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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.6 no.1 Brasília  1986

 

A perícia psicológica*

 

 

Maria Cecilia Meirelles Ortiz

Perita judicial nas Varas da Família e das Sucessões de São Paulo

 

 

Este artigo visa sensibilizar os psicólogos para um espaço profissional pouco ocupado até o presente momento. Trata-se da área da perícia judicial, área onde venho atuando há quatro anos. A palavra perícia vem do latim peritia que significa: detreza, habilidade. Conforme Caldas Aulete (1964), o adjetivo perito refere-se a douto, versado, hábil, experimentado, prático, e também o que procede oficialmente a um exame médico, a uma avaliação, a uma vistoria etc.

Considerada uma prova judicial, a perícia tem a peculiaridade de ser produzida mediante intervenção de uma pessoa encarregada de expressamente certificar-se dos fatos para dar conhecimento deles ao Julgador. Essa prova, que abrange todo tipo de exame, constitui-se em espécie probatória distinta das demais porque é realizada mediante intervenção do especialista ou "expert".

 

As atribuições do Psicólogo

A lei 4.112 de 27 de agosto de 1962, que dispõe sobre a profissão de psicólogo, afirma que no exercício profissional, entre outras atribuições, cabe ao psicólogo: "Realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de psicologia" (Art. 4º, n° 6). Por sua vez, o nosso Código de Ética Profissional estabelece, em seus artigos de 18 a 22, os limites que norteiam a relação do psicólogo com a Justiça. Portanto, esta é uma área de atuação legítima do psicólogo. Cabe a ele desenvolver o estudo da personalidade dos litigantes e demais envolvidos nos litígios judiciais. Caso as ilações periciais sejam baseadas em psicodiagnósticos, cabe-lhe também concluir o laudo.

Existem, hoje, equipes multiprofissionais, contando também com a presença de curadores, assistentes sociais, psicólogos e outros, que prestam inestimáveis serviços à Justiça nas Varas de Menores de São Paulo.

Valeria lembrar que — por ser a perícia psiquiátrica mais amplamente divulgada e os médicos contarem com a matéria específica em seu currículo, a Medicina Legal — os peritos psiquiatras são nomeados, mesmo nos casos que exigiriam a atuação dos psicólogos. Às vezes, a distorção chega a ser tão marcante que, ainda quando é solicitada especificamente a perícia psicológica, os psiquiatras são chamados a intervir, ficando os psicólogos restritos à condição de "ajudantes", a fim de simplesmente fornecerem os resultados dos psicodiagnósticos que embasarão conclusões dos médicos.

Os assistentes sociais também invadem a nossa área, procedendo a diagnósticos "psicológicos" baseados apenas em dados objetivos aos quais têm acesso. Tal fato se verifica especialmente porque a presença do psicólogo é recentíssima nos Juizados de Menores e praticamente ausente nas Varas da Família e das Sucessões.

A partir de tais dados, pode-se concluir que as próprias faculdades de Psicologia negligenciaram a formação de seus alunos e não possibilitaram a abertura desse campo de trabalho aos profissionais de nossa área. Se as invasões ocorrem, isto se verifica apenas e tão-somente porque nós, psicólogos, permitimos que tal fato aconteça.

 

As perícias nas Varas da Família

Em verdade, os psicólogos já são uma realidade nos Juizados de Menores da Capital de São Paulo, onde atuei no início da implantação do Serviço de Psicologia, primeiramente na condição de voluntária e, posteriormente, como contratada. Após esta enriquecedora experiência, passei a ser nomeada para proceder perícias psicológicas nos processos que correm nas Varas da Família e das Sucessões de São Paulo. Tenho elaborado laudos em ações de disputa de guarda de filho(s) menor(es), interdições, emancipações, enfim em todas as oportunidades em que se exige a perícia psicológica para melhor instruir o processo, oferecendo elementos de convicção ao Julgador para bem decidir as questões judiciais pendentes.

