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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.16 n.1 Brasília  1996

 

Psicodramatizando a construção da cidadania

 

 

Sissi Malta Neves

Psicóloga, Psicodramatista, Coordenadora da Educação Social de Rua da Fundação de Educação Social e Comunitária da Prefeitura Municipal de Porto Alegre-RS

 

 

Este artigo aborda aspectos da socialização de crianças e adolescentes de classes populares, em situação de risco, que freqüentam um Centro de Comunidade em Porto Alegre-RS. Tais aspectos foram trabalhados em uma proposta de intervenção psicossocial por meio de Oficinas de Psicodrama e analisados no que diz respeito aos papéis sociais relativos à rua, à família, à escola, à religião, à classe social, ao gênero, à raça, e ao Centro de Comunidade. Esta proposta pretendeu construir a noção de cidadania nas relações de meninos e meninas, através do reconhecimento de si mesmo e do outro.

O tema focalizado situa-se no âmbito de uma das problemáticas sociais que se tornam mais agudas, a cada dia, na realidade brasileira. Nela estão os denominados jovens em situação de risco, crianças e adolescentes pertencentes a determinados segmentos das classes populares, cujas características de vida -trabalho, profissionalização, saúde, habitação, escolarização, lazer - colocam-nos entre as fronteiras da legalidade e da ilegalidade, em posição de dependência em face das instituições de amparo assistencial e de intervenção legal (Adorno, apud Rizzini, 1993).

A condição atual da infância mostra que vivemos em um território do paradoxo, onde graves ocorrências de violação de direitos humanos, tais como casos de extermínio, convivem com a adoção da proteção integral prevista pela nossa legislação, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990).

Muitas políticas públicas destinadas à infância e à juventude foram desenvolvidas e parecem conceber a existência de crianças e adolescentes pobres nas ruas, enquanto abandonados, órfãos ou infratores, como uma disfunção social que devia ser corrigida a partir do seu confinamento (Volpi, 1994).

Esse autor demonstra que até o final da década de 70 coexistiam no Brasil duas visões e práticas opostas de trabalho com jovens marginalizados. Uma delas, de natureza assistencialista e caráter repressivo, com a conseqüente institucionalização, retirava a criança do seu meio, não possibilitando qualquer participação popular. O segundo enfoque resultava do ressurgimento dos movimentos populares em direção às defesas dos direitos destes jovens.

Na década de 80, ressalta Volpi (1994), diferentes grupos de técnicos, educadores e agentes sociais, após discutirem alternativas, concluíram que o caminho a seguir era a rua, como tentativa de conhecer esse mundo totalmente diferente pertencente aos meninos e às meninas para encontrá-los no campo do seu domínio com seus códigos e estratégias de sobrevivência. Desenvolve-se, então, a Educação Social de Rua, embasada na Pedagogia do Oprimido e nas discussões de uma educação histórico-crítica.

Ocorre grande movimentação de entidades para alterar o panorama legal, obtendo a inserção na Constituição Federal, no Artigo 227, baseado na Doutrina de Proteção Integral a todas as crianças e adolescentes. O Código de Menores é derrubado e repudia-se o termo menor, substituindo-o por uma nova concepção de infância em que as crianças e os adolescentes são cidadãos, sujeitos de direitos, considerados como pessoas em desenvolvimento e tratados com prioridade absoluta através do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Tornando a noção de participação popular à luz do que seria a construção da cidadania, Faleiros (1986) aponta o conceito de cidadão como aquele indivíduo que tem seus direitos reconhecidos, mas tem igualmente a possibilidade de participar sobre a definição desses direitos. No entanto, o desrespeito sistemático aos direitos humanos, diante de nossa realidade social, faz com que a cidadania brasileira não exista de fato, como lembra Dimenstein (1993), e seja apenas uma cidadania de papel.

Para o autor citado, a circunstância de vida da infância é um fiel espelho de nosso estágio de desenvolvimento econômico, político e social, existindo uma rede que interliga as problemáticas do assassinato de crianças, da violência nas ruas, da crise no ensino superior e no mercado de trabalho.

