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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.8 n.2 Brasília  1988

 

Por que os trabalhadores criaram o DIESAT

 

 

O DIESAT (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho) foi criado, em 1979, como uma espécie de DIEESE da Saúde, por um conjunto de Sindicatos de diferentes categorias profissionais. Seu principal objetivo consiste em pesquisar, estudar, sistematizar e divulgar as correlações entre saúde/doença e trabalho, desde o ponto de vista dos trabalhadores, em suas reivindicações, em conjunto com os Sindicatos.

Remígio Todeschini, secretário geral do DIESAT, deu o seguinte depoimento:

"O DIESAT nasceu como resultado de uma comissão intersindical. Esta era composta de Sindicatos preocupados com as condições de trabalho versus doenças que estavam escondidas. A proposta foi a de fazer um trabalho técnico no sentido de subsidiar o movimento sindical nas suas reivindicações por melhores condições de trabalho.

A estruturação do DIESAT surgiu no sentido de reunir técnicos, médicos, economistas, psicólogos, cientistas sociais, que fizessem reflexões, pesquisas e estudos sobre saúde, do ponto de vista dos trabalhadores, contrapondo-se ao discurso oficial do governo que coloca a questão dos acidentes e das doenças ocupacionais como se nada mais fosse do que questão de 'educação' dos trabalhadores. Para o governo, o trabalhador sofre acidente ou adoece porque, na realidade, ele é inseguro, indisciplinado, desleixado. Contrário a este enfoque, o DIESAT tem feito uma série de estudos e pesquisas, demonstrando que determinados setores tanto de serviços quanto os industriais são realmente nocivos à saúde dos trabalhadores. Procuramos relacionar todos estes problemas de saúde com as condições de trabalho a que os trabalhadores estão submetidos no dia-a-dia.

Constatamos que a Previdência Social tem uma dificuldade muito grande de fazer o registro de acidentes e doenças profissionais. Hoje, os acidentes de trabalho no Brasil contam em torno de 1 milhão e 100 mil. Estes são aqueles comunicados pelo patronato e registrados pelo governo. Esse número oficial, para corresponder a um quadro real, deve ser no mínimo dobrado. Os acidentes com recuperação de pouco tempo (menos de 15 dias) nem chegam a ser registrados nas estatísticas oficiais. Além disso, as estatísticas oficiais contam somente a massa segurada da Previdência, que é em torno de 25 ou 26 milhões de trabalhadores. Quer dizer, o trabalhador subempregado e o rural estão todos colocados de fora destas estatísticas e dos benefícios.

Quanto às doenças profissionais, o número registrado no ano passado foi estimado em torno de 6 mil. Esse número, para corresponder à realidade, deveria ser 20 vezes maior. Isso sem falar que a doença mental nem está registrada entre as doenças profissionais. É como se não houvesse qualquer nexo causal entre a condição de trabalho e o problema da doença mental, mas de fato a doença mental está relacionada às condições de trabalho, através das quais se manifesta nas suas mais variadas formas".

Confirmando o depoimento de Remígio Todeschini, há um estudo do DIESAT onde se encontram as seguintes afirmações sobre neuroses e hipertensão arterial:

"As neuroses são o diagnóstico mais freqüente da Perícia do INPS, determinando o afastamento temporário do trabalho. São também a primeira causa de renovação deste afastamento. As doenças mentais, de um modo geral, são as mais freqüentes e quase única causa da aposentadoria por invalidez abaixo dos 40 anos".

"A severa desigualdade na distribuição de renda, a aceleração da expansão demográfica, a progressiva urbanização das populações, o afastamento dos vínculos familiares, a precariedade das habitações, a carência alimentar, as desigualdades de transporte e o desemprego são fatores de tensão e condicionadores de demanda crescente por assistência psiquiátrica. A pobreza em si e por si mesma coloca essa população mais vulnerável aos distúrbios psíquicos e empresta a estes um caráter de maior gravidade".

Reconhecendo as origens e vínculos das doenças mentais, este texto da Previdência omite a relação, freqüentemente mais estreita, entre trabalho e as condições, ambientes, formas e relação de produção, em que é exercido — e também fator determinante daquela e de outras doenças. O trabalho perigoso, insalubre, penoso, monótono, repetitivo; a aceleração do ritmo de produção, a antevisão do acidente, da invalidez e a velhice miserável; a perspectiva do desemprego, a burla constante aos mínimos direitos estabelecidos pela legislação, já injusta e arbitrária, fazem os trabalhadores tomarem consciência da exploração e a falta de perspectiva de revertê-la; enlouquece-os. Quem não enlouqueceria? Assim, a doença mental não encontra resposta quer a nível social, quer a nível médico ou previdenciário. Os que têm agravado seu quadro acabam sendo asilados, prática que cronifica a doença e os marginaliza de vez, levando-os à única opção presente: a aposentadoria.