As perícias, especialmente as do Juizado de Menores e as das Varas da Família e das Sucessões, requerem a atuação do psicólogo. A título de exemplo, os casos trazidos ao Juizado de Menores, onde são atendidos especialmente os menores carentes, verifica-se que os fatores ambientais são as principais causas dos desajustamentos tanto afetivos quanto emocionais. Já nas Varas da Família e das Sucessões, pode-se constatar que a atual fase de transição social, do ponto de vista da contestação de valores tradicionais, tem trazido conseqüente e considerável aumento de separações de casais, com as desadaptações esperáveis, quer nos separandos, quer na prole envolvida nos litígios, resultantes dos desajustes familiares.

Assim, os problemas que emergem dessas situações geralmente não envolvem patologias, mas qualificam-se como distúrbios de ordem psicológica que são decorrentes da elaboração, nem sempre satisfatória, da perda do objeto de afeto pelos separandos.

Por outro lado, a prole provinda dos lares desfeitos encontra, via de regra, grande dificuldade de ajustamento às novas situações vivenciais, existenciais e, em alguns casos, até ambientais. Às vezes, um e/ou outro ex-cônjuge "responsabiliza" o(s) filho(s) pela falência do casamento e a decorrente perda afetivo-objetal. Em outras oportunidades, as crianças provindas do casamento desfeito tornam-se empecilhos à liberação dos pais, uma vez que permanecem como vínculo inamovível entre os separandos. Acrescente-se a todos estes aspectos o fato de que, em muitas ocasiões, os filhos são utilizados pelos genitores enquanto símbolo fálico — entenda-se nesta acepção a expressão falo como arma, poder — dos quais valem-se os litigantes enquanto aríetes para atingirem-se mutuamente, ou mesmo, para extorquir vantagens de toda ordem para si mesmos. Como não poderia deixar de ser, tais fatores geram graves distúrbios no desenvolvimento psicológico dos menores envolvidos nos litígios entre os pais. Valeria ainda lembrar os conflitos edípicos que geralmente afloram nestas situações, decorrentes do sentimento de culpa pela separação do casal parental.

 

O que é o diagnóstico situacional

Especialmente quando a disputa pela guarda do(s) filho(s) menor(es) encontra-se em pauta, a presença do psicólogo faz-se imprescindível para a verificação dos fatores subjetivos que, na maior parte das vezes, predominam nas mútuas acusações em que se constituem as alegações dos litigantes. Isso, todavia, não significa dizer que, em causas de outra natureza, não se faça também útil, o estudo psicológico. Mas, quando a luta pela guarda do(s) filho(s) se encontra mais acirrada e as acusações de ambas as partes são menos objetivas, uma vez que, permeadas por fatores, psicodinâmicos inconscientes, as intransigências e as animosidades de parte a parte atingem seu auge, o Julgador nomeia o especialista para, através de seu parecer equidistante e técnico, "tentar restabelecer a ordem processual" e mesmo para reposicionar-se em relação às alegações dos litigantes.

Consegue-se, em verdade, chegar a bom termo nos estudos psicológicos visando à perícia, a partir da análise dos diferentes elementos disponíveis para o exame da situação, aos quais o perito tem acesso. Explicando melhor. Forma-se uma perspectivaabrangente e nítida da situação e podendo-se mesmo distinguir, em detalhes, toda a dinâmica familiar, quando se utilizam os dados processuais (onde serão privilegiados os laudos de áreas afins da psicologia), o estudo pormenorizado das entrevistas (tanto em relação ao que se pode extrair delas como dados objetivos ou subjetivos), os fatos constatados nas anamneses e o próprio comportamento expresso pelos analisandos na fase de coleta de dados.