Da instituição à rua existe um limite muito tênue que se estabelece no cotidiano de meninos e meninas de determinados setores das classes populares. Poderá haver uma posição de passividade da criança em relação ao assistencialismo da instituição ou de inconformismo e fuga para a rua, outro universo não menos contraditório e opressor.

Este quadro social justifica a busca do entendimento dessas relações entre os mundos adulto e infantil, nas quais se perpetua a inconsciência do processo dialético presente no fenômeno do abandono. Este não é somente o abandono do Estado da sua responsabilidade de assegurar a cidadania dos seus membros, mas o abandono da história cultural de uma nação. Somente abandona seu passado quem não percebe que sua história é sua consciência.

Surge, portanto, a necessidade de intervenções junto a esses jovens em situação de risco, viabilizando procedimentos de atuação que possibilitem a legitimação de suas cidadanias.

O Projeto Jovem Cidadão vem desenvolvendo-se nos Centros de Comunidade coordenados pela Fundação de Educação Social e Comunitária (FESC) da Prefeitura Municipal, em Porto Alegre, desde agosto de 1993, com base no ECA e no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Ele se caracteriza por ser um projeto político-pedagógico que considera os indivíduos em sua totalidade, através das relações com a família, a comunidade, a escola, com grupos de pertencimento, com a cultura, o trabalho, a espiritualidade e com o conjunto de instituições públicas (FESC, 1993).

Seu objetivo institucional é o de manter e ampliar o atendimento à população de baixa renda, nas regiões periféricas da cidade. Com o Projeto Girassol, incluso no Projeto mais abrangente que é o do Jovem Cidadão, consolida-se a prioridade para o atendimento a crianças e adolescentes (FESC, 1993). Estes, quando envolvidos em situação de furto, drogadição ou violência, são encaminhados pelo Conselho Tutelar da região aos Centros de Comunidade que passam a atuar como retaguarda.

A pesquisa que deu origem a este artigo problematiza aspectos da socialização de excluídos, como processo de aquisição de valores, crenças e papéis sociais em um contexto que não lhes assegura proteção à integridade física e construção de um projeto de vida. Define como seu objeto de estudo uma proposta de intervenção psicossocial por meio de Oficinas de Psicodrama.

A metodologia psicológica empregada coloca ênfase na conscientização dos papéis sociais aprendidos pelos sujeitos. Visa, deste modo, a um processo de transformação social possível ao facilitar uma troca de posições dos agentes sociais. Aquele que, antes, passiva e inconscientemente colocado como reprodutor de papéis demarcados pelo sistema vigente, encontraria um lugar seu, o seu estar no mundo consciente e ativo, forma singular de modificação deste cotidiano.

As Oficinas de Psicodrama objetivavam explorar o desenvolvimento da rede vincular de seus participantes, através do mapeamento das relações afetivas estabelecidas por eles dentro e fora do contexto grupal. Várias técnicas de trabalho foram propostas, nas quais se avaliou a percepção do eu e o que seria a noção de identidade, a percepção do tu, ou como é visto o outro, e a percepção do nós, como possibilidade de se relacionar com vários tus, a partir da circularização dos vínculos.

O objetivo das Oficinas de Psicodrama foi a construção de uma auto-estima mais positiva das crianças e adolescentes, servindo como um novo espelho para que pudessem refletir-se em um tu mais continente. A rede sociométrica investigada de cada participante favoreceu esse resgate da história individual, ao mesmo tempo que teceu uma rede vincular cultural perante as identificações processadas entre os membros do grupo.

A proposta de intervenção psicossocial pretendia constituir-se numa rematriz de identidade para esses meninos e essas meninas, ou seja, a vivência de. experiências que possibilitassem a impressão de marcas mais positivas. A partir da conscientização do conjunto de papéis que desempenhavam psico-dramático ou socialmente, na fantasia ou na realidade do contexto grupal, eles poderiam ter a oportunidade terapêutica de tomarem uma nova posição.

