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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.16 n.1 Brasília  1996

 

A prática da educação em instituição penal: um estudo sobre o significado da experiência escolar na penitenciária do estado de São Paulo

 

 

Alessandra de Oliveira dos Santos

Estudante de Psicologia - PUC/SP

 

 

O trabalho é a atividade fundamental do homem. Trabalhando as pessoas estabelecem um pacto com a sociedade: comprometem-se a satisfazer suas necessidades (primárias e secundárias) através do trabalho devendo receber, em troca, proteção e garantia dos direitos.

A sociedade em que vivemos, fundada no modo de produção capitalista, é essencialmente marcada pela divisão entre classes antagônicas. Estas se relacionam na base da força que se manifesta nas condições de produção da vida material. Tal organização permite o aviltamento do trabalho (Pellegrino, 1986), isto porque o grupo ou classe que detém maior força se converte em dominante apropriando-se dos resultados da produção social, tendendo em conseqüência, a relegar aos demais condições pouco favoráveis de sobrevivência. Com o aviltamento do trabalho as pessoas não têm satisfeitas as suas necessidades, são desprezadas e desvalorizadas. Trabalham mas não recebem o suficiente para o seu sustento e de sua família. Degradadas, podem insurgir-se contra a sociedade e romperem o pacto que estabeleceram com ela, entrando no universo da criminalidade.

A criminalidade é efeito das contradições da organização da sociedade, ela é um fenômeno social e que se distingue do crime. Enquanto o crime é uma possibilidade do ser da existência humana, já que o homem no seu centro é indeterminação e liberdade correndo assim o risco do extravio e da transgressão, a criminalidade por sua vez é um fenômeno social e que revela o enfraquecimento dos valores sociais feitos para promover a união entre os membros de uma sociedade (Pellegrino, 1986). Combater a criminalidade somente através do aparelhamento da polícia, a construção de novos presídios e delegacias equivale a combater uma doença atacando só os seus sintomas, visto que a criminalidade apresenta-se como um fenômeno inerente a própria estrutura da sociedade e resulta primordialmente do aviltamento do trabalho humano (Pellegrino, 1986).

 

Identidade delinqüente

No Brasil assistimos hoje a socialização dos indivíduos na delinqüência, isto é, as principais fontes socializadoras como a família e a escola não atingem seu objetivo de educar para a cidadania ensinando os direitos e deveres. Desde cedo, uma parcela considerável de crianças provenientes das classes trabalhadoras são socializadas na rua, onde constroem seus valores e regras. Se observarmos a trajetória de vida das crianças brasileiras que se convertem em delinqüentes, veremos que elas ilustram um processo de abandono progressivo dos espaços institucionais da ordem moral e familiar dominante inscrevendo-se em micro-territórios da delinqüência, solo no qual constroem o essencial de suas existências. Esse abandono realiza-se em etapas, à base de ensaios pessoais de êxito e fracasso, cujas saídas manifestam-se inicialmente pelo afastamento da constelação familiar, pela evasão e fuga da escola, pela intermitência da atividade ocupacional, pela alternância entre trabalho e delinqüência (Adorno, 1991). Elas não têm nem chance de saber quais são as regras do pacto social e nem possuem recursos para compreendê-lo, uma vez que suas biografias constroem-se alijadas da família, da escola, do trabalho, principais matrizes socializadoras. O que caracteriza o delinqüente não é o seu ato de infração, mas a sua vida. No Brasil a delinqüência não só abarca a vida de indivíduos presos como infratores da lei, como também se estende por toda uma classe social composta pelos grupos mais pobres da população, revelando uma relação social entre pobreza e delinqüência. A delinqüência é definida em oposição ao trabalho, ao trabalhador, mesmo que em sua maioria a população dita delinqüente provenha de extratos ocupacionais industriais ou constituídos à sua volta, atuando na indústria de transformação e no chamado setor informal da economia. Esse perfil ocupacional não difere do perfil ocupacional da população urbana do Estado de São Paulo, não é a classe trabalhadora que delinqúe, porém um pequeno segmento, compreendido justamente por aqueles que se apresentam ao olho policial como destituídos de um lugar definido e determinado no mundo do trabalho (Adorno e Bordini, 1991). A denominação delinqüente é utilizada para se obter maior controle de setores da sociedade, o delinqüente é o pobre, negro, migrante, morador da favela, sem atividade ocupacional definida. A ação repressiva do Estado ao eleger certos segmentos da população como alvo preferencial de seus efeitos, abre espaço para que uma pequena parcela desses mesmos segmentos construa estratégias particulares de existência, fazendo da delinqüência um modo de vida. O compromisso, em vez de se dirigir para a sociedade, se dirige para a criminalidade. A socialização na delinqüência significa a concentração de energia produtiva em sentido oposto ao pretendido pela ordem social (Adorno, 1991).

