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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.7 n.1 Brasília  1987

 

Pós-graduação: um caso para pensar...

 

 

Sérgio Antonio da Silva LeiteI; Marlene GuiradoII

IInstituto de Psicologia da USP; Faculdade de Educação da UNICAMP
IIInstituto de Psicologia da USP

 

 

Os programas de Pós-Graduação das universidades brasileiras são submetidos regularmente a processos de recredenciamento e de avaliação, coordenados pelo Conselho Federal de Educação.

Para tanto, o CFE solicita a assessoria da CAPES — Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — que operacionaliza os procedimentos a serem adotados e indica os consultores que efetivamente realizarão as tarefas de avaliação de cada programa.

Na prática, esse processo se desenvolve a partir de um relatório anual que cada programa envia à CAPES, com todas as informações consideradas necessárias, tais como número de professores, cursos oferecidos, número de teses produzidas, fluxo de pessoal, relação docente/discente, publicações e pesquisas do corpo docente etc. Baseando-se nesses dados, o programa recebe a cada dois anos uma avaliação, através de conceitos emitidos.

A cada 5 anos o processo de recredenciamento supõe, regularmente, uma avaliação feita por relatores indicados pela CAPES; avaliação essa que orientará o CFE em suas medidas. Atualmente, as associações nacionais relativas a cada área de produção científica têm participado, sugerindo nomes de consultores para a realização dessas avaliações. No caso da Psicologia, a ANPEP — Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Psicologia — tem sido solicitada para sugerir tais nomes.

Sem entrar no mérito da necessidade de avaliações e recredenciamentos dos programas, o procedimento a que são submetidos merece uma discussão mais aprofundada, devido a problemas que, observa-se freqüentemente, esse procedimento tem provocado. Um desses problemas diz respeito aos próprios consultores da CAPES: em última instância, as avaliações e o recredenciamento dependerão do conceito que esses relatores apresentarem sobre o que eles consideram como área de concentração de um determinado programa. Assim, como entender que um mesmo programa, que não tenha sofrido mudança em sua estrutura e funcionamento, receba diferentes conceitos em diferentes momentos de avaliação? E isto tem acontecido...

Além disso, pode-se supor a existência de problemas relacionados com regionalismos, preconceitos, indisposições e problemas grupais, entre os referidos consultores e um determinado programa, fatos esses relativamente comuns em nosso meio universitário.

Uma outra questão relaciona-se com a avaliação e recredenciamento de programas de grande porte, com muitos docentes e diferentes linhas de pesquisa. Dependendo das concepções dos consultores da CAPES, pode-se observar uma certa rejeição à diversidade de linhas de pesquisa, o que pode revelar incompreensão sobre o que se considerar como área de concentração do programa.

O presente trabalho não pretende esgotar o assunto, nem mesmo apresentar novos procedimentos de avaliação e recredenciamento. A intenção é levantar algumas situações-conflito vivenciadas e, para exemplificá-las, será citado o caso recente do processo de recredenciamento do Programa de Mestrado e Doutorado em Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP).

 

O caso do processo de recredenciamento do programa de pós-graduação em psicologia escolar do IPUSP

No ano de 1986, em nome do CFE, a Drª Leda Maria Chaves Tajra fez um despacho a respeito do Programa de Mestrado e Doutorado em Psicologia Escolar do IPUSP, solicitando várias providências, dentre as quais: adequação das disciplinas aos objetivos da área de concentração, reformulação das ementas das disciplinas e fortalecimento das linhas de pesquisa. Além disso, o parecer indicou algumas disciplinas, cujos objetivos deveriam ser revistos no sentido de se adequarem à área de concentração — Psicologia Escolar. Prevê, portanto, modificações no programa, para que o mesmo seja considerado satisfatório pelo CFE e tenha revalidado seu credenciamento.

Diante disso, os docentes do programa iniciaram um processo de discussão sobre as questões apontadas, não no sentido de simplesmente adequá-lo às exigências, mas numa perspectiva de revisão e aprofundamento crítico do assunto, entendendo que o problema é muito abrangente e complexo, extrapolando os limites do referido parecer e exigindo uma tomada de posição que levasse a um esclarecimento sobre o estágio atual da Psicologia Escolar.

Reconhecendo a necessidade de uma ampla revisão e reformulação da estrutura e organização do atual programa, os professores, no entanto, entenderam que o referido parecer traz subjacente uma determinada concepção que não corresponde ao caráter dinâmico do desenvolvimento historicamente observado na Psicologia Escolar, caracterizada hoje por uma diversidade de propostas e concepções, determinadas em grande parte pela própria ação dos profissionais e pela pluralidade da pesquisa desenvolvida nesse campo.

