SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número3A atuação do psicólogo na área cognitiva: reflexões e questionamentosPesquisa em psicologia educacional: uma agenda para o futuro índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Psicologia: ciência e profissão

versión impresa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.9 n.3 Brasília  1989

 

Panorama nacional da formação e atuação do psicólogo escolar

 

 

Solange Múglia Wechsler*

Universidade de Brasília. Instituto de Psicologia

 

 

Quando se fala sobre psicologia escolar, as primeiras perguntas que se levantam são as seguintes:

Quem é o psicólogo escolar? Quais são as suas possibilidades de atuação na Escola? Que tipo de formação ele tem? Como está a sua satisfação profissional dentro da realidade brasileira?

A procura de respostas para estas perguntas levou-nos à bibliografia e pesquisas tanto internacionais quanto nacionais.

Quanto à resposta à primeira pergunta, pudemos encontrar um consenso internacional sobre a identidade deste profissional. Assim sendo, define-se como psicólogo escolar aquele profissional que, devido à sua formação e experiências subseqüentes, trabalha para melhorar o processo ensino-aprendizagem, em seu aspecto global (cognitivo, emocional e social), através de ações ou serviços oferecidos a indivíduos, grupos, famílias e organizações.

Em relação à segunda pergunta, existe também consenso internacional de que a atuação do psicólogo escolar pode abranger uma ampla área de serviços, tais como: orientação psico-pedagógica, diagnóstico, aconselhamento vocacional, intervenção, reabilitação, consultoria, treinamentos, ensino, supervisão, encaminhamentos, desenvolvimento organizacional, seleção de pessoal, desenvolvimento e avaliação de programas, prevenção e pesquisa.

Porém, as questões que se propõem, a partir destas definições são: é este o profissional que nós encontramos no Brasil? Quais sào as atividades principais dos psicólogos escolares brasileiros? A formação do nosso profissional lhe permite atuar nas atividades relacionadas acima?

A fim de responder estas questões, recorremos aos dados coletados em 1985/86 pelo Conelho Federal e Regionais de Psicologia, que invstigaram a formação e atuação do psicólogo em todas as diferentes áreas da sua atuação. Parte destes dados já foram publicados pelo Conselho Federal de Psicologia (1988), e outra parte foi analisada diretamente através das respostas computadas para efeito deste estudo.

Algumas limitações foram encontradas ao se tentar traçar a situação atual do psicólogo escolar brasileiro. Apesar de a pesquisa mencionada ter sido realizada em todos Conselhos Regionais de Psicologia, alguns Estados não estão nela representados, devido ao baixo índice de retorno dos questionários enviados aos profissionais daquelas regiões. Outra dificuldade encontrada foi a de se estudar psicólogos que se dedicam exclusivamente à área escolar, o que pode ter contaminado fortemente as respostas obtidas.

Usaremos, para efeito desta análise, a sistemática empregada pelo Conselho Federal de Psicologia, que considerou as divisões tradicionais da psicologia: clinica, escolar, organizacional, docência, comunitária e pesquisa. Muitas das respostas obtidas através de perguntas abertas foram classificadas nestas categorias mais abrangentes.

As áreas que analisaremos abrangerão a atuação, formação, status e satisfação profissional dos psicólogos que trabalham para a área escolar.

 

Areas de atuação

Os dados da Tabela 1 (parcialmente analisados, (7;8) nos indicam a proporção de psicólogos que atuaram, no seu primeiro trabalho, e atuam hoje nas diferentes especializações da psicologia.

 

 

Quanto à área escolar, pode ser visto claramente que ela tende a vir sempre no 3º lugar entre as opções em psicologia, precedida, invariavelmente, pela seguinte ordem: clínica (lº), e organizacional (2º). Outro lado que nos chama a atenção é a diminuição da procura pela psicologia escolar como área de trabalho, com exceção de uma região (AL, CE, PB, PE, MA, RN). Infelizmente, o acréscimo notado nesta área não decorre da maior valorização do psicólogo escolar, e sim, na sua maior parte, por influências de indicações políticas, como apontado no estudo de Almeida. (1:161).

