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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.14 n.1-3 Brasília  1994

 

Behaviorismo radical, epistemologia e problemas humanos

 

 

Jair Lopes Júnior

Professor assistente do Depto de Psicologia/FC

 

 

O Behavirosimo Radical, seguramente, apresenta-se como uma das mais polêmicas abordagens dentre aquelas de maior projeção no âmbito da psicologia durante o presente século. O não menos polêmico e principal proponente desta abordagem - B.F. Skinner -sucitou, através de vasto legado bibliográfico (científico e filosófico), as mais diversificadas críticas e posicionamentos.

O ideal de constituição de uma ciência do comportamento humano, fundamentada na predição e controle do seu objeto de estudo, certamente encontraria notórias resistências. Skinner ocupou-se, ao longo de sua carreira, em identificar e caracterizar posicionamentos antagônicos a este ideal, reconhecendo que "o comportamento é uma matéria difícil, não porque inacessível, mas porque é extremamente complexo. Desde que é um processo e não uma coisa, não pode ser facilmente imobilizado pela observação" (Skinner, 1953/1981; p. 27).1

Parece-nos que a compreensão do conjunto de argumentos que caracterizam a proposta epistemológica de Skinner poderia ser significativamente facilitada e aprimorada, não apenas pelo desenvolvimento de técnicas didáticas para o ensino e valorização de atitudes científicas, de atitudes compatíveis com a busca sistemática da regularidade, da uniformidade, das relações ordenadas entre os eventos da natureza. Igual relevância deve também ser atribuída ao trabalho de leitura cuidadosa e minuciosa da natureza e do alcance das propostas de Skinner. Trabalho esse comprometido com a identificação das propostas que tornam o conhecimento do Behaviorismo Radical algo pertinente para uma reflexão mais crítica acerca dos problemas que caracterizam a vida humana em sociedade (Cf. Andery, 1993; Micheletto & Sério, 1993; Tourinho, 1993).

Neste texto objetivamos apresentar alguns aspectos epistemológicos básicos dos Behaviorismo Radical, bem como ressaltar que tais aspectos parecem implicar na necessidade de uma revisão das práticas tradicionais de análise de problemas nitidamente humanos.

Poderíamos mencionar, ao menos, dois imponentes adversários ao projeto advogado por Skinner de constituição de uma ciência do comportamento humano.

Por um lado, Skinner se depara com a necessidade de não repetir os preceitos básicos do modelo cientificista da segunda metade do século XIX (Cf. Figueiredo, 1991), ancorados no ideal de causalidade mecânica e linear. Ou seja, em meados do século XX o projeto de uma ciência do comportamento deveria estar respaldado por um outro modelo de causalidade.

Um outro obstáculo reside na tradição cultural, onde predominava uma perspectiva essencialmente individualista e anticientífica do sujeito, bem demarcada nas análises do sociólogo alemão Norbert Elias (1990).

Apontar as possíveis contribuições do Behaviorismo Radicial para uma reflexão acerca de alguns problemas humanos sugere a necessidade de se narrar, como Skinner garantiu, a especificidade epistemiológica desta abordagem exatamente diante de obstáculos tão intrincados.

O modelo de causalidade advogado pelo Behaviorismo Radical está fundamentado em dois pressupostos básicos: no determinismo e no modelo de seleção pelas conseqüências.

Para compreender as inter-relações entre estes dois pressupostos, Skinner coloca as seguintes questões: 1) seria suficiente dizer que um costume é seguido por que é costumeiro seguí-lo? 2) seria suficiente dizer que as pessoas se comportam como o fazem por causa de suas maneiras de pensar? 3) seria suficiente explicar o comportamente selvagem pela "compreensão" da mente selvagem?

