SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 issue1Produtividade versus saúde mental do trabalhador?O que pode fazer o psicólogo organizacional author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.10 no.1 Brasília  1990

 

Doenças nervosas e intervenção do psicólogo

 

 

Paulo Hideo Muraoka, da Secretaria de Saúde e Condições do Trabalho do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, e Celso Figueiredo, um dos diretores deste Sindicato, opinam sobre a necessidade de se desenvolverem, em conjunto com Sindicato, trabalhos de intervenção por psicólogos junto aos trabalhadores. Estes sofrem com condições adversas de trabalho e afetam sua saúde mental: "Praticamente 95% das doenças dos metroviários são de origem nervosa", afirma um dos sindicalistas entrevistado.

Paulo Hideo Muraoka deu o seguinte depoimento: "O arrocho salarial a que os trabalhadores brasileiros estão sendo submetidos atualmente, também atinge os metroviários. Há 10, 12 anos atrás, o salário do metroviário era compensador, prevendo já essa condição de o funcionário trabalhar de dia e de noite, sábado e domingo, Natal e Ano Novo, por causa da escala de rodízio. Trabalhava-se nesses dias especiais, mas tinha a compensação monetária. Hoje isso não acontece mais: nos dias de folga, o metroviário vai fazer algum "bico" para completar seu salário; durante 30 dias de férias, ele próprio vai construir sua casa porque ele não pode pagar um construtor. Há muitos funcionários que há quatro, cinco anos estão sem férias em que possam realmente descansar a cabeça.

A escala de rodízio é uma condição de preso-albergue para o metroviário, porque se deve viver para o metrô e não com o metrô. Este rodízio impede que o metroviário possa estudar para obter uma profissão, arrumar um outro emprego-extra etc.

Em 1985, foi feita uma pesquisa pelo DIESAT (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho) sobre as condições de trabalho dos operadores de trens do metrô. Constatou-se que os operadores viviam muitas angústias e sofrimentos por trabalharem em turnos de revezamento. Até 85, os operadores trabalhavam três manhãs (ou tardes) e tinham uma folga, em seguida três noites e duas folgas. Na verdade, quando saía de folga após trabalhar três noites, na primeira folga dormia durante o dia, mas não conseguia dormir no dia seguinte. O ser humano tem um relógio biológico que controla o sono e o revezamento estava perturbando o ritmo deste relógio.

Na época, fizemos uma greve de seis dias que foi a mais longa ocorrida na história do metrô. Esse movimento grevista e mais a pesquisa do DIESAT mostraram que era preciso mudar o esquema de revezamento. Foi conseguida essa reivindicação e o revezamento passou a ser de quatro manhãs (ou tardes), duas noites e três folgas, quer dizer, diminuiu bem a carga de serviços. No ano passado, com a nova Constituição, conseguimos um revezamento de quatro manhãs (ou tardes), duas noites e quatro folgas. Optamos por folgar um dia a mais do que trabalhar seis horas por dia.

Posso resumir que praticamente 95% das doenças dos metroviários são de origem nervosa. Como os trens do metrô são muito automatizados, praticamente 80% do sistema, então precisamos trabalhar muito com a cabeça, de forma concentrada, sob muita tensão, porque, muitas vezes, precisamos tomar decisões rápidas diante de imprevistos ou de acidentes.

Por exemplo, quando acontece um suicídio. Existem muitos suicídios de passageiros nas plataformas das estações. O passageiro se joga bem na frente do trem e não há condições de o operador parar o trem antes de 50 metros de distância. O trem entra a 62 km. por hora na plataforma da estação e não há como parar bruscamente. Quando acontece um suicídio, o metrô fecha a linha de bloqueio e não deixa os usuários entrarem e nem saírem, para abafar e impedir que a imprensa divulgue este fato. A situação do operador de trem nestas circunstâncias'só pode ser compreendida colocando-se no lugar dele. Sou operador de trem e nunca aconteceu comigo, mas conheço colegas com quem isso aconteceu. Inclusive tem operador de trem fazendo tratamento psicológico por causa disso.

A pesquisa do DIESAT feita em 1985 já cumpriu seu objetivo e uma outra pesquisa precisa ser feita por piscólogos e psiquiatras. Esta nova pesquisa deveria tentar entender o metroviário no trabalho e fora do trabalho: como ele vive na sociedade? O metroviário fica geralmente estressado com o trabalho, chega em casa com o pavio curto, briga com a mulher e os filhos, o que acaba gerando a separação. Tenho observado que está cheio de metroviário separado da família e também está cheio de metroviário que bate o cartão e vai para o boteco tomar pinga. Eu resolvi assumir a Secretaria de Saúde do Sindicato por causa da gravidade desse tipo de problema da nossa categoria."

Celso Figueiredo complementou o depoimento de seu companheiro :

" Devemos encarar a saúde mental de forma bem ampla. A saúde mental do trabalhador não é apenas a saúde das reações que tem psicologicamente, mas é um conjunto de fatores que interferem no indivíduo e um conjunto de reações do indivíduo. Na minha opinião, a função de um psicólogo é a seguinte: ele pode ser um profissional muito importante no sentido de identificar e contribuir para a melhoria dos ambientes de trabalho. O ambiente de trabalho não é apenas um local físico, mas é um local físico onde ocorrem relações de trabalho entre pessoas.

Uma segunda função do psicólogo seriam as ações preventivas de saúde mental. Não adianta só ficar cuidando de quem ficou louco. Acho que se deve cuidar para que as pessoas não tenham stress, não tenham sobrecarga de trabalho, nem sobrecarga emocional, para que elas não se tornem enfermas. O psicólogo pode identificar as causas que levam a fazer danos à saúde mental do trabalhador e propor soluções que visem a eliminar ou minimizar essas causas.

Por último, acho que o psicólogo poderia realizar o acompanhamento de trabalhadores que estiverem necessitando de tratamento psicoterápico. Encaro a psicoterapia como sendo um direito do indivíduo e não a encaro como um direito do louco. A nossa sociedade encara muito erradamente a psicoterapia como sendo uma coisa de ricaço ou de mulher problemática. Acho que o trabalhador numa sociedade democrática teria direito a possuir acesso à psicoterapia como uma forma de aprender a lidar com o conjunto de fatores que influencia a sua estrutura subjetiva, por intermédio de um profissional que lide com estes fatores".