamental, pois, mesmo sem negar o papel dos princípios do condicionamento na aprendizagem, acrescenta-se o papel da mediação cognitiva. É claro nesse movimento uma volta a métodos mais tradicionais de terapia, como a análise da atitude do cliente, da resistência a mudança, e a aceitação de fenômenos menos observáveis, embora mantendo o estilo claro de comunicação, característico da terapia comportamental.

É importante salientar que, apesar da abertura que esse enfoque comportamental cognitivista permite, não é uma aceitação irrestrita de noções psicodinâmicas. Do antagonismo anterior, de duas maneiras de trabalhar que pareciam irreconciliáveis, por estar uma enfatizando um determinismo interno e a outra um determinismo externo, um modelo médico e um modelo psicológico, parece estar ocorrendo uma reconciliação. É possível que os dois antigos opositores tenham percebido limitações em suas concepções e alguns resultados práticos pouco satisfatórios.

Embora seja possível traçar as raizes dessas concepções, talvez nos gregos e romanos, e seu caminho mais atual nos anos setenta, nos limitaremos a analisar maneiras diferentes de trabalhar em TCC, destacando três terapeutas, advindos de formulações teóricas diversas, o que provavelmente poderia explicar algumas diferenças na maneira de trabalhar que apresentam: Ellis e Beck, oriundos da psicanálise, e Meichembaum, da terapia comportamental.

Analisando as três maneiras de trabalhar propostas por esses autores, poderemos concluir como se trabalha em TCC, quais os pressupostos que ligam esse trabalho, e, ainda, qual a abertura oferecida para inovações.

A pergunta óbvia a ser colocada é: admitindo-se o comportamento como fruto de influências, tanto cognitivas como ambientais, e as crenças e expectativas como maneiras de explicar e predizer comportamentos, haverá ou não diferenças entre terapias de reestruturação cognitiva. De fato, será possível notar alguma diferença quando se fala em pensamentos irracionais, estilos falsos de pensamento, inadequação para solucionar problemas e assim por diante.

Segundo Meichembaum (1977, pág. 196} existe uma variação em alguns aspectos: 1) ênfase relativa da análise lógica (ao isolar e avaliar as premissas); 2) diretividade com que é apresentada a racional e os procedimentos e 3) confiança relativa nos procedimentos decorrentes da terapia comportamental. A maior distinção entre as várias abordagens, estaria na ênfase diferente colocada na análise racional do sistema de crenças do cliente.

Provavelmente foi Beck que denominou Terapia Cognitiva, por considerar introspecção, insight, testar a realidade e aprendizagem como processos cognitivos. Para ele os problemas psicológicos podem ser resolvidos corrigindo concepções falsas, aguçando discriminações e aprendendo atitudes mais adaptativas. Com efeito, é bastante provável que ele não se considere exatamente um terapeuta comportamental cognitivo, pois em sua obra faz uma distinção nítida de seu trabalho e dos behavioristas, atribuindo o interesse de alguns deles pela terapia cognitiva a possibilidade de investigação que essa abordagem permite. Entretanto, TCC está sendo considerada como um dos desenvolvimentos da terapia comportamental, embora possa haver reservas nessa aceitação por parte dos autores como Redd e col., 1979, por exemplo, que embora aceitando, esclarecem sobre as discordâncias possíveis.

O papel do terapeuta para Beck é auxiliar o cliente a identificar seus pensamentos aberrantes e aprender maneiras mais realistas de formulá-los. Atribue a aceitação fácil dessa premissa por parte do cliente à sua experiência anterior em corrigir interpretações errôneas. O paciente estaria aplicando as mesmas técnicas de resolução de problemas que anteriormente empregou em sua vida.

Na TCC o cliente identifica seus pensamentos errôneos, que ocorrem em situações específicas e são responsáveis pelos problemas emocionais. O cliente é encorajado a perceber e, se necessário, anotar os pensamentos anteriores ao seu comportamento. O autor admite mesmo ser esse tipo de terapia mais adequado ao cliente que está acostumado a fazer introspecção e a refletir sobre os seus pensamentos e fantasias.

