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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.6 n.2 Brasília  1986

 

EM DEBATE

 

As alternativas para o psicólogo

 

 

 

Além de situar a questão do trânsito na nossa sociedade contemporânea, o Conselheiro José Sollero Neto descreve, no texto abaixo, as condições vigentes de ação do psicólogo nessa área e expõe, também, as propostas e iniciativas assumidas pelo Conselho Federal de Psicologia, no sentido de aperfeiçoar e ampliar as atividades em Psicologia do Trânsito.

"A questão do trânsito constitui-se num desaguadouro da problemática sócio-econômica e psico-social. Abordado em sua dimensão histórica, há que se considerar que as possiveis raízes do problema estejam associadas ao advento da indústria automobilística e à conseqüente mudança de hábitos e atitudes da população — despreparada para assimilar, de forma harmônica, as transformações no processo de produção e consumo de veículos automotores. A intensificação do processo migratório em direção aos centros urbanos, gerando o aparecimento de grandes cidades—igualmente não planejadas— parece constituir-se numa causa paralela do aparecimento de condições objetivas para uma série de fenômenos altamente complexos, inclusive o do trânsito.

O psicólogo dispõe de competência técnico-profissional para desenvolver todo um conjunto de atividades ligadas ao trânsito, pouco valorizadas, hoje, em virtude de uma herança que tende a limitar sua ação: a obrigatoriedade legal de exames psicológicos para seleção de motoristas tem dificultado a consideração de outras possibilidades de intervenção.

 

Quais os problemas desse setor?

É tão grande o número de problemas ligados à realização desses exames para motoristas, que a proposta de trabalhar pela extinção dos psicotécnicos tem sido trazida aos Conselhos Regionais, ao Conselho Federal, aos Sindicatos e aos diversos órgãos de representação da categoria. Os argumentos do interlocutor geralmente são: corrupção nos Detrans, validade dos exames, utilidade desse serviço para diminuir acidentes, relevância dessa forma de atuação quando comparada a outras alternativas de presença do psicólogo junto ao trânsito.

Não há ;omo fugir desse debate e desses problemas. O Plenário atual do CFP planejou seus trabalhos diante da situação atual e estabeleceu que essa é uma área de atuação prioritária. Os principais argumentos apresentados foram:

- há um preceito legal da realização do exame que nos compromete pública e profissionalmente;

- há um grande segmento da categoria envolvido que não pode ser abandonado (cerca de 1.500 psicólogos);

- as técnicas utilizadas são de grande valia, embora não estejam sendo utilizadas corretamente. É preciso tomar muito cuidado para não atingir o valor dos testes psicológicos ao discutir seu uso na seleção de motoristas.

Confiando na boa vontade demonstrada pelos atuais responsáveis pelo Sistema Nacional de Trânsito, o CFP está investindo tempo e recursos para corrigir os graves problemas do setor. Seria equivocado, entretanto, deduzir que o Conselho esgota nessa iniciativa sua proposta para o setor ou que se sentirá realizado com modificações epidérmicas no quadro atual. Pelo contrário, há um sentimento de que são tão graves os problemas existentes que a ausência de modificações profundas pode levar ao compromisso da própria relação psicólogo-sociedade. É forte, também, o sentimento de que, limitado à classificação das pessoas em motoristas aptos e inaptos, o psicólogo está dando contribuição muito aquém de suas possibilidades técnico- profissionais.

 

Um parecer do CFP

O Conselho Federal entende que as provas psicológicas utilizadas no exame de habilitação de motoristas, quando corretamente aplicadas, efetivamente contribuem para impedir a presença de maus motoristas no trânsito (Documento aprovado no Plenário do CFP e encaminhado ao CONTRAN). Mesmo que o número de pessoas que possam ser eliminadas a partir de um critério seguro seja pequeno, é preciso que se afirme com clareza que os testes psicológicos são capazes de identificar traços de personalidade e quais traços de personalidade facilitam ou dificultam a execução de determinadas tarefas.

Infelizmente, é preciso reconhecer que, depois de quase dez anos de uso de testes para habilitação de motoristas, estamos praticamente na estaca zero no que diz respeito à descrição do ato de dirigir, às diferentes categorias de motorista (do ponto de vista de funções psicológicas mais exigidas), à validação dos instrumentos que estão sendo utilizados.

