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Psicologia: ciência e profissão

versión impresa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.12 n.2 Brasília  1992

 

Supervisão em Psicologia Escolar: vicissitudes de uma prática institucional

 

 

Regina DiasI; Sônia LeiteII

IPsicóloga da Secretaria Municipal - Professora Universitária de Educação do Estado do Rio de Janeiro
IIPsicóloga do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro - Professora Universitária

 

 

A partir de nossa experiência, enquanto supervisoras da área de Psicologia Escolar de uma faculdade particular, procuramos analisar alguns aspectos relativos a formação do psicólogo pontuados pelas práticas normativas pedagógicas instituídas, notadamente a supervisão.

Verificamos a naturalização constantemente atualizadas pelas agências burocrático-pedagógicas que hegemonizam esta prática enquanto desconectada das contradições presentes na própria formação e das condições de trabalho onde estas práticas são efetivadas.

Territorializa-se, assim, o aspecto "técnico" da formação enquanto propiciador de um 'salvo-conduto' para vida profissional. Para efetuar tal análise, faremos inicialmente um breve histórico dos enfoques educacionais da década de 70 e a contextualização destes enfoques na sociedade brasileira.

Abordaremos a formação do psicólogo na concepção científica-tecnicista e as vicissitudes da prática de supervisão quando veiculada e ativas forças e ações que pretendem mobilizar e desnaturalizar as questões acadêmicas, não as abstraindo da vida social e política das instituições sócio-pedagógicas. Objetivaremos, em especial, levantar questões sobre o "lugar" do supervisor na constituição deste campo social, a saber, a supervisão em Psicologia Escolar.

 

Um Pouco de História

As propostas educacionais dos anos 70 com seu enfoque tecnicista, com idéias de neutralidade, cientificidade e objetividade, tiveram como fonte do ponto de vista econômico o acelerado desenvolvimento industrial sob a égide das multinacionais.

A abertura "irrestrita da economia ao capital estrangeiro, na década de 60, caracterizou-se pela expansão do capitalismo monopolista. Isto gerou uma "homogeneização monopolista do espaço brasileiro"(2), onde as relações de produção capitalistas tomaram-se hegemônicas, levando-se até as últimas consequências o processo de substituição da produção artesanal pela industrial.

Paulatinamente, o ímpeto do processo de industrialização começaria a diminuir e a economia passaria por uma série de recessões.

Politicamente é crescente o grau de organização e combatividade dos assalariados provocado principalmente pela contínua elevação do custo de vida.

O golpe de 64 se inscreve no descompasso entre a economia e a política brasileira, pois o capital estrangeiro e a expansão monopolista sentiam no modelo político vigente uma barreira à sua expansão.

As Forças Armadas entram em cena e garantem os diferentes interesses dominantes que sentiam-se então ameaçados. Inicia-se um processo de "brasilização" às avessas, valorizando-se sobretudo os efeitos ("levar vantagem"/"fazer mais com menos") e as soluções que reduzissem os antagonismos ("ame-o ou deixe-o"). Aliás o próprio antagonismo social foi reduzido a partir da Doutrina de Segurança Nacional e dos Atos Institucionais que tal doutrina punha em ação.

Entramos, então, na era do "milagre brasileiro" que na década de 70 caracterizou-se pela crescente internacionalização da economia brasileira através da exportação de produtos industrializados.

É neste momento que a "Teoria do Capital Humano" produzida nos E.U.A. passa a ser intensamente absorvido e utilizado no ideário pedagógico brasileiro.

O modelo de Educação consequente à "Teoria do Capital Humano" é aquele que visa o desenvolvimento de habilidades, atitudes e a aquisição de certo "volume" de conhecimentos que geram a capacitação para o trabalho e produção. A Educação torna-se assim o principal investimento da sociedade porque produz "força de trabalho".

Também nesta proposição a Educação torna-se a principal via de ascenção social ao representar uma "abertura" para maiores possibilidades de trabalho (produtividade) e renda.

Assim "...As relações de poder de dominação e exploração cedem lugar á ideologia do mérito, do esforço do indivíduo, da racionalidade e do dom"(3). "Não foi por acaso que tal reformulação da política educacional foi realizada por técnicos da área econômica do governo"(2).