A obra de Ellis, Terapia Emotiva Racional (RET), é provavelmente a mais conhecida, devido às inúmeras obras de divulgação que escreveu, além do impacto que sua concepção de neurose exerce sobre o cliente e o leigo em geral. Originalmente era um psicanalista, que alterou sua maneira de trabalhar no decorrer de sua atividade clínica, chegando a uma formulação própria. Admite que as reações emocionais, e os comportamentos são resultantes não do evento em si, objetivo, mas da visão que a pessoa tem do mesmo. Além de assumir que as reações emocionais são mediadas por sentenças internas, Ellis supõe que as respostas emocionais desadaptadas refletem um rotular a situação de maneira indiscriminada e automática. Nesse sentido, a resposta emocional pode ser adaptada à crença ou rótulo que a causou, mas o rótulo foi atribuido erroneamente.

O responsável por essas crenças e rótulos nem sempre é a pessoa, no processo de socialização, em uma cultura específica, uma série de crenças irracionais podem ser transmitidas. A palavra irracional é aqui aplicada porque os dados objetivos não confirmam a crença.

Com base na sua experiência clínica Ellis levantou 12 crenças mais comuns, número esse que poderá ser aumentado. Entre essas crenças, as que mais ocorrem parecem ser: 1) a crença de que é necessário ser amado não importa o que se faça. A noção oposta seria de que cada pessoa é única e valiosa e digna de ser amada, mesmo que algumas pessoas não reconheçam esse fato. 2) A idéia de que se deve ser competente em todos os aspectos da vida, opondo-se ao pensamento mais racional de que todos tem limitações. 3) a noção de que é uma catástrofe quando as cousas não são da maneira como gostaria que fosse, em vez de aceitar a realidade e empenhar-se para melhorar as situações e deixar de ficar aflito diante das próprias imperfeições. Essas crenças não são verbalizadas deliberadamente pela pessoa e, talvez pela sua natureza de super-aprendizagem, parecem involuntárias.

Em sua atuação terapêutica, Ellis emprega técnicas comportamentais, como tarefas a serem realizadas, controle de estímulos, gráficos, mas também emprega técnicas oriundas de outras abordagens terapêuticas e teóricas, como exercícios de grupos de encontro, de gestalt-terapia e procedimentos de psicodrama, além da aceitação incondicional do cliente.

Meichembaum faz parte de um grupo de terapeutas comportamentais que enfatiza a natureza voluntária e adaptativa dos processos cognitivos, tornando-os um domínio legítimo dos terapeutas comportamentais. Em seu treino de auto-intruções preocupa-se com os padrões idiossincráticos do indivíduo e procura prover o cliente com uma bagagem que possibilite enfrentar, com auto-afirmações, as situações ansiógenas que encontrar.

Em decorrência das formulações teóricas subjacentes, a maneira de trabalhar desses três autores difere em termos de grau de diretividade com que é conduzida a sessão terapêutica.

Ellis disputa com o cliente, debate, desafia-o para que descubra as crenças irracionais e as destrua. É bastante diretivo, chegando a denominar os pensamentos do cliente de tolos ou doentes, combatendo energicamente os pensamentos irracionais e induzindo o cliente a experimentar novos comportamentos e atitudes.

Beck ensina auto-observação, para que o cliente passe a notar a relação entre pensamentos e emoções, e a reconhecer quais pensamentos estão desviados. É pouco diretivo, e esse sentido tem uma postura semelhante à de Meichembaum e bastante distante de Ellis. Acha que o papel do terapeuta é trabalhar com o paciente, contra seus problemas, e postula características do terapeuta que facilitam o sucesso do trabalho como aceitação, empatia e calor genuíno.