De fato, a síntese dos elementos disponíveis para análise, ao serem confrontados com os dados aflorados nos psicodiagnósticos, permite estabelecer um Diagnóstico Situacional, assunto ainda não abordado na psicologia, pelo menos nessa concepção explicitada aqui. Entretanto, diferentes autores, entre os quais Landry (1981) e Foucault (1983), alertam que o prévio conhecimento do processo judicial poderá contaminar as conclusões do perito. A fim de dar o devido apoio pericial, torna-se indispensável a presença do especialista em psicodiagnóstico e, como se verificará a seguir, do rorschachista, para que o perito não incorra em ilações e correlações precipitadas e, muitas vezes, fantasiosas.

Além disso, a abrangência de um estudo psicológico somente será possível numa perícia caso o técnico disponha de uma perspectiva flexível e ampla de enfoques teóricos em diferentes abordagens da psicologia. Na complexidade de um laudo, distinguem-se muitos aspectos mobilizadores do comportamento expresso pelos analisandos, além dos fatores psicodinâmicos inconscientes já apontados, que um Psicodiagnóstico Situacional só poderá chegar a bom termo se enfocado o estudo numa perspectiva lógica e não conflitante, levando em conta os diferentes ângulos da dinâmica familiar específica. Exemplificando: meus laudos, em geral, seguem uma linha fenomenológica-existencial, com substrato psicanalítico. Todavia, as questões colocadas na forma de quesitos por certos casos específicos poderão conduzir a necessidade de conhecimento sobre o Behaviorismo, levando em conta, no entanto, os aspectos psicodinâmicos que envolvem o caso específico.

Um desses casos pode ser citado e verificado aqui. Em dada oportunidade, discutia-se a guarda do filho menor, de cinco anos de idade. O genitor alegava que a genitora, psicóloga e com excelente formação behaviorista, estaria manipulando comportamentalmente a criança contra o pai através de pareamento de estímulos, ou seja, da associação da figura paterna com os estímulos aversivos. Depois de exaustivos exames, chegou-se à conclusão de que tal alegação do genitor não só carecia de fundamento como também a própria personalidade da genitora e sua relação afetiva e emocional com a criança não permitiriam a execução de plano tão maquiavélico. Assim, o laudo necessitou reportar-se a explicações teóricas tanto referentes ao Behaviorismo quanto aos aspectos psicodinâmicos inconscientes daquela relação mãe-filho. Mais ainda, exigiu-se a explicitação dos reais problemas determinantes do afastamento do menor de seu genitor.

 

A redação do laudo

A transcrição e a redação do laudo será tão explícita quanto possível, considerando-se que os processos das Varas da Família e das Sucessões e das Varas de Menores correm em "segredo da Justiça". Tal fato tranqüiliza o psicólogo em relação à Ética Profissional.

Não se poderá, contudo, esquecer que a perícia psicológica será destinada a leitura leiga, ou seja, de juízes, curadores e advogados. Mesmo levando-se em conta esse aspecto, não se deverá jamais prescindir das expressões técnicas e da análise teórica que nortearão as conclusões do Diagnóstico Situacional. Assim, tanto os termos técnicos quanto a análise teórica serão "traduzidos" para o não versado em psicologia. Se esse aspecto não for observado, o relatório ficará ininteligível ao leigo. Por outro lado, também não se poderá abrir mão da consulta bibliográfica necessária em certos casos e, evidentemente, citar-se-ão nos rodapés as obras consultadas, tal como se verifica em qualquer trabalho científico. Nestas ocasiões, os textos poderão mesmo se constituir em anexos do laudo.

Deve-se também levar em conta que apenas a síntese dos dados poderá levar a ilações interpretativas. Esse fato é característico do Diagnóstico Situacional que evidencia a pluralidade e a abrangência dos elementos disponíveis ao técnico para a análise. Leve-se em conta, no entanto, que diferentes autores, entre os quais Landry (1981), enfatizam que, tanto quanto possível, evitar-se-ão na perícia as interpretações psicanalíticas, pois o entendimento destas escapam à compreensão leiga.

A redação do laudo, além de explícita e clara, não poderá deixar de ser também assertiva, para que não ocorram distorções interpretativas pelos não versados no assunto.

