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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.9 n.1 Brasília  1989

 

Com a palavra, duas coordenações de cursos

 

 

Bahia

Quais são os principais problemas e dificuldades enfrentados pelos Cursos de graduação? Quais as propostas para superá-los? A estas duas questões responderam a Coordenação do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco e o professor Antonio Marcos Chaves, Coordenador do Colegiado do Curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia.

O Colegiado dos Cursos de Psicologia há muito tem verificado a defasagem do currículo que é oferecido aos alunos para a habilitação em Bacharelado, Licenciatura e Formação de Psicólogo. Estas deficiências e defasagens são constatadas confrontando o currículo e conseqüente formação oferecida e a realidade regional. Alguns aspectos do currículo atual são evidentes, tais como:

a)  formação orientada para o exercício da Psicologia clínica, com ênfase na abordagem psicanalítica;

b)  apenas uma disciplina específica para o preparo do exercício da Psicologia Industrial e ou organizacional.

c)  nenhuma disciplina específica voltada para o preparo do Psicólogo Escolar;

d)  nenhuma disciplina que subsidie o estudante para atuações coletivas, no âmbito de comunidades, associações e ou instituições;

e)  os estágios supervisionados são restritos às três áreas clássicas: psicologia clínica, psicologia escolar e psicologia industria).

f) os estudantes só entram em contato com disciplinas que permitem uma aproximação às formas de raciocínio científico, de produção, análise e que despertam a curiosidade científica, ou seja, a de investigar, nos dois últimos períodos letivos do curso de Bacharelado;

g) o elenco das disciplinas optativas é muito restrito: treze disciplinas, dentre as quais o aluno é obrigado a cursar cinco. Vale ressaltar que em média oferece-se a cada semestre letivo apenas seis delas, sem muita variação, o que as torna, praticamente, obrigatórias.

Qual tem sido, grosso modo, o perfil do estudante ou do profissional formado? Os estudantes a partir do 3º semestre iniciam a sua carreira para a formação clínica com vistas a uma prática psicanalítica, começam a estudar Psicologia da Personalidade I e II, geralmente discutindo conteúdos psicanalíticos, que são aprofundados em Teorias da Personalidade I. Neste momento em que os estudantes já refletiram 180 horas sobre as obras de Freud e seus seguidores e que muitos, precipitadamente, já consideram esta a sua opção teórica, deparam-se com o gestaltismo em Teorias da Personalidade II, e com o behaviorismo em Teorias da Personalidade III. Fora toda esta preparação clínica, os alunos passam 375 horas do curso estudando Técnicas de Exame e Aconselhamento Psicológico, ministrados por professores psicanalistas e 360 horas estudando psicopatologia dentro de um modelo médico. Parece claro que no final de todos estes estudos a opção em termos de área de estágio supervisionado seja, predominantemente, na área clínica e dentro da orientação psicanalítica.

Por tudo isso e claro reflexo da formação oferecida pelo curso, mesmo as áreas clássicas de atuação como a psicologia escolar e a psicologia industrial ficam relegadas, possibilidades de atuação comunitária e ou institucionais ficam mais distantes ainda.

Outro grande problema é no que se refere à formação científica dos profissionais, pois na medida em que o estudante opta, prematuramente, pela atuação profissional em Psicologia Clínica e só se depara com discussões metodológicas relativas à ciência, no final do curso, o interesse do aluno centra-se em aprender técnicas que viabilizem a sua atuação profissional, do que na análise sistemática das teorias psicológicas com base na fundamentação científica que as sustenta.

A decorrência de tudo isso é que se coloca à disposição da comunidade uma massa de profissionais que, na maior parte das vezes, vai enclausurar-se em seus consultórios particulares para atender uma clientela "seleta" e uma cidade com uma população pobre, com centenas de escolas, com inúmeras instituições e com uma indústria em expansão, que não dispõe de profissionais psicólogos para atender as suas demandas.

Constatadas estas deficiências e vieses na formação em Psicologia oferecida por este curso, o Colegiado tem encaminhado árduas discussões no sentido de:

a) priorizar a formação científica desde o início do curso, necessariamente óbvia para o Bacharel em Psicologia, e indispensável para a formação do profissional competente e conseqüente;

b) diversificar a oferta das disciplinas visando atender aos objetivos de um curso de graduação com vistas à formação geral do profissional em Psicologia e sem sobrecarga para qualquer enfoque teórico;

c)  montar cadeias de disciplinas que viabilizem a formação durante todo o curso, visando as seguintes terminalidades: 1) Bacharel em Psicologia, 2) Professor de ensino de 2° grau, 3) Psicólogo clínico, psicólogo escolar, psicólogo industrial e ou organizacional e psicólogo para atuar em instituições e ou psicologia social comunitária.

Perseguindo este objetivo de reformulação, neste ano produziu-se, inicialmente, uma proposta de reformulação do 1° ciclo de estudos que compreenderá os dois primeiros semestres letivos e tem como objetivo fornecer condições para o estudante ter uma formação básica e geral para o conseqüente estudo específico da Psicologia. Esta proposta está em processo de discussão e aprovação no Colegiado e sugere como conjunto de estudos básicos as disciplinas: Introdução à Filosofia, Introdução à Antropologia, História da Psicologia, Fundamentos de Psicologia Neuroanatomia, Introdução à Sociologia, Psicologia Geral, Introdução à Metodologia Científica, Métodos Quantitativos, Fisiologia e Genética Aplicada.

Assim que este processo com relação ao 1° Ciclo for concluído, partir-se-á para a reformulação do 2° Ciclo.

 

Pernambuco

A exemplo do que vem ocorrendo a nível nacional, o curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco com habilitações em bacharelado e formação de psicológo, ressence-se de algumas dificuldades em sua estrutura organizativa.