Sérgio Adorno e Eliana Bordini em um artigo sobre os reincidentes penitenciários em São Paulo descrevem três momentos de inscrição no terreno da delinqüência, são eles:

a) Contato com as agências policiais, nesses contatos aprende-se a lidar, enfrentar e submeter-se ao funcionamento do aparelho de controle. Trata-se de um adestramento que inclui o conhecimento do modus operandi policial.

Esse momento é demarcatório da construção de carreiras delinqüentes, porque estipula as fronteiras da legalidade e ilegalidade. Os contatos freqüentes com os agentes policiais traduzem-se no reconhecimento da delinqüência e da violência criminal enquanto estilo de vida.

b)  Contatos com o aparelho judiciário, que promove um desreconhecimento do sujeito apagando seus laços com o mundo da ordem (lugar do trabalho, da família) e afirmando seus vínculos com a delinqüência. "Desconhece-se o cidadão, reconhece-se o delinqüente" (Adorno e Bordini, 1991, p.134). Ocorre a afirmação da identidade delinqüente com o sujeito percebendo que seu lugar, seu estilo de ser e de viver contrasta virtualmente com o que é valorizado pela lei.

O resultado da prática judiciária é o de reafirmar o modelo contratual de sociedade, calcado nas imagens do trabalho e do trabalhador como fonte de virtude, de prosperidade e de harmonia social.

c)  Por último temos a prisão, aparelho exemplarmente punitivo uma vez que não contribui para a ressocialização do sentenciado; pelo contrário, reforça a ruptura dos laços convencionais com o "Mundo da ordem" instituindo possibilidades efetivas de consolidação de trajetórias e carreiras delinqüentes. Acaba estimulando o que se propõe combater já que em lugar de conter o comportamento violento, acaba por reproduzi-lo.

É na prisão, isolado de sua família e de seu círculo de amizades, que o sentenciado deve refletir sobre o seu ato criminoso e sentir a representação mais direta da punição. A prisão é a escola do sofrimento e da purgação, empresa transformadora que produz alterações profundas na identidade de seus internos, o que deve permanecer é o presente enquanto experiência de sofrimento, castigo e pena por um passado de erros que devem ser esquecidos.

Prisão significa universidade do crime, onde o sujeito "entra minhoca e sai cascavel", local de consolidação da identidade delinqüente pois permite a aprendizagem do cotidiano prisional, das regras da carceragem e do universo da criminalidade.

O processo disciplinar da prisão inclui a punição e a reeducação dos infratores com a simultânea proteção da sociedade, isto é, ações de natureza punitiva, pedagógica e seguradora. Ela articula as funções de punir e regenerar com a transformação dos infratores, em delinqüentes (Sá, 1990).

A identidade do delinqüente forma-se dentro de um esquema repressivo, punitivo, a institucionalização de sua alteridade o obriga a desempenhar os papéis e funções que lhe são atribuídos neste processo socializador, ele não pode romper com esse modelo, porque isto implicaria o próprio desvendamento da sua condição, da condição dentro da qual ele existe na e para a sociedade (Ramalho, 1983).