Se, por um lado, tal diversidade dificulta o estabelecimento de limites da área de concentração, por outro, representa a riqueza de uma área multifacetáda, em franca expansão e desenvolvimento, e esse caráter deve ser considerado no planejamento não só dos cursos de pós-graduação como dos de graduação.

Essas considerações levaram o grupo de professores do programa à elaboração de um documento dirigido aos órgãos superiores, organizado em três grandes itens: a) considerações sobre a Psicologia Escolar no Brasil, salientando o seu caráter historicamente dinâmico; b) a justificativa das disciplinas oferecidas pelo programa; c) as medidas assumidas visando à reestruturação do atual programa.

O que se segue constitui a primeira parte desse documento. Elaborado pelos autores do presente artigo, discutido e aprovado por professores do programa, sua divulgação foi sugerida pelos mesmos, uma vez tratar-se de assunto que extrapola as questões internas da instituição, abordando um problema de interesse geral para professores, pesquisadores e profissionais da área em todo país.

Deve-se destacar o seu caráter de contribuição para a discussão, não havendo intenção de esgotar o tema, mesmo porque a realidade é muito mais rica e complexa do que as tentativas de definição e delimitação formais, e a compreensão dessa característica parece ser fundamental para o próprio desenvolvimento da Psicologia Escolar no Brasil.

Finalmente, é importante chamar a atenção do leitor para o fato de este documento, até pelo caráter circunstanciado de seu objetivo, ter merecido uma linguagem direta e simples, orientada a um determinado interlocutor — o CFE — e na defesa de um modo de ver a Psicologia Escolar e sua efetivação a nível da produção e do ensino de pós-graduação.

O que se pretende não é criar atrito, mas esclarecer a existência de pontos em comum na preocupação de oferecer um bom programa de Mestrado e Doutorado, bem como esclarecer as discordâncias em torno do que se considera o objeto e o âmbito da Psicologia Escolar e a relação entre a prática profissional e a produção acadêmica.

 

Algumas considerações a respeito da Psicologia escolar

O problema de definição da área

O problema que parece ser central não só no parecer do CFE, mas para grande parte dos docentes, pesquisadores e profissionais, diz respeito à própria definição e/ou delimitação dessa área denominada Psicologia Escolar.

Freqüentemente, faz-se distinção entre Psicologia Escolar e Psicologia Educacional para definir aquele que é o âmbito da Psicologia Escolar. A análise das publicações de autores nacionais e estrangeiros demonstra, numa primeira apreciação, que não há consenso a respeito do assunto, embora observa-se uma tendência para considerar que os psicólogos educacionais operam mais como docentes e pesquisadores inseridos em instituições de ensino, principalmente universidades, enquanto os psicólogos escolares exercem atividades mais relacionadas com a utilização de conhecimentos e procedimentos psicológicos para efeito de diagnósticos, intervenção, aconselhamento,consultoria docente, orientação, etc.

Sylvia Leser de Melo, professora do Instituto de Psicologia da USP e autora de "Psicologia e Profissão em São Paulo", traduzindo um pensamento ainda corrente em nosso meio, caracteriza essa diferenciação, afirmando que a Psicologia pode contribuir com a Educação e com a eficácia do processo educativo num nível científico, de investigação e de conhecimento sobre questões de educação: essa seria a Psicologia Educacional. A Psicologia Escolar, por sua vez, definir-se-ia pela "introdução do psicólogo na escola, como um técnico interessado no desenrolar do processo educacional", seria "uma área de aplicação da Psicologia voltada para a solução dos problemas escolares concretos que possam perturbar os objetivos educacionais".

Como se pode notar pelo texto acima, Psicologia Escolar e Educacional teriam seus limites fixados e sua distinção estabelecida, conforme uma divisão Ciência/Técnica e conforme o lugar de sua produção (nas instituições escolares concretas, ou, na academia, na pesquisa).

Sem entrar na complexidade de afirmações como essas e sem, em princípio, pretender esgotar a análise crítica e a contraposição a ela, vamos tomá-la, como dissemos, enquanto representativa de um modo de conceber a Psicologia Escolar: como contribuição da Psicologia à Educação,mas numa vertente que a diferencia de outra, a Educacional, constituindo-se em sua aplicação.

Hoje, dificilmente, poder-se-ia assumir a Psicologia Escolar como uma mera área de aplicação de atividades de pesquisa. E isso, por várias razões. Razões que vão desde as ações concretas dos profissionais na área, até a mudança na concepção do que seja Ciência e do que seja a Ciência Psicológica em particular.

