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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.9 n.3 Brasília  1989

 

LEITURA

 

Evasão e fracasso escolar

 

 

Lucila Diehl Tolaine Fini

Faculdade de Educação-UNICAMP

 

 

Na literatura educacional brasileira coexistem diferentes posições a respeito de características cognitivas de crianças das camadas economicamente menos privilegiadas da população, ainda quando a problemática é examinada na mesma perspectiva teórica-a piagetiana; e dentre elas, a posição do denominado "Grupo de Recife".

Os trabalhos desse grupo, reunidos em "Na Vida Dez, Na Escola Zero", de Terezinha Garraher e outros (Cortez, 1989, 3 ed.) abrem perspectivas interessantes para a análise do fracasso escolar, para a compreensão da problemática do ensino da Matemática e das relações entre a Matemática, a Psicologia e a Educação.

A obra reúne um conjunto de estudos realizados pela equipe pernambucana no decorrer de dez anos de trabalho desenvolvido na Universidade Federal de Pernambuco, nos Programas de Pós-Graduação em Psicologia.

Resume diferentes formas de análise da evasão e do fracasso escolar, presentes na literatura educacional brasileira, e propõe uma perspectiva diferente: que se estude o fracasso escolar como fracasso da Escola. Nessa linha, seus autores formulam questões capazes de contribuir para o avanço do conhecimento sobre a grande parcela de crianças que freqüentam as Escolas públicas.

Nos estudos desenvolvidos, os autores partem da proposta piagetiana de encontrar "as formas de organização de natureza lógica-matemática subjacentes à atividade da criança", e investigam atividades cotidianas dentro e fora da Escola.

"A relação entre a compreensão dos princípios e modelos matemáticos subjacentes à resolução de problemas em diferentes contextos culturais, e sua representação nesses contextos", é preocupação fundamental dos estudos reunidos nessa coletânea, de acordo com os autores.

Ao estudar as relações entre a aritmética ensinada nas escolas e a adotada no cotidiano, o "Grupo de Recife" utiliza o método clínico piagetiano associado, por vezes, a descrições etnográficas e procedimentos de controle próprios do método experimental.

Os autores procuram estudar a Matemática em seus contextos culturais explorando as repercussões destes contextos sobre a organização das ações do sujeito, e analisam as relações entre as significações específicas, o significado de cada situação e a organização da ação.

Estudam o desempenho em Matermática de crianças que trabalham como vendedores ambulantes, nas feiras-livres ou em pequenos negócios, e o desempenho, dentre outros trabalhadores, de marceneiros e cambistas de jogo-do-bicho, em comparação com o desempenho de estudantes na Escola.

O resultado das pesquisas e a análise crítica de diferentes correntes explicativas do fracasso escolar levam os autores dessa coletânea a concluir, enfim, que as dificuldades de aprendizagem de crianças economicamente menos favorecidas não podem ser explicadas cognitivamente, e que representam um fracasso da própria Escola.

Os resultados dos estudos reunidos nessa obra, dentre outras situações relevantes, mostram:

— que as crianças no contexto informal desenvolvem estratégias próprias para resolução de problemas de aritmética, em situações de trabalho, tais como marcenaria ou comércio na rua;

—  que há discrepâncias entre o fracasso no desempenho de crianças em tarefas escolares e em tarefas escritas, em oposição ao sucesso na resolução oral e solução de problemas em situações informais;

—  que, apesar de receberem instrução formal sobre como calcular o volume de objetos, os alunos que trabalham não conseguem e náo costumam utilizar o conhecimento escolar para a solução de problemas práticos.

Os autores analisam os resultados das pesquisas e discutem a procedência de inúmeras estratégias utilizadas por professores nas salas de aula, no ensino da Matemática, e enfatizam o fracasso da Escola relacionado ao desconhecimento dos processos de aquisição de conhecimentos, bem como a incapacidade dos professores em estabelecer pontes entre o conhecimento formal e o conhecimento prático que a criança, pelo menos em parte, dispõe.

Com base nos estudos e pesquisas realizadas, os autores concluem que "náo é possível culpar as crianças de seus fracassos na escola: a escola precisa descobrir o conhecimento dessas crianças e expandi-los".

O conjunto de estudos coletados nessa obra dão ensejo a inúmeras questões instigadoras sobre o fracasso ou êxito escolar, e apresentam elementos para todos os que se preocupam como o avanço na análise da prática educacional.

A leitura desse livro é de interesse e importância para professores de 1º e 2º graus, para pesquisadores e todos aqueles que se preocupam com o ensino da Matemática ou com a Educação de forma geral.