 

Punição e educação

Falar em reeducação dos sentenciados não faz sentido algum quando se descortina o processo educativo repressivo que envolve a tríade polícia/justiça/prisão. Conforme esclarece Maria Nilde Mascellani, professora da PUC-SP, o processo de educação é contínuo e não tem que se falar em "recuperação", nem em "reeducação". "É o processo de educação que se modifica na sua natureza, na sua forma, mas que continua sendo processo educativo, sempre" (Mascellani, 1985, p.149).

Desse modo, toda vivência desde o primeiro contato com as agências policiais resulta num processo educativo e por isso socializador, dos sentenciados. No continuum polícia/justiça/prisão o processo educativo e o processo repressivo são a mesma coisa.

Anos de encarceramento, vivendo debaixo das mais adversas condições de vida, sujeitando-se a rituais e normas institucionais como horários, posturas e normas violentas de convivência nas relações inter-subjetivas, acentuam a incapacidade de lidar autonomamente com a própria vida, isso aliado à incontida agressividade, torna os sentenciados inabilitados para a retomada de seus direitos civis, ocorrendo a "morte civil" (Sá, 1990) destes cidadãos.

De fato, delinqüência e cidadania são verso e reverso da situação em que se encontra mergulhada a grande maioria da população brasileira, uma população cujo processo de socialização é incompleto (Adorno, 1991), isto é, nossas crianças praticamente criam-se na rua, afastadas da constelação familiar e da escola, quando conseguem ingressar no mercado de trabalho é em condições desfavoráveis, tal situação diminui a probabilidade de obtenção de escolarização formal e de profissionalização, o que as empurra para as posições ocupacionais mais desfavoráveis, onde os níveis de remuneração são os mais baixos. Assim, passando por um processo de formação de identidade sem o mínimo de apoio, acabam caindo na delinqüência, colocando suas raízes na experiência de punição. São pessoas capazes de ter compromisso, cooperação, energia produtiva, só que não é no sentido da ordem, mas no da criminalidade, e isso porque foram marginalizadas de sua cidadania, afastadas progressivamente dela, do seu direito de pertencer a uma sociedade, inseriram-se no contexto da criminalidade e da delinqüência por falta de acesso a outros.

Nesse sentido, a Luta Contra a Fome liderada por Betinho significa uma tentativa de se inverter a política de extermínio que ocorre informalmente no Brasil. Uma vez socializado na delinqüência, o sujeito passa a produzir contra a ordem ameaçando o sistema; não produz, não consome e causa problemas, por isso deve morrer, excluído da cidadania, excluído de viver!

A Campanha Contra a Fome é uma reflexão e uma atuação frente à violência, a virulência da miséria brasileira: vamos fazer algo por essas pessoas antes que a ameaça delas seja tão grande que se tenha que praticar extermínios em massa.

 

Escola "Aprender nunca é tarde"1

A escola da Penitenciária do Estado de São Paulo se situa na extremidade do lado direito do terceiro pavilhão. Possui no pavimento inferior quatro salas de aula e no pavimento superior oito salas de aula, a secretaria, a sala dos professores e uma biblioteca.

A escola é de responsabilidade da FUNAP (Fundação Estadual de Amparo ao Trabalhador Preso). Ela funciona com salas de alfabetização (PEB I: Programa de Educação Básico I), pós-alfabetização (PEB II e III) equivalentes as quatro primeiras séries do primeiro grau, supletivo de quinta a oitava série e uma sala de arte-educação.

Atualmente freqüentam a escola cerca de 800 alunos, as aulas são ministradas em dois períodos da manhã, os alunos podem ir à escola das 7:15 às 8:55 e das 9:15 às 10:45.

