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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.11 n.1-2-3-4 Brasília  1991

 

As questões de ética - denúncias encaminhadas aos CRPs e CFP

 

 

Ana Lúcia Francisco

Câmara de Ética - CFP

 

 

Em 1990, a Câmara de Ética do Conselho Federal de Psicologia (CFP) procedeu a um levantamento de todas as denúncias encaminhadas aos regionais e ao CFP no período compreendido entre 1988a 1989, tanto as que não se configuraram em processos éticos, como aquelas em que tais processos foram instaurados. Este levantamento objetivou traçar um perfil que pudesse nortear as ações implementadas pelas Comissões de Ética dos Conselhos Regionais e pela Câmara de Ética do Conselho Federal, no sentido de sanar ou minimizar os procedimentos considerados anti-éticos. Por se tratarem de denúncias as mais variadas, envolvendo desde atuação profissional sem o devido registro profissional, até questões relativas a quebra de sigilo, abusos físicos, uso inadequado de testes, demissão injusta, fornecimento de receitas por psicólogos etc, optou-se por agrupar estas denúncias segundo categorias de ações que contextualizassem tais denúncias. Neste sentido, foram levantadas categorias de ações, a saber:

Cat. 1 - Ação junto ao CRP para cumprimento da legislação;

Cat. 2 - Ação junto aos profissionais para esclarecimento da legislação;

Cat. 3 - Atualização profissional;

Cat. 4 - Condições de estágio (questões relativas à formação);

Cat. 5 - Relação entre profissionais;

Cat. 6 - Relação do psicólogo com o CRP;

Cat. 7 - Ação junto à população;

Cat. 8 - Ação jurídica junto ao Estado para cumprimento da legislação em instituições específicas;

Cat. 9 - Ação do CRP com outras instituições.

Desta forma, apenas a título de exemplo, denúncias referentes a exercício ilegal da profissão, uso inadequado de testes, fornecimento de receitas por psicólogos, se contextualizariam na Cat. 2, ou seja, ação junto aos profissionais para esclarecimento da legislação; denúncias relacionadas a estágios sem supervisão, se contextualizariam na Cat. 4, ou seja, condições de estágio e assim por diante.

Não se pretende, neste momento, fazer uma análise quantitativa, a nível percentual que seja, das denúncias realizadas junto aos CRPs/CFP. O que se objetiva, é muito mais, um olhar reflexivo sobre estas denúncias e, sobretudo, a apreensão de que em que contexto elas se inserem, pois se entende que é a partir desta contextualização que se tem a possibilidade de um efetivo trabalho na tentativa mesmo de prevenção primária.

Pode-se observar, através do quadro demonstrativo, que a maior frequência de denúncias, são aquelas que apontam para a necessidade de esclarecimento do Código de Ética junto aos psicólogos, seguindo-se de outras, relacionadas à Relação dos CRs/CFP com outras instituições e, ainda, as que se referem a Relações entre Profissionais e Questões de Formação.

 

 

 

É curioso notar que a maior frequência de denúncias se refira à inobservância do Código de Ética pelos próprios psicólogos, o que remete necessariamente à pergunta: Falta o conhecimento deste Código ou uma visão adequada deste, percebendo-o como uma lista normativa e legalista de conduta e não como um instrumento reflexivo no cotidiano do exercício da cidadania e, de forma mais particular, a ação profissional desta cidadania? Procurando-se relacionar as denúncias encaminhadas com as infrações ao Código de Ética, destaca-se:

Princípios Fundamentais:

I - O Psicólogo baseará o seu trabalho no respeito à dignidade e integridade do ser humano.

DAS RESPONSABILIDADES GERAIS DO PSICÓLOGO:

- Art. 01 - São deveres fundamentais dos Psicólogos:

c) Prestar serviços psicológicos em condições de trabalho eficiente, de acordo com os princípios e técnicas reconhecidas pela ciência, pela prática e pela ética profissional;

f) Zelar para que o exercício profissional seja efetuado com a máxima dignidade, recusando e denunciando situações em que o indivíduo esteja correndo risco ou o exercício profissional esteja sendo vilipendiado.

Art. 02 - Ao Psicólogo é vedado:

l) Interferir na fidedignidade dos resultados de instrumentos e técnicas psicológicas;

m) Adulterar resultados, fazer declarações falsas e dar atestado sem a devida fundamentação técnico-científica;

n) Estabelecer com a pessoa do atendido relacionamento que possa interferir negativamente nos objetivos do atendimento.