Poderia Skinner responder negativamente e continuar propagando uma noção de estímulo semelhante àquela da fisiologia ou da tradição cientificista ocidental, segundo as quais, todo estímulo é definido pela sua função espicaçante, como algo que aguilhoa (Matos, 1981?). Poderia Skinner responder negativamente e continuar propondo um modelo no qual comportamente e ambiente são eventos separados? Como compreender - no plano epistemiológico -as justificativas para as repostas negativas colocadas pelo Behaviorismo Radical?

Uma ciência do comportamento voltada para o estudo das inter-relações entre organismo e ambiente necessita de um modelo para compreender estas inter-relações. Não basta anunciar ao nível meramente discursivo a prioridade destas inter-relações para a compreensão do seu objeto de estudo. Skinner não poderia se limitar a este mero truísmo que povoa debates acadêmicos. Ele deveria (e assim o fez) propôr um modelo de investigação que fosse efetivado não ao nível discursivo-filosófico, mas que se materializasse numa ciência do comportamento comprometida com transformações (Andery, 1990; 1993).

A proposta de Skinner, neste sentido, é evidente. O atual estágio dos conhecimentos científicos acerca da interação entre o homem e o ambiente por ele ocupado, torna leviana qualquer iniciativa de planejamento e intervenção social que despreze uma análise dos padrões comportamentais existentes nessa interação.

A análise proposta pelo Behaviorismo Radical sugere a necessidade de uma significativa revisão no nosso modo tradicional de interpretar os fatos que compõe nossa vida em sociedade.

Podemos incentivar certas atitudes e condenamos outras, sem qualquer preocupação mais rigorosa com a natureza conceituai dos termos utilizados, sem qualquer preocupação com o modo como falamos daquilo que efetivamente está ao nosso alcance estudar enquanto cientistas do comportamento, sem qualquer preocupação com a existência de condições operacionais de execução e avaliação de eficácia de procedimentos, derivados do modo como falamos sobre aquilo que supostamente, enquanto psicólogos, estamos estudando.

Decididamente, não parece ser a "complexidade" das questões, a justificativa para posicionamentos tão contrários ao mínimo de rigor que qualquer empreendimento científico requer.

Mas como superar o limite do acaso na determinação das práticas culturais? Que contribuições uma ciência do comportamento pode efetivamente fornecer diante de realidades que colocam em risco a existência pacífica e cooperativa dos membros da própria espécie? Seria admissível uma comissão respaldada em valores como livre arbítrio e complexidade do ser humano? Como insiste Skinner em indagar: com a omissão de uma ciência do comportamento humano, a quem caberá decidir acerca daquilo que diz respeito ao humano?

Propor uma ciência do comportamento acaba se constituindo num empreendimento tão complexo quanto o delineamento das justificativas epistemiológicas desta ciência. Todavia, a compreensão do Behaviorismo Radical pressupõe a compreensão destas justificativas.

Skinner sustenta que os padrões comportamentais que compõe a integração indivíduo-ambiente são determinados no sentido de obedecerem regularidades, cuja investigação se constitui em alvo de uma ciência do comportamento. A identificação destas regularidades sugere que estas interações são controladas.

A noção de controle configura-se como centro e alvo de numerosas críticas remetidas à proposta epistemológica enunciada por Skinner. Ao afirmar que "um vago senso de ordem emerge de qualquer observação demorada do comportamento humano" (Skinner, 1953/1981; p. 28), Skinner sugere, ainda que sutilmente, que uma das implicações imediatas da suposição (crença?) da regularidade ou uniformidade da interação organismo-ambiente, seria o fato de que o comportamento constitui-se numa relação passível de controle.

