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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.9 n.1 Brasília  1989

 

LEITURA

 

Refletindo sobre supervisão

 

 

Henriette Tognetti Penha Morato

 

 

Rogério C. Buys me fez parar e pensar. Afinal, desde nossa formação, como estudantes de Psicologia, nos é enfatizada e requerida a vivência de supervisão (é parte integrante do currículo nos estágios das disciplinas profissionalizantes); mesmo depois, já psicólogos, continuamos sentindo a necessidade de, em alguns momentos difíceis e confusos de nossa atividade profissional, procurarmos a ajuda de supervisores. "Sabemos", portanto, sobre a importância do papel da supervisão, mas raramente nos detemos para refletir sobre o seu significado quer em nossa formação, quer em nossa prática profissional. Somos supervisionados, somos supervisores e pouco nos damos conta do sentido da supervisão e sua sistemática para o psicólogo.

E é a isso que Rogério, através de seu livro "Supervisão de Psicoterapia na Abordagem Humanista Centrada na Pessoa" (Summus Editorial, 111p.) nos leva — uma reflexão sobre o espaço fundamental da supervisão, levantando uma proposta para a sua sistematização (Capítulo 1). Ainda que enfocado, especificamente, a supervisão de psicoterapia (é na prática clínica onde, talvez, mais reverbere a relevância desse espaço para o terapeuta), e baseando-se numa aborgagem determinada (Abordagem Centrada na Pessoa), Rogério procura transmitir o quanto "a supervisão é uma atividade específica na vida profissional do psicólogo que não pode nem substituir nem ser substituída por nenhuma outra" (p.18), já que se constitui num espaço fundamental para a reflexão das relações profissionais vividas.

Valendo-se de sua experiência como professor, supervisor e psicoterapeuta, ele procura dar subsídios a que se repense o triplo vértice da atividade do terapeuta: o teórico, o técnico e o experiencial, o que nos dirige para a supervisão como o espaço integrador desses três fatores para o aprimoramento da prática clínica. Suas colocações possibilitam generalizações referentes a supervisões de outras atividades do psicólogo, remetendo-nos, dessa forma, ao questionamento sobre o credenciamento de supervisores junto aos Conselhos Regionais. Seria suficiente ter-se, apenas, uma experiência clínica de alguns anos para poder ser supervisor? Ou, como Rogério sugere, supervisão envolve também uma técnica que necessita estar amparada também em uma teoria, além da prática, sendo, portanto, uma situação claramente delimitada, com um objetivo específico e requerendo um profundo comprometimento do supervisor?

Partindo desse posicionamento, Rogério propõe-se a sistematizar uma técnica de supervisão compreendendo as funções didática (teórico-técnica) e experiencial. Na primeira, haveria o compromisso de tratar-se a supervisão como a parte de ligação entre o que é enfatizado, generalizadamente, por uma teoria como sendo a compreensão dos processos psicológicos e o que é a particularidade desses mesmos processos no cliente em foco (teórica), bem como é enfocada a maneira de se trabalhar com o cliente (técnico), sem grandes intelectualizações, mas sim facilitando a conscientização do elo entre a teoria, a técnica e a realidade psicológica. Por sua vez, a função experiencial da supervisão possibilitaria a facilitação das experienciações do supervisonando na sua relação com seu cliente: suas percepções e comunicações, enfim, seus sentimentos e atitudes no processo terapêutico, segundo as condições básicas da Abordagem Centrada na Pessoa.

A partir daí, Rogério sugere dois modelos de supervisão: o transitivo (mais voltado para uma avaliação, por parte do supervisor, do desempenho do supervisionando nos seus atendimentos; visando sua aprendizagem escrita), e o intransitivo (onde o supervisor dispõe-se a facilitar ao supervisionando uma aprendizagem ampla de seu próprio jeito de ser terapeuta).

Ainda que orientado para a Abordagem Centrada na Pessoa, o livro de Rogério também possibilita àqueles que confundem essa Abordagem com as idéias de Carl Rogers uma oportunidade de entrar em contato com o pensamento de outros autores, como Gendlin, que procuram reformular e fundamentar as concepções rogerianas, ampliando, dessa forma, sua compreensão.

Para mim, ressaltam-se dois méritos no trabalho de Rogério. Por um lado, seu pioneirismo, em termos de uma experiência de nossa realidade, de propor, com seu livro, uma abertura essencial para que professores de Psicologia e supervisores possam iniciar uma reflexão mais criteriosa sobre a atividade de supervisão, visando a um aprimoramento de formação dos psicólogos de que tanto necessitamos. Por outro lado, sua ousadia de, baseado em suas próprias experiências e questionamentos, porpor-se uma tentativa de sistematizar seu trabalho com supervisão, e, mais ainda, de comunicá-la publicamente, propiciando, dessa forma, o preenchimento dessa curiosa lacuna bibliográfica sobre supervisão.