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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.3 no.2 Brasília  1983

 

A formação dos conceitos de fração e de proporcionalidade a partir da Teoria Piagetiana*

 

 

Maria Cecília Antunes de Aguiar

 

 


RESUMO

A partir das conclusões piagetianas sobre o desenvolvimento dos conceitos de frações idênticas — uma aquisição do estágio das operações concretas — e de proporcionalidade — que só se completa na fase das operações formais, o presente estudo analisou: a) a evolução não só da conceituação de frações idênticas, mas também a natureza dos processos envolvidos na construção dos conceitos de frações equivalentes e de frações de frações, quando da medição ou avaliação de áreas de figuras geométricas; b) o relacionamento entre as evoluções desses conceitos e a formação do conceito de proporcionalidade na quantificação de probabilidades. Paralelamente, o desenvolvimento cognitivo, caracterizado em direção dos conceitos de frações, foi relacionado à habilidade de efetuar cálculos com frações, ensinados formalmente nas escolas.
Foram realizadas entrevistas clínicas de 48 alunos do pré-escolar ao 2° grau, entre 5 a 18 anos, em sua maioria filhos de operários, selecionados de 72, por seu nível de desenvolvimento na tarefa de Probabilidade de Piaget e Inhelder (1951). Nestas entrevistas, também foram utilizadas mais duas provas para investigar o desenvolvimento cognitivo: a de Subdivisão de Área de Piaget, Inhelder e Szeminska (1960) e outra especialmente elaborada para a efetivação do presente estudo — Tarefa de Fração. A habilidade de calcular com frações foi pesquisada através da Tarefa de Computação de Frações, construída para este fim.
Os resultados da presente investigação sugerem que: a) há uma evolução sincrônica entre as conceituações de frações idênticas, frações equivalentes e frações de frações, até que se completam na fase das operações concretas; b) as relações parte-todo e parte-parte, indicadas por Piaget, entram no desenvolvimento do conceito de frações e também no de proporcionalidade; c) há um atraso no desenvolvimento cognitivo dos sujeitos desta pesquisa em relação aos de Genebra; d) a maioria daqueles, que tinham possibilidade cognitiva de entender as operações com frações, não conseguiu resolver cálculos com essas operações.


 

 

O presente estudo partiu de conclusões piagetianas sobre a gênese dos conceito de fração (principalmente em Piaget, Inhelder e Szeminska, 1960 e Piaget Szeminska, 1971) e de proporcionalidade (principalmente em Inhelder e Piaget, 1976 e Piaget e Inhelder, 1951), resumidas a seguir:

a)    a conceituação de fração na quantificação ou medição de áreas é uma aquisição do estágio das operações concretas, enquanto que a de proporcionalidade, em vários contextos, é das formais. Consequentemente, no processo de estruturação deste segundo conceito, são exigidas operações mentais de nível superior, onde são estabelecidas relações sobre relações, ou operações de 2." potência;

b)    a formação do conceito de fração depende de duas relações fundamentais: a relação parte-todo — infralógica e intensiva — e a relação parte-parte — extensiva e aritmética. Estas relações, também, entram na construção dos primórdios da conceituação de proporcionalidade (a quantificação intensiva significa a compreensão de que o todo é maior ou igual à soma de suas partes e a extensiva, o reconhecimento de que uma parte pode ser tomada como unidade padrão passível de repetição, sendo por isto, numericamente quantificável);

c)    para que o conceito de fração exista psicologicamente, ou seja, quando é entendido pelas pessoas, necessariamente ocorre uma articulação entre as seguintes características:

1.ª a existência de um todo que necessariamente deve ser dividido em partes;

2.ª a exigência de determinação do número destas partes;

3.ª a divisão exaustiva deste todo;

4.ª o estabelecimento de relação entre o número de partes do todo (por exemplo, para se obter duas metades em retângulo basta um corte e três terços, portanto, uma relação de n-1, sendo n o número de partes que se quer obter);

5.ª as partes devem ser iguais entre si;

6.ª a necessidade de considerar a fração ao mesmo tempo como parte de um todo e como um todo em si mesma;

7.ª o reconhecimento de que a soma das frações é igual ao inteiro original;

d)    na evolução do conceito de fração a noção de metade é compreendida com maior facilidade do que a de quartos, sendo esta mais fácil de ser entendida do que a de terços e esta, por sua vez, mais fácil do que as noções de quintos e sextos.