De modo mais enfático, Skinner sustenta que:

Não se pode evitar os problemas que a ciência do comportamento levanta simplesmente negando que as condições necessárias possam ser controladas. Nos fatos reais há um considerável grau de controle sobre muitas das condições relevantes. Nas instituições penais e organizações militares há extenso controle. Na infância controlamos cuidadosamente o ambiente do organismo humano e, mais tarde, para aqueles em que as condições da infância permanecem pela vida afora, em institutos que os asilam. Na indústria se mantém controle bastante amplo das condições relevantes para o comportamento sob a forma de salários e condições de trabalho; nas escolas, sob a forma de notas e condições de trabalho; no comércio, por quem quer que possua mercadorias ou dinheiro; pelas agências governamentais através da polícia e do exército; a clínica psicológica, através do consentimento do controlado, e assim por diante. Certo grau de controle real, mas não tão facilmente identificado, está em mãos de escritores propagandistas, publicitários e artistas. Estes controles, que com freqüência são por demais evidentes nas suas aplicações práticas, são mais que suficientes para nos permitir estender os resultados de uma ciência de laboratório para a interpretação do comportamento humano nos negócios cotidianos, quer com objetivos teóricos, quer práticos. Como a ciência do comportamento continuará a aumentar o uso eficaz deste controle, é agora mais importante do que nunca, compreender o processo implicado e prepararmo-nos, nós mesmos, para os problemas que certamente surgirão. (Skinner, 1953/1981; p. 33/34).

Na realidade, supor que o comportamento é controlado, corresponde a dizer que ele está funcionalmente relacionado à eventos físicos e sociais. Por sua vez, supor a existência de um controlador e de um controlado sugere uma tradução mais cuidadosa. Poderia significar, em primeira instância, que existe alguém que dispõe estes eventos dos quais o comportamento é função e que existe alguém, ou mesmo uma comunidade cujo comportamento é função da disposição dos mesmos.

Entretanto, vale ressaltar que Skinner dedicou vários capítulos de suas obras para análise daquelas situações nas quais o indivíduo é a fonte de contingências controladoras de parte do seu próprio comportamento, situações definidas como envolvendo auto-controle:

Quando o homem se controla, escolhe um curso de ação, pensa na solução de um problema, ou se esforça em aumentar o autoconhecimento, está se comportando. Controla-se precisamente como controlaria o comportamento de qualquer outro através de manipulação de variávies das quais o comportamento é função. Ao fazer isso, seu comportamento é um objeto próprio de análise, e finalmente deve ser explicado por variáveis que se situam fora do próprio indivíduo (Skinner, 1953/1981; p. 222).

Os posicionamentos mencionados na citação acima parecem justificar a crítica negativa remetida por Skinner às práticas tradicionais que situam "no poder de vontade", ou "força interior" de um homem, o agente primordial para mudanças comportamentais. Isto porque, quaisquer que fossem os resultados, a saber, as mudanças comportamentais constatadas, os processos subjacentes à uma análise científica das relações controladoras envolvidas, permaneceriam incompreensíveis. Ocorrendo mudanças comportamentais negativas, as mesmas seriam atribuídas à fraqueza do "poder de vontade" e, certamente, pouca ênfase seria concedida ao fato de que, em geral, a exortação dos "agentes mágicos" ("poder de vontade", "força interior") efetuada em determinados contextos, aumenta a probalidade da ocorrência das diversas técnicas de autocontrole (Cf. Skinner, 1953/1981; cap. XIV) pelo estabelecimento e manipulação das consequências aversivas contingentes a uma falha no controle. Em outras palavras, quando uma comunidade ou grupo social situa no interior do homem sua capacidade de controle, ela ao mesmo tempo define a quem atribuir o mérito ou fracasso dos resultados. A prática de atribuição de responsabilidade pessoal, no sentido acima comentado, apresenta-se como simplista por duas razões: a) ignora a significativa participação do grupo na definição das contingências aversivas que, exatamente, aumenta a probabilidade do indivíduo dispor contingências para sua vida de modo a minimizar o contato com tais conseqüências; b) minimiza o compromisso do grupo (governo, cultura) com o estabelecimento de contingências que tornem padrões comportamentais desenvolvidos pelas técnicas de autocontrole mais efetivos, saudáveis e, acima de tudo, significativos para a vida em comunidade.

