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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.10 n.2-3-4 Brasília  1990

 

Desvendando a outra face do saber - Reflexões sobre o livro "Na Vida dez, na Escola zero", de Teresinha Nunes Carraher, David William Carraher e Analúcia Dias Schliemann

 

 

Antônio Roazzi

Universidade Federal de Pernambuco

 

 

No panorama da psicologia do desenvolvimento cognitivo o livro" Na vida dez, na escola zero" epitomiza uma abordagem que nos últimos dez anos vem sendo desenvolvida pelos autores no mestrado em psicologia da Universidade Federal de Pernambuco. O livro é uma coletânea de estudos sobre a matemática na vida diária cujos resultados levantam questões para diferentes áreas da ciência e abrem um novo espaço para reflexão sobre importantes problemas no contexto político-educacional no qual o Brasil se encontra. Estas questões não são puramente acadêmicas, elas possuem importantes implicações em nível prático que são da maior relevância para a teoria psicológica e a prática educacional.

Elas fornecem pistas para uma melhor atuação do psicólogo ou educador não-pesquisador. O ponto central do livro é o divórcio do conhecimento matemático formal (conhecimento elaborador pelas leis da lógica através da dedução) do conhecimento matemático construído pela experiência (conhecimento elaborado pelo indivíduo em sua atividade de adaptação ao meio). É a discrepância entre o que a criança sabe fazer na vida e o que ela demonstra fazer nas provas escolares. A questão que se coloca é: por que essa diferença entre matemática como habilidade de sobrevivência e a matemática da escola? Ao discutir esta dicotomia entre a matemática de rua em contraposição à matemática da escola, são abertos caminhos para reflexão sobre a educação matemática que envolvem questionamentos não só em nível teórico como também aplicativo.

Divisão do Livro

"Na vida dez, na escola zero" analisa a matemática na vida diária entre crianças e adultos trabalhadores que, na maioria das vezes, não aprenderam na escola o suficiente para resolver os problemas que resolvem na vida diária. Este interesse surgiu da constatação de que muitos trabalhadores das classes populares usam no dia-a-dia muito mais matemática do que aprenderam na escola.

O livro é dividido em oito capítulos. Seis destes capítulos (do segundo ao sétimo) apresentam estudos empíricos específicos de atividades relacionadas à matemática avaliada com respeito às aprendizagens dentro e fora da escola. Estes estudos empíricos são precedidos por uma introdução, (capítulo 1) que discute a relevância dessas pesquisas para a educação matemática. O capítulo 2 mostra como as mesmas crianças, que comentem erros absurdos na escola, sabem muito bem a matemática de que precisam para sobreviver; elas são capazes de desenvolver estratégias próprias para resolver problemas de aritmética. Questiona-se assim o procedimento usal de atribuir à criança a razão do seu fracasso na escola. O capítulo 3 apresenta uma análise das características da matemática oral, a qual usamos freqüentemente, mas cuja existência tendemos a ignorar na escola. É demonstrado como a matemática oral não é caótica. Muito pelo contrário, ela tem bases sólidas na compreensão do número e do sistema decimal; ou seja, ela é organizada em heurísticas flexíveis, que se ajustam aos problemas, mas que têm uma descrição geral e uma relação definida com as operações aritméticas.O capítulo 4 mostra como o ensino de fórmulas, por melhor que fosse, não resolveria alguns problemas da vida diária. Por exemplo: "um marceneiro que compra madeira não quer saber simplesmente que volume de madeira vai usar, mas quer saber analisar os móveis em peças a serem adquiridas, respeitando suas dimensões, sem misturá-las" (p.167). Resolver problemas práticos que envolvem conceitos matemáticos implica em uma procura de respostas relacionadas com a experiência cotidiana.

Nos três capítulos subseqüentes, são apresentados estudos que demonstram como modelos matemáticos mais complexos podem ser construídos pelos sujeitos na organização de suas ações no trabalho, ainda que esses modelos pareçam, em ocasiões, ir além das necessidades reais dos trabalhadores. Nos primeiros destes dois estudos (capítulo 5 e 6) a competência desses trabalhadores é contrastada com a competência de estudantes que receberam instrução formal da matemática nos mesmos aspectos. O capítulo 5 mostra como os mestres de obra trabalham com escalas mesmo tendo, com freqüência, muito pouca instrução escolar. O capítulo 6 mostra como os cambistas do jogo do bicho calculam preços de apostas usando tabelas para verificar o número de combinações quando se faz uma aposta invertida. O capítulo 7 mostra como os feirantes trabalham com equações quando pesam mercadorias em balanças de dois pratos. Estes estudos empíricos são seguidos por um capítulo final (capítulo 8) e uma conclusão, que buscam uma interpretação resumida dos resultados no contexto da educação em geral, e da educação matemática em particular.