 

O papel do especialista em Psicodiagnóstico

Levando-se em conta especialmente o problema da "contaminação", já levantado na seção anterior sobre o Diagnóstico Situacional, pode-se apreender a indispensabilidade do(s) especialista(s) em psicodiagnóstico numa perícia. Mas a auto-suficiência, no sentido de prescindir do trabalho de outrem, poderá levar o perito a interpretações descabidas em termos de Diagnóstico Situacional. Isso pode vir a ocorrer, quando se considera que o psicólogo na sua formação básica recebe de um a dois anos de aprendizado em Rorschach e outras técnicas projetivas. Tal fato o habilita, quando muito, a aplicá-las em seus próprios clientes, pois quaisquer erros diagnósticos poderão ser facilmente corrigidos durante o processo terapêutico.

Entre as muitas peculiaridades de uma perícia, encontramos ainda situações específicas que exigem uma intervenção técnica, segura e imediata, que possa levar a soluções confiáveis. Nessas condições, os psicodiagnósticos precários conduzirão, sem qualquer sombra de dúvida, um trabalho pericial a conclusões errôneas. O problema agravar-se-á consideravelmente se o instrumento utilizado for o Rorschach,por sua complexidade e pela peculiaridade em termos de aplicação, avaliação e riqueza diagnostica. Contudo, em mãos experientes e competentes, a prova de Rorschach tem-se mostrado, na prática, como um profícuo instrumental único para o diagnóstico de adultos.

De fato, o Rorschach revela aspectos psíquicos não passíveis de observação direta, mesmo a psicanalítica. Nos muitos casos em que tive a oportunidade de atuar com a profa. Lília de Muzio Piccinelli, comprovou-se sua eficácia, no Diagnóstico Situacional; o que também foi confirmado por Tarules (1982). Apesar da linguagem e do método, na concepção de Silveira (1961), serem baseados em pressupostos positivistas, os dados aferidos podem ser compreendidos, manejados e traduzidos tanto em orientação positivista quanto fenomemológica.

Não se deve esquecer que os psico-diagnósticos constituir-se-ão em anexos do laudo e, mesmo as folhas de respostas embora não sejam acrescentadas ao relatório, ficarão à disposição dos assistentes técnicos para possível verificação e conferência da classificação das respostas.

Se é viável e mesmo profícuo prescindir de outros instrumentos de avaliação, com exceção do Rorschach, no psicodiagnóstico de adultos, a mesma coisa não ocorrerá em relação aos menores. É fato consabido que as crianças possuem vocabulário limitado e dificuldades para o estabelecimento de associações livres, dado constatado e apontado por Anna Freud e Melanie Klein, entre outros autores. Isto não significa dizer que o Rorschach não deva fazer parte de qualquer "bateria de testes" selecionada para o psicodiagnóstico de crianças. Em certos casos, é também de grande valia a utilização do ludodiagnóstico, dependendo da faixa etária e/ou dos bloqueios verificados.

É de se levar em conta, ainda, que existem casos em que os litigantes negam-se a se submeter ao psicodiagnóstico. Nesses casos, o perito-psicólogo deverá trabalhar com esse dado analisando, no contexto específico, considerando-se: (1) a recusa sugere uma forma de "proteção" do sujeito, ou seja, de não se expor psicologicamente; (2) ou se por impossibilidade real de arcar com as despesas do profissional que procederá aos exames psicológicos. Mesmo quando não se realiza o psicodiagnóstico, os demais elementos de análise, especialmente as entrevistas e os dados de anamne-se, se forem profundamente esmiuçados, fornecerão subsídios suficientes para instruir o Diagnóstico Situacional. Todavia, as alegações processuais deverão ser deixadas pelo técnico "entre parênteses" para que possa, tanto quanto possível, evitar a "contaminação".

