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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.8 no.1 Brasília  1988

 

LEITURA

 

O apego e a separação

 

 

Eulina da Rocha Lordelo

 

 

As relações mãe-filho e o cuidado substituto em creches e escolas são questões mais que atuais, urgentes. As grandes transformações sociais por que passamos hoje, com a urbanização crescente e o ingresso da mulher na força de trabalho e seu impacto sobre a organização familiar, colocam para a sociedade e a ciência importantes desafios. Entre esses, temos agora de compreender a natureza das relações entre a criança, sua mãe e outros adultos, e suas implicações para as práticas educacionais modernas.

Desde o relatório de Bowlby à OMS, em 1951, relatando os efeitos negativos da separação e da criação de crianças em creches ou instituições, muito se tem estudado e discutido sobre o tema. A emergência de fortes pressões no sentido de permitir às mulheres condições para o desenvolvimento da atividade produtiva fora do lar esbarra freqüentemente na incapacidade da sociedade em fornecer uma estrutura competente de suporte; mas não é incomum a existência de dúvidas entre as próprias famílias, sobre as conseqüências da creche para as crianças. Muitas mães sentem-se culpadas por deixarem seus filhos em creches, tanto pelo temor de que não recebam os melhores cuidados, como pela insidiosa dúvida, fomentada por certa ideologia corrente, acerca de seu amor materno, questionável diante de um suposto desamor implicado na decisão de confiar o filho a estranhos.

Embora a pesquisa psicológica não possa sempre ser tão específica, ela contribui para um equacionamento desses problemas, à medida que pode fornecer informação sobre a natureza da relação mãe-criança, e quais as melhores condições para a separação e o cuidado substituto.

Este é um primeiro mérito do livro de Clotilde Rosseti-Ferreira: trazer a público um trabalho atual e interessante, pleno de conseqüências práticas. Mãe e CriançaSeparação e Reencontro é o relato de um estudo longitudinal sobre o comportamento de grupos de crianças e mães em situações de separação e reencontro, com ênfase num arranjo natural das situações de observação. São exploradas as conseqüências desse tipo de arranjo, em que se instruem as mães para se comportarem do modo que lhes parecer mais correto e usual, para o comportamento dos sujeitos, com resultados geralmente diferentes dos encontrados na literatura com respeito à intensidade das reações à separação.

A autora faz uma excelente revisão da literatura sobre o apego, desde as idéias e estudos iniciais; mostra a evolução do conceito de apego, partindo da concepção de uma relação derivada da satisfação das necessidades orais da criança, para os enfoques mais recentes, onde se demonstra a importância da responsividade do adulto e a qualidade da interação com a criança para a formação dos vínculos que caracterizam o apego. Expõe, em seguida, a metodologia empregada, de forma detalhada e precisa, incluindo a indicação dos programas de análise dos dados através do uso de computadores. Ressalte-se a importância da apresentação desses procedimentos de análise, dada a dificuldade do estudo, em Psicologia, do comportamento em suas dimensões mais complexas e dinâmicas, como é o caso das seqüências de interação e direção do comportamento, um objetivo que se mostrou viável alcançar através dos programas descritos.

Os resultados apresentados enfatizam a importância do ambiente natural — presença de outros adultos e crianças — para diminuir as reações de protesto à separação da mãe, bem como permitir aos outros adultos assumirem um papel ativo na interação com a criança.

Embora a apresentação dos resultados quantitativos de forma detalhada implique uma leitura um tanto difícil para leigos, e mesmo para profissionais sem uma maior familiaridade com a pesquisa, trata-se de um livro indispensável para quem se interessa em estudar sistematicamente o problema da relação mãe-filho-apego/ separação e suas implicações para as práticas sociais contemporâneas de criação e educação de crianças.

 

 

Mãe e criança. Separação e reencontro, de M. Clotilde Rossetti-Ferreira, Edicon, 176p.