Esses três terapeutas trabalham com sujeitos diferentes. Ellis é eminentemente o psicólogo clínico, fazendo seu trabalho em consultório, geralmente com o cliente denominado neurótico. Beck é conhecido no mundo acadêmico por seus trabalhos com depressivos além de outros distúrbios clínicos. Postula que pacientes depressivos sofreram com um fato que os sensibilizou, no início de suas vidas ou viveram circunstâncias desfavoráveis que os predispôs a uma reação exagerada a problemas. Meichembaum desenvolveu seu trabalho estudando inicialmente psicóticas, em sua tese de doutorado, e posteriormente crianças impulsivas. Faz mais um trabalho de pesquisa clínica, com vários distúrbios de comportamento.

O objetivo da terapia para Meichembaum, está muito ligado a uma proposta comportamental. Embora inicialmente dê uma explicação ao cliente sobre a origem cognitiva de sua ansiedade, procura detectar as auto-afirmações do cliente, posteriormente dá ênfase a um processo de adaptação, construção de alternativas individuais de enfrentar problemas. O cliente aprende e treina maneiras de atuar e auto-afirmações que estarão disponíveis quando enfrentar situações problemáticas.

O objetivo da terapia para Ellis é levar o cliente a um padrão racional mais adaptativo controlando eficazmente as emoções e impedindo-se de viver uma vida neurótica. Coerente com sua proposição teórica, admite que o homem pode viver uma vida criativa, emocionalmente gratificante, organizando e disciplinando inteligentemente seu pensamento.

O objetivo da terapia para Beck é desenvolver padrões de pensamentos mais adaptativos. Supõe que, conhecendo como aborda os problemas emocionais, o homem mude de perspectiva sobre ele próprio e seus problemas, vendo-se, não mais como uma criatura sem esperanças, mas como uma pessoa capaz de corrigir ou reaprender noções. A terapia não somente livraria esse homem dos problemas originais, mas, através das mudanças psicológicas apresentadas o prepararia para novas situações.

 

tabela

 

A maneira de conduzir a terapia para esses três autores é bastante semelhante no que concerne à estruturação da terapia. Como já foi especificado, a diferença está mais em relação à maior ou menor diretividade na condução das sessões. Geralmente inicia-se o trabalho explicando ao cliente a racional de que os pensamentos afetam os sentimentos.

Quando se trabalha na linha de Ellis, aquelas crenças por ele levantadas são explicadas e discutidas com o cliente, distinguindo-se entre o "pode" e "deve", e como seria interessante que a crença discutida fosse verdadeira. Depois do cliente ter concordado, pelo menos em princípio, com as crenças possíveis, passa-se a analisar os problemas do cliente em termos de suas auto-afirmações que poderiam estar gerando respostas emocionais, e nesse sentido as três maneiras de trabalhar se assemelham. Em resumo elas poderiam ser sintetizadas em analisar se a interpretação dada pelo cliente à situação é de fato realista, e quais são as implicações de rotular a situação dessa maneira.

O passo seguinte é talvez o mais difícil, e consiste em ensinar o cliente a modificar suas sentenças internas. Conhecer a causa não é considerado suficiente para diminuir o problema, mas pode auxiliar o cliente a deliberadamente fazer atividades diferentes quando sentir-se aborrecido. Na realidade, a emoção serviria de dica para que o cliente parasse e começasse a questionar os próprios pensamentos. O cliente deverá interromper esse pensamento e iniciar outro mais adequado. O procedimento inicialmente não é fácil, e com o decorrer da terapia torna-se menos tedioso. O cliente aprende a colocar as cousas em uma perspectiva mais real, e a aprender a interromper uma reação anteriormente automática.

Meichembaum trabalha em três fases. A primeira também, como os demais autores, fornecendo uma conceituação cognitiva da ansiedade, seguindo-se uma formulação de um plano inicial de tratamento. Em seguida o cliente é ajudado a detectar as afirmações incorretas que faz e consolidar a conceituação do problema. Mas, diferentemente de Ellis, ao invés de discutir os irracionais exaustivamente e refutá-los, na terceira fase, Meichembaum fornece ao cliente um conjunto de tarefas para sobrepujar as auto-afirmações que situações de ansiedade podem evocar. O cliente é treinado nessas novas afirmações, para tornar-se apto a empregá-las nas situações ansiógenas que apareçam. É nesta terceira fase que o cliente começa realmente a mudar; as duas primeiras são uma preparação para a mudança.