A grande demanda da classe média para o ensino superior, obriga o governo a investir grandes somas na Rede Privada enquanto se verifica um decréscimo nas verbas para a Rede Pública.

Ocorre, assim, uma expansão das faculdades particulares, em especial, Psicologia e Pedagogia, para atender àqueles que buscavam um "título". Ao mesmo tempo em que eram rejeitados pela rede oficial.

Tal solução viria atender a dois interesses governamentais explícitos: a solução da crise universitária e a formação de recursos humanos para manter a dinâmica do desenvolvimento.

Não é sem intenção que os cursos de História, Filosofia e Sociologia foram esvaziados em detrimento dos cursos de Pedagogia e Psicologia(8). Tais cursos atendem nitidamente à ótica desenvolvimentista, pois com a tecnificação da vida escolar e social, se atenuaria as desigualdades sociais e se preservaria a hegemonia das idéias dominantes de modo que não se alterasse o status quo.

O "Ensino Superior" enquanto possibilitador de ascensão social surge neste bojo, delineando um espaço social onde o "não ter ensino superior" caracteriza-se cada vez como o "ficar num nível inferior" da escala social. Aqui se definem regras de inclusão e exclusão sociais, que em última instância, remetem à questão da divisão de classes.

Neste quadro, podemos verificar que hoje, década de 90, a maioria dos profissionais formados na área psi - atuando no mercado de trabalho - são provenientes desta formação "deformante" e "alienada". No dizer de Paulo Freire(4), configura-se uma "educação bancária", onde os "depósitos" constituem parcializações da realidade, cujos conteúdos fundaram-se na teoria do capital humano. Esta educação, em linhas gerais, constitui-se num processo de "absorção e reprodução do instituído", o normatizado pela classe dominante.

A "Nova República", enquanto conciliação de interesses políticos, na década de 80, trouxe ainda algumas aspirações e expectativas de mudanças sociais, fruto das pressões dos movimentos políticos organizados, na busca de eleições diretas e ampliação da participação dos trabalhadores na distribuição da renda nacional.

No entanto os interesses oligopólicos, aliados ao capital externo e amparados pela mídia, levaram o país a uma crise institucional e ética, além de conduzir a sociedade brasileira a um estado de desesperança, tão afeto aos interesses de grupos econômicos, bem como a algumas áreas de interesse político.

Este processo encontrou seu ápice no final da década de 80, com as eleições presidenciais que inauguraram a "era do Brasil Novo", reprodutor de "velhas questões" e colorido de sutil autoritarismo.

O "Brasil Novo" fruto de eleições diretas, vem denunciar as décadas de educação alienante propiciada não exclusivamente pela escola mas principalmente pelos meios de comunicação de massa.

 

Reconstruindo nossa Pátria

Pensar a prática profisisonal do psicólogo enquanto supervisor em uma faculdade particular, nas últimas décadas, é refletir, em última instância, as consequências históricas deste passado sócio-político-econômico-educacional.

Nossa prática é desenvolvida em uma faculdade particular situada em um subúrbio do Rio de Janeiro, tendo no curso notumo seu maior contingente de alunos.

Inicialmente funcionava como colégio de 1º e 2º graus que, em 1974, transformou-se em faculdade, a partir do estímulo governamental à abertura de vagas no ensino superior pago, diminuindo assim a demanda de matrículas nas escolas oficiais.

Quanto à história da "supervisão" distinguiremos dois períodos: O primeiro vai de 1977 a 1982 e o segundo vai de 1989 a 1991.

O primeiro período pôde ser resgatado a partir do trabalho publicado(1) por uma professora da faculdade. Ali é discutida a criação da área da "Supervisão em Psicologia Escolar" e as tentativas de viabilizar uma prática questionadora de alcance institucional, tanto a nível da própria equipe de supervisão, bem como dos demais segmentos institucionais.

Ao longo deste trabalho(1) pudemos observar e refletir questões características que delimitam, no nosso entender, algumas possibilidades e impossibilidades institucionais que marcam a captura de práticas e concepções não hegemônicas tão comuns nas instituições que têm a norma como referência e a lógica capitalista como o modo de subjetivação.