Na base dos resultados obtidos nestes estudos pode-se inferir que:

1)  diferentes situações nas quais a resolução de problemas ocorre causam um efeito diferenciado sobre os indivíduos;

2) um melhor conhecimento dos procedimentos matemáticos desenvolvidos fora da sala de aula possibilita verificar que o conhecimento matemático é acessível a muitos;

3) a habilidade de um indivíduo para mostrar uma determinada competência depende das situações culturais e sociais nas quais ele tem a oportunidade de usá-las;

4) é o contexto social que determina, em parte, o nível de dificuldade das tarefas e problemas que induzem o que pode ser considerado como comportamento inteligente; isto significa que um problema idêntico pode assumir um significado diferente para indivíduos ou grupos sócio-culturais quando está inserido em diferentes contextos sócio-culturais;

5) pode-se avaliar com mais precisão as competências cognitivas de um indivíduo quando as tarefas têm sido classificadas e definidas em relação a um número de características e experiências cotidianas próprias de cada grupo, porque a ecologia social, na qual os indivíduos vivem, influencia de maneira importante seu desempenho, determinando os problemas que são importantes para ser solucionados como também as estratégias apropriadas para solucioná-las.

A procura do "Significado Perdido"

O que une os vários estudos do livro é a verificação da importância dos tipos de significados ou falta de significados que as situações formais nas quais o ensino da matemática está inserido possuem para as crianças. Os resultados das pesquisas apresentadas no livro mostram claramente que o que distingue as situações cotidianas das situações escolares é o significado que elas têm para o sujeito, o qual, resolvendo problemas, constrói modelos lógico-matemáticos adequados à situação. É exatamente o significado que o problema tem para a criança no momento em que se engaja na sua solução que diferencia o impacto que as situações possuem para o indivíduo. Situações que apresentam as quantidades dentro de uma interação significativa parecem levar a criança a adotar um procedimento de resolução de problemas. Esta questão do significado, de qualquer maneira, não pode ser identificada com a utilização no ensino de objetos concretos. Como os autores afirmam: "um problema não perde o significado para a criança porque usa uva ao invés de pitomba ou pitomba ao invés de uva ... O problema perde o significado porque a resolução de problemas na escola tem objetivos que diferem daqueles que nos movem para resolver problemas de matemática fora da sala de aula. Perde o significado também porque na sala de aula não estamos preocupados com situações particulares, mas com regras gerais, que tendem a esvaziar o significado das situações. Perde também o significado porque o que interessa à professora não é o esforço de resolução do problema por um aluno mas a aplicação de uma fórmula, de um algoritmo, de uma operação, predeterminados pelo capítulo em que o problema se insere ou pela série escolar que a criança freqüenta (p. 22).

Em outras palavras, esta questão do significado é central para compreendermos os problemas de aprendizagem que as crianças apresentam quando aprendem matemática na sala de aula. De fato, o impacto das situações na aprendizagem de operações lógico-matemáticas está diretamente relacionado com o significado que o problema tem para a criança no. momento em que se engaja na sua solução. Esta perda de significado na sala de aula parece explicar a facilidade com que a criança aceita resultados absurdos na matemática escrita que contradizem a própria formulação do problema (por exemplo, encontrar em divisões resultados que são maiores do que o dividendo). Erros, estes, que são ausentes, ou pelo menos raros, na matemática oral. Isso leva a revermos o significado que as tarefas escolares possuem para o sujeito.