Na terceira fase, de mudança propriamente dita, Meichembaum sugere o emprego de diferentes técnicas comportamentais, modificadas de maneira a incluir componentes de instruções de auto-afirmações. Por exemplo, no procedimento tradicional de dessensibilização foi incluído por Meichembaum um tipo de imagem de proficiência, de imaginar-se sobrepujando a ansiedade, dominando-a. O cliente ao detectar ansiedade, visualizando uma cena, passa a imaginar-se dominando a ansiedade com respirações lentas e vagarosas, relaxando e se auto-instruindo. Na dessensibilização clássica o cliente hão recebe sugestões sobre como experimentará ansiedade na situação real, pois o pressuposto é que com o emprego daquele procedimento a ansiedade naquelas situações não ocorrerá, é portanto, uma formulação diversa da proposta pelo treino em auto-afirmações, e tem consequentemente objetivos terapeuticos diferentes.

Outra técnica bastante empregada por Meichembaum é a modelação, na qual o terapeuta tem oportunidade de modelar para o cliente maneiras de lidar com suas tensões e imperativos, exercendo autocontrole. Na realidade a técnica ensina habilidades cognitivas e comportamentais, mostra como o outro resolveu o problema, o reforçamento que esse fato produziu e ainda dá ao cliente dica muito clara sobre o estilo que pode adotar. Vejamos um exemplo, no caso de comer excessivo, verbalizaria algo assim: "lá vou eu mais uma vez... Só esse pedaço de pão e paro. Eu sabia que esse tratamento não iria me ajudar, não consigo me controlar mesmo... Pare com isso! Você sempre arranja desculpas. Respire fundo, devagar... relaxe. Pense em você indo experimentar uma roupa e só entrando em manequim 48. Que elegância!!! Comece a pensar em cousas mais interessantes para fazer... Respire... relaxe... Pense em...".

O treino em auto-instruções visa influenciar a natureza do diálogo interno do cliente. No entanto, nenhuma lista de auto-afirmações é fornecida ao cliente. O tratamento é planejado para: 1) tornar o cliente consciente do seu estilo de afirmações negativas, que impedem o desempenho e conduzem a distúrbios emocionais. 2) produzir, com a ajuda do terapeuta, um conjunto de afirmações, regras e estratégias incompatíveis. 3) aprender habilidades comportamentais e cognitivas adaptativas.

As técnicas empregadas por Meichembaum são as da terapia comportamental, acrescidas das auto-afirmações e maneiras de resolver o problema. Usa o recurso de imaginar no consultório, passar tarefas para casa, emprega video-tapes para que o cliente se veja atuar.

Meichembaum é primeiramente um pesquisador, e seus dados são colhidos primordialmente na situação de pesquisa; nessa situação, com problemas comuns, seus clientes podem obter bons resultados e passar pelas três fases de sua terapia em 8 sessões, mas admite que em terapias individuais as sessões possam chegar a 40, sendo que o tempo de cada fase depende do problema que o cliente apresenta, da habilidade e estilo do terapeuta, do objetivo da terapia e de outros fatores. Pode ser considerado o iniciador da Terapia Comportamental Cognitiva, preocupado com a fusão da terapia comportamental e da terapia cognitiva, aqui entendida como a de Beck e Ellis. Sofreu a influência direta de Dollar e Miller com sua preocupação de entender o processo terapêutico, e de Skinner, e posteriormente Somme, na análise do comportamento verbal encoberto. Aos poucos afastou-se das propostas, especialmente dos últimos autores citados, formulando a TCC, em época paralela à das formulações de Mahoney (1974).