Diante destas conclusões e da observação de que na técnica usada por Piaget, Inhelder e Szeminska (1960), os sujeitos não são solicitados a comparar frações desiguais e equivalentes, mas apenas frações idênticas, surgiram dois problemas:

a) os processos mentais, necessários à construção do conceito de frações equivalentes no contexto de medição de área, são iguais aos do conceito de frações idênticas neste mesmo contexto? Ou, na quantificação de áreas em termos de frações equivalentes são exigidas operações de segunda potência, das quais depende a conceituação de proporcionalidade? Sabe-se que, sob o ponto de vista matemático, uma proporção consiste em uma relação de equivalência entre frações que representam o mesmo número fracionário. Mas, por outro lado, tal número fracionário pode ser associado a contextos diferentes, como por exemplo, a partilha de um objeto e as medidas de duas grandezas, como espaço e tempo-20km/1h.

b) quais os mecanismos mentais exigidos para o entendimento do fracionamento de frações, quando da divisão sucessiva de frações em frações menores?

Foi a partir da identificação destes dois problemas que foram delimitados os dois objetivos centrais deste estudo:

1  — analisar a formação evolutiva não só dos conceitos de frações idênticas, mas também a natureza dos processos cognitivos envolvidos na construção dos conceitos de frações equivalentes e de frações de frações, quando da medição ou avaliação de partes de todos contínuos (áreas). Tal análise foi efetivada através da:

a)    caracterização dos níveis de desenvolvimento encontrados em direção destas conceituações, após interpretação dos desempenhos dos sujeitos, quanto aos processos e operações mentais que utilizam para resolver as questões de uma tarefa, especificamente elaborada para este fim — Tarefa de Fração;

b)    comparação dos níveis de desenvolvimento dos sujeitos na Tarefa de Fração, com os seus desempenhos na Tarefa de Subdivisão de Área (Piaget, Inhelder e Szeminska, 1960). Tal comparação permitiu a análise das diferenças de procedimento dos mesmos sujeitos, quando da quantificação de áreas de figuras geométricas em termos de frações idênticas, em tarefas que apresentam diferenças metodológicas. E, além disso, foi também efetuada com o objetivo de verificar a consistência dos níveis da Tarefa de Fração, em relação a uma tarefa piagetiana que havia sido testada por outros pesquisadores na identificação de níveis de desenvolvimento cognitivo (como Campo, 1975 e Fischer, 1956);

2  — relacionar o processo de construção dos conceitos de frações idênticas, de frações equivalentes, de frações de fra-! ções na quantificação de áreas, com o da proporcionalidade na quantificação de probabilidades.

Tal relacionamento foi estudado através da comparação dos desempenhos dos sujeitos na Tarefa de Probabilidade (Piaget e Inhelder, 1951) — utilizada para investigar a conceituação da proporcionalidade — com os obtidos nas duas outras tarefas acima mencionadas. O estabelecimento de comparações entre os níveis de desenvolvimento dos mesmos sujeitos nas três tarefas, propiciou, também, análise da validade entre os critérios utilizados para identificar tais níveis, enquanto indicadores do desenvolvimento cognitivo.

E, porque tinha-se em mente relacionar o desenvolvimento cognitivo à aprendizagem adquirida através da instrução formal, foi incluído mais um objetivo:

3 — comparar os níveis de desenvolvimento em direção da quantificação de áreas em termos de frações, investigados através da Tarefa de Fração, com a habilidade de efetuar cálculos com frações, testada por uma outra tarefa feita para este fim — Tarefa de Computação de Frações.