A partir da minha prática como monitor pude perceber que os alunos possuem regras e talvez o que esteja internalizado em termos de regras de convivência seja parecido conosco, só que devido ao processo socializador pelo qual passaram seu compromisso não se dirigiu para o sentido da ordem social mas para o sentido da criminalidade.

Na sociedade a aprendizagem das regras se dá na escola, família, trabalho, mas no universo da delinqüência, as regras são aprendidas na rua, na cadeia; os valores e a identidade são construídos nesses espaços.

Na escola eu ofereço uma experiência em um ambiente sem punição, ela pode ser um espaço de desconstrução desse processo educativo repressivo, um espaço de co-construção das regras sociais que possibilitam o exercício da cidadania. Como o aluno percebe essa situação e como percebe-se nessa situação?

A escola é capaz de oferecer uma experiência educativa onde o aluno pode dar e receber informações a respeito de si mesmo, fora das condições identificadoras da criminalidade. A escola é uma "janela" de onde afigura-se novas possibilidades de socialização. Ela é abertura para um outro processo de socialização porque pode mostrar para o aluno outras possibilidades referenciais da sua identidade através de ações que focalizam a pessoa, contribuindo para a desconstrução da identidade de criminoso através de experiências que mostrem esse outro referencial de identidade e que apontam para um lugar na sociedade. Ele deixa de ser só o criminoso e percebe-se como pessoa e como pessoa há espaço para ele na sociedade, ele pode vir a perceber o mundo como tendo um lugar para ele, além do lugar de criminoso, delinqüente. O compromisso em vez de se dirigir para a criminalidade se dirige para a sociedade.

 

Metodologia

Na tarefa de investigar como, após haverem passado por uma situação de exclusão social e de socialização na delinqüência, a escola se apresenta para os alunos da Penitenciária do Estado de São Paulo, optei pela metodologia da pesquisa qualitativa.

Para ter acesso aos significados da experiência escolar na prisão, solicitei dos alunos de uma classe do PEB III que me respondessem por escrito a pergunta "O que é a escola para você? Escreva sobre isso."

As explicações que esses alunos forneceram ao escrever sobre o tema (escola) constituem os dados básicos da investigação e como garantia de maior liberdade de expressão, pedi que não assinassem os relatos.

De posse dos relatos, sorteei três de um total de dezessete alunos que responderam a essa pergunta e realizei um trabalho de análise e interpretação que se estruturou em cinco momentos:

-  Inicialmente, fiz um trabalho de leitura e releitura de cada relato, impregnando-me com as informações contidas no material coletado.

-  Em um segundo momento, dirigi meu olhar para alguns aspectos do relato buscando as unidades de significado que são trechos do discurso onde se localizam informações sobre o que se investiga (fenômeno experiência escolar na prisão).

-  No terceiro momento, tentei organizar o que vi agrupando as unidades de significados em categorias que focalizavam o fenômeno de um ponto de vista educacional, transformando suas expressões espontâneas em uma linguagem educacional, uma linguagem capaz de articular as questões pedagógicas que aparecem nos relatos.

-  No quarto momento, a partir do trabalho de categorização, reescrevi novamente os relatos à luz do meu referencial teórico fenomenológico existencial e da minha experiência como monitor, realizando uma reflexão psicológica educacional a respeito das informações que surgiram sobre o fenômeno.

-  O quinto momento visa perceber os aspectos recorrentes que aparecem, a constância nos relatos. O objetivo é perceber a estrutura geral do fenômeno tal como ele se apresentou, a partir das convergências e das divergências que se mostraram nos relatos.

