SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 issue1A diferença não é déficitVicissitudes na hospitalização de crianças author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.7 no.1 Brasília  1987

 

A relação terapeuta - cliente sob o enfoque comportamental

 

 

Thereza Pontual de Lemos Mettel

Profª da Universidade de Brasília

 

 

A relação terapeuta-cliente deve ser vista como uma das mais importantes variáveis dentre aquelas introduzidas na experiência do cliente com o início da terapia. Neste ponto, acredito que todas as terapias têm este aspecto em comum, embora possam usá-lo de maneiras e intensidades diferentes.

Na terapia comportamental há vários níveis de participação do terapeuta e, portanto, de sua pessoa como variável significativa. Quando o procedimento é mais delimitado e rápido e o cliente é mais normal, sua participação como variável torna-se menos importante e mais limitada. O relacionamento de dependência não é estimulado, como também não o é nas terapias Rogerianas, Racional Emotivas e na "Reality Therapy" de Glaser, para citar apenas algumas terapias não analíticas.

Em casos de maior comprometimento do cliente e quando o nível de ansiedade e desorganização psicológica é mais alto, o terapeuta assumirá um papel mais preponderante na situação ambiental da terapia e fora dela. Ele, então, se tornará um importante elemento motivacional e a sua pessoa um modelo, um reforçador social por excelência, um estímulo discriminativo. No entanto, não parece que seja ele, o terapeuta, o elemento mais importante no processo de aprendizagem que deverá se desenvolver na terapia.

Kanfer e Phillips (1975) dizem que os fatores de relacionamento são muitas vezes determinantes da mudança de comportamento durante a terapia, assim o conjunto de variáveis que é o terapeuta, pode "aumentar ou diminuir a eficácia das técnicas comportamentais, através do impacto de suas características pessoais e da interação" com o cliente. Na situação ambiental da terapia comportamental, o terapeuta e sua pessoa operam, portanto, como:

— o reforçador social por excelência;

— o modelo;

— o estímulo discriminativo para certos comportamentos;

—  o observador-participante que irá colaborar no desenvolvimento do programa de tratamento junto com o cliente.

A este ponto, pergunta-se:

Como o terapeuta poderá se tornar esta variável importante de contexto nas terapias comportamentais?

Quais seriam as características pessoais do terapeuta que o tornariam mais eficiente?

Qual seria o papel social do terapeuta na terapia?

Qual seria o seu envolvimento no desenvolvimento da interação com o cliente?

Qual seria a função da "confiança" ou "expectativa" do cliente com relação à capacidade ou competência do terapeuta?

Como deveria o terapeuta usar as características da interação afetiva, sem correr o risco de se concentrar apenas no uso das "variáveis de interação cujos efeitos podem ser triviais e indiretos?" (Kanfer e Phillips, 1975).

A continuação do estudo científico e da análise das condições e características da relação terapêutica faz-se cada dia mais importante e premente. Carl Rogers neste ponto foi um pioneiro quando pela primeira vez na história da psicologia gravou uma sessão de psicoterapia, para posterior observação e análise. Preocupava-o, na época, procurar respostas para as perguntas: O que acontece na sessão de terapia que poderá levar o cliente a mudar? O que é terapêutico na relacionamento terapeuta-cliente? Leonard Krasner (1978) diz que a "gravação de entrevistas patrocinada por Carls Rogers abriu caminho para a observação naturalística do que realmente acontece na psicoterapia... as verbalizações dos terapeutas foram assim observadas, categorizadas, quantificadas e sistematicamente relacionadas às categorias de verbalizações do cliente.

As terapias comportamentais têm esquecido de estudar e até de enfatizar este aspecto no estudo da situação terapêutica e, durante muitos anos, os relatos de tratamento foram feitos apenas com dados do cliente. E onde está o terapeuta nisto?

Quais são os comportamentos do terapeuta que poderão entrar como elementos significativos no contexto da situação terapêutica? Será possível identificar de modo mais objetivo as qualidades comportamentais do terapeuta? Vê-se nestas perguntas a necessidade premente de maior preocupação e investigação destas variáveis.

