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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.9 n.2 Brasília  1989

 

LEITURA

 

Teatro da anarquia - um resgate do Psicodrama

 

 

Wilson Castello de Almeida

Psicoterapeuta

 

 

Para quem desconhece o que seja Psicodrama, urgem duas palavrinhas: trata-se de proposta para trabalhar as relações humanas, em suas necessidades individuais e grupais, pedagógicas e psicológicas, terapêuticas e existenciais, através dos elementos revolucionários do chamado "teatro espontâneo", criado pelo médico Jacob Levi Moreno, em 1921. O assunto interessa a um leque de categorias profissionais: artistas, atores, teatrólogos, dramaturgos, sociólogos, educadores, psicólogos, psiquiatras, psicoterapeutas ou, simplesmente, pessoas interessadas em conhecer como se dão os processos criativos pelos papéis psicodramáticos.

O livro em epígrafe coloca-nos diante desse mundo, em seus capítulos assim alinhavados: 1 — Um novo teatro; 2 — Viabilizando o espetáculo; 3 — Uma arte sem público; 4 — O projeto científico; 5 — A cura repensada; 6 — Pedagogia do anarquismo.

Mas não se espera encontrar aí um livro didático, no sentido daquele que aborda, de modo formal, a história, os conceitos e a prática psicodramática. Este é um texto de paixão. E como fazem falta, em nosso dias, os posicionamentos corajosos e apaixonados! Este é um texto inspiradamente moreniano. E como faz falta, em nosso meio, a retomada da proposição original do romeno Moreno (vale o anagrama)!

O autor, Moysés Aguiar, é psicólogo, psicoterapeuta, professor universitário, psicodramatista. Quem não o conhece pessoalmente poderá sentir, ao tomar contato com sua tese, a inteligência, a sensibilidade e a erudição que lhe são predicados e, mais do que isso, o amor com que a escreveu e a transmitiu.

Sendo isto uma resenha, poderíamos terminar aqui, indicando o livro aos interessados, por se tratar de um trabalho sério e digno dos mais exigentes bibliômanos. Entretanto, sinto-me obrigado a estender um pouco, para falar aos que já conhecem o tema ou aos que compõem o movimento psicodramático brasileiro.

Sabemos todos ser a obra de J.L. Moreno de leitura espinhosa e que a sua "práxis" está distanciando-se da genial inspiração do mestre.

Moysés, já à introdução, quase panfletária, entra rijo: sua dissertação é um "esforço de reconstrução da identidade ameaçada". Escreve, pois, para fazer um resgate do Psicodrama (sem ingenuidades). O título — Teatro da Anarquia — é o primeiro soco que nos sacode de forma vigorosa em direção à mensagem de "rebeldia contra obviedades prontas para serem consumidas". Percebe-se, à leitura, que ele vai fundindo, gradativamente, num estilo limpo, seus estudos, suas reflexões, sua prática e a profunda compreensão obtida das entrelinhas psicodramáticas. Revela-nos, oblativamente, as lições de humanidade contidas na saga moreniana, onde há teatro, política, religião, psiquiatria, psicologia, sociologia e tudo o mais que é preciso conhecer, para se atingir a crença no homem espontâneo, não determinado, não reduzido, não robotizado.

E como numa primeira vez, fui percebendo novamente porque Moreno é autor difícil: ele exige muito de seu leitor. Exige conhecimentos amplos, espírito crítico-criativo, disposição ao debate com a "conserva cultural", abertura para o outro, diálogo e encontro. Exigências que nos amedrontam e amesquinham. Mas Moysés topou a parada, porque tem estas exigências e disponibilidades consigo, oferecendo-nos uma versão clara e culta das idéias de Moreno.

Um livro imperdível.