Beck tenta mudar o estilo de pensamento do cliente, tornando-o consciente dos processos de maxi-generalização, raciocínio dicotômico, inferência arbitrária, etc. Identificou alguns desses estilos, tais como: Maxi-generalização, que é a tendência de tirar conclusões baseando-se em poucas experiências; por exemplo, ao saber que o namorado saiu com outra moça, "não se pode confiar em homens". Minimização, que consiste em descontar as cousas positivas, que ocorrem, desvalorizando sua capacidade: "essa nota, com uma prova tão fácil!...". Maximização, geralmente aparece junto com minimização, e consiste em exagerar os problemas até transformarem-se em catástrofes. Raciocínio dicotômico é pensar nas cousas em termos de extremos: um evento é péssimo ou excelente. Esses estilos são detectados e explicados ao cliente, aos poucos, durante a terapia. Beck discorda de Ellis dizendo que as idéias apresentadas pelo cliente não são irracionais, mas extremadas, amplas e personalizadas, sendo empregadas arbitrariamente para ajudar o paciente a manter as exigências da vida.

Os trabalhos de Beck (1963, 1976) sobre distúrbios emocionais, especialmente depressões, esclarecem sua maneira de trabalhar, o papel do diálogo socrático e da demonstração empírica na modificação de crenças. Mostra que com a colaboração do paciente e do terapeuta é possível organizar situações experimentais nas quais as afirmações são testadas e uma resposta imediata obtida. Um esquema de atividades é planejado com atividades graduais, para o cliente obter sucesso: e a sucesso terapia. Outras técnicas são também empregadas para modificar padrões inadequados de pensamentos com vários passos, desde a identificação das sequências entre cognições e motivações, até o exame, a avaliação e modificação dessas cognições, identificação dos estilos de pensamentos e modificação das premissas básicas. Entre essas técnicas ocupam posição de destaque as tarefas de casa e o treino cognitivo no qual o cliente se imagina em situações introduzidas gradualmente e com atividade especificada nas quais os obstáculos para realizar e conflitos possíveis, são detectados e discutidos à medida que surgem. O interessante é que Beck chega a propor uma tabela (1976) para o tratamento de depressivos em que especifica a área do problema, as razões fornecidas pelo paciente a abordagem terapêutica. Por exemplo, no item VII dessa tabela analisando a atribuição exagerada a demandas externas, problemas e pressões, as razões fornecidas pelo cliente seriam: estou sobrecarregado, há muito para ser feito, e nunca poderei fazê-lo. A abordagem terapêutica seria 1) resolução de problemas: listar as cousas para fazer, determinar prioridades, verificar as cousas já feitas, concretizar e separar problemas externos. 2) treino cognitivo.

Essas maneiras de trabalhar são muito semelhantes. Apresentam em comum, como já especificamos, a aceitação da premissa de que fenômenos cognitivos explicariam o comportamento, e iniciaram-se aproximadamente na mesma época, tendo um desenvolvimento semelhante. Podemos pois, comentá-las em conjunto, ignorando as pequenas diferenças.

Os trabalhos experimentais que fundamentam essas técnicas cognitivas, ou a concepção que as embasa, são poucos e sujeitos a críticas. Essas críticas são semelhantes às feitas para terapia comportamental. De fato, os sujeitos dos estudos são geralmente estudantes voluntários que desejam melhorar algum problema específico. Essa população é bastante diferente de um cliente real com problemas às vezes indefinidos para ele próprio.

Outra crítica é que muitas vezes os critérios para selecionar os sujeitos que apresentam, por exemplo, um nível de ansiedade específico, são talvez definidos abaixo de um índice clinicamente relevante, portanto não se pode saber o efeito real do procedimento. Acrescenta-se ainda, que às vezes as causas de certos tipos de comportamentos não estão claramente relacionadas com sentimentos em estudos controlados, embora o cliente possa relatar melhora e esta ser real. O próprio Beck diz (1976) que técnicas comportamentais são eficientes por produzir mudanças comportamentais e cognitivas. Tomando essa afirmação como verdadeira, fica a pergunta: as mudanças produzidas por essas formas de terapia são resultantes de seus componentes comportamentais ou cognitivos, ou então o próprio questionamento de se haveria ou não um sistema conceptual e princípios de terapia que pudessem explicar de maneira mais abrangente todos os eventos clínicos ou fossem mais eficazes como procedimento.

