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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.5 n.1 Brasília  1985

 

EM DEBATE

 

Ciência e tecnologia a serviço do homem

 

 

 

Psicologia, Ciência e Profissão: Quais as principais linhas da Psicologia Social hoje? Com qual delas seu trabalho se identifica?

Aroldo Rodrigues: Já houve tempo em que várias linhas transitavam na Psicologia Social com destaque mais ou menos igual. Recentemente, porém, o domínio do cognitivismo é indiscutível, o que justifica a seguinte afirmação de Markus e Zajonc (1985) no capítulo que escreveram para a recém-saída terceira edição do The Handbook of Social Psychology: "A Psicologia Social dos anos 50 e 60 era caracterizada por uma diversidade de enfoques. Algumas pesquisas eram apresentadas numa linguagem de estímulo-resposta, outras nas tradições da teoria de campo e da Gestalt e o restante era conceitualizado em termos cognitivos. A mudança desde então tem sido de proporções revolucionárias, impelindo praticamente todos os investigadores a verem os fenômenos psicossociais sob uma perspectiva cognitiva. Psicologia Social e Psicologia Social cognitiva são hoje quase sinônimos. O enfoque cognitivo é agora claramente dominante entre os psicólogos sociais, não havendo, praticamente, competidores." De forma semelhante se expressa a psicóloga francesa Montmollin (1982) ao dizer: "por cognitivo devem ser entendidas, em psicologia social, as atividades psicológicas internas pelas quais o indivíduo (ou cada membro de um grupo) apreende e interpreta os estímulos sociais, pessoais, condutas e eventos observados, objetos e situações sociais que se encontram em seu ambiente. Interessa-nos, pois, o que ocorre 'na cabeça do sujeito' quando se encontra na presença de outros, nos processos de aquisição, categorização, combinação, enfim, de processamento de informações, que terminam na expressão verbal de um juízo de atribuição e/ou avalização." Eu, pessoalmente, me identifico inteiramente com esta linha cognitiva em Psicologia Social, embora muitas pessoas no Brasil (que obviamente nunca leram meus livros e artigos) me chamem de "behaviorista"...

PCP: Em que consistem as diferenças e semelhanças dessas linhas? E como define e defende a sua posição?

AR: A diferença entre a Psicologia Social cognitivista e a de características lewinianas e gestálticas não é muito grande; elas se distinguem porque esta última se prende a princípios rígidos da teoria de campo e da Gestalt, enquanto a Psicologia Social cognitiva contemporânea faz apelo às contribuições de Lewin e da Gestalt sem se limitar a elas. O enfoque cognitivo se distingue essencialmente do enfoque comportamentalista de vez que este quase não considera os processos mediadores não observáveis, porém claramente inferíveis, que caracterizam as cognições ou representações sociais das pessoas.

PCP: Em que consiste a Tecnologia Social? Qual a sua relevância?

AR: A Tecnologia Social consiste na utilização dos achados científicos das Ciências Sociais a fim de resolver problemas sociais. O tecnólogo social se fundamenta nos dados científicos existentes, combina-os e, através de sua criatividade, utiliza-os na resolução de problemas sociais. Como bem diz Jacobo Varela, o inventor da Tecnologia Social, "tecnologia é síntese, enquanto ciência é análise". Jacobo Varela, no Uruguai, e Euclides Sanchez e Esther Wiesenfeld, na Venezuela, são em minha opinião os mais destacados tecnólogos sociais da atualidade. A tecnologia social surgiu na América Latina e não nos países do primeiro mundo, provavelmente devido à necessidade premente de resolver graves problemas sociais existentes nos países do terceiro mundo. Os países desenvolvidos podem dar-se ao luxo de descobrir muitas coisas e não aplicá-las; não é o caso dos países do terceiro mundo, onde a gravidade dos problemas sociais está a exigir o esforço dos cientistas e dos tecnólogos sociais; os primeiros através de descobertas de relações não-aleatórias entre variáveis, que permitem aos segundos criar soluções para a resolução de problemas concretos. Dedicando-se à resolução dos problemas sociais, a relevância da Tecnologia Social dificilmente pode ser superestimada. É necessário que ela seja mais e mais desenvolvida entre nós; sempre, porém, ancorada em descobertas científicas sólidas, que facilitem o trabalho do tecnólogo social.

PCP:Quais as implicações éticas, políticas e ideológicas do uso da Psicologia Social?

AR: É claro que toda atividade prática envolve problemas de natureza ética, política e ideológica. A Tecnologia Social não está isenta desses problemas. É preciso que o tecnólogo social deixe bem claro quais são os seus valores, para que as pessoas que com ele lidam possam julgar as soluções que apresenta. O trabalho do tecnólogo social há de ser franco, aberto, sincero e honesto. Isso se consegue através da explicitação de seus valores às pessoas a quem sua atuação possa vir a influenciar. Não há como evitar a influência dos valores pessoais em sua atuação.

PCP: Qual o papel da Psicologia Social nesse quadro?

AR: A Psicologia Social, como ciência básica que é, tem muito a contribuir para a atividade do tecnólogo social. Embora a quase totalidade das pessoas discordem de mim, eu pessoalmente estou seguro de que a ciência é neutra em sua procura das relações não-aleatórias entre variáveis. Admito que a escolha do tema e até o relatório do cientista possam não ser neutros. O produto final, isto é, o conhecimento novo que surge, este é inexoravelmente neutro, pois toda a comunidade cientifica o fiscaliza. Ninguém acredita ingenuamente no que um cientista diz; é necessário que ele prove o que diz. Na publicidade e na necessidade de o cientista descrever em detalhes como chegou ao conhecimento por ele apresentado é que reside a grande salvaguarda da ciência contra tendenciosidade e vieses pessoais. Penso, pois, que assim devem marchar a Psicologia Social e a Tecnologia Social: a primeira procurando séria, honesta e objetivamete, o conhecimento da realidade social em que vivemos; a segunda, baseada nesse conhecimento, planejando intervenções dedicadas à resolução de problemas sociais.

PCP: Como está a Psicologia Social no Brasil e o que tem surgido de novo?

AR: A Psicologia Social no Brasil não vai bem. São muito poucos os psicólogos sociais; o governo não dá atenção às contribuições do psicólogo social; os educadores, psicólogos clínicos e agentes comunitários não percebem, em sua maioria, a imensa contribuição que a Psicologia Social tem a lhes prestar em suas atividades específicas. Em meu livro Aplicações da Psicologia Social, procurei apresentar exemplos de como a psicologia social pode ser útil à educação, à clínica, às organizações e à atividade comunitária. Não sei se tive êxito. A primeira edição se esgotou com rapidez mas a segunda não segue o mesmo ritmo. Ademais, há um grande isolamento entre os psicólogos sociais no Brasil. Não fosse por uma iniciativa do professor José Augusto Dela Coleta, convocando vários psicólogos sociais brasileiros para uma Sessão Técnica sobre "Quem é o Brasileiro?", na penúltima reunião da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, esse isolamento seria ainda maior. Graças à iniciativa do professor Dela Coleta, um grupo de quase 10 psicólogos sociais de várias partes do Brasil estão trabalhando, desde então, em torno do tema proposto naquela reunião. No ano passado se realizou outra sessão na reunião anual da SPRP em que voltamos a nos encontrar e a reportar vários dados relativos à psicologia social do brasileiro. É nossa intenção publicar em livro, num futuro próximo, o que temos encontrado sobre esse assunto.

PCP: Quais as perspectivas da Psicologia Social no Brasil no seu ponto de vista?

AR: Penso que o futuro da Psicologia Social no Brasil dependerá muito dos seguintes fatores: a conscientização de que a Psicologia Social tem muito a oferecer às áreas aplicadas da psicologia e a outros setores de atividades; a aceitação de que a Psicologia Social é uma ciência básica e que a ela cabe descobrir as relações estáveis entre variáveis psicossociais a fim de possibilitar ao tecnólogo social a solução dos problemas sociais de forma consciente e não improvisada; que os cursos de psicologia social em nossas universidades sejam concebidos de forma tal que possam fornecer ao aluno um treinamento adequado em psicologia social. Se as coisas marcharem nessa direção, as perspectivas para o futuro são boas; do contrário, continuaremos limitados ao pequeno espaço de que dispomos atualmente no cenário da psicologia social em nosso país.