C. Coimbra(1) descrevendo o funcionamento institucional neste 1° período afirma: "...Dos três objetivos básicos de uma universidade, ou seja, o ensino, a pesquisa e a oferta de serviços à comunidade, tal instituição só cumpria, em certa medida, e assim mesmo com uma série de restrições, dois deles: o ensino e a prestação de serviços à comunidade..."

Outra questão é o fator de que "a Psicologia Escolar somente era mencionada a partir do sétimo período, como estágio, e no oitavo com a disciplina de PsicologiaEscolareProblemas de Aprendizagem, que era matéria obrigatória de apenas um semestre". Considere este fato denunciador de que o curso de Psicologia enfatizava e conduzia, em sua formação, a área clínica, fato que ocorre de um modo geral com os cursos de (Psicologia) no Brasil. Outra observação relevante dizia respeito a não existência de vida acadêmica, pois os departamentos não se reuniam e consequentemente não se exercitava a busca de novos caminhos a partir dos principais interessados (professores e alunos).

Consideramos as três questões apontadas como bastante relevadoras das dificuldades ainda hoje encontradas na Faculdade em questão.

A não possibilidade de comunicação dos diversos segmentos institucionais, instituída ao longo desses anos, é uma das marcas com consequências mais graves.

Este isolamento "fabricado", cria um sentimento de profunda impotência, por dificultar a compreensão das diversas redes que dominam o espaço institucional, impede, ainda, qualquer movimentação efetiva na busca de soluções coletivas para os diferentes impasses apresentados, criando uma profunda dependência das 'boas ações' pessoais.

Isto transforma as relações profissionais, que deveriam ser pautadas nas discussões sobre a formação do 3º grau, qualidade de ensino e condições de trabalho, em "relações pessoais" onde os "afetos" é que norteiam os caminhos a serem trilhados...

Por outro lado, a não atenção ao tema pesquisa, é bastante relevadora na medida em que define uma atitude de não reflexão das atividades acadêmicas desenvolvidas. É exatamente a não reflexão que vai sustentar, em nível amplo, as concepções hegemônicas que dominam o cenário institucional, cristalizando algumas práticas e saberes e desqualificando outras.

A autora aponta, ainda, a ênfase dada na "formação clínica" onde se verifica uma tendência a compreender os fenômenos sociais sob a égide do normal/ patológico. Isto significaria: "...patologizar, ou seja, normalizar, contrapondo o que é normal, isto é, aceito socialmente, ao que é anormal: ou seja, o que se desvia das normas previamente estabelecidas"(1).

A nível de possibilidades de atuação prática, descreveremos as principais características deste 1º período.

De 1977 a 1979 a área Escolar, que possuía apenas três supervisores, funcionava ainda, junto à de clínica, no mesmo S.P.A. (Serviço de Psicologia Aplicada), onde eram realizados os atendimentos à comunidade pelos estagiários.

Nestes primeiros anos, a atuação da área limitava-se a atendimentos individuais de O. V. (Orientação Vocacional) é só ao final do segundo ano efetivou-se a crítica a este trabalho e a separação do S.P.A. de Escolar do de Clínica.

Foram criados, então, normas e procedimentos próprios apartir de discussões entre supervisores e monitores, que tinham como tarefa auxiliar o supervisor na coordenação dos grupos de supervisão (que eram em número de vinte por grupo), além de realizar plantões no S.P.A.

A luta por um número reduzido de estagiários, por grupo de supervisão, levantou a necessidade de contratação de mais supervisores, imprimindo assim uma nova expansão teórico-prática ao trabalho realizado pela área.

Ao final do 2º ano, alguns estagiários já visitavam instituições e realizavam entrevistas a fim de reconhecerem a dinâmica das mesmas e as demandas apontadas.

Ao refletir questões institucionais, através do estágio, o grupo de supervisores/estagiários, pode pensar a própria Instituição-Faculdade, percebendo assim a dinâmica interna dos grupos a que pertenciam.

Estruturava-se então um trabalho em equipe, com reuniões e decisões democráticas, que, enquanto prática, diferia enormemente do restante da faculdade.

A partir de 1980, todos os estagiários já estavam inseridos em instituições escolares e suas atividades eram discutidas sob a forma de grupos operativos, que exigiam do estagiário uma reflexão maior sobre a sua tarefa, sua inserção profissional e sua condição de aluno em formação.