 

A função do assistente técnico

No que diz respeito à perícia psicológica, verifica-se (felizmente) na prática que existe uma interpretação quase unânime de que os assistentes técnicos devem aguardar a juntada do laudo do perito oficial (nomeado pelo Juiz), para então elaborarem seu laudo crítico, verificando se as conclusões do perito oficial foram adequadas do ponto de vista metodológico, técnico, teórico e prático, e levando em conta o caso objetivo em questão.

Se houver divergências conclusivas no caso em que o estudo realizado é considerado inadequado ou insuficiente, o assistente técnico pode solicitar que os litigantes se submetam não apenas a novas entrevistas, como também aplicar ou encaminhá-los para que especialistas apliquem e avaliem outros testes que não sejam conflitantes com aqueles já utilizados. Contudo, só se justificarão reaplicações de testes e/ou aplicação de novas provas se muitíssimo bem fundamentada esta pretensão pelo assistente técnico. Não seria demais lembrar que o psicodiagnóstico é estressante, uma vez que obtém dados dos examinados sem lhes dar o devido retorno.

Deve-se lembrar que existem provas psicológicas que demandam um prazo mínimo para sua reaplicação no mesmo sujeito. Esse procedimento deve ser respeitado, se o profissional busca resultados fidedignos e corretos. No caso do Rorschach, Piccinelli (em um Parecer que permanece inédito) informa que um prazo de três a quatro meses, mediando entre duas aplicações, é mais do que suficiente para a reaplicação. Mesmo que os examinados se lembrassem dos perpectos, ou seja, das respostas dadas anteriormente, estas já viriam transformadas pela memória e também acrescidas de novas associações. Esse procedimento ampliaria o campo de pesquisa, enriquecendo, portanto, a análise, e assim poderia redundar em benefício para os litigantes.

E também prática usual, lícita e profícua — quando por algum motivo relevante não se puder reaplicar o Rorschach — solicitar os dados técnicos da prova já aplicada por outro profissional a fim de realizar a conferência da classificação das respostas ou mesmo para reavaliação.

No caso de menor (es), procuro tanto quanto possível poupá-los de novo (s) psicodiagnóstico (s), reexaminando os já existentes no (s) laudo (s) anterior (s) e buscando nos estudos realizados por outro (s) profissional (is) novas interpretações teóricas e implicações práticas. Em muitas ocasiões, chego a diferentes ilações que poderão ter passado despercebidas ao perito oficial e, não raras vezes, concluo diferentemente do laudo oficial.

Em recente painel sobre a qualidade das perícias, realizada pela Ordem dos Advogados do Brasil/Seção de São Paulo, ponderava-se muito oportunamente que a primeira função do assistente técnico seria, além da leitura do processo, a de aconselhar ou desaconselhar a solicitação da perícia.

Tenho por norma profissional, ao assumir uma assistência técnica, proceder a prévio e minucioso exame da parte que busca minha assessoria profissional. Este exame inclui entrevista (s) e aplicação do Rorschach, realizada, como sempre,'às cegas" por especialista que desconheça os dados processuais. A respeito desse assunto, Piccinelli (em seu Parecer) afirmou: "Cabe lembrar que a análise será realizada 'às cegas', ou seja, o especialista do Rorschach deverá interpretar os psicogramas, que é como Silveira (1964) denomina os elementos já estudados nos índices e comparações, sem saber da história, ou da patologia ou problema,de vida do examinando. Importa é sabermos idade, sexo, escolaridade, profissão e, evidentemente, o contexto da prova ou a que se destina o exame" (Parecer elaborado para fundamentar trabalho pericial, p.4).

Tendo garantido o procedimento descrito acima, o assistido e o seu patrono estarão também cientes, desde o início de seu contato comigo, de que só contarão com a minha assistência se estiverem perfeitamente convencidos da posição que assumirei. Em caso contrário, pedirei minha substituição no processo.

Aceita a tarefa, o profissional na condição de assessor pericial deverá conscientizar-se de que lhe cabe prestar todo tipo de auxílio ao cliente e ao advogado no que concerne à psicologia. Inclusive orientará e mesmo se responsabilizará pelos quesitos necessários para a elaboração do Diagnóstico Situacional.