Como os grupos das Oficinas eram abertos, possuindo número variável de participantes esporádicos, ou até mesmo que as freqüentaram unia única vez, devido ao fluxo constante de usuários do Centro de Comunidade, a proposta de trabalho se baseou em atos terapêuticos.

Os atos terapêuticos visavam, naquela Oficina específica, promover a maior integração do grupo, além de resgatar a linguagem espontânea e criativa dos participantes, utilizando diversas técnicas para facilitar estas expressões.

A referida proposta de abordagem psicossocial não tinha um perfil semelhante a um grupo terapêutico formal, com critérios de seleção dos componentes, conforme a dinâmica individual. Seu critério de inclusão baseava-se apenas no desejo da criança ou do adolescente de pertencimento a um grupo e ao enquadramento em uma faixa etária adequada.

O desconhecimento da história de vida desses jovens, a exigência por parte do Projeto Girassol de acompanhamento psicológico que não se caracterizasse como clínico, e a urgência de atender a um grande número de freqüentadores do Centro de Comunidade determinaram essa forma de abordagem psicossocial.

Todo o referencial metodológico utilizado nas Oficinas visava a observar as etapas de uma sessão de Psicodrama: o aquecimento, a dramatização e os comentários.

No aquecimento ocorria a preparação dos participantes para que diminuíssem o estado de tensão, criando-se um campo relaxado, facilitador da interação grupal, por meio de procedimentos de relaxamento, sensibilização, e de atenção na tarefa proposta.

Na etapa da dramatização, os sujeitos apresentaram suas criações através de jogos dramáticos, do desenho, da argila, de marionetes, de brinquedos, da expressão corporal e dramática, explicitando suas fantasias a partir de um cenário compartilhado por todos.

Na etapa dos comentários, cada um relatou sobre o que havia criado, estabelecendo-se a matriz grupai pelo fortalecimento dos vínculos. Neste momento foram utilizados o gravador e o videopsicodrama3 , dois recursos que auxiliaram o processo de conscientização dos papéis desempenhados no espaço dramático. Eles possibilitaram melhor integração da linguagem verbal, da escuta e da linguagem gestual dos sujeitos, facilitando o desenvolvimento de uma auto-imagem mais positiva a partir da noção de um eu criador, e o estabelecimento de relações circulares, experimentadas pelo Nós-grupo.

Todas as atividades objetivavam explorar a noção do Eu, da auto-imagem, a construção da identidade do ser menino e menina, propiciando maior aproximação dos participantes desde o reconhecimento do Tu, do ser "outro" como possibilidade vincular.

Como eixo central de investigação se situa o átomo social. A avaliação do átomo social ocorreu diante da criatividade dos participantes dos grupos, dos sentimentos despertados, das intromissões nos relatos e das suas manifestações quanto a falar ou fazer determinada tarefa.

As questões que nortearam a investigação focalizaram:

-os papéis sociais aprendidos e reproduzidos pelos sujeitos da pesquisa na sua vida cotidiana;

-os papéis sociais conscientizados por eles no contexto psicodramático;

-como se configura o átomo social destes sujeitos de pesquisa na sua vida cotidiana;

-como eles conscientizam o seu átomo social no contexto psicodramático;

-como recebem o trabalho psicodramático;

-e como reagem aos procedimentos de coleta de dados.

A opção metodológica desta pesquisa compreendeu o método do Psicodrama (Moreno, 1978) e a Análise Compreensiva de Base Fenomenológica (Bernardes, 1989).

A coleta de dados foi efetuada através de contatos grupais, durante as Oficinas de Psicodrama realizadas no Centro de Comunidade.

Participaram das Oficinas antigos e novos integrantes do Centro de Comunidade. Muitos dos novos participantes vieram depois de terem sido abordados, nas ruas de algumas vilas próximas, pelos técnicos do Projeto Girassol. O propósito destas abordagens programadas era de divulgar o atendimento realizado pelo Projeto.

