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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.8 no.2 Brasília  1988

 

LEITURA

 

Como alfabetizar?

 

 

Yvone Alvarenga Gonçalves Khouri

Conselheira Vice-Presidente do C.F.P. e professora de Psicologia Educacional na PUC-SP

 

 

Há várias décadas o fracasso escolar tem assolado a escola pública brasileira, especialmente a de 1° grau. Este fato tem sido bastante estudado, muito se tem escrito sobre ele, mas poucas alternativas eficazes têm sido propostas e divulgadas, objetivando a sua solução. Parece tratar-se de uma realidade imutável, provocando o desespero de educadores bem intencionados.

O livro de Sérgio Antonio da Silva Leite (Alfabetização e fracasso escolar, Editora Edicon, 1988) vem trazer, oportunamente, uma grande contribuição à transformação desta realidade deprimente, apontando possibilidades de ação dos educadores no processo de alfabetização, um dos pontos mais problemáticos do fenômeno citado.

Nos capítulos iniciais, o autor contextualiza o problema, através de considerações sobre a política educacional brasileira imposta nas últimas décadas, apontando a boa qualidade do ensino oferecido por algumas escolas particulares ao aluno proveniente das camadas mais abastadas da população, em contraposição à crescente desqualificação do ensino nas escolas governamentais, destinado às camadas populares, denunciando as suas conseqüências negativas na formação da cidadania, do indivíduo consciente, autônomo e crítico. Assinala também a crescente necessidade da participação efetiva dos educadores na tomada de decisões pedagógicas, através da sua constante reflexão sobre suas práticas educativas e da sua organização política, possibilitadora de pressões da categoria profissional no sentido da transformação sócio-política mais ampla, na efetivação de justiça social e, em decorrência, da melhoria da qualidade de vida da grande maioria da população brasileira empobrecida.

As explicações tradicionais sobre a questão, e ainda assumidas por muitos professores, são discutidas sob enfoque desmistificador. Questões como Q.I., imaturidade, subnutrição, desintegração de lares, são revisadas e colocadas em suas exatas proporções, clarificando, portanto, a realidade educacional.

Em decorrência, são apontadas as verdadeiras causas do fracasso escolar, tanto as extra-escolares como as intra-escolares, chamando atenção para o compromisso dos educadores, no sentido de, a curto prazo, procurarem formas efetivas de modificar este quadro sombrio no nível dos fatores intra-escolares, isto é, nos objetivos, estrutura e funcionamento da escola, sem esquecer, porém, os fatores extra-escolares na determinação desta realidade.

A atuação da equipe multiprofissional na escola, na qual se inclui o psicólogo, é colocada, pois se defende a assessoria dos profissionais que a compõem como enriquecedora da ação pedagógica.

A possibilidade da modificação da realidade intra-escolar, através do trabalho de equipe é concretizada pela descrição do projeto "Pró-Leste", o modelo que propiciou oportunidade de trabalho conjunto de psicológos e professores em escolas públicas situadas na periferia da cidade, "centrado na faixa das primeiras séries do ensino do 1° grau, visando atingir a base da pirâmide educacional, onde se encontra grande massa da população escolar".

São amplamente discutidos objetivos, procedimentos, formação de equipe de coordenação, treinamento de pessoal, procedimentos de supervisão e os resultados obtidos durante os anos da implantação do projeto, a partir de 1977. Inclui-se a avaliação realizada com professores das escolas onde ele foi implantado, cujos resultados evidenciam a eficácia da proposta.

Finalizando, pode-se tomar conhecimento de interessante debate realizado entre o autor e docentes do Instituto de Psicologia da USP sobre o "Pró-Leste", levantando questões importantes tais como o conceito de alfabetização nele subjacente e as causas de seu sucesso.

Nesta discussão, torna-se transparente o posicionamento do autor em relação à defesa de uma educação democrática que, a par da boa qualidade de ensino, envolve uma grande contribuição à justiça social.

Há que se fazer referência especial à clareza e precisão da exposição e revisão crítica que o autor tem do problema discutido, os quais são reveladores da maturidade técnica, social e política alcançada por ele, bem como sua profunda preocupação com a ação-reflexão integradas e transformadoras de uma realidade educacional que, na maioria das vezes, é focalizada apenas no nível do discurso.

Trata-se, pois, de uma leitura necessária a todos aqueles que, atuando no campo educacional, estão empenhados em aprimorá-lo, especialmente em benefício das camadas pobres de nossa população, no seu direito à educação básica.