 

MÉTODO

1.    Sujeitos

Os sujeitos desta pesquisa constituiram-se de 48 alunos do pré-escolar o 2.° Grau, entre 5 a 18 anos, em sua maioria filhos de operários de Paulista-Pe. Estes foram selecionados de 72, por seu nível de desenvolvimento na Tarefa de Probabilidade de Piaget e Inhelder (1951), a fim de se garantir sujeitos nos diversos níveis de desenvolvimento: pré-operacional, das operações concretas e das operações formais.

2.    Procedimento

Dois experimentadores, acompanhados de observadores, realizaram entrevistas clínicas com os 48 sujeitos, em duas ou três sessões. Nestas entrevistas, foram aplicadas as tarefas indicadas no esquema colocado a seguir, no qual estão relacionadas aos objetivos da presente pesquisa.

 

 

Após a aplicação das tarefas acima mencionadas, computou-se a frequência de acerto/erro dos itens da Tarefa de Computação de Frações e três juízes classificaram os sujeitos em níveis de desenvolvimento cognitivo, diante da análise dos seus protocolos, nas demais tarefas. Os critérios utilizados para a realização de tal classificação, nas tarefas piagetianas, foram organizados a partir dos resultados dos estudos de Piaget, Inhelder e Szeminska (1960) e de Piaget e Inhelder (1951).

Na Tarefa de Fração, os critérios que orientaram os julgamentos dos juízes constituiram-se dos níveis de desenvolvimento, identificados a partir da interpretação dos protocolos dos próprios sujeitos desta pesquisa. Para caracterizar tais níveis procurou-se interpretar os processos mentais subjacentes ao tipo de resposta ou argumento emitidos pelo sujeito, tendo-se como suporte teórico os pressupostos piagetianos, relativos à capacidade cognitiva nos períodos pré-operacional, das operações concretas e das operações formais.

Resultados, Conclusões e Problemas Abertos

Antes de identificarem o nível global de desenvolvimento dos sujeitos em toda Tarefa de Fração, os três juízes os classificaram em relação a cada um dos três tipos de itens desta tarefa: itens de Frações Idênticas, de Frações Equivalentes e de Frações de Frações. A avaliação dos desenhos no item 12 — um dos itens de Frações Equivalentes foi separada dos demais da sua categoria, pois os sujeitos demonstraram uma maior dificuldade para solucioná-lo (ver tabelas 2a, 2b e 2c).

 



 

 



 

As classificações cruzadas das Tabelas I (a, b e c) e II (a, b e c) mostram o relacionamento entre os subníveis de desenvolvimento, indicados pelos juízes (com a concordância, entre dois juízes, em 89% dos casos) em cada dois tipos de item da tarefa e, nestes tipos de item, com os obtidos na questão 12, respectivamente. Cada célula destas tabelas indica a frequência das classificações simultâneas dos sujeitos em relação a dois tipos de item. Na primeira Tabela la, por exemplo, há a indicação de que 13 sujeitos foram classificados no subnível IA, tanto nos itens de Frações Idênticas, como nos de Frações Equivalentes (excetuando o 12).

Os dados apresentados na Tabela I (a, b e c) indicam uma alta incidência de casos de sujeitos classificados nos mesmos subníveis de desenvolvimento (observem-se as principais diagonais das tabelas) em cada dois dos três tipos de item da tarefa (com exceção do 12), o que evidencia uma equivalência em grau de dificuldade nestes tipos de item.

Analisando a Tabela II (a, b e c) no entanto, verifica-se que o item 12 apresenta um maior grau de dificuldade em relação aos demais, nos subníveis IIA e IIB. Apesar da grande incidência de casos de sujeitos nos mesmos subníveis em cada tipo de item, e no item 12, quase a metade dos sujeitos nos subníveis IIA e IIB, em cada um dos tipos de itens da tarefa, foram também categorizados em subníveis inferiores (IB e IIA) no item 12. Inversamente, mais da metade dos classificados no IIA no item 12, encontram-se também no subnível IIB, nos três tipos de item. Além disso, nenhum indivíduo situou-se acima das diagonais das tabelas IIa, IIb e IIc.