 

Determinantes históricos

Para se entender a atual situação da Psicologia Escolar, bem como essa polarização com a Psicologia Educacional, são necessários, mesmo que sucintamente, alguns dados históricos sobre a implantação da Psicologia no Brasil e sua relação com a Educação.

Os relatos históricos disponíveis demonstram que as origens do ensino e da pesquisa em Psicologia no Brasil confundem-se com a instalação dos primeiros laboratórios experimentais nas escolas normais e a importação de professores e pesquisadores estrangeiros, nas primeiras décadas deste século, que trouxeram para cá as preocupações predominantes nos centros de pesquisa dos países mais avançados. Assim, grandes esforços foram dispendidos no estudo das diferenças individuais, destacando-se a criação e a adaptação dos instrumentos de medidas (testes), dos problemas de desajustamento, das crianças com distúrbios psicológicos e dos problemas de aprendizagem.

Pode-se, pois, perceber, no desenvolvimento histórico da Psicologia, as condições que propiciaram a desvinculação entre ciência e técnica, desde sua origem, representada respectivamente pela Psicologia Educacional, concentrada no ensino e na pesquisa, e pela Psicologia Escolar, através da utilização de técnicas psicológicas para a resolução de problemas concretos, à medida que os profissionais foram se inserindo no mercado de trabalho.

Paralelamente, deve-se destacar que, pelas inúmeras contingências que presidiram à introdução da Psicologia no Brasil, esta foi se constituindo, predominantemente, em práticas de consultório, baseadas no modelo médico e de profissional liberal. Ainda, a legislação posterior que criou e regulamentou a profissão de psicólogo bem como o currículo mínimo dos cursos superiores, não corrigiu essa tendência. Ao contrário, ratificou-a.

Uma das conseqüências desse quadro foi a subestimação das contribuições que a Psicologia poderia oferecer para além do âmbito consultorial e de atendimento individual. Hoje, praticamente, a Psicologia está ausente dos dois maiores tipos de prestação de serviços públicos: a Educação e a Saúde.

Uma outra conseqüência desse curso histórico foi que tais práticas, quando implantadas na situação escolar, mostraram-se bastante insatisfatórias para contribuir com a solução dos grandes problemas da área, assim, por exemplo, durante muito tempo os psicólogos que atuavam na escola tentaram trabalhar com a questão do fracasso escolar, através de práticas como psicodiagnóstico e terapia individual ou grupai da clientela das escolas. Pesquisas recentes têm demonstrado que a grande maioria dos chamados "problemas de aprendizagem", na realidade, são problemas da própria estrutura e funcionamento da escola e não da criança.

Os dados da recente pesquisa realizada pelo DIEESE, a pedido do Conselho Regional de Psicologia — 6ª Região e do Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo , revelaram que as áreas de atividade principal apontadas pelos psicólogos foram: 1) Consultórios — 57,5%; 2) Organizações — 21,2%; 3) Escolas — 11,9%; 4) Ensino de Psicologia — 6,9%; 5) Pesquisa— 1,3%; 6) Comunidade — 1,1%. No entanto, deve-se destacar que a maioria dos psicólogos que elegeram os consultórios como atividade principal mantém um segundo emprego, geralmente numa instituição educacional, de onde tiram basicamente recursos para seu sustento.

 

As reações aos modelos tradicionais

Apesar de o quadro acima delineado ter representado um atraso na extensão do âmbito de ação da Psicologia, novos fatores surgiram, principalmente a partir da última década, que têm interferido significativamente na atuação do psicólogo na área da Educação.

Em primeiro lugar, deve-se salientar um processo de autocrítica da própria categoria (pesquisadores, docentes e profissionais), reconhecendo a inadequação das formas de atuação tradicionais e simultaneamente buscando modelos alternativos. Em 1981, num levantamento realizado pela Comissão de Educação CRP-Sindicato, sobre as atividades desenvolvidas pelos psicólogos de São Paulo, em escolas públicas e particulares, detectou-se que, embora 50% da amostra ainda desenvolvessem atividades de atendimento a crianças-problema, era evidente a busca e o desenvolvimento de novas atividades como orientação e acompanhamento de professores, atuação junto à equipe técnica, trabalho em grupos para orientação de alunos, orientação psicopedagógica e profissional, planejamento de lazer, participação no planejamento curricular, atendimento e orientação a pais e comunidade em geral. Além disso, era crescente a preocupação com o desenvolvimento de modelos de atuação voltados principalmente para crianças oriundas de setores socialmente marginalizados. Evidenciou-se também uma grande necessidade de repensar o papel do psicólogo numa instituição educacional, em função da compreensão dos processos educativos como realidade complexa de relação interpessoal e grupal sobredeterminado pela contextura política, social e econômica mais ampla.