O "A Priori" da superioridade

Os autores questionam a crença de que a partir da avalição de habilidades matemáticas de tipo escolar é possível classificar os alunos de acordo com os mais inteligentes e menos inteligentes. Esta crença é criticada por duas razões: Em primeiro lugar, porque se baseia em um pressuposto, a priori e arbitrário: o pressuposto de superioridade do conhecimento desenvolvido na escola sobre aquele desenvolvido fora dela. Desta forma, elitizam-se formas de conhecimento enquanto negam-se outras. A matemática escolar é elevada a parâmetro para selecionar, os alunos que sabem raciocinar e os que não sabem. No entanto, a matemática escolar ou formal com seu conjunto de regras e definições, teoremas e algoritmos é apenas uma das formas de se fazer matemática; esquece-se a matemática da vida como forma de atividade humana para organizarmos os objetos e eventos no mundo; ou seja, esquece-se a matemática utilizada pelo indivíduo para solucionar problemas concretos da vida diária quando compra, vende, mede peças de madeira, encomenda mercadorias, constrói paredes, calcula porcentagens, faz o jogo na esquina, etc. Todas estas atividades mostram que, enquanto as práticas pedagógicas ignoram essas capacidades do aluno fora da sala de aula e reconhecem apenas o que acontece no cenário da escola e das provas, o indivíduo, fora da sala de aula, é capaz de raciocinar, deduzir, calcular, construir modelos para resolução de problemas.

Em segundo lugar, esta superioridade da matemática formal ensinada na escola sobre a matemática aprendida na vida é criticada porque não encontra suporte empírico (veja os seis estudos apresentados no livro). De fato, por que esta diferenciação em termos de atribuição de superioridade se os mesmos invariantes lógico-matemáticos estão subjacentes a atividade matemática dentro e fora da escola? Uma vez que as crianças resolvem problemas em atuação extra-classe, utilizando os mesmos princípios lógico-matemáticos que em sua aprendizagem de matemática na sala de aula, isto nos indica qae as diferenças estie modelos lógico-matemáticos aprendidos, tanto na escola como na vida cotidiana, são resultados do uso de estratégias diferentes, e não são problemas de base conceitual.

 

Educação e Fracasso: a contradição absurda

Como pode-se perceber, os resultados dos estudos apresentados e a análise dos autores nos dirigem para uma reflexão profunda sobre o papel da psicologia na escola. As implicações em nível de política-educacional e de educação matemática, em particular, também são relevantes e tornam as perspectivas de mudança a partir da sala de aula mais promissoras. Se as crianças, apesar de serem perfeitamente capazes de raciocinar, não aprendem matemática, torna-se errônea a aceitação da hipótese de que "as crianças não aprendem matemática porque não tem capacidade de raciocinar; posição esta, em geral, defendida através da idéia que as crianças de camadas populares não têm capacidade para aprender em 67 decorrência dos fatores adversos que atuam em suas vidas. As evidências não permitem mais a possibilidade de colocação do problema nestes termos. É preciso não esquecer que muitas vezes, dentre os alunos que não aprendem na sala de aula estão alunos (em geral, jovens das classes populares) que usam a matemática, no seu pleno sentido, para sobreviver no dia-a-dia, vendendo, fazendo biscates, dando trocos, calculando preços ou repartindo lucros.

Isto implica que a escola deveria

1)  olhar o raciocínio de uma forma mais independente da ideologia do saber instituído;

2)  rever os seus procedimentos de ensino e o que estes procedimentos significam no contexto social mais amplo (por exemplo, não deixando que o ensino de matemática se sobreponha ao aluno como objeto determinante de sua aprendizagem;

3) reavaliar a forma de atribuição do fracasso escolar às próprias crianças.

Não refletir nestes pontos com seriedade irá permitir a manutenção das contradições que atualmente permanecem sem solução e que são aparentemente absurdas. Por exemplo, como é possível que uma criança, que já sabe somar, não aprenda a somar? A análise desta contradição não é mais possível de ser adiada.

Sugestões para superar as contradições

Várias sugestões sobre novos caminhos educacionais para solucionar esta contradição (capacidade de raciocinar vs. falta de aprendizagem) são sugeridas. Uma delas é o aproveitamento dos conhecimentos já adquiridos na vida cotidiana. O raciocínio sobre o qual se baseia esta idéia é o seguinte: se a experiência da vida diária parece enriquecer os problemas, as operações, as relações numéricas de significado, por que não usar em sala de aula o conhecimento matemático cotidiano dos alunos? Ou seja, se existem diferentes caminhos para chegar à solução de problemas, por que não incorporá-los nos programas escolares? Por que o professor não os utiliza na sala de aula, dado que estes caminhos representam soluções matematicamente equivalentes, e possuindo até, muito mais significado, do que aquelas que estão nos programas escolares? O professor tendo consciência da existência de vários caminhos e estratégias para resolver um mesmo problema, todas elas apropriadas do ponto de vista matemático, terá maior flexibilidade para analisar os trabalhos de seus alunos. Ele poderá deixar de concentrar-se na questão de "certo" ou "errado" para permitir que os alunos encontrem várias maneiras de resolver um mesmo problema, nem tentar forçá-los, por exemplo, a utilizarem um algorítmo ou uma regra que ele pretende ensinar. Como afirmado pelos autores, "a liberdade de pensar e organizar diferentes formas de solução é essencial para que os alunos recriem um modelo matemático em ação". Dessa forma, "teríamos alunos reflexivos, independentes, confiantes em sua capacidade de fazer matemática e dispostos a aprender um pouco mais de simbologia matemática para representar significados conhecidos e ampliar seu poder de solucionar problemas" (p. 180).

