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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.4 no.1 Brasília  1984

 

As prioridades da pesquisa em psicologia da educação

 

 

Ana Maria Poppovic

 

 

Manda a boa forma que se vá do geral para o particular. No que se refere à pesquisa em Psicologia, seguindo a boa forma, conviria antes discutir a prioridade da pesquisa em Psicologia da Educação do que as prioridades nesta área da pesquisa. A primeira pergunta a ser feita seria: "Por que dizer o que fazer, se não se tem a quem dizer?"

Analisando o trabalho "A pesquisa educacional no Brasil", da Prof.ª Aparecida Joly Gouveia, em que esta apresenta uma análise da situação, seguida de um levantamento das pesquisas realizadas ou em andamento nos últimos 5 anos, encontramos um diagnóstico interessante no que diz respeito à Psicologia em relação à pesquisa educacional.

Fazendo um retrocesso no tempo, a Prof.ª Gouveia mostra que esteve em voga, na década de 40 e início de 50, a realização de investigações educacionais de caráter psicológico; que estas, com o passar dos anos, modestamente cederam seu lugar a pesquisas de natureza sociológica, que, por sua vez, foram saindo de cena, não resistindo à predominância dos estudos de natureza econômica, cuja supremacia se mantém até hoje.

As causas e os perigos dos modismos, que caracterizaram e caracterizam as flutuações de enfoque da pesquisa educacional em nosso país, estão muito bem discutidos no trabalho citado e merecem tornar-se um dos tópicos das conclusões e recomendações deste simpósio.

Retomando a análise da parte referente à pesquisa em psicologia educacional, o que encontramos no citado trabalho é o que se segue: dos 176 trabalhos levantados, apenas 28, ou seja, 15%, foram realizados por psicólogos; destes, situam-se diretamente na área de psicologia educacional apenas 18, ou seja, um pouco mais do que 10% do total das pesquisas educacionais realizadas nestes últimos cinco anos no Brasil.

Pode-se impunemente concluir que o primeiro problema a ser enfrentado não é o que fazer, mas como fazer para que alguma coisa seja feita.

Para remediar esta situação, ocorrem duas sugestões práticas que visam a aproveitar tanto a oportunidade feliz deste simpósio, reunindo especialistas em educação, como o momento atual de reforma universitária. Referem-se ambas à formação de novos pesquisadores.

No âmbito da psicologia, o problema se inicia no próprio currículo mínimo, exigido pelo Conselho Federal de Educação, para os cursos de bacharel e psicólogo.

A única disciplina diretamente ligada à área educacional está situada no curso de formação profissional (portanto não destinado à pesquisa), é opcional e intitula-se, grandiloquentemente, "Psicologia do Escolar e Problemas da Aprendizagem".

Evidentemente, a partir deste mínimo, cada Universidade tem liberdade de colocar outras disciplinas; porém, o que se tem notado é que a pouca ênfase do currículo mínimo repete-se ou, até mesmo, orienta o desinteresse por parte dos cursos, na ocasião da escolha de disciplinas que possam desenvolver o campo da psicologia da educação.

A conseqüência desta deficiência na formação básica redunda numa desestimulação em criar cursos de pós-graduação em Psicologia Educacional e daí uma das causas de inexistência de pesquisadores no campo.

A primeira sugestão refere-se à necessidade de alertar a todos os Departamentos ou Institutos de Psicologia que existem no país quanto à necessidade de aproveitar o momento presente, de reforma universitária, para que incluam, nos seus programas e currículos, disciplinas obrigatórias e opcionais, que despertem, nos futuros psicólogos, interesse pela área de educação e lhes dêem as técnicas e métodos próprios para sua investigação.

Sugere-se também que seja discutido e deliberado, pelos participantes deste simpósio, o envio de uma moção ao Conselho Federal de Educação, que neste momento se preocupa com a elaboração de novos currículos mínimos, enfatizando a necessidade de que, neles, seja atendido este tipo de preocupação, bem como a de incentivar e facilitar a instalação de cursos de pós-graduação que visem a formar pessoas que considerem a psicologia educacional como área prioritária.