Assim, o termo controle diz respeito, exclusivamente, às relações existentes entre comportamento e ambiente. É importante salientar que o termo controle - na acepção do Behaviorismo Radical - não denota e nem, em absoluto, recomenda práticas e/ou procedimentos coercitivos, muito embora possamos utilizar este termo na análise de práticas assim caracterizadas, como por exemplo, as iniciativas do governo brasileiro para aumentar a arrecadação fiscal ou as estratégias adotadas pela polícia com relação aos membros que participaram de acontecimentos como aqueles verificados recentemente em Vigário Geral, RJ.

A análise científica de práticas cotidianas desperta certa dose de estranheza por "arranhar" o senso comum. Muitas vezes, a ferida causada no senso-comum gera reações emocionais que inviabilizam uma compreensão mais ampla do real alcance desse tipo de análise.

A ciência do comportamento é proposta por Skinner enquanto um meio de transformação da cultura como um todo e dos indivíduos em geral. Portanto, Skinner não poderia ser irgênuo o bastante para propor um determinismo ambientalista que reduzisse a noção de ambiente a uma dimensão privada ("o mundo dentro da pele"), assim como um ambiente social. O mais importante dos controles ambientais sobre o comportamento humano é o controle social. A transformação da cultura, que depende do controle do comportamento do indivíduo, é a meta da ciência do comportamento de Skinner, visto ser a sociedade a fonte da qual derivam as contingências que formarão os indivíduos (Cf. Andery, 1990; 1993).

Mas, como conceituar indivíduo, sociedade e cultura no contexto epistemológico do Behaviorismo Radical? Voltemos aos pressupostos do modelo de causalidade delineado por essa abordagem.

Além do determinismo, o modelo de causalidade peculiar ao Behaviorismo Radical está alicerçado no modelo de seleção pelas conseqüências, seleção esta que se expressa, segundo Skinner (1991 a), em três níveis: ao nível da seleção natural, ao nível do condicionamento operante e ao nível da evolução das contingências sociais.

Como bem especifica Skinner, a seleção natural propicia a constituição do organismo. Mas Skinner demarca o âmbito explicativo de seleção natural sustentando que ela apenas prepara o organismo para um futuro semelhante ao passado selecionador. Neste sentido, a sobrevivência é sua forma de consequência seletiva.

O condicionamento operante se constitui no processo através do qual diferentes tipos de conseqüências selecionam comportamentos adicionais, durante o tempo de vida do indivíduo. Neste sentido, eventos ambientais públicos, bem como eventos privados, adquiriram a propriedade de selecionar diferentes repertórios operantes.

Enquanto a seleção natural propicia a constituição do organismo, o condicionamento operante constitui a pessoa. Segundo Skinner (1991a), diferentes contingências constróem diferentes pessoas possivelmente dentro da mesma pele, como demonstram os vários estudos sobre "personalidades múltiplas". O termo pessoa está etimologicamente ligado à palavra usada para designar máscara (persona). Nesse tópico, Skinner efetua uma interessante analogia: haveria uma similitude funcional entre as máscaras e as contingências de reforço operante. No teatro da Idade Antiga, diante de diferentes máscaras, os atores recitavam e exerciam diferentes papéis; de modo análogo, contingências de reforço operante distintas modelam diferentes repertórios comportamentais num organismo. A pessoa, deste modo, se constitui num conjunto de repertórios comportamentais (públicos e privados) existentes dentro da mesma pele, gerado por condicionamento operante e observado externamente pelos outros.

Skinner complementa salientando que tanto na seleção natural como no condicionamento operante, as variações não têm relevância anterior em relação às conseqüências que as selecionaram, ou dito em termos menos rigorosos, a seleção natural e o condicionamento operante nada dizem a respeito de um plano criador ou de um ego iniciador.

Identifica-se, portanto, uma lacuna no modelo interpretativo ora descrito: se, por um lado, as visões religiosas alternativas sobre a origem das espécies já não perturbam os biólogos, o papel de uma mente criativa na origem do comportamento continua sendo um desafio para os analistas do comportamento.