Sem dúvida alguma, esse processo de busca de alternativas socialmente mais relevantes foi incentivado pelas contribuições desenvolvidas internamente (Psicologia Social, Comunitária etc.) e por aquelas advindas de outras áreas científicas, onde se destaca a Sociologia, permitindo, por exemplo, a compreensão da natureza ideológica da atuação do psicólogo.

A reflexão mesma sobre o que é a Educação, sobre as instituições que a fazem um processo social básico e sobre a Escola, enquanto instituição educativa em relação com outras práticas sociais e educacionais, abrem à Psicologia um leque de oportunidades para efetivar conhecimentos e ações profissionais. Mais que isto, conduzem a Psicologia à reflexão sobre seu lugar entre as outras ciências e sobre a questão dos métodos de investigação na construção do seu saber. Conduzem a Psicologia Escolar, por sua vez, a não se ver desligada desse conjunto de questionamentos. Pelo contrário, conduzem-na a se ver no seio das dúvidas, diferenças e consensos que perpassam as ciências e as profissões.

Um outro fator de grande importância nesse processo foi o desequilíbrio entre o mercado de trabalho e a oferta de mão-de-obra. O quadro agravou-se por uma política educacional pós-64, que permitiu o crescimento desbragado do ensino superior (num período de 10 anos, houve um aumento de 700% na oferta de vagas nos cursos superiores; hoje, no Estado de São Paulo concentram-se 25 mil psicólogos, correspondendo a metade dos profissionais do país), o que levou os psicólogos a buscarem novas "saídas". É provável que este fato tenha facilitado a revisão profissional, incrementado a partir de 1980 em São Paulo, pelas entidades de representação da categoria.

 

As conseqüências para os cursos de graduação e pós-graduação

Esse movimento da prática e do saber psicológico, enquanto Psicologia Escolar, bem ou mal, atingiu os cursos de formação e psicólogos, pesquisadores e professores em Psicologia.

O mesmo levantamento de 1981, da Comissão de Educação CRP-Sindicato, demonstrou que um dos principais fatores a provocar alterações curriculares, são as pressões externas, exercidas principalmente pelas referidas condições do mercado de trabalho. Em 15 Faculdades de Psicologia no Estado de São Paulo, as seguintes atividades de estágios na área de Educação foram detectadas: caracterização e levantamento de necessidade de uma instituição; prevenção de distúrbios emocionais e de aprendizagem; orientação profissional; orientação de professores; orientação de pais; atuação em pré-escolas, classes especiais e primeiras séries; relação escola-comunidade; trabalho com prontidão; atuação com crianças marginalizadas. Embora tal levantamento não conseguisse avaliar a qualidade desses trabalhos, sem dúvida, fica patente a desvinculação, pelo menos parcial, da influência do modelo consultorial na formação em Psicologia Escolar. Além disso, esses estágios eram desenvolvidos principalmente em escolas públicas, mas abrangiam também creches, escolas particulares, faculdades, APAEs, institutos de menores, classes especiais, centros de recuperação, escolas paroquiais, favelas e sindicatos.

Poder-se-ia prever, ainda, que os cursos de pós-graduação não passariam incólumes a esse processo de transformação, sendo também influenciados e pressionados a se adaptarem às novas necessidades geradas pelos fatores já discutidos. Essas influências são identificadas pela crescente diversidade de disciplinas ofereceidas e pelo também crescente número de dissertações de mestrado e teses de doutorado realizadas a partir de pesquisas cujos problemas derivaram-se de questões relacionadas com a prática profissional dos psicólogos.

Este último dado, principalmente, tem colocado em dúvida a polaridade inicialmente apresentada neste documento sobre a divisão tradicional entre Psicologia Educacional e Escolar. Tal divisão parece ser influência do modelo tradicional americano que considerava a pesquisa básica, realizada em laboratório, de caráter mais nobre e fundamental, em contraste com a pesquisa aplicada, considerada de nível inferior, devido às dificuldades de controle de variáveis na situação natural. Hoje, tal consideração parece estar superada. Conforme afirmamos anteriormente, a reflexão sobre o estatuto científico da Psicologia avançou, relativizando muito essa discussão.

 

Conclusões

Dos argumentos expostos acima, podem-se tirar algumas considerações relevantes para o problema em questão.

1)  A Psicologia Escolar apresenta-se hoje como uma área multifacetária, sendo necessário permitir essa diversidade para defini-la, deveríamos ter a definição como ponto de chegada e não de partida. Como relembrou Rolando Garcia, em conferência no 2° semestre de 1986 no Instituto de Psicologia da USP, "a ciência é um produto social e a direção que a mesma toma é produto de fatores e problemas geralmente extra-ciência, os quais caracterizam a demanda social".