A nível institucional mais amplo, configurava-se uma verdadeira rivalidade entre as áreas Clínica e Escolar.

Compreendemos que as ações na área escolar, enquanto movimento instituinte, apontavam para formas de ação e inserção profissional mais democráticas e criativas, formando-se uma variante possível, ao mesmo tempo em que questionavam um certo saber e modo de relacionamento hegemônico no interior das equipes e das equipes entre si.

Como já era grande o número de convênios (cerca de 45 escolas), foi introduzido nesta época o supervisor de contatos externos que não apenas formalizava os convênios, como também dava subsídios ao trabalho dos demais supervisores em seus grupos.

Alguns avanços dentro das tarefas realizadas pelo estagiário e da própria organização do S.P.A. já eram sentidos, tais como: a triagem de candidatos interessados no atendimento de O. V., a organização do arquivo e material de informação profissional, as reuniões sistemáticas de avaliação do trabalho e algumas alterações na burocracia interna do S .P. A.

No entanto, a esta altura já ocorriam dentro da própria equipe algumas contradições e competições, reflexo das tensões da Instituição maior e de alguns segmentos em particular.

No nosso entender, a não possibilidade de compreensão e assimilação das contradições dentro da própria equipe dificultou o posicionamento da mesma na instituição maior. Desencadeou-se então um processo de neutralização e paralisação, onde as novas propostas pleiteadas já não eram "tão bem recebidas" pela direção que se mostrava bastante refratária às discussões e encaminhamentos realizados pela área.

Ao final de 1982 vários supervisores foram demitidos, ficando claro quais contornos se delineavam naquela instituição, onde qualquer avanço tomar-se-ia impossível, tendo-se em vista as barreiras com que a equipe se deparava.

Ao chegarmos à equipe encontramos alguns indicadores que, hoje sabemos, apontavam retrocessos que foram se dando a partir de 1982.

Dentre eles podemos destacar:

- crescente número de estagiários por grupo de supervisão (acima de 15);

- ênfase no trabalho individual de O.V.;

- ausência de monitoria na área;

- número diminuto de instituições conveniadas;

- ação do supervisor de contato externo reduzida;

- desarticulação do material de consulta sobre informação profissional;

- ausência de triagem para os atendimentos de O.V.;

-  burocratização dos registros de frequência dos alunos;

- ação nas escolas limitadas a realização do diagnóstico institucional (ausência de intervenção).

Embora verificássemos algumas diferenças de atuação nesta equipe, relativas ao restante da Instituição-Faculdade, observávamos uma espécie de amortecimento nas tarefas diárias, o que dificultava a ampliação das discussões que se faziam necessárias para o entendimento e expansão do trabalho na área escolar. Nas reuniões de equipe o que aparecia eram vozes desagregadas e entristecidas que indicavam não só um descontentamento, como também uma incapacidade de pensar a possibilidade de transformação das relações e práticas existentes. Podemos pensar que estas subjetividades seriam fruto de anteriores "engolfamentos institucionais" das tentativas instituintes. Esses "engolfamentos" seriam de tal ordem que "não deixariam vestígios históricos", causando uma impossibilidade de continuidade dialética, 'paralisando' os indivíduos.

Segundo Rovanet(7), quando "...Incapaz de compreender a essência da história, que ele concebe como um arquivo de fatos imutáveis, o homem fica prisioneiro do mito, e sua visão do novo é no fundo reiteração obsessiva do sempre-igual..."

Alguns supervisores - aqueles mais novos na equipe - iniciaram então algumas reflexões sobre o trabalho executado, além de forjarem discussões envolvendo uma resignificação do que aquela equipe representava naquela Instituição-Faculdade.

Compreendeu-se a necessidade de se produzir alterações dentro da própria equipe de supervisores, a partir dos investimentos - a nível de estudo, discussões teóricas e troca de experiências.

Decidiu-se que um centro de estudos sistemático, entre os supervisores, forneceria indicadores na reflexão da prática coletiva daquele grupo.

Como a faculdade não remunerava nenhuma atividade fora da hora/aula, o grupo optou por encontrar-se aos sábados fora da instituição, após seu horário de trabalho com os grupos.