A opção pela área clínica, em primeiro lugar, nos leva a levantar diferentes questões, sendo talvez a principal dentre elas, a que se refere ao currículo de graduação do psicólogo, nas diferentes universidades brasileiras. Como já apontado em alguns estudos (10;5), o aluno de psicologia tem no seu curriculo, da maioria das nossas Univesidades, uma formação muito mais direcionada para a área clínica do que para qualquer outra área de atuação. Isto pode ser claramente observado pela maior proporção de cursos direcionados para o terapêutico, ou mesmo pela maior oferta de estágios nesta área. Chegamos ao ponto de encontrar, em algumas universidades particulares, a eliminação de cursos ou estágios na área escolar, pela razão de que esta área não é muito procurada, e, conseqüentemente, não é financeiramente interessante para a instituição.

Além disto, é importante ressaltar que são poucos os psicólogos que trabalham exclusivamente em uma área. Em relação à psicologia escolar, Bastos (2) apontou, em um panorama geral, que apenas 7% dos psicólogos trabalham unicamente nesta área, dividindo estes profissionais o seu tempo de trabalho com a área clínica, organizacional ou a docência. Estes dados foram confirmados em estudos realizados por diversos autores (6;9;10;11:162), que observaram, também, psicólogos escolares atuando na direção e administração de escolas de 1º e 2º Graus.

Podemos aqui perguntar quais as razões que levam o psicólogo escolar procurar outras áreas de atuação. Será que as explicações podem ser somente reduzidas ao baixo salário oferecido na área da educação, ou será que o salário não é decorrente do pouco valor atribuído à atuação do psicólogo na Escola? Será que a procura por outras áreas não decorre da própria percepção de despreparo do psicólogo para atuar na área escolar? E importante que possamos buscar respostas para estas questões dentro da própria categoria que trabalha na Escola, para que as causas não sejam simplificadas de maneira a impedir um questionamento mais profundo da atuação do psicólogo escolar.

 

Deficiências na formação

As deficiências de formação na área escolar, durante a graduação em psicologia, nos leva a pensar que os psicólogos procurariam complementar os deficits através de cursos de extensão, especialização, mestrado ou até mesmo doutorado nesta área. Entretanto, nossa dificuldade, ao tentarmos levantar estes dados, foi a constatação de que muitos psicólogos confundiam cursos de especialização com mestrado, e que se acreditavam doutores tendo recebido o título, na graduação, de psicólogos. Estes dados nos mostram quão pouco os psicólogos conhecem das possibilidades de qualificação profissional dentro de sua área. Portanto, somente analisaremos, aqui, os cursos de extensão e aperfeiçoamento realizados após a graduação, que estão relacionados com a atuação do psicólogo escolar, a fim de verificarmos tendências nas escolhas dos assuntos.

Os dados da Tabela 2 nos indicam que os cursos mais procurados para complementação, após a graduação, são aqueles relacionados com a área de testes e psicodiagnóstico (43%). Cursos referentes à psicologia escolar, de uma maneira geral, foram também indicados, porém, por apenas 22,5% dos respondentes. A psicomotricidade é uma estratégia também procurada para formação complementar (20,3%), principalmente porque esta tende a ser uma técnica bastante utilizada pelos psicólogos, e é raramente oferecida como matéria nos cursos de graduação. Cursos relacionados com a psicologia do excepcional (14,4%), ou com dinâmica de grupo (10,3%), também parecem ser alvo de algum interesse. Todos os outros cursos demonstram baixas percentagens de procura, sendo os cursos com menores percentagens referentes à criatividade (0,2%), distúrbios neurológicos (0,2%), educação sexual (0,7%) e Método Montessori (0,7%).

 

 

Os dados da Tabela 2 nos mostram a influência do currículo, com orientação clínica, na escolha de cursos relacionados com o psicodiagnóstico. Outra questão a ser levantada é a que se refere à relação oferta-demanda, hipotetizando-se que se mais cursos fossem oferecidos dentro de outras áreas, poder-se-ia fazer com que a importância de outros assuntos se tornasse mais relevante, crescendo, desta maneira, a demanda por cursos com tópicos mais diversificados.

As dificuldades na formação e atuação como psicólogo escolar, são, entretanto, claramente percebidas e verbalizadas pelos profissionais, em diferentes regiões brasileiras. Estes dados podem ser observados na Figura 1, comparando-se as percepções das dificuldades dos psicólogos nos aspectos teórico, técnico e prático da psicologia escolar. Ver figura 1 na página ao lado.

