SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número2Contribuições para a definição de uma política científicaComo alfabetizar? índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Psicologia: ciência e profissão

versión impresa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.8 n.2 Brasília  1988

 

LEITURA

 

De que adoecem e morrem os trabalhadores?

 

 

Angela Resende Vorcaro

 

 

A saúde coletiva depara-se hoje com uma situação de perplexidade. Se por um lado é notório o processo de medicalização dos problemas sociais e da individualização de mal-estares coletivos reproduzidos incessantemente nas "práticas de promoção da saúde", não se pode mais deixar de considerar a doença como resultado da relação homem/natureza mediada pelo trabalho. Afinal, a VIII Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986 define a saúde como "produto das condições objetivas de existência, resulta das condições de vida — biológica, social e cultural — e particularmente das relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza através do trabalho".

No Brasil, a situação de capitalismo tardio dependente bem como o desenvolvimento e industrialização internos descompassados determinam que as patologias difiram e coexistam, desde as doenças de carência até aquelas psico-sociais típicas dos países mais desenvolvidos, onde o avanço tecnológico dos meios de produção tende a tornar cada vez menos aparente a relação de causa e efeito entre trabalho e enfermidade.

As técnicas convencionais de investigação baseadas em métodos biológicos e experimentais ou epidemiológicos convencionais são insuficientes para surpreender esta relação.

A ausência de literatura médica (quase inexistente no Brasil na área de saúde coletiva), as leis em vigor que determinam o sub-registro de doenças e acidentes, as várias facetas da organização e administração dos serviços públicos de assistência são fatores que impedem o reconhecimento da extensão dos danos à saúde, causados pelas condições de trabalho.

Os dez capítulos elaborados por Herval Pina Ribeiro e Francisco de Castro Lacaz na coletânea "DE QUE MORREM OS TRABALHADORES" trazem à tona a situação de vida e de trabalho da população brasileira, analisados através dos seguintes temas: Agentes físicos e doenças; Acidentes de trabalho, O trabalho da mulher e do menor; Horas extras, turnos e ritmo de trabalho; Tóxicos na indústria; Assistência médica previdenciária; A crise econômica e a saúde dos trabalhadores; Trabalho rural, acidentes e doenças; Incapacidade, trabalho e previdência social; Poeiras e doenças pulmonares

Em geral, cada tema é resultado de debates promovidos pelo DIESAT (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de trabalho) no período de 1979 a 1984, com a participação de dirigentes sindicais em Fóruns sindicais, simpósios e SEMSAT'S (Semana de Saúde dos Trabalhaodres). Os temas trabalhados trazem o esclarecimento de processos históricos que determinam a situação atual (avanços e retrocessos da legislação nos diversos momentos políticos, a constituição e o caráter da política de previdência social, as relações entre a economia do País e a saúde da população, as lutas já travadas pelos trabalhadores), os efeitos de agentes físicos e químicos no organismo (modo de instalação, progresso e efeitos tardios), a comparação entre a situação brasileira e a de outros países e aponta caminhos possíveis a nível da prevenção (engenharia de segurança e medicina do trabalho), bem como da organização dos trabalhadores para que se possa chegar ao controle do ambiente de trabalho (que historicamente é uma conquista do movimento sindical).

Algumas constatações são alarmantes. Configuram-se não só na mortalidade mas na situação drástica de adoecimento. Quatrocentos e quarenta trabalhadores brasileiros se acidentam por hora, sendo que destes cinco ficam inválidos e um morre (dados do 1º semestre de 1980). 1% da população brasileira está inválida pelo e para o trabalho, não sendo difícil comprovar a existência de um outro exército de inválidos preteridos de qualquer direito devido às dificuldades de acesso, entraves burocráticos, legislação minimizadora da incapacidade de doentes e acidentados e a sistemática pericial.

Entre as doenças incapacitantes, as neuroses são o diagnóstico mais freqüente de perícia do INPS, determinando o afastamento temporário do trabalho. São também a primeira causa de renovação deste afastamento. Doenças mentais em geral são as mais freqüentes e quase única causa de aposentadoria por invalidez abaixo dos 40 anos.

O caráter crônico das doenças é geralmente o mais evidenciado, sendo, entretanto, de difícil comprovação. Dentre estas, surge a fadiga industrial decorrente da automatização do trabalho, monotonia, ritmo excessivo, parcelamento de funções, não valorização da capacidade. Este tipo de fadiga atinge não só os trabalhadores ligados diretamente à produção, como os têxteis e metalúrgicos, mas também bancários e datilógrafos.

Este esforço de sistematização dos vários aspectos do trabalho que determinam a qualidade de vida do trabalhador são buscados nos escassos e restritos registros existentes, na explicitação de etiologias de doenças relacionadas a agentes físicos e químicos, nos determinantes do modo de produção capitalista e nos aspectos políticos e sócio-econômicos das decorrentes. Estes fatores se agregam indissoluvelmente produzindo efeitos mortais, lesivos e irrecuperáveis (um grande contingente de trabalhadores se torna por isto força de trabalho marginalizada integrante do mercado informal e participante da chamada "economia subterrânea". Esta coletânea é um documento que pode ser considerado um instrumento básico de todo trabalhador brasileiro e ainda um texto obrigatório aos profissionais da área de saúde que pretendem um exercício profissional conseqüente.