A essa altura não nos dávamos conta da exploração a que nos submetíamos, não só pelo uso do nosso "tempo livre" como também pelo costumeiro avanço da carga horária semanal, já que tínhamos um número grande de estagiários. O que nos obrigava muitas vezes a passar do horário nos grupos de supervisão.

Como fruto desses encontros foi retomada a ênfase teórico-prático-instilucional no trabalho do estagiário, tendo-se em vista um questionamento da relação SPA-Comunidade e uma crítica à visão do especialista.

Foram também retomadas as discussões dos termos e normas que regiam o funcionamento do SPA, bem como das segmentações dos trabalhos desenvolvidos (núcleo de artes, diagnóstico institucional e OV).

Em decorrência disso, alguns supervisores movimentaram-se no sentido de intensificar com seus grupos de supervisão essas discussões. Buscou-se, assim, uma inserção mais crítica e contínua dos estagiários nas escolas. Assim, a atividade do estágio estender-se-ia por todo o ano letivo, e as escolas passariam a ser incluídas novamente como instituições conveniadas do S.P.A. Retomava-se, desta forma, algumas propostas do P período.

Uma das consequências mais importantes deste trabalho foi a realização de uma avaliação coletiva, com supervisores e estagiários ao final do ano letivo (1989), onde foi possível vislumbrar as consequências de um trabalho mais maduro e questionador da formação do aluno em especial, e na prática da supervisão em geral.

No entanto, algumas crises no interior da equipe já se evidenciavam, expressando-se, por exemplo, na dificuldade em alterar na prática do estágio uma visão mais tecnicista que privilegiava o "diagnóstico institucional" enquanto técnica, em detrimento de uma prática mais comprometida com a intervenção institucional, pensada como dispositivo de ação política.

A própria dificuldade em refletir e avaliar a prática da Orientação Vocacional, revelava uma espécie de "cristalização" do trabalho a nível mais amplo.

Esta situação agravou-se quando no início do ano letivo de 1991, com a crise financeira da faculdade, uma parcela do professorado foi demitida (mais ou menos 20), inclusive alguns supervisores do S.P.A. de Escolar.

Segue-se a este fato o trancamento de inúmeras matrículas (cerca de 400), além da abertura de "processos judiciais"contra a faculdade, por parte dos alunos "insatisfeitos" (na visão da Instituição).

Ao analisarmos a conjuntura e o posicionamento do ensino superior hoje, verificamos que as faculdades privadas nesta década, não mais conseguiram "encarnar" a esperança (utópica e produzida) de ascenção social que representou nos anos 70.

Vivemos uma década de flagrante violência, desemprego e miséria, onde as dificuldades de subsistência básica são óbvias, e a ausência de oportunidades são transparentes. É possível detectar nos alunos uma percepção difusa, onde os questionamentos ora captam as contradições sociais, ora revelam o sentimento de engodo que representa a busca do "ensino superior" como solução sócio-econômica neste quadro de esfacelamento em que vive o país. Como vimos acima, o próprio custeamento desse ensino tem-se impossibilitado, visto serem estes mesmos alunos trabalhadores neste "mercado nacional".

Apartir da situação descrita em nossa prática diária, nos deparamos frequentemente com situações aparentemente intransponíveis que nos tocam, afetam, implicam e nos obrigam a refletir sobre nossas possibilidades e limites de atuação.

 

Que afirmações serão possíveis?

Guattari(6) vai considerar que vivemos a era do Capitalismo Mundial Integrado(CMI),onde a tendência hegemônica mundial não se dá apenas ao nível de reprodução das relações de produção de bens, mas fundamentalmente na reprodução de certas subjetividades capitalísticas.Tal situação acarreta uma introjeção do poder que geraria um aprisionamento da capacidade de singularização, isto é, a paralisação da potência criativa, inventiva e instituinte.

Em contrapartida, ele vai sugerir uma atuação a nível de vetores potenciais de subjetivação e singularização, algo que atravessa a "ordem normal", "...uma repetição contrariante, um dado intensivo que apele outras intensidades, a fim de compor outras configurações existenciais"(6).