Os resultados anteriormente mencionados, sugerem que AS EVOLUÇÕES DOS CONCEITOS DE FRAÇÕES IDÊNTICAS, DE FRAÇÕES EQUIVALENTES E DÈ FRAÇÕES DE FRAÇÕES PARECEM SER SINCRÔNICAS, ATÉ QUE SE COMPLETAM NA FASE DAS OPERAÇÕES CONCRETAS (NÍVEL II), MAS COM UM CERTO DESNIVELAMENTO EM RELAÇÃO A CONCEITUAÇÃO DE FRAÇÕES EQUIVALENTES, QUANDO TRATA-SE DE QUANTIFICAR ÁREAS DE TODOS, CUJOS NÚMEROS DAS SOMAS DE SUAS PARTES NÃO SÃO MÚLTIPLOS ENTRE SI (CASO DO ITEM 12).

Embora, tenha se decidido considerar tal desnivelamento como horizontal (dentro do mesmo nível de desenvolvimento) e não como vertical (em níveis diferentes) tal problema deve ser considerado em aberto, diante da insuficiência dos dados desta pesquisa. Esta insuficiência se deveu, em grande parte, a pequeno número de sujeitos (apenas 4) que foram obtidos na fase das operações formais, quando da aplicação da Tarefa de Probabilidade. Assim, tornou-se difícil comparar as diferenças de desempenho entre os sujeitos desse nível e os das operações concretas, no item 12 da Tarefa de Fração. Outro aspecto a considerar é que as questões de Frações Equivalentes, excetuando a 12, talvez tenham sido facilitadas no contexto da Tarefa de Fração, por terem sido sempre precedidas por outros itens, onde havia a oportunidade de serem identificadas como equivalentes, as áreas que posteriormente eram subdivididas para serem Utilizadas nas suas aplicações.

Outro resultado, que dá suporte empírico à sincronização acima mencionada, é a consistência evidenciada entre as classificações obtidas através da Tarefa de Fração e as piagetianas. As percentagens de indivíduos categorizados nos mesmos níveis de desenvolvimento cognitivo em cada duas tarefas foi de 87% entre a de Subdivisão de Área e a de Fração, de 77% entre a de Fração e a de Probabilidade e de 82% entre a de Subdivisão de Área e a de Probabilidade. ESTA CONSISTÊNCIA CORROBORA AS CONCLUSÕES PIAGETIANA INDICADAS NO INÍCIO DESTE RESUMO, EVIDENCIANDO UMA ESTRUTURA COMUM SUBJACENTE AO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DOS CONCEITOS DE FRAÇÃO E DE PROPORCIONALIDADE, SENDO QUE TAL ESTRUTURA NÃO É SUFICIENTE PARA A CONCLUSÃO DESTE ÚLTIMO CONCEITO. Além disto, ela indica certa validade dos critérios utilizados para classificar os desempenhos na Tarefa de Fração, enquanto pretendem avaliar desenvolvimento cognitivo. Entre outras características tais critérios sugerem:

A) NA CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS DE FRAÇÕES IDÊNTICAS E EQUIVALENTES, AS RELAÇÕES PARTE—TODO E PARTE—PARTE SÃO ESTABELECIDAS, INICIALMENTE, ATRAVÉS DA "CONTAGEM" OU DA "IMPRESSÃO PERCEPTIVA" DA MAGNITUDE DAS FIGURAS GEOMÉTRICAS, SEM QUE HAJA ARTICULAÇÃO ENTRE ESTES DOIS PROCESSOS (sujeitos mais novos ao serem solicitados a comparar a metade com dois quartos, usam a "contagem", ao indicarem que quem ficar com 2/4 tem mais chocolate, "porque tem dois pedaços e eu só tenho um". A "impressão perceptiva" é utilizada suplantando a lógica, no caso de metades de formas diferentes. A metade triangular geralmente foi considerada maior que a retangular, apesar de serem metades de retangulos idênticos, portanto, possuindo a mesma área); B) A DIVISÃO EXAUSTIVA DAS UNIDADES FRACIONÁRIAS É A PRIMEIRA DIFICULDADE QUE A CRIANÇA APRESENTA NA CONSTITUIÇÃO DOS CONCEITOS DE FRAÇÕES DE FRAÇÕES.