 

O Psicólogo e a justiça

A perícia psicológica não difere das demais perícias, em termos gerais. Assim, os prazos processuais serão rigorosamente cumpridos e, apenas, quando muito bem justificada a impossibilidade de cumpri-los, poderá o perito solicitar a prorrogação a ser aceita ou não, segundo o critério do Meretíssimo Juiz, conforme observou Altavilla (1982). Dessa forma, o perito-psicólogo deverá dispor de tempo para priorizar o trabalho pericial, levando em conta a necessária agilização da Justiça, imposta por situações aflitivas.

Todavia, existem os procedimentos preconizados pelos Artigos 429 a 431 do Código de Processo Civil, que não apenas previu, como também regulamentou a forma de realização das perícias, de modo geral, referentes a objetos materiais, engenharia, agrimensura etc. Embora preconizados em lei para outras áreas profissionais, tais procedimentos não podem ser literalmente cumpridos na perícia psicológica, pois o legislador não levou em conta que a Psicologia possui também suas próprias normas técnicas e princípios éticos, que não podem ser desconsiderados na realização das perícias.

Levando em consideração as normas citadas, a perícia psicológica deveria ser realizada em conjunto ou individualmente, mas todos os peritos poderiam — se assim o desejassem — instruir seu laudo com os mesmos referenciais, ou seja, com os mesmos testes. Nestes termos, seria possível proceder a psicodiagnósticos simultâneos com o mesmo sujeito e realizados por dois ou mais peritos diferentes. Mesmo o iniciante em Psicologia perceberia o absurdo que significaria realizar uma entrevista ou um teste concomitantemente com o mesmo sujeito por dois ou mais profissionais de Psicologia e/ou áreas afins.

Em certas oportunidades, exige-se que estas normas preconizadas por lei sejam seguidas. Tais exigências, por vezes bem-intencionadas, demonstram apenas o zelo desejoso das partes litigantes, manifestado através de seus patronos, de que a lei seja cumprida com todo rigor. Entretanto, demonstram também, através destas exigências sem fundamentação, o desconhecimento dos limites técnicos e éticos da Psicologia.

Vale também lembrar que tais exigências atendem, por vezes, a situações em que os causídicos, visando à defesa de seus clientes, se utilizam desse estratagema tumultuário e protelatório. Embora este seja um recurso legalmente aceito, traz somente prejuízos psicológicos e outros, especialmente aos menores envolvidos nos litígios.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária 3ª ed. Coimbra, Armênio Amado Editor, v II, 1982.        [ Links ]

CALDAS AULETE. Dicionário Contemporâneo de Língua Portuguesa. 2ª ed, Rio de Janeiro v. IV, 1964.        [ Links ]

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis, Editora Vozes, 1983.        [ Links ]

LANDRY, Michel. O Psiquiatra no Tribunal. São Paulo, Editora Pioneira/ EDUSP,1981.        [ Links ]

PICCINELLI, Lília de Muzio. Parecer Elaborado para Fundamentar Trabalho Pericial. Trabalho inédito        [ Links ]

SILVEIRA, AnibaL. O Método de Rorschach: Terminologia e Critério. Separatas dos Arquivos de Assistência aos Psicopatas de São Paulo, 1961, v. XXVII.        [ Links ]

SILVEIRA, Anibal. Parecer sobre Psico-diagnóstico de Rorschach: Elaboração do Psicograma. São Paulo, 1964.        [ Links ]

TARULES, Olepnilda Mary. O Psicodiagnóstico de Rorschach e suaContribuição a) Estudo Médico-Social e Criminológico. Revista do IMESC. São Paulo, 1982., v (3):35 e 36.        [ Links ]

 

 

* Este artigo resultou da adaptação de um trabalho apresentado no VI Congresso Latino americano de Rorschach e Outras Técnicas Projetivas, em julho de 1985, em São Paulo.