Em outras palavras, o professor, a partir de um conhecimento mais claro da matemática feita fora da sala de aula, poderá melhor entender como funcionam alguns dos modelos matemáticos difíceis de serem ensinados na escola. Dado que a prática da matemática na vida diária oferece condições para a construção dos mesmos invariantes necessários para os conceitos implícitos na matemática formal, o professor se beneficiaria deste conhecimento capaz de fornecer uma base mais sólida para a aprendizagem de matemática formal ensinada na escola.

A adoção deste procedimento não implica em uma negação do ensino formal da matemática mas implica em uma combinação desta forma de aprendizagem com o conhecimento adquirido na experiência diária. "Quando a experiência diária é combinada com a experiência escolar é que os melhores resultados são obtidos... Isso não significa que os algoritmos, fórmulas e modelos simbólicos devam ser banidos da escola, mas que a educação matemática deve promover oportunidades para que esses modelos sejam relacionados a experiências funcionais que lhes proporcionarão significado" (p. 99). Combinar estes dois saberes parece atualmente o melhor caminho a ser adotado. De fato, o contexto da sala de aula pode ser um ambiente mais propício ao desenvolvimento de modelos gerais de resolução de problemas do que a experiência cotidiana; mas, ao mesmo tempo, a experiência da vida diária pode melhorar modelos dando-lhes significados, e tornando-os mais eficazes em sua aplicação. Nesta perspectiva o papel do professor como depositário do saber a ser simplesmente repassado para os alunos na criação de novas estruturas lógico-matemáticas mudaria. Muito mais importante para o professor seria tentar transferir a habilidade que a criança já possui para outros contextos não muito usuais para ela, ampliando, assim, as suas potencialidades.

Neste contexto, as situações utilizadas nas pesquisas poderão ser vistas como situações interessantes para serem matematizadas em sala de aula. O conhecimento e utilização por parte do professor das estratégias e procedimentos já conhecidos pelas crianças se reverteria em lucros para o desenvolvimento da sua própia didática; enquanto uma atitude de desprezo da matemática informal da vida diária se tornaria um inútil desperdício do conhecimento já adquirido e dominado pela criança.

Os dois saberes

Infelizmente esta desconsideração do saber popular existe e possui efeitos nefastos não só em termos quantitativos (o não aproveitamento de algo já possuído), mas também em nível de consciência do indivíduo. Em geral, as camadas mais pobres das populações vêem-se continuamente desvalorizadas e privadas da sua sabedoria que é relegada a um saber de segunda ordem em relação ao saber veiculado pela escola. A escola, nestes termos, se torna em relação aos seus alunos uma fonte geradora de complexos de inferioridade. As crianças ao freqüentá-la se persuadem de serem incapazes de aprender, ao mesmo tempo que introjetam uma atitude negativa sobre o tipo de saber que elas utilizam, por exemplo, a matemática oral. Este ponto é ressaltado pelos autores: "Aparentemente, aprendemos na escola não somente a resolver operações aritméticas, mas também atitudes e valores relativos ao que é apropriado em matemática. A matemática, aprendemos implicitamente, é uma atividade que se pratica por escrito, é algo para aqueles que vão à escola. E esta é a forma apropriada de resolver problemas. Esta ideologia não apenas inibe o cálculo oral, mas, também, desvaloriza este tipo de saber popular, que não tem lugar na escola nem pode ser reconhecido num sistema de promoção em que todas as avaliações são feitas por escrito. Quando constatamos que a escola rejeita esse saber popular da criança, manifesto na matemática oral, precisamos perguntar-nos: a quem interessa esta rejeição? Ao aluno? Ao professor? À sociedade?"(p. 65-66, o grifo é original).