Em 1982, as doenças cárdiocirculatórias, que dão substrato orgânico à hipertensão arterial, foram responsáveis pelo maior número de mortes no Brasil. Este grupo de enfermidades, conhecidos desde a antigüidade, cresceu dramaticamente nos últimos 100 anos em todo o mundo, e nos últimos 40 anos em nosso país, quando o processo de industrialização e urbanização se aceleraram.

O prolongamento da vida das populações, seu envelhecimento e o tabagismo são fatores reconhecidos da gênese dessas doenças, mas não são os únicos. As doenças isquêmicas do coração e a hipertensão arterial estão ocorrendo cada vez com maior freqüência em indivíduos jovens e, especificamente, em determinadas categorias profissionais, independentemente de classe social, e todas as pesquisas feitas até agora indicam que suas causas são o ritmo de trabalho, a exigência irrecorrível da atenção e todos os condicionamentos que envolvem o homem e o trabalho" (Incapacidade, Trabalho e Previdência Social, edição do DIESAT/IMESP, São Paulo, 1984, p.191-192).

Prosseguindo seu depoimento, Remígio Todeschini respondeu a seguinte indagação: na visão do DIESAT, como pode ser realizado o trabalho do psicólogo quanto à saúde/doença mental do trabalhador?

"O próprio trabalhador considera a Psicologia como coisa de louco. Por outro lado, vemos normalmente um grupo de profissionais (psicólogos, médicos etc.) que estão trabalhando na empresa e que no fundo, pretendem adequar os trabalhadores ao regime de trabalho adotado lá. Como são pagos pela empresa, eles querem que o trabalhador se sinta bem para produzir melhor. Na realidade, não existe ainda um número significativo de profissionais de Saúde que esteja assumindo o ponto de vista dos trabalhadores. Entretanto, esta constatação pode ser revertida.

Recentemente, tivemos uma experiência muito boa com os trabalhadores químicos do ABC, envolvendo o atendimento psicológico no Programa de Saúde do Trabalhador. Estava ocorrendo a contaminação por metais 'pesados', principalmente o mercúrio, que provoca no trabalhador alterações psicológicas. Houve uma pesquisa sobre a saúde do trabalhador durante o período de contaminação por mercúrio na Eletrocloro, demonstrando a necessidade de se considerar e tratar os problemas psicológicos decorrentes da exposição a metais 'pesados' .

Há um campo amplo para o psicólogo atuar nessa área de saúde mental e trabalho. Esse campo se abre principalmente com o Programa de Saúde do Trabalhador, que está sendo implantado em diversas regiões de São Paulo e também em outros pontos do País pelas Secretarias Estaduais de Saúde. É interessante constatar que muitos Sindicatos estão acompanhando o desenvolvimento desses Programas. Então, a atuação do psicólogo nesses Programas pode ser bastante relevante. Vai abrir-se uma grande oportunidade para os psicólogos estarem inseridos nesse Programa porque acho que o psicólogo deve estar lidando com o processo real a que o trabalhador está submetido na exploração do dia-a-dia."

O DIESAT não realiza prestação de serviços de saúde para o trabalhador, mas objetiva instrumentalizar com dados objetivos as categorias profissionais, através de grupos representantes de trabalhadores e representantes sindicalistas que participam de negociações trabalhistas, para melhorar as condições de saúde no trabalho, assim como o sistema de assistência à saúde.

Além de realizar pesquisas, sistematizar informações e de produzir publicações de interesse dos trabalhadores, promove,anualmente, uma Semana de Saúde do Trabalhador que reúne representantes das diversas regiões do País, e também mantém em funcionamento as reuniões de grupos de trabalhadores e de sindicalistas, por categoria profissional, dedicados a problemas específicos de cada categoria.

O DIESAT tem representação de âmbito nacional, com 208 Sindicatos filiados. Possui escritório regional no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul. Foram criadas comissões pró-DIESAT em Salvador e em Recife. Endereço da sede: Av. Nove de Julho, 584, 10º andar, tel. (011) 35.1250, CEP 01312, São Paulo.