Coloca-se agora a tarefa de definir as prioridades de pesquisa em psicologia da educação. Alguns critérios merecem antecedência e não se limitam à área específica da psicologia.

1. A urgência dos temas propostos para a investigação deve atender à problemática educativa do país. Esta parece ser uma recomendação do mais banal bom senso; no entanto, não é infelizmente a tendência geral de nossos pesquisadores, em especial no campo da psicologia.

Tem havido gastos das poucas energias de que dispomos na realização, por exemplo, de pesquisas interculturais onde se comparam aspectos de estudantes de vários países, pesquisas estas idealizadas e planejadas para resolver problemas estranhos a nosso ambiente e às nossas preocupações. Têm, isto sim, a vantagem de virem financiadas e de proporcionarem prestígio internacional a seus executores.

2.  Devido à nossa extrema carência em pesquisa na área educacional, coloca-se um outro critério que chega a invadir o campo da ética do pesquisador. Toda investigação deverá surgir de uma situação problemática ou de uma necessidade sentida, que transcenda aos desejos pessoais do pesquisador. Evidentemente, não se trata aqui de interferir com a liberdade de escolha da área de pesquisa, mas sim de estabelecer um critério de responsabilidade profissional que cada investigador pessoalmente deve usar na escolha de seus temas.

Parece bastante claro ser mais cômodo, mais à mão, mais facilmente realizável fazer uma pesquisa intitulada: "Efeitos de tal programa de televisão sobre um grupo de estudantes universitários do sexo feminino, matriculados no curso de Pedagogia", do que estudar, por exemplo, problemas cognitivos numa amostra representativa da população alfabetizada pelo Mobral.

É certamente mais fácil e mais inócuo também.

3. O terceiro critério de certa forma decorre destes dois. Refere-se a uma opção, entre a pesquisa teórica e aquela que visa aos resultados e aplicações práticas e imediatas.

Evidentemente, não se trata de colocar a pesquisa teórica num plano secundário, uma vez que dela depende o desenvolvimento nuclear da Psicologia enquanto campo de investigação.

No entanto, necessário se torna levar em conta nossa condição de país caudatário, com premência de soluções no âmbito educacional, o que faz da pesquisa pura um luxo que não estamos em condições de pagar.

Num país em que os problemas a enfrentar referem-se a analfabetismo agudo, devido à sua defasagem com um progresso tecnológico, a alarmante evasão escolar, provocada pelo desconhecimento do contexto cultural de onde provém o contingente maciço de nossas crianças, a contínua importação de métodos e conteúdos curriculares, sem a preocupação de submetê-los à crítica, revisão e adaptação necessárias à nossa realidade, mister se faz, baseado em atitudes realistas e concretas, adotar uma posição de procura de solução para os problemas práticos e imediatos.

Já especificamente dentro do campo da psicologia educacional, falta apenas levantar os assuntos que compõem seu objeto de estudo. Estes podem ser divididos em três grandes categorias: problemas de comportamento, onde se destacam estudos sobre o potencial humano, reflexos, motivos, controles e estruturas psicobiológicas; problemas de aprendizagem, como métodos, psicologia dos assuntos curriculares, motivação, técnicas de ensino; e problemas relacionados com diferenças individuais e grupais, que incluem toda a gama de características particulares, responsáveis pelo sucesso ou fracasso na realização escolar.

Tudo o que foi dito reflete uma posição de não tentar esquematizar e determinar, precoce e rigidamente, uma lista hierárquica de prioridades na área de pesquisas em psicologia educacional, uma vez que, respeitados os critérios acima expostos, decorrerá uma possibilidade de opção que será genuína, válida e útil para o verdadeiro desenvolvimento.

Se um argumento faltasse poderia ainda acrescentar que toda a preocupação é pouca em relação à pesquisa em educação, para que não sejam verdadeiras as ferinas palavras de Bernard Shaw, que define a educação como sendo a "defesa organizada dos adultos contra as crianças".