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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.6 no.1 Brasília  1986

 

MEMÓRIA VIVA

 

Elisa Dias Velloso

 

 

 

Ela é uma das pioneiras da Psicologia no Brasil. Iniciou sua carreira na década de quarenta e foi uma das fundadoras do Centro de Orientação Juvenil (COJ), no Rio de Janeiro. Durante mais de 20 anos, deu formação a várias gerações de médicos, psicólogos e assistentes sociais vindos das mais diferentes regiões do País. Em 1985, concedeu esta entrevista a Marcos Jardim Freire quando este era membro da Comissão Editorial da nossa Revista.

Quando começou e como se desenvolveu sua carreira?

Elisa Dias Velloso — Meu primeiro contato com a Psicologia foi no Instituto de Educação de Belo Horizonte, onde fui aluna do Prof. Iago Pimentel, autor de um dos primeiros livros básicos sobre o assunto no Brasil. Dele recebi um grande estímulo que me entusiasmou. A seguir, fui aluna de Helena Antipoff, na Escola de Aperfeiçoamento, que não existe mais, mas que foi um núcleo de grande valor na área de Psicologia e de Educação, em Minas Gerais.

Depois tornei-me assistente da Cadeira de Psicologia, no Instituto de Educação, onde tive a oportunidade de realizar uma coleta de dados para a pesquisa que constituiu a tese que apresentei ao concurso para técnico de educação do MEC. Num órgão desse Ministério, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), então dirigido por Lourenço Filho, trabalhei em seleção profissional, elaborando testes de nível mental para concursos do DASP.

Com a vinda da profª Helena Antipoff para o Rio de Janeiro, realizamos no Departamento Nacional da Criança um trabalho junto a instituições para menores carentes. Ela também planejou e fundou o Centro de Orientação Juvenil (COJ), com a colaboração do prof. Emílio Mira Y Lopez. O grupo inicial dos colaboradores do COJ participou dos primeiros cursos desenvolvidos lá. Convocada a trabalhar novamente em Minas Gerais, a profª Helena se afastou do COJ e coube a mim, então, a chefia e a coordenação dos trabalhos.

Quais eram os objetivos do COJ naquela ocasião?

Elisa — Houve sempre uma proposta de treinamento de médicos, psicólogos e assistentes sociais, com o objetivo de prepará-los para o atendimento e o estudo de técnicas de trabalho com os clientes adolescentes portadores de dificuldades emocionais.

Muitos profissionais se formaram no COJ nesse período?

Elisa — Sim, nós mesmos começamos aprendendo. Todos éramos principiantes, com pouca experiência. Muito nos valeu a atuação de Helena Antipoff, não só como mestra, mas como figura de identificação, com sua sólida cultura psicológica e com sua postura eminentemente clínica, herdada de Claparède e de Binet. Tivemos colaboradores ilustres, como o prof. Leme Lopes e a dra. Reba Campbell, e convocamos colegas que se especializaram nas várias técnicas de exames psicológicos para seminários e supervisões. Cumprindo um dos objetivos do COJ, tivemos estagiários das mais diferentes regiões do país.

Esses profissionais, que depois de formados voltaram a seus locais de origem, desenvolveram trabalhos voltados à comunidade, como acontecia no COJ, ou seguiram outras linhas de trabalho?

Elisa — Muitos se ligaram ao ensino, lecionando em faculdades de suas regiões, mas não foi uma tendência geral. Quando o COJ completou 15 anos de atividade, promovemos uma sessão de demonstração de atividades dos antigos estagiários que vieram expor publicamente como tinham utilizado a experiência adquirida entre nós. Foi extremamente rica essa experiência de contato com um público de jovens profissionais ansiosos por aprender. E, simultaneamente, continuávamos progredindo através das supervisões.

Quais os problemas ou dificuldades de uma profissão que estava começando a se desenvolver, numa estrutura ligada ao governo?

Elisa — Em termos de governo, nossa dificuldade foi a falta de verba. O COJ foi instalado sem qualquer dotação orçamentária e o primeiro mobiliário da sede foi recolhido entre o material descartado pelo ministério. Algumas verbas escassas para bolsas de estagiários e outras necessidades foram sendo conseguidas posteriormente. No COJ não houve conflitos interprofissionais. Sabíamos de incidentes bastante desagradáveis fora dali e que, alguns anos mais tarde, ocorreram dentro do próprio Ministério da Saúde, com acusações de incompetência aos psicólogos. Com o reconhecimento legal da profissão, em 1962, a identidade do psicólogo foi definida.

E em relação à sociedade tradicionalista, como foi a experiência de ser pioneira numa área tão controvertida?