Em função de solicitação da pró-reitoria acadêmica para que procedêssemos a uma ampla avaliação do curso, resolvemos que esta deveria culminar com uma reforma curricular.

A avaliação teve início no primeiro semestre de 1988 e escolhemos como método de trabalho a divisão do curso em 4 áreas (psicologia do trabalho, clínica, escolar e pesquisa) e o agrupamento dos professores por área de conhecimento, havendo para cada uma das 4 áreas um coordenador.

Cada grupo, apresentou ao pleno do Departamento um documento com o diagnóstico da situação da sua área no curso e ainda sugestões de como enfrentar os problemas detectados.

A participação estudantil deu-se através da escolha de um representante por período letivo totalizando 10 estudantes com direito a voz e voto. Os demais alunos podiam participar das reuniões apenas com direito a voz.

Os estudantes realizaram paralelamente seus estudos sobre o curso e apresentaram também sugestões para possíveis mudanças. Após a apresentação e debates das 4 áreas passou-se a discutir as novas propostas de ementas por disciplinas, tanto eletivas como as do currículo mínimo.

No presente momento há uma comissão de sistematização elaborando uma nova proposta de organização do curso e de sua grade curricular, que deverá ser apresentada ainda este mês em reunião do pleno do Departamento.

Das dificuldades encontradas ao longo do processo avaliativo podemos destacar, neste momento, as seguintes:

1. Desconexão entre as disciplinas 1.1 Redefinição dos conteúdos das disciplinas envolvendo os processos básicos, incluindo de forma mais abrangente os processos de memória, linguagem e comunicação e os processos cognitivos de modo mais amplo.

1.2.  Redefinição dos pré-requisitos em relação à maioria das disciplinas constantes da grade curricular.

1.3. Falta de integração dos professores no planejamento de seus cursos, necessitando coordenar sua ações no sentido de entender por que e para que se estudam determinados conteúdos e/ou pesquisas.

1.4. Escassez de produção de conhecimento na intersecção dos aspectos afetivos, cognitivos e social, dificultando a articulação desses aspectos. Acrescente-se a isto, a necessidade de maior integração entre algumas disciplinas que se relacionam com determinada área, evitando-se assim a departamentalização do conhecimento.

2. Disciplinas predominantemente na área clínica e ausência de prática.

Tradicionalmente, observa-se uma maior concentração no atendimento psicoterápia) e no psicoldiagnóstico, a ponto da representação social do clínico ser expressa como aquela que desempenha exclusivamente essas funções.

Na perspectiva de que nosso curso superdimensiona a atividade psicoterápica, observa-se também uma ênfase nos conteúdos teóricos em detrimento de atividades práticas.

A formação do psicólogo do trabalho é fortemente marcada por conteúdos da área clínica, o que poderia ser enriquecedor, se este fato não ocorresse em detrimento dos conteúdos específicos da área de trabalho.

3. Currículo fora da realidade sócío-cultural e dicotomia entre teoria e prática.

Com a diversificação e amplitude dos temas dentro da psicologia industrial, há uma necessidade dos cursos de psicologia acompanharem estes avanços produzidos pelos estudos desenvolvidos pelos profissionais envolvidos com a área. Se no seu início a psicologia, principalmente a industrial, voltava-se prioritariamente para o indivíduo, como força produtiva, visando adaptá-lo à situação de trabalho, na atualidade há uma preocupação com a organização e com o indivíduo buscando, assim, uma visão sistêmica.

4. Dicotomia entre teoria e prática — Quando da implantação do curso, a prática na área de psicologia do trabalho era preponderantemente voltada para a seleção de pessoal e/ou orientação profissional. A realidade hoje é outra, a psicologia estuda e ajuda o homem em seu trabalho em quaisquer situações e não só na indústria. Os avanços devem-se à pesquisa e novas reflexões sobre o tema.

5. Currículo fora da realidade sócio- cultural

— Os títulos se diversificaram — psicologia organizacional, psicologia do trabalho, psicologia social das organizações, psicologia das relações humanas no trabalho etc. Esta diversificação mostra bem a amplitude que a área vem atingindo.

- Se antes a psicologia industrial se voltava, prioritariamente, para o indivíduo como força produtiva visando adaptá-lo à situação de trabalho, hoje, sem esquecer o individuo, se preocupa com a organização como um todo numa visão sistêmica.

-  Sugere criação de novas disciplinas e formação de grupos de trabalho capacitado, preocupado com o ensino, a produção de pesquisa e a extensão.

6. Impossibilidade de aprofundar questões.

Algumas propostas para neutralizar as dificuldades detectadas.

1.  Nova perspectiva para a psicologia, exigindo uma ação interdisciplinar, o que demanda uma atualização na formação profissional e aponta na direção do trabalho do psicólogo como ligado à promoção da saúde nas suas múltiplas e complexas determinações.

2.  Propiciar ao aluno uma formação mais abrangente visando assegurar-lhe habilitação para responder aos novos desafios da profissão.

Maior integração entre as diferentes áreas de conhecimento principalmente com a psicologia social.

Objetivo de formar um profissional que se identifique como um profissional de saúde e que possa optar por atividades a nível individual, grupal, institucional e/ou comunitário.

3. Maior ênfase também na pesquisa e em trabalhos de extensão.

4. Planejamento anual, conjunto das atividades que integram as diferentes áreas.

5. Incentivo à monografia como forma de preencher lacunas de interesse do aluno que não estão suficientemente exploradas ao longo do curso.

6.  Criação de um serviço interdisciplinar com o objetivo de oferecer aos alunos atividades práticas onde eles possam usufruir das diferentes especializações do corpo docente.