Art. 06 - O Psicólogo garantirá o caráter confidencial das informações que vier a receber em razão de seu trabalho, bem como do material psicológico produzido.

Art. 22 - O sigilo protegerá o atendido em tudo aquilo que o Psicólogo ouve, vê ou de que tem conhecimento como decorrência do exercício da atividade profissional.

No que diz respeito a denúncias em que as relações do Psicólogo com Instituições é o foco central, observa-se infrações diretamente ligadas aos artigos:

03 - c) Em seus atendimentos, garantir condições ambientais adequadas à segurança da(s) pessoa(s) atendida(s), bem como à privacidade que garanta o sigilo profissional.

09 - O Psicólogo, em função do espírito de solidariedade, não será coniventecom erros, faltas éticas, crimes ou contravenções penais praticadas por outros na prestação de serviços profissionais.

23 - Se o atendimento for realizado por psicólogo vinculado a trabalho multiprofissional numa clínica, empresa ou instituição ou a pedido de outrem, só poderão ser dadas informações a quem as solicitou, a critério do profissional, dentro dos limites do estritamente necessário aos fins a que se destinou o exame.

Um outro aspecto bastante ressaltado foi o da relação entre profissionais, onde o que se nota é a inobservância principalmente aos artigos 07 e 10, que tratam do respeito, consideração e solidariedade para com o colega, como também alertam que críticas feitas a outrem devem ser construtivas, fundamentadas e da responsabilidade de quem as faz.

Também é preocupante se perceber que, alguns estagiários de Psicologia, ainda no período de sua formação, já cometam faltas éticas que, via de regra, se situam ou na assunção de um profissionalismo que, por lei, ainda não têm condições de assumir (estagiários atuando como se fossem formados), ou ainda, cometam faltas relacionadas a quebra de sigilo. É bem verdade que estas faltas cometidas por estagiários fogem à ingerência dos Conselhos de Psicologia, impedindo que haja sobre eles a aplicação do Código de Ética, mas, por outro lado, aconsciência profissionl e o próprio Código de Ética responsabilizam o supervisor por estas faltas, o que impõe que este, além da função de transmissor dos aspectos técnico-científicos do exercício profissional, tome para si a tarefa de uma contínua reflexão e avaliação junto aos estagiários dos aspectos éticos relativos a sua atuação profissional.

Não se pretende, neste momento, apontar os possíveis motivos que levam os profissionais a violar o seu Código de Ética, mesmo porque se acredita que esta é uma tarefa a ser realizada envolvendo todos os Psicólogos no cotidiano de suas práticas profissionais. No entanto, é importante ressaltar que não existe uma ética profissional desvinculada de uma ética social e que a expressão de uma, é necessariamente a da outra. A ética profissional se insere num contexto mais amplo e com ele se articula, qual seja, a ética do exercício da cidadania. Finalmente, na tentativa de apreender se as denúncias encaminhadas aos Conselhos Regionais e ao Conselho Federal tinham, quanto a sua maior ou menor gravidade, leituras semelhantes por parte dos conselheiros envolvidos na tarefa de julgá-las, foi realizado um estudo comparativo das sentenças (acórdons) nestas duas instâncias. Através do quadro demonstrativo, observa-se que, num total de 13 denúncias, há a confirmação de 08 sentenças, envolvendo desde penalidades graves até arquivamento de processo e 05 reduções de penalidade por parte do Conselho Federal. O que mais chama a atenção, neste estudo comparativo, é o número elevado de denúncias, inclusive algumas bastante graves, em que houve arquivamento de processos. Uma análise mais detalhada destes processos arquivados levam à conclusão que as possíveis variáveis que aí intervêm, relacionam-se a uma inadequada instrução dos passos do processo e falhas no acolhimento de provas materiais que fundamentam as denúncias, tipificando-as de forma mais clara. Neste sentido, caberia aos Conselheiros e Fiscais, que acolhem estas denúncias, um esclarecimento às partes interessadas de todos estes aspectos, o que possibilitaria um melhor direcionamento destas denúncias.

Para concluir, seria importante assinalar que esta análise qualitativa visa, sobretudo, contribuir para uma reflexão sobre a qualidade da prática profissional do psicólogo à luz do Código de Ética. Em tempos tão sombrios, caracterizado por uma constante falta de ética social, esta reflexão nos parece não só justificada como também necessária.