Elisa — O respaldo do Departamento Nacional da Criança nos foi muito importante, sobretudo porque o trabalho do COJ sempre mereceu o maior respeito do nosso diretor imediato, dr. Flammarion Costa, e de seus colaboradores. Outros colegas, porém, enfrentaram dificuldades que só se atenuaram com a criação dos Conselhos Federal e Regionais de Psicologia. Com estes, a profissão se tornou adulta, com o seu próprio super-ego.

Faça uma avaliação do período em que a senhora esteve à frente do COJ.

Elisa — O progresso dos clientes e o sucesso profissional dos estagiários constituíram uma satisfação cotidiana. Além disso, o COJ introduziu uma atividade nova que foram as sessões freqüentes de demonstração de trabalho, com a apresentação de casos clínicos, para profissionais do Rio de Janeiro e de outros Estados. Sua atividade foi divulgada também através de publicações. Entre estas, merece destaque o volume publicado com o relato dos primeiros dez anos de atividade do serviço e as monografias de conclusão de cursos das assistentes sociais estagiárias.

Quais variações ou influências interferiram na sua linha de trabalho ou na do COJ?

Elisa — Foram as próprias mudanças ocorridas na sociedade, além do empenho dos profissionais em realizar um trabalho de maior profundidade. Para citar um exemplo: trabalhei no COJ por mais de vinte anos e nunca tivemos a experiência de lidar com problemas de adolescentes drogados. Naquela época, predominavam os desajustes na vida escolar, os problemas de delinqüência como pequenos furtos, problemática sexual, inibições e outros. Nos últimos dez ou quinze anos, o problema de drogas e de assaltos cresceu enormemente. E as técnicas de trabalho têm de acompanhar essa transformação da sociedade.

Em termos técnicos, quais as tendências predominantes na evolução do COJ?

Elisa — As técnicas de trabalho foram evoluindo num sentido de maior profundidade. Com o decorrer dos anos, toda a equipe — incluindo os estagiários — sentiu a necessidade de se submeter a uma análise pessoal. A formação regular de psicanalista foi o caminho dos médicos, que naquela época era facultada somente a eles. Hoje, a formação psicanalítica é acessível também aos psicólogos.

Na sua opinião, acha que há uma razão específica para a formação especializada se dar fora da universidade ou a universidade deveria se propor a atender a esse tipo de ampliação da formação?

Elisa — Para quem iniciou a atuação profissional há muito tempo, os progressos dos últimos vinte anos são sensíveis. Houve a oficialização dos cursos universitários de Psicologia, em 1962. Fui convidada para lecionar Psicologia Clínica na PUC-RJ com a bagagem dos cursos e estágios que tinha feito no Brasil e no exterior, além da experiência no COJ. Na minha opinião, a formação básica deve ser na universidade, que é o âmbito natural da pesquisa e, portanto, do progresso científico. No entanto, nota-se no Rio de Janeiro um interesse limitado dos estudantes por essa área. A preferência pela clínica é, sem dúvida, um desejo de autonomia profissional, assim como retrata a procura incipiente de solução dos próprios problemas de todos nós. A formação psicanalítica, porém, terá de ser realizada nas Sociedades de Psicanálise credenciadas para tanto. E, se um dia entrar nas universidades, terá de ser em nível de pós-graduação pela maturidade que exige.

Houve alguma mudança acentuada em termos de linhas ou tendências em Psicologia, nos últimos anos?

Elisa — Acredito que sim. Está ocorrendo maior diversificação nas técnicas utilizadas, algumas outras sendo superadas. Os colegas realizam estudos no exterior e o Brasil tem recebido a participação de estrangeiros. Tudo isso é necessário porque a ciência não tem fronteiras. É claro que tem a maior importância a adaptação às condições nacionais e locais do que vem do exterior.

 

Trabalhos publicados

Elisa Dias Velloso tem inúmeros trabalhos científicos que chegam a contar quase seis dezenas de títulos publicados ininterruptamente, desde 1940 até 1982. Estes trabalhos podem ser encontrados nas seguintes publicações: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Boletim do Instituto de Puericultura da Universidade do Brasil, Divisão Nacional da Criança, Revista do IPASE, Jornal de Pediatria, Revista do SENAC, Boletim da LBA, Pediatria e Puericultura, Revista de Psicologia Normal e Patológica, Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, Boletim da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul e Boletim da Sociedade Pestalozzi do Brasil.

Entre os temas tratados, destacam-se: os estudos de psicologia infantil e de distúrbios emocionais de crianças, as equipes e os centros de orientação psicológica, os psicólogos e a saúde mental, a situação da psicologia clínica no Brasil, entre outros.