Reconhecer esse aspecto implica em abandonar uma perspectiva científica do comportamento? Ou antes, implica em assumir os mesmos posicionamentos de projetos anteriores que oscilaram entre um reducionismo positivista e uma suspeitável metafísica?

Ler Skinner corresponde, certamente, a deparar-se com uma negativa para tais investigações. Na interpretação proposta pelo Behaviorismo Radical, se as limitações da seleção natural foram reparadas pelo condicionamento operante, este, por sua vez, teve suas restrições corrigidas pela evolução dos processos através dos quais os organismos recebem ajuda de outros membros da mesma espécie.

Estamos diante do terceiro nível de manifestação da seleção pelas consequências: a evolução das contingências sociais, da cultura, que permitira a constituição e existência do eu.

Um dos traços característicos da evolução das contingências sociais manifesta-se na apresentação recíproca, entre os membros de uma determinada comunidade verbal, de questionamentos que resultam na auto-observação. As questões apresentadas acabam por envolver a evocação de diferentes tipos de comportamentos verbais. Dentre eles, Skinner (1991a) menciona: a) o comportamento verbal que descreve a estimulação privada e as condições corporais resultantes do reconhecimento alheio ou de auto-reconhecimento aprendido por meio dos outros (quando, por exemplo, falamos de um "eu" do qual gostamos); c) o comportamento verbal que descreve estados internos correlatos ao comportamento reforçado positivamente (quando, por exemplo, falamos de um "eu" responsável); e) o comportamento verbal que descreve estados internos correlatos a um comportamento governador por regras, incluindo regras estabelecidas pela própria pessoa que se comporta (quando, por exemplo, falamos de um eu racional).

Assim, o "eu" acaba se constituindo naquilo que a pessoa sente a respeito de si próprio, sendo que a comunidade cultural à qual este "eu" pertence o compreende na medida em que compreende as contingências sociais, nas quais são emitidos os comportamentos verbais que descrevem estes estados internos. Um outro aspecto importante é que esta mesma comunidade verbal (família, cônjuge, filhos, professor, patrão, amigo, padre) foi quem modelou os comportamentos verbais através dos quais o sujeito descreve um conjunto de estimulações ,com as quais apenas ele tem contato (ou acesso) direto.

Cabe salientar que a noção de cultura, como uma evolução de contingências sociais, possui outro aspecto de grande relevância. Segundo Skinner (1991b), a origem e a transmissão de uma prática cultural podem ser explicadas como um produto conjunto da seleção natural e do condicionamento operante. Mas, a cultura é o conjunto de práticas características de um grupo de pessoas, sendo selecionada por um tipo diferente de conseqüência: sua contribuição para a sobrevivência de grupos. E nisso reside um aspecto assaz relevante, inclusive para uma análise de problemas humanos: as consequências que contribuem para a sobrevivência do grupo são excessivamente remotas (ouseja, estão muito distantes), para reforçar o comportamento de qualquer membro do grupo individualmente.

O Behaviorismo Radical conduziria-nos para a seguinte análise da relação sujeito-cultura: o sujeito, enquanto membro de um grupo, possui inúmeros padrões comportamentais que, em última instância, são selecionados pela sobrevivência do grupo e não dele isoladamente. Desse modo, problemas como a desconsideração pela preservação dos recursos naturais; pela manutenção de um meio ambiente habitável do ponto de vista físico e social; pelo controle populacional; pela prevenção de guerras, dentre outros, acabam se constituindo em consequências muito remotas, muito distantes "para servirem, quer como punição que suprime o comportamento causador de distúrbios, quer como reforçadores negativos que fortaleçam o comportamento que os corrige" (Skinner, 1991b; p. 157).