 

Análise de dados

Relato 1

Unidades de significado

-  "A escola para mim é muito importante"
-  "eu aprendo escrever e ler"
-  "tem os professores que da muita atenção para nós, isso eu acho muito importante"
-  "sem à escola eu não seria nada"
-  "Fico feliz com a escola por me da essa oportunidade de aprender"
-  "fico contente com os professores porque eles encina direito"
-  "eles estão de Parabéins"

Categorias

- Escola como espaço que possibilita experiências positivas:
"Fico feliz com a escola por me dar essa oportunidade de aprender"
- Finalidade da experiência escolar:
"eu aprendo a escrever e a ler"
- Avaliação dos professores:

"fico contente com os professores porque eles encina direito"
"eles estão de Parabéins"
"tem os professores que da muita atenção para nós, isso eu acho muito importante"
- Lugar que a experiência escolar ocupa na vida dele:
"A escola para mim é muito importante"
"sem à escola eu não seria nada"

Interpretação

O aluno assinou o seu relato, ele aponta a atenção que recebe dos monitores, percebe que o monitor se importa com ele, o valoriza.
"sem à escola eu não seria nada". A escola aparece como a experiência que ocupa o primeiro lugar dentre as experiências que ele tem, é a experiência com maior poder de atração e que o deixa feliz. Ela contribui para o desenvolvimento e transformação de sua identidade, é um lugar onde ele pode se situar como pessoa.

Relato 2

Unidades de significado
"Estudar é muito bom!"
"Quando comesei a vim para escolar não sabia escrever nada, porreim aprendi muito"
"não ficar com rraiva de não saber escrever"
"o professor tem de ter mais altoridade na sala de allar"
"Professor o que não acho certo é que tem de ter aula com mais fequecias"
"Vim para escola e muito bom para mim"
'As escolas tem e póde dar mais material para os alunos, isso não vem acontecendo tá"
"Professor tem de dar mais aliar e falar pouco, falar sobre a materia do dia" "Hoje já póso escrevir carta"

Categorias
-  Escola como espaço que possibilita experiências positivas:
"Estudar é muito bom!"
"Vim para escola e muito bom para mim"
- Aquisição de uma habilidade:
"Hoje já póso escrevir carta"
- Escola como um lugar onde ele recebeu coisas:
"Quando comesei a vim para escolar não sabia escrever nada, porreim aprendi muito"
- Sentimento provocado pela aquisição de uma habilidade:
"não ficar com rraiva de não saber escrever"
- Avaliação do professor:
"Professor tem de dar mais aliar e falar pouco, falar sobre a materia do dia"
"o professor tem de ter mais altoridade na sala de allar"
- Avaliação da escola:
"Professor o que não acho certo é que tem de ter aula com mais fequecias"
"As escolas tem e póde dar mais material para os alunos, isso não vem acontecendo tá"

Interpretação

O aluno sentia raiva por não saber escrever, a escola pode contribuir para ele resolver esse sentimento.

Ele faz uma avaliação da escola e do professor, são críticas que revelam uma expectativa em relação a escola e ao papel do professor. E a sua contribuição, sua opinião para melhorar a experiência escolar na Penitenciária do Estado.

Ele avalia a experiência escolar positivamente, mas isso não lhe tira o elemento crítico, ele recebe coisas mas não fica passivo diante delas. A escola é uma experiência boa mas poderia ser melhor. Ele chama a escola para o seu compromisso.

Relato 3

Unidades de significado

"A escola significar muito para me"
"é ma escala que aprendi aler e escrever, para me é muito importante"
"O mundo não teria desenvolvimento se não existise a escola"
"na escola aprende o que é respeito"
"é na escola que as pessoas buscar uma visão melhor do mundo"
"como se comportar no meio de outras pessoas"
"para me construir uma vida melhor é necessário que frequente a escola"
"o estudo nos mostrar como ter o controle das coisas que nos fasemos"
"Agradeço a oportunidade de poder estudar"

Categorias

- Escola como agente socializador:
"na escola aprende o que é respeito"
"como se comportar no meio de outras pessoas"
"o estudo nos mostrar como ter o controle das coisas que nos fasemos"
- Aquisição de uma habilidade:

"é ma escala que aprendi aler e escrever, para me é muito importante"
- Lugar que a experiência escolar ocupa na vida dele:

"A escola significar muito para me" "para me construir uma vida melhor é necessário que frequente a escola"
- Reflexão sobre a relação mundo x escola:

"O mundo não teria desenvolvimento se não existise a escola"
"é na escola que as pessoas buscar uma visão melhor do mundo"
- Sentimento (gratidão):
"Agradeço a oportunidade de poder estudar"

Interpretação:

O aluno faz uma relação entre o mundo (cultura, sociedade) e a escola, ela aparece como fundamental para compreender o mundo porque contribui para o desenvolvimento e formação dos homens ensinando-lhes a viver uns com os outros.