Warren, em 1978, procurou estudar algumas destas variáveis e tentou medir o que ele chamou de comportamentos assertivos positivos e a expressão de ternura do terapeuta. Para ele os "comportamentos assertivos positivos ou a expressão de sentimentos de apreciação, afeto positivo (gostar), empatia e "self-disclosure" permitem um indivíduo se tornar mais reforçador para os outros e, portanto, pode encorajar a comunicação e a expressão de afeto de outros.

Pergunta-se, então, que qualidades de estímulo da pessoa do terapeuta facilitariam o contacto humano e a comunicação positiva ou genuína entre pessoas? O que tornaria o terapeuta — sua pessoa como instrumento — o grande facilitador na situação terapêutica? Para que perguntas como estas sejam respondidas é preciso observar os comportamentos verbais e os não verbais, o padrão oferecido na interação, para se ser capaz de descrever, analisar e entender as diferenças entre terapeutas e sua menor ou maior eficiência no relacionamento.

Que características comportamentais do terapeuta, que "dicas" levarão o cliente à percepção da aceitação e não julgamento do terapeuta? O que aprender de Rogers? Parece que o mais importante é acreditar no cliente, aceitá-lo sem julgá-lo, a fim de mudar as condições de relacionamento na sua vida. Como descrever estas condições, como desenvolver esta qualidade nos futuros terapeutas, como investigar estes aspectos?

O relacionamento, a interação pessoa com pessoa, é o grande exercício da situação terapêutica. O terapeuta dá modelo e prática de relacionamento inter-pessoal sadio com seu cliente. A terapia é uma experiência de vida onde comportamentos sociais e afetivos novos devem ser desenvolvidos no relacionamento entre duas ou mais pessoas envolvidas na terapia.

A generalização deste relacionamento deverá ser possível para outras pessoas e situações e, para isto, o terapeuta deveria se comportar mais como uma pessoa do que como um mágico, um todo-poderoso... É preciso estudar os tipos e as características de relacionamento entre adulto-adulto, adolescente-adulto,criança-adulto. Daí a versatilidade da terapia comportamental que faz uso de co-terapeutas e patrocina a colaboração de outras pessoas na vida do cliente, que possam ter qualidades terapêuticas no seu relacionamento.

A ocasião de se desenvolver comportamentos sociais e afetivos novos, o início e o treinamento deles é na sessão de terapia. Pergunta-se, pois:

•  como facilitar a generalização?

•  como não "mistificar" o relacionamento terapeuta-cliente, a ponto de tornar difícil a generalização e a autonomia do cliente?

R. Hare Mustin et alii, (1979), dizem que o treinamento convencional em psicoterapia, muitas vezes enfatiza a contribuição do cliente para o problema, mas subestima as forças sociais externas que modelam o comportamento do cliente. Esta ênfase limita a percepção do terapeuta sobre a sua própria contribuição ao processo de terapia. Finalmente, faz-se mister um trabalho cuidadoso e permanente de investigação "paripassu" com o trabalho clínico para que o processo de relacionamento cliente-terapeuta seja esclarecido. Os benefícios desta investigação serão múltiplos, atingindo os profissionais, a sociedade a quem prestam serviços e o conhecimento psicológico como um todo.

 

Referências Bibliográficas

BRAMMER, H.A. The helping relationship: process and skills. New Jersey, Prentice-Hall, Inc., 1973.        [ Links ]

HARE-MUSTIN, R.T., MARECEK, J., KAPLAN, A.G. e LISS-LEVINSON, N. Rights of clients, responsibilities of therapists. American Psychologist, 34(1): 3-16, 1979.        [ Links ]

KANFER, F.H. e PHILLIPS, J.S. Os princípios da Aprendizagem na terapia comportamental. (Vol. III). São Paulo, E.P.U., 1975.        [ Links ]

KRASNER, L. The future and the past in the behaviorism — humanism dialogue. American Psychologist, 33(9): 799-814, 1978.        [ Links ]

SEGAL, E. Behavioral and cognitive psychology. Revista Mexicana de Analisis de la Conduta. 4(2): 203-215, 1978.        [ Links ]

WARREN, N.J., e GILNER, F.H. Measurement of positive assertive behaviors: the behavioral test of tenderness expression. Behavior Therapy. 9; 178-184, 1978.        [ Links ]