Em linguagem de análise institucional trata-se de resgatar as forças instituintes que a instituição busca o tempo todo eliminar, numa tentativa de naturalizar as normas, idéias e relações.

Concordamos com Guattari(6) em sua proposição de atuação nos microgrupos, enquanto micropoderes reprodutores de subjetividades e mantenedores de certas relações instituídas.

A partir destas questões consideramos que no quadro institucional descrito, faz-se necessário privilegiar a atuação no "meio mais imediato", que neste espaço se configuraria como o "grupo de pares" (supervisores).Ou seja, faz-se necessário uma reflexão profunda a respeito do "lugar" ocupado pelo supervisor, na estrutura institucional maior.

Tratar-se-ia, inicialmente, de tomar como ponto de partida a análise implicacional do supervisor.

Concordamos com a afirmação segundo a qual, a implicação deve ser entendida como "...o grau de envolvimento, sempre presente, do analista para com o objeto estudado (implicação de ordem afetiva, política, ideológica etc.) que vai de encontro à famosa neutralidade herdada do cientificismo ultrapassado... "(7). Ou seja, este analista-supervisor atravessado por instituições diversas, sócio-políticos-históricas, tal qual nos referimos anteriormente, "depositária" de subjetividades, produtor e reprodutor de saberes, deve ser capaz de se "recaptar" a cada momento em suas relações intersubjetivas, com os estagiários e fundamentalmente com sua equipe de pares.

A impossibilidade de realizar uma análise implicacional dentro da própria equipe, ou seja, dentre outras coisas "pensar criticamente a sua própria formação", o que é reproduzido enquanto subjetividades nas relações supervisor-supervisor, supervisor-estagiário, tenderia a criar visões dissociadas dos diferentes níveis de ação na instituição-faculdade.Ou seja, como consequência, verificamos ao longo dos anos, uma tendência a se criar confrontos reativos "fora da equipe" (com a direção, alunos, etc.) e uma tendência a se evitar confrontos afirmativos "dentro da equipe", tomando a área de supervisão Escolar uma espécie de "grupo marginal" dentro do espaço institucional maior.

Consideramos que apenas a partir da assunção da "análise implicacional" em todas as suas dimensões, o estágio supervisionado poderá se caracterizar como um efetivo dispositivo político, propiciador de "brechas institucionais", veiculando "contra-ideologias" ou movimentos instituintes multiplicadores. Isto significa "... à promoção de práticas inovadoras pela disseminação de experiências alternativas, centradas no respeito a singularidades e no trabalho permanente de produção de subjetividades instituintes(8).

Tal posicionamento não prescinde da visão de que no interior das práticas sociais há movimentos contraditórios que poderão ser capturados para preservar e fortalecer as estruturas ou reconfiguradas e aproveitados como mediação para minar essas mesmas estruturas.

Desta forma, consideramos que os efeitos do poder a nível do grupo de supervisores sempre deverão constituir-se como objetivos de análise sob pena de se cristalizarem territórios que tão facilmente somos chamados a ocupar: o da eficiência e utilidade, ou seja, aquilo que atende aos "apelos" da instituição enquanto normalizadora de atos e cristalizadora de concepções.                   

 

Bibliografia

1  - Coimbra, C.B.M. - "A Instituirão na Instituição: Uma Experiência num Enfoque Institucional" MIMEO 1984.        [ Links ]

2  -______"Os Anos 70 no Brasil e Algumas Teorias Educacionais Hegemônicas" MIMEO, 1989        [ Links ]

3 - Frigotlo, G.-"A Produtividade da Escola Improdutiva" Cortez Ed. S.P., 1988.        [ Links ]

4  - Freire, P. - "Pedagogia do Oprimido" Ed. Paz e Terra, R.J., 1975        [ Links ]

- Freitag, B - "Escola Estado e Sociedade" Moraes, SP. 1980        [ Links ]

6  - Guattari, F. "As Três Ecologias" Ed. papilus, S.P. 1990        [ Links ]

7 - Rouanet, S.P. "As Razões do Iluminismo" Companhia das Letras S.P. 1989        [ Links ]

8 - Saidon, O. (org) "Análise Institucional no Brasil" Ed. Espaço Tempo, R.J. 1987        [ Links ]