Compreendendo melhor o mundo com a ajuda da escola o homem pode melhorar a própria vida. O aluno relata a contribuição da escola para o seu crescimento como pessoa e expressa gratidão por isso.

Interpretação Final

Um dos aspectos recorrentes nos relatos que mais chama atenção, é a importância da classe, da experiência com outros alunos como situação social gratificante, tal situação é exatamente o contrário do convívio delinqüente, pautado pela violência. De fato, posto à margem da sociedade e da rotina de vida, e ansiando pela sociedade e pela vida, como pode um homem suportar a temporalidade a não ser com irritação e violência?

A escola é percebida pelos alunos como algo positivo dentro da Penitenciária do Estado, ela é um lugar onde se pode viver experiências agradáveis numa situação de interação em que existe a possibilidade do respeito mútuo, da troca e da cooperação, contribuindo para que a pena possa ser vivida de maneira mais humana.

O monitor é aquele que coordena essas experiências, que cuida dos alunos e da aprendizagem dentro da escola, lá se desenvolve muitas habilidades mas chama a atenção a consciência que os alunos têm da importância do ler e escrever, talvez porque essa habilidade permita a comunicação favorecendo a sociabilidade. Além disso, a escola oferece a possibilidade de se resgatar uma experiência que não pode ser vivida durante a infância e que ficou faltando na sua formação.

Em todos os relatos a escola aparece favorecendo a sociabilidade para um convívio socialmente aceito, seja através da aquisição de uma habilidade que possibilita a comunicação, seja através da troca de experiências dentro da sala de aula com o monitor e os outros alunos. Nesse sentido, a escola é entendida como agente socializador, mediadora do convívio do aluno com o mundo.

 

Conclusões

Assim como o homem preso, que vem de um processo de socialização na delinqüência, não está preparado para a escola existente uma vez que ele não teve uma formação da sociedade para ser estudante, também a escola não está preparada para atender este aluno. Assim sendo, qualquer reflexão que pretenda contribuir para a prática da educação em instituição penal deve levar em conta três aspectos que, por ora, parecem ser os fundamentais: os fatores ambientais atuantes, o aluno com suas características e os objetivos da escola no sistema penal. Conhecidas as contingências que envolvem esses três aspectos, provavelmente se poderá empreender uma atuação coerente e sadia tentando enfrentar o que se afigura como um grande desafio, a educação.

Uma vez dentro da instituição penal é preciso aprendei, muitas coisas: regras, valores e posturas de vida no cárcere, como diz um dos meus alunos do PEB II "tem que aprender ao menos a tirar cadeia". A educação não acontece só na escola, o próprio cotidiano da instituição ensina, educa.

Com a escola o homem preso tem a possibilidade de resgatar ou aprender uma outra forma de se relacionar, diferente das ralações habituais do cárcere, tem a possibilidade de viver uma experiência de convívio socialmente aceito. Ela e outras situações (como por exemplo as oficinas de trabalho) onde o respeito, a cooperação, a valorização pessoal aparecem podem contribuir para a desconstrução da identidade de criminoso.

Com a experiência escolar o aluno pode comparar o que aprendeu com essas duas educações a do cotidiano da instituição e a da escola e fazer uma avaliação sobre isso, emitir um juízo.