 

 

Observando-se as dificuldades relacionadas pelos psicólogos dos diferentes estados brasileiros, podemos notar que os profissionais ao sul do País (PR, RS, SC) são os que se percebem como possuidores de mais deficits, tanto no aspecto teórico quanto nos aspectos técnicos e prático da psicologia escolar. Por outro lado, os profissionais do Rio de Janeiro, Distrito Federal e Goiás, Pernambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Maranhão, são os que se percebem como possuidores de menos dificuldades nos diferentes aspectos da psicologia escolar. Cabe-nos ressaltar que estamos tratando de percepções e não da real atuação destes profissionais na área escolar.

 

Status e satisfação profissional

As questões sobre as dificuldades encontradas na formação do psicólogo escolar nos levam a indagar, conseqüentemente, sobre a sua real atuação na Escola. Como percebe o seu status dentro da instituição escolar? Em que ponto está a sua satisfação profissional?

A fim de responder estas perguntas, procuramos analisar os dados coletados por Borges-Andrade (3), especificamente quanto à área de psicologia escolar. O status profissional pode ser visto, de acordo com este autor, em relação às dimensões de recurso e credibilidade. Quanto à primeira dimensão, observamos que os psicólogos escolares avaliam como sendo em nível 2 (pouco) os recursos alocados para o exercício da profissão ou para a remuneração dos profissionais. Quanto à dimensão de credibilidade, os psicólogos escolares avaliam em nível 3 (médio), a sua credibilidade e prestígio junto à comunidade, assim como a relevância da sua profissão para a população.

Em relação à satisfação profissional, os dados da Tabela 3 nos apontam como os psicólogos escolares se avaliam nas dimensões dos aspectos sócio-econômicos, condições de trabalho, experiência profissional e no relacionamento com os outros. Quanto ao primeiro aspecto, o psicólogo escolar avalia a sua satisfação profissional como sendo em torno de 2,5 (entre pouca e média). A sua satisfação quanto ás condições de trabalho, nos aspectos da motivação, ética, e infra-estrutura é um pouco mais baixa (média = 2,2).

 

 

Na dimensão da experiência profissional, nos aspectos da vivência política, administrativa, ou no preparo e nos conhecimentos para atender às demandas sociais, a avaliação da satisfação é ligeiramente mais alta (média = 2,7). Já no relacionamento com outras pessoas, em trabalhos de equipes multidisciplinares, ou em relação ao desconhecimento e interferência no seu trabalho, ou mesmo sobre a competição existente com profissionais dentro e fora da psicologia, a satisfação profissional do psicólogo escolar é um pouco mais inferior (2,5).

No quadro geral sobre o status e satisfação profissional, e comparando-se estes dados descritos com aqueles obtidos por Borges-Andrade (3), em relação às outras áreas de atuação do psicólogo (clínica, organizacional, docência, pesquisa e comunitária), observamos que o psicólogo escolar não percebe suas dificuldades como sendo intransponíveis. Ao contrário, este autor observou que os psicólogos escolares são os que se queixam com menor intensidade das dificuldades que encontram no seu exercício profissional.

Os resultados acima descritos contratam com aqueles previamente obtidos em outros estudos (6;10), onde era bastante alto o grau de insatisfação profissional. Uma possível explicação para tais resultados é a de que os profissionais menos satisfeitos tendem a deixar esta área de atuação, ficando assim somente aqueles que realmente acreditam no seu trabalho e na sua capacidade de mudança. Outra hipótese explicativa é a de que, apesar dos déficits de sua formação, o psicólogo escolar está se adaptando à realidade escolar e criando condições ali para que o seu trabalho possa ser mais bem desenvolvido.

 

Perspectivas

Esse trabalho visou oferecer um panorama nacional da formação e atuação do psicólogo escolar. Várias limitações são encontradas, sendo uma delas referente ao fator tempo, pois os resultados aqui discutidos se referem a dados coletados nos anos de 1985 e 1986. Também não pudemos analisar aqui os desenvolvimentos que têm ocorrido em Estados específicos.