2)   Tal consideração parece adequar-se perfeitamente à Psicologia Escolar que, no seu curto período de vida, foi grandemente influenciada e enriquecida por fatores oriundos das necessidades sociais reais e concretas da área educacional. Assim, seria ingênuo acreditar que, como área nova, a Psicologia Escolar logo se firmaria com limites claramente estabelecidos; na realidade, isto representaria, levando-se em conta seu histórico, o seu próprio desaparecimento. Observa-se hoje que a chamada Psicologia Escolar encontra-se em franco desenvolvimento científico, teórico e prático, o que continuará afetando os currículos dos cursos de graduação e pós-graduação.

3) Da mesma forma, é bastante difícil estabelecer os limites entre Psicologia Educacional e Escolar, pelo menos partindo-se da divisão tradicional. A crescente preocupação dos profissionais, engajados no mercado de trabalho, com as questões e pesquisa, tem demonstrado que, se tal divisão permanecer, será em função de outros critérios que não os inicialmente expostos (pesquisa x técnica). Neste sentido, a título de ilustração, as entidades de representação da categoria em São Paulo não têm mais utilizado as nomenclaturas Psicólogo Escolar e/ou Educacional; têm se referido ao "Psicólogo da Área de Educação", seja pesquisador, professor ou funcionário de uma instituição educacional pública ou particular.

4) (a) Se as práticas de Psicologia em Educação se diversificam;

(b)  se, cada vez mais, informações de outras regiões do saber social e científico têm enriquecido essas práticas;

(c)  se o Programa de Pós-Graduação de Psicologia Escolar tem em seu quadro docentes, pesquisadores e estudiosos que, até certo ponto, acompanham essa evolução;

(d)   se os órgãos representativos de classe profissional (CRP-Sindicato) têm expressado a demanda dos psicólogos de não restringir a ação ao contexto escolar, mas expandi-la para instituições que lidem com a Educação em seu sentido mais abrangente;

(e)  se, em tais instituições, o grupo (ou a ação-alvo) não é apenas o aluno e sua aprendizagem, ou, o professor e sua técnica de ensino, mas, a própria relação educativa e a instituição como um todo em que ela se dá; parece mais satisfatório permitir que um Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar, numa universidade como a de São Paulo, no momento, não se feche em poucas linhas de pesquisa ou, em linhas que tenham como objeto o aluno, o professor, o método de ensino ou a aprendizagem de conceitos. Uma vez que, a exemplo, gradativamente, ganham espaço os treinamentos de professores ou monitores para trabalhos em creches e comunidades, aquelas disciplinas e pesquisas que tratam de processos grupais e institucionais e de coordenação de grupo, justificam-se num Programa de Psicologia Escolar. Desenvolver projetos de pesquisa nessas situações e oferecer cursos que direta ou indiretamente subsidiem sua iniciativa significa, de alguma maneira, atender e fazer avançar a demanda social e a da prática profissional. E essa é, a nosso ver, uma função da ciência.

5) Muito embora, como já se afirmou no início do presente documento, o Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar tal como vem sendo oferecido mereça reformulações — algumas, inclusive já propostas pela Comissão de Avaliação como, por exemplo, Seminários de Metodologia de Pesquisa —, é importante que não se perca de vista o fato de uma definição restrita da Psicologia Escolar (neste momento histórico do processamento da profissão e do saber científico) fazer, como conseqüência, um recorte arbitrário na realidade em nome de uma produção específica.

Finalmente, deve-se salientar que as idéias aqui arroladas não pretendem esgotar o assunto nem mesmo detalhar profundamente as questões, mesmo porque já existe uma bibliografia básica. O que se pretendeu foi subsidiar a discussão sobre a área de Psicologia Escolar, ressaltando as rápidas transformações que vem sofrendo e a tentativa de firmar-se como uma área de atuação cada vez mais relevante, ou seja, que colabore e participe crescentemente com a busca e desenvolvimento de soluções dos principais problemas que afetam a realidade educacional brasileira, a partir do conhecimento que continuamente se constrói nas diversas áreas da Psicologia.

 

Referências Bibliográficas

(1) Mello S.L. Psicologia e Profissão em São Paulo. SP,Ática, 1977, p.53-54.        [ Links ]

(2) Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo. Conselho Regional de Psicologia - 6a. Região. O Perfil do Psicólogo no Estado de São Paulo. São Paulo, Cortez, 1984.        [ Links ]