O vínculo estabelecido entre o monitor e o aluno é essencial para o processo, através dele o aluno tem a possibilidade de entrar em contato com uma postura (a do monitor) que opera como modelo. O aluno vê o que você é, o seu exemplo.

O aluno aprende com a nossa postura. A referência dele é o monitor, portanto a educação deve atuar no campo do aprender e no campo da preparação para o aprender.

A escola ensina uma postura e um saber, por isso ela é percebida como lugar da experiência humana, um meio onde o aluno tem a possibilidade de tratar e ser tratado como ser humano, vivendo experiências de respeito e amizade. Um lugar onde ele pode crescer e se transformar como pessoa "não sou o que eu era, e nem sou o que eu vou ser, mais graças ao professor, não sou igual antes" (auto-avaliação de um dos meus alunos do PEB II).

Na escola o aluno adquire um capital que não é roubado e que é dele, lá ele pode ver-se num movimento de continuidade, ascensão, progresso como mostra um dos relatos "com voltas as aulas no ano novo com mudança de classe (...) porque fizemos uns exames para irmos mudando de Pebi".

A escola é um lugar onde ele pode exercitar um modo de ser ao se relacionar afetivamente com o professor e os outros alunos, ela contribui para uma valorização pessoal e por isso é uma experiência atraente. A escola acolhe e contribui para que o aluno se sinta em ligação com o mundo exterior, deixando de ser apenas um excluído, um farrapo jogado, podendo pertencer a um lugar e perceber que não foi abandonado, reparando que mesmo num presídio é homem ainda, podendo situar-se como ser humano na sociedade. Ela não ensina nada porque ninguém ensina nada para ninguém mas na experiência de um meio o aluno pode encontrar as condições necessárias para aprender um conteúdo, uma postura, uma nova maneira de se relacionar. A tarefa da escola é criar condições para que o aluno se perceba diante das regras, das pessoas, perceba como atua, como avalia as conseqüências.

 

Anexos

O que é a escola para você? Escreva sobre isso.

"A escola para mim é muito importante porque eu aprendo escrever e ler.

Também tem os professores que da muita atenção para nós, isso eu acho muito importante, porque sem á escola eu não seria nada.

Fico feliz com a escola por me da essa oportunidade de aprender e também fico contente com os professores porque eles encina direito eles estão de parabéins.

Agora eu vou terminando."

Faustão

Sampa, 20/04/94.

"Estudar é muito bom.

Quando comerci a vim para escolar não sabia escrever nada, porreim aprendi muito.

Hoje já pósso escrevir carta, e não ficar com rraiva de não saber escrever.

Professor o que eu não acho certo é que tém de ter aula com mais frequencias.

E o professor tem de ter mais altoridáde na sala de aliar.

As escola tem e pode dar mais material para os alunos, isso não vem acontecendo tá.

Professor tem de dar mais aliar e falar pouco, falar sobre a matéria do dia.

Vim para escola é muito bom para mim."

Hare Krsna

"A escola significa muito para me, é na escola que aprendi aler e escrever, para me é muito importante.

O mundo não teria desenvolvimento se não existisse a escola.

porquer na escolar aprende o que é o respeito, como se comportar no meio de outras pessoas.

É na escola que as pessoas buscar uma visão melhor do mundo.

Para me construir uma vida melhor, é necessário que frequente a escola porque o estudo nos mostrar como ter o controle das coisas que nos fasemos.

Agradeço a oportunidade de poder estudar".

 

Referências Bibliográficas

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SÁ, Geraldo R. "O prisioneiro: um processo de qualificação e requalificação". Tese de Doutorado, PUC, São Paulo, 1990.        [ Links ]

 

 

1 A partir da iniciativa dos monitores de fazer uma eleição para escolher um nome para a escola da P. E. os alunos sugeriram alguns nomes que foram registrados em cédulas, a eleição ocorreu no mês de dezembro de 1993 sendo o nome "Aprender nunca é tarde" o mais votado e o escolhido para a escola.