Parece que o indivíduo deve aprender a respeitar as regras formais da matemática ensinada na escola, da mesma forma que deve aprender a respeitar as regras dominantes na sociedade; regras estas que são as regras da classe dominante, a qual não permite aos indivíduos o desrespeito das mesmas. Parece que o respeito das regras matemáticas formais se torna um treino para o respeito das regras de controle social por parte da classe dominante, a qual não permite aos indivíduos o desrespeito das mesmas. Parece que o respeito das regras matemáticas formais se torna um treino para o respeito das regras de controle social por parte da classe dominante.

De fato, o respeito às regras é um dos meios que a classe dominante utiliza para consolidar o seu poder. Além do mais, esta desvalorização do saber popular está relacionada com a divisão entre classes sociais inerente a nossa sociedade (a classe dominante e a classe dominada). Desvalorizando o saber dos pobres, os pressupostos de dominação da classe no poder encontram-se reforçados. Tudo o que a classe dominante sabe é bom e toma-se o parâmetro, segundo o qual os outros serão julgados. Enquanto tudo o que a classe dominada (os pobres) sabem "não presta", deve ser modificado para se melhorar o padrão. Esta divisão dos saberes possui importantes repercussões em nível de status social, prestígio e remuneração econômica dado que a nossa sociedade tende a privilegiar as profissões que estão em sintonia com o saber formal que ela, de forma a priori, estabeleceu ser superior.

Tendo o seu saber desvalorizado, a classe dominada deve, de fato, aprender a aceitar como normal os tipos de trabalhos subordinados, em geral desprestigiados pelos baixos salários e status social a eles associado, para os quais o sistema os destinou.

 

Conclusão

Além da relevância dos estudos relatados que se caracterizam pela seriedade e novidade da perspectiva apresentada, como também pelo caráter científico das metodologias adotadas, o livro exerce um certo fascínio que acompanha a leitura de cada página. Este fascínio c produto de uma convicção que inspira os autores: para renovar as estruturas educacionais c necessário não se limitar somente a estudos de caráter teórico e a proclamações de princípios (que conservam certamente, um seu próprio valor), mas se empenhar em investigações que focalizam aspectos específicos, sustentados por cuidados metodológicos e análises precisas. Esta é a maneira mais eficiente para o pesquisador contribuir para um processo de mudança visando a criação de instrumentos de transformação na direção de uma maior justiça social. Este processo de mudança apresenta diferentes frentes a serem trabalhadas: mudança na perspectiva das instituições de ensino, mudança dos conteúdos programáticos, mudança no compromisso dos pesquisadores envolvidos neste tipo de pesquisa, mudança de atitude por parte dos educadores e até mudanças, quem sabe, das estruturas que são origem das desigualdades sociais.

Mais do que fornecer soluções, o livro despeita a reflexão de nossas práticas como psicólogos, pesquisadores e educadores. Ele provoca uma discussão sobre estas práticas e sobre a verdadeira finalidade da educação. Ele questiona, também, através dos estudos apresentados, procedimentos que, tanto na psicologia como em educação, são aceitos passivamente sem nenhuma reflexão crítica sobre sua validade e utilidade. A contribuição do livro é sem dúvida relevante e reconhecida, não só no panorama nacional como também no panorama internacional (o livro foi aceito para publicação em língua inglesa pela Cambridge University Press).

O leitor desperta para questões práticas e teóricas que encontram-se ao nosso redor e que devem ser respondidas. As inquientações extrapolam o simples domínio da psicologia ou da educação. Qual é o papel que a educação matemática está desempenhando no ensino? Que tipo de matemática deve ser ensinada? Com qual finalidade? Quais os métodos mais úteis para este ensino sem que o conteúdo seja deturpado e esvaziado de significado?

Este é o desafio lançado e que precisa ser enfrentado. Esta vai ser a tarefa que nos próximos anos irá direcionar o rumo das investigações de muitos pesquisadores e a prática pedagógica de muitos educadores. Foi resgatada a outra face do saber, a face oculta que corresponde ao saber vivo da experiência diária do indivíduo, que hoje, infelizmente, encontra-se em oposição ao conhecimento formal veiculado pela escola.

Espera-se que os autores continuem desenvolvendo esta mesma perspectiva, dado que as questões levantadas nestes estudos, merecem ulteriores investigações e um maior aprofundamento teórico.