Na crítica dessas maneiras de atuar em terapia, precisamos fazer uma distinção proposta por Rachman e Wilson (1980) quanto à base para as afirmações teóricas de um lado e, a análise dos resultados que determinam a eficácia clínica por outro.

Avaliando os dados sobre os experimentos clínicos da Terapia Emotiva Racional, vemos que nem sempre é descrita a natureza do método empregado; o próprio Ellis apresenta uma descrição pouco definida daquilo que constitue seu tratamento, seus resultados clínicos relatados são responsáveis pela fundamentação e divulgação de sua técnica. Rachman e Wilson concluem que os estudos por eles analisados, em sua revisão das terapias cognitivas, não fornecem informação adequada sobre a eficácia de RET como método de tratamento sendo, no entanto, mais eficiente que não tratamento ou placebo em algumas medidas e em alguns estudos. É impossível no entanto concluir se RET é um método alternativo de tratamento para dessensibilização sistemática, exposição prolongada ou treino comportamental.

Quanto ao trabalho de Beck, para esses autores, citados, é impossível estabelecer a eficácia da terapia cognitiva pois mesmo dados positivos precisam ser replicados e com maiores populações e outras que não de depressivos. Os dados da SIT, de Meichembaum, são também contraditórios, as generalizações pouco medidas e analisadas. Os resultados são pouco conclusivos, claros em algumas áreas como a superioridade de terapia cognitiva para tratar com medo em prova, por exemplo.

Talvez o grande impasse para analisarmos a TCC seja o mesmo todas as demais terapias. Ao localizar a dificuldade talvez a encontraremos entre "satisfação do cliente" e a "validade científica". Muitas abordagens terapêuticas sequer colocariam o problema de avaliação, ou melhor, não admitiriam que fosse de uma maneira proposta em ciência, por questões teóricas e/ou filosóficas. De fato, poderíamos aceitar essas críticas e admitir que não temos ainda métodos satisfatórios na pesquisa tradicional para medir resultados de terapia. Talvez esses resultados sejam de difícil verbalização e expressos em termos de ajuda, apoio, tranquilidade, para pessoas com problemas prementes ou ainda na aceitação de uma crença, crença essa que pode variar de acordo com a abordagem teórica, desde "eu me conheço muito bem", "eu tenho condições pessoais", ou "eu posso alterar o meio em que vivo e alterar meu comportamento" ou "é aquilo que penso e creio que está fazendo com que eu haja assim" ou a combinação de todas essas ou outras crenças. Para Rachman e Wilson (1980) é ponto pacífico que há elementos não específicos que produzem benefícios em quase todas as formas de tratamento. Esse fato, mais a remissão espontânea de vários distúrbios psicológicos, faz com que seja difícil isolar a contribuição específica do processo terapêutico.

Embora nosso objetivo não seja criticar a TCC, mas apresentar sua maneira de trabalhar, pois se nos apresenta como um caminho em terapia, é importante enfatizar a necessidade de estudos nos quais sejam descritos detalhadamente os procedimentos empregados, ilustrados com sequências de atuação do terapeuta e cliente, bem como: relatos sobre explicações de fatos obtidos, feitas pelo cliente e terapeuta, e transformações dessas explicações no decorrer da terapia; os resultados apresentados no decorrer da alta, e um seguimento válido de pelo menos um ano, com descrições minuciosas após um, três ou seis meses. Estudos mais rigorosos deveriam incluir um seguimento de pelo menos dois anos.

Trabalhos com esses cuidados possibilitarão uma discussão de terapia em nível em que se possa sair de "eu acho" para "os dados demonstram", e especialmente menos exposto a críticas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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REDD. E. H. PORTERFIELD A. L. e ANDERSEN B. L. — Behavior modification: behavioral approaches to human problems. New York: Random House, 1979.        [ Links ]

 

 

Parte de um curso sobre Terapia Comportamental Cognitiva, ministrado em Maio de 1982, em Ribeirão Preto, a convite da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto.