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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.5 n.1 Brasília  1985

 

ARTIGO

 

A prevenção no atraso do desenvolvimento

 

 

Carolina Lampréia

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

 

 

O presente trabalho teve como objetivo fazer uma revisão dos estudos realizados na área de intervenção precoce. É feita uma revisão dos diversos programas que visam a prevenção do atraso no desenvolvimento tendo sido eles subdivididos em três tipos, segundo o tipo de intervenção adotada:
— numa creche, sem envolvimento da mãe
— numa creche ou em um centro e em casa, com envolvimento da mãe
— em casa, com envolvimento da mãe
Finalmente, é apresentada uma análise das implicações desses programas de intervenção, em termos da abordagem adotada (intervenção sobre a criança x intervenção sobre a interação mãe-filho), da utilização de testes de QI e do tipo de desenho experimental utilizado. Texto para "replacement" sobre a questão.

O desenvolvimento da criança tem sido alvo de uma preocupação crescente, baseada em teorias que consideram os primeiros anos de vida como fundamentais para o curso do desenvolvimento, o que tem levado à procura de um maior aproveitamento de todo o potencial de aprendizagem da criança, antes de seu ingresso na escola. Isso tornou-se mais evidente quando, nos EUA, na década de 60, o governo decidiu adotar uma política social-educacional visando à "recuperação" das crianças de baixo status sócio-econômico, através do programa "Head Start".

A argumentação subjacente é a de que o atraso no desenvolvimento das crianças em desvantagem deve ser atribuído, em grande parte, ao fato de terem crescido num ambiente carente de estímulos facilitadores do desenvolvimento. Tentar modificar esse atraso intervindo, pela primeira vez, ao nível do ensino básico, é atuar muito tarde já que no primeiro ano primário espera-se que a criança tenha adquirido certo grau de discriminação auditiva e visual, certo nível de vocabulário e de coordenação motora, certo grau de desenvolvimento afetivo e social, que tenha exercitado sua capacidade de atenção e memória e que esteja motivada para a aprendizagem. Por isso, há a ênfase crescente para que se estimule e aperfeiçoe o processo de aprendizagem desde o nascimento. Parece fundamental para a futura vida escolar da criança, que ela ingresse no 1° ano já possuindo as habilidades mínimas necessárias para que possa adquirir os novos comportamentos que dela serão exigidos. Sem isso será observada, o que não é incomum atualmente, uma deficiência cumulativa que acabará por não ser recuperada nunca mais. Esse parece ser o principal problema da educação em nossos dias. Como esperar que uma criança aprenda a escrever se ela ainda não desenvolveu a coordenação motora necessária, que é um pré-requisito para que ela escreva? O problema não é que a criança não irá aprender a escrever por não possuir ainda a coordenação motora necessária. O problema é que, enquanto ela ainda estiver desenvolvendo essa habilidade, sua turma estará seguindo adiante com novas aprendizagens e ela irá ficando para trás. A deficiência cumulativa decorre daí. É neste contexto que têm surgido os programas de intervenção precoce.

 

PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO PRECOCE

A revisão dos programas de intervenção precoce, que se segue, tomou como critério de classificação o local e o agente da intervenção sobre a criança:

1 — numa creche, sem envolvimento da mãe.

2 — numa creche ou em um centro e em casa, com envolvimento da mãe.

3 — em casa, com envolvimento da mãe.

1) Programas de intervenção realizados através de uma creche, sem envolvimento da mãe.

Foram realizados, na North Carolina Univestity, vários trabalhos de estimulação precoce, em creche, a partir de um programa básico de intervenção, o "Carolina Abecedarian Project", cujo objetivo foi a "prevenção de um declínio no desenvolvimento intelectual de crianças de alto risco" (Ramey e Campbell, 1979-a). Neste programa, foram utilizado um grupo esperimental (GE — constituído por sujeitos considerados de alto risco, a partir de um índice que incluiu nível de educação dos pais, rendimentos, QI materno, história de problemas sociais ou emocionais, evidência de retardo educacinal em outros membros da família, presença do pai em casa e necessidade de assistência pública) e dois grupos de controle (GC — sendo um constituído por sujeitos também de alto risco e o outro por sujeitos da população em geral). A pessoa treinada, neste caso, foi a própria criança e o local de treinamento, a creche. O procedimento de intervenção consistiu em atividades individuais, na sala de aula, que eram revistas a cada duas semanas, baseadas em dois currículos ("Carolina Infant Curriculum" e "Task Orientation Curriculum"), incluindo as áreas de linguagem, motora, social e cognitiva. A avaliação periódica dos sujeitos incluiu o Bayley, um teste estandarizado de inteligência, o Stanford-Binet e a "McCarthy Scale of Intelligence". Seguindo esse mesmo modelo de seleção, desenho experimental e intervenção, Zeskind e Ramey (1978) procuraram "examinar a utilidade preditiva das características antropométricas, ao nascimento, para o desenvolvimento intelectual do bebê, em ambientes de cuidado pós-natais favoráveis e não-favoráveis". Para isto utilizaram, como instrumentos de avaliação, o Bayley, o Stanford-Binet, a "Maternal Involvement Subscale" do "Home Observation for Measurement of the Environment", os quais foram aplicados em 2 GE (bem nutrido x mal nutrito fetalmente) e em 2 GC (com as mesmas características dos GE). Ramey e Campbell (1979-b) procuraram fazer "uma análise comparativa de grupos experimental e de controle, através do McCartny Scales of Children's Abilities que proporciona índices de funcionamento verbal, de desempenho perceptual, quantitativo, de memória e motor"; e Ramey, Farran e Campbell (1979) procuraram "avaliar as relações entre características maternas e o desenvolvimento intelectual da criança, numa amostra homogênea de baixa renda, e determinar se essas relações são alteradas por uma intervenção educacional precoce", através de avaliações da mãe utlizando o WAIS ou WISC, a observação de laboratório do comportamento mãe-filho, o "Home Observation for Measurement of the Enviroment" e o "Parental Attitudes Research Inventory".

Em síntese, os resultados mais relevantes desses trabalhos mostram que:

—  crianças, em desvantagem, submetidas a um programa de intervenção, numa creche, sem o envolvimento da mãe, podem passar a apresentar um desenvolvimento dentro dos limites normais (Ramey e Campbell, 1979-a; Ramey e Campbell, 1979-b).

—  as diferenças de desempenho entre os grupos experimental e de controle começam a surgir a partir dos 18 meses de idade (Ramey e Campbell, 1979-a; Zeskind e Ramey, 1978).

—  as crianças em desvantagem começam a mostrar déficits, nos testes, na idade em que a linguagem falada começa a se desenvolver (Ramey e Campbell, 1979-a).

—  bebês pouco responsivos podem ter mães menos responsivas e sensíveis às suas ações (Zeskind e Ramey, 1978).

—  as características da mãe de uma criança em desvantagem têm uma influência menor, no desenvolvimento da criança, quando esta foi submetida a um programa de intervenção precoce (Ramey, Farran e Campbell, 1979).

2) Programas de intervenção realizados em um centro ou em um centro e em casa, com envolvimento da mãe

Os programas incluídos nesta categoria se diferenciam dos anteriores por utilizarem também as mães como agentes de intervenção para prevenir o atraso no desenvolvimento de seus filhos.

Em Ramey, Sparling, Wasik e Bryant (1979) procurou-se "comparar programas em centros e em casa, e examinar o processo de mudança que pode ser esperado tantp nas mães como nas crianças envolvidas nos programas", enquanto que em Hayden (1976); Frederick, Baldwin e Grove (1976); Wiegenrink e Parrish (1976); Garber (1977); Honig (1977); Jones (1977) e Gray e Klaus (1965) procurou-se intervir sobre a própria mãe, além do programa proporcionado pelo centro, onde as crianças compareciam quase que diariamente (de 4 a 5 dias/semana), durante todo o ano.

As características familiares e da criança e o critério de inclusão no programa nem sempre estão bem definidos, mas pode-se dizer que, de uma maneira geral, procuraram atingir crianças de baixo nível sócio-econômico.

Todos os programas procuraram ensinar à mãe, numa situação prática, técnicas de interação mãe-filho, alguns através de visitas domiciliares, em geral semanais (Ramey, Sparling, Wasik e Bryant, 1979; Honig 1977; Gray e Klaus, 1965), outros através de sessões no próprio centro (Hayden, 1976; Fredricks, Baldwin e Grove, 1976; Wiegenrink e Parrish, 1976) ou ambos (Jones, 1977).

Com relação às diferentes áreas de desenvolvimento abrangidas, os programas de Ramey, Sparling, Wasik e Bryant (1979), os de Garber (1977) e Gray e Klaus (1965) deram maior ênfase à linguagem, sendo que os dois últimos também incluíram aspectos cognitivos. Os programas de Hayden (1976) e Fredricks, Baldwin e Grove (1976), além dos aspectos cognitivos e de linguagem, enfatizaram também as áreas motoras e de auto-cuidado. Honig (1977) e Jones (1977) utilizaram um currículo Piagetiano.

Ramey, Sparling, Wasik e Bryant (1979), Garber (1977), Honing (1977) e Gray e Klaus (1965) utilizaram grupos experimentais e de controle, enquanto Hayden (1970), Fredricks, Baldwin e Grove (1976) e Wiegenrink e Parrish (1976) utilizaram um desenho experimental de caso único. Com relação à avaliação final, o programa de Ramey, Sparling, Wasik e Bryant avaliou o desenvolvimento da criança, o status intelectual dos irmãos, as atitudes dos pais com relação à educação de crianças, a interação mãe-filho através do "Home Observation for the Measurement of the Environment" e videotape de laboratório. Os demais programas utilizaram os seguintes instrumentos: Gesell e Piaget, Stanford-Binet, "Wechsler Preschool and Primary Scale of Intelligence". WISC, tarefas experimentais de aprendizagem, medidas de interação mãe-filho, "Illinois Test of Psycholinguistic Abilities" (Garber, 1977); Cattell, Stanford-Bimet, Bayley, escalas de Piaget, "Early Language Assessment Scale" e "Cornell Descriptive Scanning Record of Infant Activity", até os 2 anos de idade (Honig, 1977); "Socialization Scale for Children", "Denver Development Screening Test", itens do Gesell e Vineland, assim como registros individuais dos objetivos e procedimentos (Jones, 1977).

Os principais resultados e conclusões desses trabalhos mostram que:

—  o sistema de interação mãe-filho é modificável pela educação familiar, sendo que a mudança parece estar na direção de um aumento na comunicação e no envolvimento diádico (Ramey, Sparling, Wasik e Bryant, 1979; Garber, 1977).

—  as diferenças no desenvolvimento dos grupos experimental e de controle começaram a surgir a partir dos 18 meses (Garber, 1977).

— os irmãos dos sujeitos do grupo experimental mostraram os mesmos resultados, ou seja, estagnação do declínio em seu desenvolvimento (Garber, 1977).

—  os sujeitos do grupo experimental apresentaram um melhor desempenho (Garber, 1977; Honig, 1977; Jones, 1977).

3) Programas de intervenção realizados em casa, com envolvimento da mãe

Os programas aqui incluídos utilizaram apenas a mãe como agente de intervenção de seus filhos. Neste caso, as crianças não freqüentaram nenhum centro ou creche no qual recebessem instrução por pessoal especializado.

O principal objetivo desses programas foi, de uma maneira geral, treinar a mãe a ser o principal agente de intervenção junto à criança, para prevenir um atraso em seu desenvolvimento (Montenegro et al., 1977; Adriasola et al., 1979 Badger, 1977; DEBT; Bromwich, 1981 Shearer e Shearer, 1972; Boyd, 1980 Cochran e Loftin, 1980; Levenstein, 1970).

Pode-se dizer que, na grande maioria desses programas, o principal critério de inclusão dos sujeitos foi o baixo status sócio-econômico da família. Entretanto, alguns indicaram diferentes critérios como déficit na fala e linguagem; problema físico, de audição, de visão ou emocional; retardo mental e atraso no desenvolvimento e/ou qualquer outra condição de alto risco (DEBT; Shearer e Shearer, 1972), prematuros com menos de 37 semanas e menos de 2,5 Kg, bebês deficientes, problemas de comportamento e com um leve atraso no desenvolvimento, e também sem nenhum problema observável mas com um baixo escore na avaliação cumulativa de 0 a 9 meses de idade (Bromwich, 1981).

Os instrumentos para a avaliação inicial, antes de qualquer intervenção, foram: observação informal em casa e dados de história de caso, parte do "Vineland Scale of Social Maturity", Denver, Koontz, Reel e avaliação médica (DEBT), 14 medidas fisiológicas e psicológicas entre os 0 e 9 meses de idade, "Parent Behavior Progression", "Play Interaction Measure" (interação mãe-filho no laboratório), observações do bebê e interação mãe-filho em casa e no centro, informações de conversas com os pais e da equipe médico-enfermeira (Bromwich, 1981), "Development Skill Age Inventory" de Alporn e Roll, Stanford-Binet (Form I-M) Cattell "Peabody Picture Vocabulary Test" e "Slossen Intelligence Test for Children and Adults" (Shearer e Shearer, 1972), "Parental Behavior Inventory" (Boyd, 1980), Cattell, Stanford-Binet e "Peabody Picture Vocabulary Test" (Levenstein, 1970; Madden, Levenstein e Levenstein, 1976).

Todos os programas utilizaram visitas domiciliares semanais ou quinzenais, para o treinamento da mãe, exceto o de Badger (1977) que só utilizou reuniões de grupo no centro. Os programas de Badger (s.d.) e DEBT também utilizaram esse tipo de reuniões, além das visitas.

Com relação ao procedimento de treino das mães, alguns programas utilizaram apenas a demonstração pelo visitador de como interagir com a criança (Montenegro et. al., 1977; Adriasola et al., 1977; DEBT) enquanto que outros além da demonstração utilizaram a modelagem do comportamento da mãe (Badger, 1977; Shearer, 1976). Os programas de Montenegro e Adriasola também envolveram a entrega, às mães, de 24 manuais mensais, contendo os exercícios que elas deveriam realizar com seus filhos.

Todos os programas incluíram as principais áreas de desenvolvimento, ou seja, cognitiva, motora, linguagem e social, sendo que o de Levenstein (1970) e Madden et al. (1976) deram ênfase especial à interação verbal proporcionada pela mãe.

Os instrumentos de avaliação final foram os seguintes: questionário (Badger, s.d.); prova de Piaget, WALS, "Escala de Evaluación dei Desarrolo Psicomotor" de Rodriguez, Arancibia e Undurraga (Montenegro et al., 1977; Adriasola et al., 1979); "Uzgiris-Hunt Infant Ordinal Scales of Psychological Development", Bayley (Badger, 1977); Denver e Koontz (DEBT); "Parent Behavior Progression", "Play Interaction Measure" e comportamento do bebê (Bromwich, 1981); registro dos pais, linha de base e pós-linha de base pelo visitador, Stanford-Binet, Cattell, Alpern e Boll, Gesell (Shearer e Shearer, 1972); "Parental Behavor Inventory" (Boyd 1980), Catell, Stanford Dinet e Deabody (Levenstein, 1970) Maddenet al., 1976).

Os principais resultados e conclusões apresentados são:

—  quando o currículo é aplicado pela primeira vez aos 15 meses de idade, não ocorre uma melhora significativa no desempenho da criança, a curto prazo (Montenegro et al., 1977; Adriasola et al., 1979).

—  muitas vezes o grupo experimental adquire comportamentos, meses antes do grupo de controle, constituído por crianças de nível sócio-econômico médio (Montenegro et al., 1977).

—  as diferenças no desenvolvimento dos grupos experimental e de controle começaram a surgir a partir dos 12-15 meses (Badger, 1977; Adriasola et al., 1979).

—  muitos pais tornaram-se funcionalmente independentes do visitador, em termos de planejamento da instrução e sua implementação (Boyd, 1980).

—  os irmãos mais moços das crianças tratadas também foram beneficiados pelo programa, apesar de não terem sido submetidos a uma intervenção (Madden et al., 1976).

—  houve uma proporção menor de crianças com problemas acadêmidos severos, em classes especiais, e uma proporção maior de crianças na classe adequada à sua idade (Levenstein, 1978).

— ocorre um melhor desempenho para os sujeitos do grupo experimental, naqueles programas que utilizaram esse tipo de desenho.

— constatou-se um progresso de 13 meses, em idade mental, num período de 8 meses, quando o progresso esperado seria de 6 meses (Shearer e Shearer, 1972).

 

ANÁLISE E IMPLICAÇÃO DOS PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO

Alguns aspectos dos procedimentos dos diferentes programas de intervenção precoce precisam ser analisados para que uma melhor avaliação possa ser feita e para que novos rumos de investigação possam ser tomados.

Se forem aceitos como ponto de partida os objetivos implícitos, dos diferentes programas, notar-se-á que todos eles procuram ensinar comportamentos à criança. Mesmo que a mãe tenha sido envolvida no programa, o objetivo é fazer com que a mãe ensine à criança determinados comportamentos, em situações arbitrárias. Parece que seria inicialmente essencial colocar o problema, para então fazer as perguntas necessárias e relevantes que poderão levar a uma solução apropriada. Seria possível afirmar que há uma maior probabilidade de que crianças de baixo nível sócio-econômico apresentem um atraso em seu desenvolvimento. É preciso perguntar-se por que isso ocorre ou quais são as diferenças nos ambientes das crianças de alto e baixo status sócio-econômico que podem ser responsáveis por esse atraso. Mas isto não tem sido feito.

Alguns estudos mostram a importância da variáveis da mãe sobre o desenvolvimento da criança, mas não mostram como isto está ocorrendo, em termos funcionais. A observação natural dos padrões de interação mãe-filho poderia, em parte, verificar como isso ocorre para determinada criança. Se for aceito que o padrão de interação mãe-filho é um fator fundamental para o desenvolvimento da criança, então esse deve ser o principal foco dos programas de intervenção, e não o ensino de determinados comportamentos ausentes do repertório da criança.

Esse tem sido o ponto de vista de Bromwich (1981) que, em seu programa, não utilizou nenhum currículo para planejar atividades para a criança, dando maior enfase as "prioridades, atitudes e habilidades dos pais" para a determinação das atividades mais adequadas para a mãe e a criança.

As implicações de não proceder desta maneira, de fazer como a maioria dos programas, isto é, de elaborar um currículo de atividades, é que o comportamento que se quer ensinar à criança pode não ser funcional em seu ambiente, principalmente, naqueles programas onde a criança vai a uma creche diariamente, não havendo portanto modificação em seu ambiente natural. Mas também nos programas que procuram envolver a mãe é preciso perguntar-se o que está ocorrendo nas interações mãe-filho, entre as sessões de treino ou ensino. Em outras palavras, como a mãe se comporta quando ela não está especificamente envolvida na tarefa determinada pelo currículo? A estimulação da criança pode e deve ser levada a cabo em qualquer rotina e não apenas durante determinado período do dia. Isto é fundamental para que ocorram a generalização e manutenção dos comportamentos, não só da criança como também da mãe. Contudo esses fatores não têm sido levados em consideração, na maior parte dos programas, o que provavelmente resultou na freqüente diminuição dos efeitos, tal como relatado em avaliações da literatura (Horowitz, 1980; Ramey e Gowen, 1980; Bronfenbrenner, 1976). Para Ramey e Gowen, efeitos duradouros podem ser obtidos se o ambiente de casa for modificado, sendo a forma de interação mãe-filho o fator mais consistentemente relacionado ao desempenho subseqüente da criança. Esses dois autores também consideram haver uma associação entre desempenho da criança e quantidade de estimulação da linguagem, assim como práticas positivas e responsivas de interação com a criança.

Apesar disso, alguma generalização dos efeitos dos procedimentos tem ocorrido, já que alguns programas que utilizam a mãe como agente de intervenção têm demonstrado que os irmãos mais moços do sujeito do programa também passam a apresentar um desenvolvimento dentro dos padrões "normais" e já que os efeitos desses programas são mais duradouros, se comparados aos que não incluem o envolvimento da mãe.

É preciso considerar, ainda, que não só o comportamento da criança é função do comportamento da mãe, mas que também o comportamento desta é função do comportamento da criança. Zeskind e Ramey (1978) afirmam que bebês pouco responsivos podem ter mães menos responsivas e sensíveis às suas ações. Isto está de acordo com os resultados de um estudo realizado no México e mencionado por Brozek (1979), no qual se verificou que as crianças desnutridas que tiveram sua dieta suplementada eram mais ativas, tinham um repertório comportamental mais amplo, provocando uma interação mais intensa com seus pais. O resultado desses dois estudos também vem mostrar a influência do comportamento da própria criança sobre o comportamento daqueles que cuidam dela e, portanto, a importância de uma análise funcional da situação de interação que não pode ser ignorada ao elaborar-se um programa de intervenção.

Com relação ao comportamento da criança em desvantagem e o da privilegiada, não se acredita que o comportamento de uma possa ser considerado superior ou inferior ao da outra. Gray e Klaus (1965) e Ramey, Sparling, Wasik e Bryant (1979) consideram que essa diferença é mais qualitativa do que quantitativa, sendo possível que a mãe da criança em desvantagem esteja comportando se de maneira tão apropriada e sensível com seus filhos quanto a da criança privilegiada que se comporta de maneira diferente. Daí a importância dos programas individualizados. Em sua maioria os programas atuais podem ser considerados individualizados no sentido de ensinar à criança aqueles comportamentos que ela ainda não possui, mas não são individualizados no sentido de procurar avaliar por que aquela criança não apresenta aquele ou aqueles comportamentos em seu repertório, isto é, sua inserção no contexto funcional de padrões de interação mãe-filho.

Em síntese, vê-se que uma deficiência na abordagem inicial (a criança em desvantagem tem um repertório comportamental restrito, em vez de a criança em desvantagem ter um ambiente diferente) leva à adoção de um procedimento deficiente (procurar estabelecer no repertório comportamental dessa criança aqueles comportamentos ausentes e que são apresentados pela maioria das crianças privilegiadas, em vez de procurar tornar seu ambiente tão favorecedor ao desenvolvimento quanto o da criança privilegiada). Em decorrência disso, encontram-se, na maioria dos programas, dois outros problemas metodológicos, que serão analisados a seguir. Trata-se da utilização de testes de QI, para a avaliação, e do desenho experimental de grupos.

A utilização de testes de QI, como método de avaliação da capacidade de uma criança, tem sido criticada por diversos autores (Ashton-Lilo, 1979; Bromwich, 1981; Greenspan, Nover, Silver e Lourie, 1979; Bronfenbrenner, 1976). Primeiro, pela própria situação de aplicação de testes, que é inteiramente artificial. Nestas condições, e principalmente quando se tratam de crianças muitas pequenas, é muito difícil conseguir a colaboração do sujeito, devido a motivos tais como cansaço, irritação, doença e estranheza do aplicador. Além disso, se a criança não realiza a tarefa em determinado lugar, com determinada pessoa e em determinado momento, isto não significa que ela não é capaz de fazê-lo. Zigler, Abelson Trickett e Seitz (1980) dizem que os escores convencionais de QI podem ser indicadores menos válidos do funcionamento cognitivo das crianças em desvantagem por causa de diferenças culturais e porque todo pós-teste apresenta sempre um aumento de 10 pontos de QI, mesmo que o programa só tenha durado umas 8 semanas. Eles afirmam que há uma evidência crescente de que o desempenho das crianças em desvantagem é afetado desfavoravelmente por fatores motivacionais e enfatizam a importância de manter a distinção entre capacidade e desempenho. Neste caso, o escore de QI seria uma base questionável para julgar o valor dos programas de intervenção.

Além do mais, embora seja importante compreender o desenvolvimento e suas seqüências, determinar somente o que a criança pode fazer e quais as habilidades que devem vir em seguida parece ser insuficiente. A questão não é saber o que a criança pode ou não pode fazer, como medido pelos testes, mas saber como o ambiente de determinada criança está afetando seu comportamento e como ela está respondendo a esse ambiente. A utilização exclusiva de um teste não dá uma visão da habilidade funcional da criança com seu ambiente ou da família para lidar com a criança. Se utilizarmos um teste e, além disso, a observação natural, verificar-se-á que a criança é capaz de fazer muitas outras coisas que não são avaliadas pelo teste. Soares da Silva (1979) mostrou que, depois da intervenção, 2 sujeitos apresentaram uma grande melhora em seu comportamento exploratório-manipulativo, medido através de um registro contínuo específico e de um registro gravado, enquanto os dados obtidos através do Koontz não mostraram essa melhora.

Finalmente, serão analisadas as limitações da utilização de um desenho experimental de grupos. O que os dados desse tipo de desenho podem dizer é que a média dos resultados do grupo experimental foi significativa em contraposição à média dos resultados do grupo de controle. Mas o resultado médio de um grupo pode ou não representar o desempenho de um indivíduo do grupo. Além disso, pode ocorrer que um tratamento que é estatisticamente significativo não seja clinicamente significativo, ou seja, o tratamento é eficaz, mas não o bastante. A significância estatística também pode subestimar a eficácia do tratamento para algum sujeito experimental (Hersen e Barlow, 1977). Finalmente, perde-se sempre em termos de generalização dos resultados, para outros indivíduos, tanto no caso do grupo ser muito homogêneo ou muito heterogêneo, isto é, há uma dificuldade de generalizar os resultados assim obtidos para sujeitos com outras características, assim como para sujeitos com características muito específicas, respectivamente.

Em síntese, quando se aplica determinado procedimento para determinada criança, o que interessa é saber se esse procedimento está sendo eficaz para essa criança e fazer as modificações apropriadas, quando necessário. Existe uma quantidade enorme de variáveis influenciando o comportamento, de maneira que seria ingênuo supor que um programa-padrão fosse eficaz para todos os sujeitos. Seria difícil imaginar um caso em que não fosse necessário recorrer a uma análise individual dos dados. Uma vantagem dos desenhos de caso único é que o investigador pode começar a procura imediata para a causa da tendência comportamental, alterando ao mesmo tempo seu desenho experimental.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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