Temos recebido relatos, por exemplo, de psicólogos do Estado e Município do Rio de Janeiro, que têm focado muito o seu trabalho na Escola sobre a dinâmica institucional aí existente. Os psicólogos do Estado e Muncípio de São Paulo também têm dirigido o seu trabalho muito mais para a prevenção e saúde mental na Escola, nos últimos anos. Acreditamos que, em diversos Estados, também possam estar ocorrendo atividades que levam a um novo redirecionamento de quem é o psicólogo escolar. Entretanto, não nos foi possível decorrer sobre tais trabalhos devido ao tipo de perguntas formuladas nesta pesquisa, pelo Conselho Federal e Regionais de Psicologia.

Várias estratégias estão também sendo planejadas, por diferentes grupos no País, para diminuir ou sanar as dificuldades de formação aqui apresentadas. Em algumas universidades brasileiras, por exemplo, já existem planos de mudanças da estrutura do currículo do curso de graduação em Psicologia, visando uma formação mais completa do psicólogo nas suas diferentes possibilidades de atuação. Cursos de especialização ou mestrado na área de psicologia escolar ou educacional, começam também, timidamente, a crescer. A união de forças entre psicólogos escolares e educacionais, através de encontros e seminários regionais, e da recém-fundada Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, está sendo cada vez mais concretizada.

Acreditamos, portanto, que muitas evoluções estão sendo feitas no campo da psicologia escolar. Estas inovações, sem dúvida, trarão uma grande melhoria na qualidade de trabalho do psicólogo nas escolas. Desta maneira poderemos demonstrar, cada vez mais, a grande contribuição que a psicologia tem a oferecer para a melhoria do processo ensino-aprendizado, através do alto nível de serviço que os profissionais em psicologia escolar serão capazes de oferecer.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ALMEIDA, N.V.F. Estudo descritivo do psicólogo escolar. Resumos da XVII Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto 1987.        [ Links ]

2. BASTOS, A.V.B. Área de atuação: em questão, o nosso modelo profissional. In: Quem é o psicólogo Brasileiro? São Paulo. Conselho Federal de Psicologia, Edicon, 1988. Cap. 10.        [ Links ]

3. BORGES-Andrade, J.E. A avaliação deo exercício profissional. In: Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo, Conselho Federal de Psicologia, Edicon, 1988. Cap. 14        [ Links ]

4. Conselho Federal de Psicologia - Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo, Edicon, 1988.        [ Links ]

5. GOMIDE, P.I. - A formação academica. Onde residem suas deficiências. In: Quem ê o psicólogo brasileiro? São Paulo Conselho Federal de Psicologia, Edicon, 1988, Cap. 4.        [ Links ]

6. SANT'ANNA, H.H. - A psicologia escolar em São Paulo: uma contribuição a sua avaliação e perspectivas: (Tese de Doutoramento). Universidade de São Paulo, SP, 1984.        [ Links ]

7. SBARDELINI Filho, E. SBARDELINI, E.T., CORDEIRO, C.R. & GOMIDE, P.I. O exercício da psicologia: peculiaridades da 7ª região. Anais do XVI Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto-SP, 1986.        [ Links ]

8. ULIAN, A.L.A., CARVALHO, A.A.A.; ALMEIDA, M.A.; CAVALCANTI M.L., SODRÉ, L.G.P. & BASTOS, A.V.B. O exercício da psicologia: peculiaridades da 3ª região. Anais da XVI Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto. Riberião Preto. - SP, 1986        [ Links ]

9. VAN KOLCK, O.L. & BARROS, C.G. . School Psychology in Brazil. School Psychology International, 6:46-150,1985.        [ Links ]

10. WECHSLER, S. & GOMES, D.C. School Psychology in Brazil. Journal of School Psychology, 24:221-227,1986.        [ Links ]

11. WECHSLER, S, BENSUSAN, E; FREITAS, E.M., PRADO, J.L., NOLASCO, M.J.A.; DINI, L.D., SANTA ROSA, L.C., ANTUNES, M.A., SANTOS; M.M. Atuação do Psicólogo na Área Escolar no Distrito Federal. Resumos da XVII Reunião Anual da Sociedade de Psciologia de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, SP., 1987 p. 162.        [ Links ]

 

 

* A autora agradece à diretoria do Conselho Federal de Psicologia pela permissão ao acesso destes dados e, em particular, ao professor Jairo Eduardo Borges-Andrade, da Universidade de Brasilia.