Outros resultados importantes a serem comentados são a diferença entre as medianas das idades dos sujeitos desta pesquisa, principalmente no nível das operações concretas (10;5 na Tarefa de Frações e de Probabilidade e 11;6 na de Subdivisão de Área), em relação às indicadas por Piaget (7-8 anos) e a dificuldade encontrada em se obter sujeitos no nível das operações formais através da Tarefa de Probabilidade — de 42 sujeitos entre 11-20 anos, 24 do Ensino de 1.° Grau e 18 do Grau, apenas 4, do 2.° Grau, foram classificados no nível das operações formais (III).

Esses resultados sugerem UM RETARDO DE DESENVOLVIMENTO DOS SUJEITOS DESTA PESQUISA EM RELAÇÃO AOS DE GENEBRA. Tal retardo poderia ser atribuído como consequente das diferenças culturais dos sujeitos, mas também poderia ter sido evidenciado devido a problemas metodológicos como indica Danner e Day (1977).

E, finalmente, com referência ao relacionamento entre os dados da Tarefa de Fração e de Computação de Frações, verificou-se que mais da metade dos sujeitos do nível II na Tarefa de Fração errou todas as questões da de Computação de Frações e que a mediana de acerto foi de 2 questões, tendo a tarefa 7 questões ao todo. Pode-se interpretar, portanto, que SUJEITOS, MESMO TENDO CAPACIDADE COGNITIVA PARA APRENDER A SOLUCIONAR TODAS AS QUESTÕES DA TAREFA DE COMPUTAÇÃO DE FRAÇÕES, NÃO ESTAVAM APTOS A RESOLVER OS CÁLCULOS EXIGIDOS NESTAS QUESTÕES. Tal ocorrência pode ser atribuída como causada por um ensino de regras de cálculos desligado de um contexto empírico, mas seriam necessários novos estudos com maior número de sujeitos e em que fossem utilizadas observações diretas da metodologia de ensino empregada, para clarear a origem desta dificuldade das crianças e adolescentes em resolverem cálculos com frações.

As especulações, acima colocadas, constituem problemas e não soluções para o estudo das relações entre o ensino e o desenvolvimento cognitivo. Apesar disto, consideramos que os achados piagetianos, de Campos (1975), de Fischer (1956) e do presente estudo sugerem algumas orientações para o ensino de frações, a serem doravante controladas por novas investigações:

•   a noção de metade deve ser a primeira a ser ensinada, seguida da de quarto, terço, quinto e sexto;

•   as operações de adição e subtração com mesmos denominadores podem ser compreendidas e, portanto, ensinadas paralelamente às noções das frações estudadas, desde que a compreensão destas frações, como partes, depende da sua relação com as outras partes e o todo. Por exemplo, o entendimento do que é 1/3 depende da compreensão de que 1/3 + 1/3 + 1/3 = 3/3 e que 3/3 — 1/3 = 2/2;

•   quando, durante o ensino de uma fração, as partes do todo forem comparadas, é importante que se leve em consideração o tamanho, a forma e a simetria entre as dimensões destas partes. Observe-se que, quando as partes são congruentes, a noção de metade e até de um quarto pode ser entendida antes das operações concretas;

•   a noção operatória de fração só é adquirida na fase das operações concretas, e é importante que se considere o tipo de população com a qual este conceito está sendo trabalhado. Se no estudo de Campos (1975), as crianças de nível sócio-econômico médio tinham idades médias idênticas às indicadas nos estudos piagetianos (7-8 anos), em relação à aquisição de tais operações, o mesmo não aconteceu com as do presente estudo (10-11), que eram de nível sócio-econômico inferior;