'Se o governo, representado pelo conjunto de seus órgãos legislativos e executivos, não tiver interesse político e econômico em realizar as pesquisas de validação, necessárias para continuidade desse serviço preventivo de segurança, o CFP recomenda sua extinção. (...) É necessário corrigir as graves distorções hoje existentes, o que não poderá ser feito sem as pesquisas para validação científica dos exames.'(Documento aprovado no Plenário do CFP e encaminhado ao CONTRAN).

O que o Conselho está se propondo a fazer — além de clarificar o problema — é insistir junto aos órgãos do trânsito da necessidade de pesquisas e tentarsensibilizar o governo para liberar recursos financeiros para isso. É preciso trabalhar também para sensibilizar as universidades sobre a importância de que se reveste, no Brasil, essa área da Psicologia. A existência no País de um serviço preventivo dessa envergadura — e nisso, estando certos ou errados, nos diferenciamos dos demais países — cria para as universidades uma responsabilidade social aumentada.

 

Por uma diversificação de atividades

Outras atividades estão sendo desenvolvidas por psicólogos que lidam com trânsito, além de aplicar testes. É verdade que são poucos e que ainda buscam clarificação de papéis e integração com profissionais de outras disciplinas.

Entre outras atividades a serem mais exploradas, podem ser citadas as seguintes:

— levantamento comunitário (pedestres, motoristas, autoridades de trânsito, topografia do lugar), visando à elaboração de normas a serem implantadas. Como etapa complementar, preparar a comunidade para a implantação de normas, elaborando metodologia que avalie os efeitos da norma implantada, na comunidade;

—  participação na elaboração de políticas e diretrizes referentes à questão do trânsito;

—  orientação de instrutores de trânsito e de examinadores no que diz respeito a variáveis psicológicas envolvidas no ato de dirigir;

—  planejamento, organização e direção de setores de psicologia nos órgãos especializados de trânsito;

—  participação em equipes multi-profissionais nos órgãos de educação para trânsito a fim de desenvolverem programas destinados aos diferentes segmentos da comunidade;

—  integração de ações junto aos órgãos de Previdência Social na reeducação e reabilitação de motoristas;

—  atendimento a condutores de veículos envolvidos em infração, com ou sem vítima fatal, visando à reeducação a nível individual;

—  análise do 'histórico' de infrações de condutores de veículos, viabilizando o trabalho de acompanhamento de condutores potencialmente suscetíveis à ocorrência de acidentes no trânsito.

Além de corrigir distorções administrativas existentes no sistema e de promover pesquisas, è preciso ampliar a contribuição que os psicólogos estão dando nos dias de hoje. Nas cidades menores, freqüentemente existe a possibilidade de se contribuir mais junto à comunidade na educação para o trânsito, contando com a ação dos órgãos locais do trânsito no que diz respeito a políticas e campanhas locais e, também, contando com os instrutores de trânsito. Há profissionais trabalhando nessa direção e é preciso dar apoio, multiplicando o número desses profissionais.

 

Os encaminhamentos necessários

Que preparação recebem esses profissionais para atuar no trânsito? Que apoio recebem dos Detrans que contratam seus serviços? E se quiserem trabalhar bem, mesmo sem apoio dos Detrans, que suporte encontram nas universidades? Como lidar com uma parte considerável desse segmento da categoria que se encontra desmotivado, mal remunerado, mal informado, submetido a condições de trabalho inaceitáveis?

Neste momento, o Conselho Federal está debatendo a viabilidade econômica e prática de desenvolver, junto com órgãos do Sistema Nacional de Trânsito, um canal de comunicação direta com os profissionais da área: um boletim que aumente o nível de informação e forneça alternativas de intervenção.

Além disso, está buscando desenvolver no sistema estruturas de apoio técnico e administrativo para os profissionais da área. Que os Detrans não sejam apenas fiscalizadores, mas sejam referência objetiva para o trabalho que promovem.

É fundamental também modificar os critérios atuais de ingresso de profissionais ligados ao trânsito, tornando-os públicos e permitindo a escolha dos melhores profissionais interessados.

Considerando desde a existência de atividades de formação em Psicologia deTrânsito nas universidades até as mudanças apontadas acima, uma grande parte do caminho estará percorrida. Certamente, as associações de profissionais da área e entidades representativas cuidarão do que faltar para garantir uma ampliação das atividades desenvolvidas hoje e uma presença relevante do psicólogo na,s soluções desse grave problema social que é o trânsito.