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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.10 n.1 Brasília  1990

 

LEITURA

 

A loucura do trabalho

 

 

Júlia Abrahão

Instituto de Psicologia Universidade de Brasilia

 

 

Encontramos nesta obra de Cristophe Dejours - A loucura do Trabalho, Oboré Editorial, 1987 — uma abordagem do trabalho até então pouco usual entre os profissionais da área de Psicologia Organizacional — o binômio organização do trabalho - saúde. O axe central sobre o qual se construiu o livro traz em sua base o pressuposto que: "a organização do trabalho exerce, sobre o homem, uma ação específica, cujo impacto é o aparelho psíquico".

Através de pesquisas realizadas em diferentes setores da produção, Dejours ilustra de forma clara os diferentes mecanismos de defesa utilizados pelos trabalhadores. Esses mecanismos permitem sobreviver ao sofrimento imposto pela organização do trabalho vigente. Em outras situações o autor demonstra como esse mesmo sofrimento é recuperado pelas empresas em prol da produtividade.

É interessante ressaltar da análise do autor a identificação não só dos mecanismos de defesa ocupacional defensiva de caráter individual, mas também a ideologia ocupacional coletiva vigentes em determinadas áreas de produção. Ao resgatar a dimensão coletiva do sofrimento e as regras impostas pelo grupo para a execução das tarefas, Dejours nos remete diretamente a um questionamento da forma como o trabalho é organizado.

Crítico ferrenho do Taylorismo e seus múltiplos desdobramentos em matéria de organização do trabalho, o texto ilustra com exemplos oriundos do cotidiano do trabalho, aspectos tais como a insatisfação oriunda do conteúdo significativo e do conteúdo engonômico do trabalho.

Na relação do trabalhador com a organização do Trabalho, além das estratégias defensivas, do sofrimento e da sua exploração, é interessante observar ainda a identificação do medo presente em diferentes situações de trabalho; e esse medo se desdobra de forma diferenciada conforme a relação tarefa-organização do trabalho.

Resta como ponto fundamental da psicopatologia do trabalho a questão: a exploração do sofrimento pode ter repercussões sobre a saúde dos trabalhadores, do mesmo modo que podemos observar com a exploração da força física?

Contrariamente ao que parece sugerir o título da obra, não se pode provar uma patologia mental decorrente do trabalho. Uma das hipóteses do trabalho de Dejours coloca a organização do trabalho como causa de uma fragilização somática, na medida em que ela pode bloquear os esforços do trabalhador para adequar o modo operatório às necessidades de sua estrutura mental. Nós pensamos que por aí se abre um grande campo de investigação para a verificação dessas hipóteses, com a vantagem de agrupar diferentes campos de atuação da psicologia, indispensáveis a um melhor conhecimento das relações homem-situação de trabalho.

O livro traz, em seu anexo, um modelo de metodologia em psicopatologia do trabalho, útil na operacionalização e bom guia no desenvolvimento de uma intervenção, deixando evidentemente um espaço para a adaptação à nossa realidade brasileira com peculiaridades diferentes da francesa.

A proposta que permeia todo o livro não é a de criar novos homens, mas encontrar soluções que permitiriam pôr fim à desestruturação de um certo número deles, pelo trabalho.