Como bem afirma Skinner (1991b),

a primeira arma nuclear foi inventada por cientistas e construídas por trabalhadores que eram pagos por um governo, atuando sob ameaça de uma guerra destrutiva e prolongada. O fato de uma guerra em que duas facções, usando armas nucleares, poderiam quase destruir o mundo como o conhecemos, também era uma consequência remota demais para sobrepujar o ganho imediato representado pela posse de armas nucleares. As pessoas produzem e consomem vastas quantidades de bens, justamente porque são bens - isto é, reforçadores; mas o fato de que seus componentes, provenientes da agricultura e manipulados pela indústria, possam eventualmente se exaurir e de que os subprodutos de seu uso poluam irreversivelmente o ambiente, são consequências muito remotas para terem quaisquer efeitos atuais. As pessoas têm filhos por várias razões, mas o fato de que o crescimento acentuado da população mundial aumentará todos os nossos problemas é ainda uma outra consequência ameaçadora excessivamente remota, ineficaz para afetar o comportamento" (p. 157, 158).

Diante destas análises, Skinner sustentará a necessidade de uma ciência do comportamento, fundamentada na investigação das relações organismo-ambiente, fornecer elementos para reflexões e intervenções. Questionáveis concepções acerca da natureza humana, sob hipótese nenhuma, justificariam a omissão de uma ciência do comportamento acerca de questões de tão elevada relevância. O indeterminismo e o acaso seriam fortes aliados na condenação da espécie.

Na obra publicada em 1971 (Beyond Freedom and Dignity, cujo título da tradução portuguesa é O Mito da Liberdade, Ed. Summus, 1983), Skinner claramente delineou as possíveis contribuições de uma ciência do comportamento: conhecer sob quais condições as pessoas se comportarão de modo responsável, digno e livre, bem como em quais condições as pessoas se sentirão livres e dignas para promover a preservação da espécie.

De modo algum estamos diante de um ambientalismo reducionista que esvazia o indivíduo. Ao contrário, estamos diante de uma epistemologia que - fundamentada numa perspectiva determinista do homem e no modelo de seleção pelas conseqüências - procurou delinear estratégias de investigação das relações organismo-ambiente que viessem a satisfazer, de um lado, aos critérios de sustentação e validação empírica de qualquer empreendimento científico, e, por outro, às características básicas de um projeto essencialmente humanista: proporcionar conhecimentos que permitiram analisar e modificar os tipos de controle geradores de inúmeros conflitos e problemas aos quais nós - humanos -estamos submetidos e em permanente contato. Trata-se, portanto, de condicionar o acesso à condições de vida mais livres e dignas à correção e não à eliminação das práticas de controle.

Skinner, num dos capítulos da sua proposta epistemológica denominada Behaviorismo Radical, assumiu explicitamente a sobrevivência da cultura como um valor. Encarregou-se, também, de bem delimitar o alcance do seu projeto ao reconhecer a complexidade e as resistências aos temas envolvidos.

A conclusão deste texto está, de modo pertinente, localizada nos próprios escritos de Skinner:

gostemos ou não da idéia, a sobrevivência é o valor pelo qual seremos julgados... A cultura que leva sua sobrevivência em conta tem maiores possibilidades de sobreviver... Reconhecer o fato não é, infelizmente, resolver todas as nossas dificuldades (Skinner, 1980; citado em Cameschi & Nalimi, 1987).

A proposta de uma nova perspectiva de análise de problemas humanos pode não ser merecedora dos méritos comumente atribuídos às soluções. Mas, seguramente, possui o significativo papel de alertar quanto aos equívicos e limitações de propostas de análise e soluções anteriores.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TOURINHO, E. (1993) Individualismo, Behaviorismo e História. Temas em Psicologia, 2, p. 1-10.        [ Links ]

 

 

NOTA - Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada na Mesa Redonda: Realidade Brasileira e a Formação do Indivíduo sobre as Perspectivas de Diferentes Abordagens em Psicologia, realizada durante a III Semana de Psicologia - Centro Acadêmico de Psicologia/ UNESP-Bauru ( 15-19/setembro/1993).