•   diante dos resultados da presente pesquisa, no que se refere à multiplicação de frações, pode-se interpretar que o ensino desta operação deve ser iniciado a partir da subdivisão de frações maiores (1/2, 1/3), para em seguida ser explorado com frações menores (1/6, 1/12 etc.), podendo ser introduzido logo após o entendimento das frações a serem subdivididas. Não é necessário que se explore a noção de terços, por exemplo, para que se ensine uma multiplicação de 1/2 x 1/2, basta que a criança já tenha compreendido o que é uma metade de um inteiro, para que lhe seja possível compreender o que é a metade da metade. Observe-se que crianças de nível pré-operacional demonstraram ser capazes de resolver problema que envolvia o entendimento da metade da metade, sem, contudo, terem condições de subdividirem um todo em terços;

•   O ensino das frações desiguais (por exemplo, 1/2 e 1/3) deve ser posterior ao de frações equivalentes (1/2 e 1/4), como pode ser inferido, diante da dificuldade das crianças e adolecentes em resolver o item 12 da Tarefa de Fração. As adições e subtrações com frações desiguais devem estar, portanto, entre as últimas operações a serem ensinadas na escola.

Uma última conclusão refere-se às possibilidades de aplicação da Tarefa de Fração no Campo da psicologia e do ensino. Diante da consistência. verificada entre os resultados que obtivemos e os de Piaget, constata-se a possibilidade de revalidação da técnica que desenvolvemos, para ser utilizada como instrumento de testagem do desenvolvimento cognitivo. Em relação ao ensino de frações, a aplicação dessa tarefa possivelmente seria útil, devido ao caráter significativo do seu contexto e à exploração da reflexão, implícita nas suas instruções, quando da utilização do método clínico piagetiano. A comparação entre as figuras geométricas, tendo em vista uma avaliação de suas áreas, é um referencial do mundo empírico do qual podem ser abstraídos os conceitos de frações e das operações, sendo a partir daí associados às suas representações correspondentes na linguagem matemática.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPOS, E. M. — Estudo sôbre a gênese do conceito de fração na criança segundo Piaget, com vistas a inferências metodológicas. Dissertação submetida para a obtenção de grau de Mestre, Porto Alegre, PUC do RGS, 1975.        [ Links ]

DANNER, F. W. e DAY, M. C. — "Eliciting formal operacions". Child Development, 1977, 48, 1600-1606.        [ Links ]

FISCHER, H. — Didaticque de l'initiation mathématique a l'école primaire. Géneve, Bureau International D'Education, 1956.        [ Links ]

INHELDER, B. e PIAGET, J. — Da lógica da criança à lógica do adolescente. Trad. de Dante M. Leite. São Paulo, Pioneira, 1976.        [ Links ]

PIAGET, J. e INHELDER, B. — A origem da idéia do acaso na criança. Trad. de Ana Maria Coelho, Rio de Janeiro, Record, 1951.        [ Links ]

PIAGET, J.; INHELDER, B. e SZEMINSKA. — The child's conception of geometry. Trad. de E. A. Lunzer, New York, Harper e Torchbooks, 1960.        [ Links ]

PIAGET, J. e SZEMINSKA, A. — A gênese do número. Trad. de Cristiano M. Oiticica. Rio de Janeiro, Zahar, 1971.        [ Links ]

 

 

* Resumo da dissertação — "A formação dos conceitos de fração e de proporcionalidade e as operações concretas e formais" — defendida pela autora, em dezembro de 1980, no Mestrado em Psicologia da UFPe e orientada pelos doutores David e Terezinha Carraher. A autora é professora Assistente da UFPe, à disposição do Departamento de Educação da UFS, localizado no Campus Universitário — 49000 Aju-Se; seu endereço particular à disposição para esclarecimento sobre o trabalho é Av. Augusto Franco, 1944, Siqueira Campos — 49000, Aju-Se.