SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 issue2A situação atual do uso de testesTerapia de família author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.6 no.2 Brasília  1986

 

EM DEBATE

 

Os direitos dos pedestres

 

 

A Associação Brasileira de Pedestres (ABRASPE), ama entidade civil, sem fins lucrativos, foi fundada em 1981, em São Paulo. Atualmente conta com 180 associados e filiais em Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. É filiada a International Federation of Pedestrians (Federação Internacional de Pedestres), cuja sede se situa em Hague, na Holanda.
O engenheiro Eduardo José Daros é um dos fundadores da ABRASPE e nos concedeu um depoimento sobre a criação e os objetivos dessa entidade.

"Trabalhando num órgão público ligado à área de transporte, tive várias vezes a oportunidade de levar idéias e propostas de estudos e de pesquisas que melhorassem as condições dos pedestres. Uma delas foi a dos célebres trajetos de fim de linha que envolve o cidadão morador na periferia da cidade. Quais os problemas que ele enfrenta ao sair de sua casa até chegar ao terminal de ônibus, trem ou metrô, fazer o percurso até o centro da cidade e depois finalmente chegar ao seu destino que pode ser o local de trabalho, de compras etc. Propunha, que esses percursos de fim de linha fossem considerados como parte integrante do sistema de transportes, pois o andar a pè deve ser considerado parte integrante desse sistema e não só o movimento dos carros.

Nunca encontrei receptividade por parte dos órgãos públicos. Tentava entender por que não havia receptividade. As explicações rapidamente se faziam presentes. Os programas para melhoria das condições dos pedestres nunca interessam às grandes empreiteiras. Normalmente, os órgãos públicos são favoráveis a obras ambiciosas, porque os grupos de interesse se mobilizam em torno delas. Se fosse para a pavimentação de vias, poderiam obter facilmente o patrocínio da indústria automobilística. No caso dos pedestres, os fabricantes de sapatos ou as empresas que constroem as calçadas não são grupos de pressão suficientemente fortes. Não havia como nos apoiar num grupo de pressão já existente, então sentimos que seria oportuno nós mesmos criarmos um grupo de pressão. Assim, surgiu a Associação Brasileira de Pedestres com o objetivo de conscientizar as pessoas e defender os direitos dos pedestres.

Com todo entusiasmo inicial, achávamos que, uma vez criada a Associação, tudo ia acontecer rapidamente. A realidade não correspondeu exatamente às nossas expectativas iniciais. Apesar disso, não desanimamos e já completamos cinco anos de existência. Nesse período, temos atuado de diversas formas que estão ao nosso alcance. Temos feito propostas dirigidas aos órgãos públicos, assim como procurado informar o público através dos meios de comunicação. Além disso, esforçamo-nos no sentido de fortalecer a adesão de novos associados.

Procuramos formular propostas de melhoria das condições dos pedestres e encaminhá-las aos órgãos públicos ligados ao trânsito. Além disso, tem sido necessário manter vigilância contra qualquer iniciativa que venha a prejudicar ou piorar a já carente situação dos pedestres.

Em qualquer oportunidade que nos dão para escrever um artigo ou fazer um pronunciamento, nós aproveitamos para chamar a atenção pública sobre o completo abandono e a precariedade das condições do pedestre no trânsito.

Uma das áreas bastante prejudicadas no trânsito é a circulação de pedestres. Esta tem um tratamento que não acompanhou a evolução atual das condições de trânsito. Não existe até hoje uma engenharia de trânsito de pedestres. Só existe por enquanto uma engenharia de tráfego de veículos, que também não é muito desenvolvida no Brasil. Não há também qualquer espécie de preocupação com o comportamento do pedestre. Não há no Brasil análise ou avaliação do comportamento de pedestres no trânsito, como tem sido desenvolvido em outros países. Por exemplo, quais são as reações do pedestre em relação ao tempo de espera num semáforo? Constatou-se numa pesquisa realizada na área metropolitana de Londres que, depois de um minuto detido pela sinalização, ele começa a ser tornar inquieto e tenta fazer a travessia independentemente de a sinalização estar favorável ou não a ele.

A própria parte ergométrica é um outro aspecto do comportamento do pedestre que deveria ser levado em conta. Não existe a preocupação em compatibilizar as dimensões da calçada com o fluxo de pedestre. Se existem pelo menos duas pessoas andando a pé, uma pode vir em sentido contrário da outra, então há a necessidade de uma largura mínima de calçada. Nem essa largura mínima é reconhecida em certos casos. Existem bairros residenciais em que a calçada è reduzida a 50cm de largura. Quer dizer, dá mal e mal para uma pessoa passar nela. A simples observação de situações desse gênero desestimula o andar a pé.

Se os problemas no centro das cidades são graves, na periferia são mais ainda. Geralmente, a periferia da cidade surge em decorrência de loteamentos que são feitos clandestina ou improvisadamente, sem preocupação com as necessidades dos pedestres. A luta começa com a reivindicação de ônibus urbano e de pavimentação. Quando é feita a pavimentação, a calçada fica para ser feita depois e, muitas vezes, nem se coloca guia ou sarjeta. Aí, criou-se um problema sério. Na hora em que se pavimenta, os veículos têm condições de desenvolver uma velocidade maior do que em estrada de terra.

O pedestre, que antes convivia com o veículo, passa a viver uma situação difícil: ele tem que pular para fora da via pavimentada quando passam os carros e, quando há pontilhões que não têm passagem para pedestre, tem que correr para não ser atropelado. A noite, não há iluminação nessas vias. Enfim, existem muitos fatores desfavoráveis aos pedestres, que aumentam significativamente os índices de atropelamentos."

 

 

A ABRASPE promove reuniões mensais, em São Paulo, que são abertas aos associados e ao público em geral. Para se tornar associado, basta preencher uma ficha de inscrição e pagar uma taxa anual. O proprietário de veículos paga Cz$ 80,00; o pedestre paga Cz$ 20,00; os idosos e os estudantes estão isentos de taxa. Para outras informações, dirigir-se á ABRASPE, Rua Roque Petrella, 556, CEP 04581, ou Caixa Postal n.º 21431, CEP 04698, São Paulo.