De acordo com critérios explicitados por Moreno (1978), alguns sujeitos deste estudo se enquadram no contexto da inserção dos grupos sociais, ponto crucial do processo de socialização, entre 7 a 9 anos. Outros se encontram na fase da maturação da sexualidade, entre os 13 a 15 anos, na qual vão sendo mudados os critérios anteriores das escolhas para ampliação do átomo social, e a sua rede sociométrica passa a estruturar-se diferentemente.

Tendo escolhido o Psicodrama como método para o desvelamento das relações sociais, a trajetória percorrida demonstra que muitos vínculos das crianças e dos adolescentes se explicitaram com o próprio grupo de iguais, com as instituições a que pertencem ou com os determinantes do imaginário social, como condição de classe, de gênero, e de etnia, universo que se mostrou bastante complexo.

Os papéis sociais, que advêm dos vínculos estabelecidos nos diversos contextos institucionais, tais como escola, família, Centro de Comunidade, possuem uma condição dialética implícita, a relação entre o macro e o microssocial. A instituição se torna o elo a interligar o grupo de relações interpessoais mais próximas com os valores e padrões de conduta representantes de uma ordem social que deverão ser introjetados e reproduzidos pelos seus membros.

Deduz-se que a socialização está relacionada, sempre, a um espaço, locus, e a um tempo como entrecruzamento de papéis históricos. Ela se inicia na Matriz de Identidade da criança, sua família, a partir do átomo social como configuração das relações interpessoais de maior proximidade afetiva, e decorre de determinações socioeconômicas e do fator Tele como a capacidade de percepção do outro (Gonçalves et al., 1988).

O processo de socialização parece estar marcado por essas determinações, conforme se evidencia a partir da análise dos papéis sociais apresentados pelas crianças e adolescentes deste estudo. Como atores sociais, eles demonstram que são determinados pela condição de classe social, de gênero, de etnia e que aprendem a ocupar os lugares socialmente possíveis conforme o aprendizado da escola, da religião, da família e até mesmo do Centro de Comunidade.

Foi constatado que os sujeitos desta pesquisa não possuem um átomo social mais restrito, tendo vínculos e papéis pouco definidos. Observam-se átomos sociais com maior ou menor amplitude de acordo com as peculiaridades da rede sociométrica de cada um, o que não evidencia, necessariamente, que por pertencerem a classes populares sejam menos favorecidos a nível vincular, portanto, empobrecidos afetivamente. Seu desfavorecimento parece estar na possibilidade de tomar o seu papel, desempenhá-lo ou criá-lo, dentro de uma estrutura socioeconômica que os diferencia das camadas mais favorecidas, apenas quanto ao acesso a determinadas condições de subsistência, lazer, educação e concretização de projetos de vida futuros.

Neste estudo observou-se a atenção das crianças e adolescentes quanto as posses materiais, condição de moradia e objetos percebidos como definidores da distinção de classe social.

Os papéis de pai e mãe aparecem bem demarcados a partir de territórios próprios para cada sexo.

Também o modelo de família matrifocal parece estar presente na realidade destes jovens. O modelo matrifocal é aquele que se organiza em torno da mulher quando não há um companheiro mais estável (Gomes, 1992).

Tanto as meninas como os meninos se colocam como zeladores dos irmãos menores, refletindo a necessidade do desempenho de funções no âmbito familiar.

As crianças e adolescentes constantemente se referem ao cotidiano escolar como modelo para construção de projetos de vida futura.

Observou-se nas Oficinas que os padrões referentes ao gênero são reforçados entre o grupo.

Meninos e meninas demonstraram diferenças significativas quanto ao seu autoconceito. Tais diferenças vão ao encontro dos estereotipos sociais vigentes e aumentam com a idade, o que evidencia a influência progressiva que a socialização dos papéis sexuais exerce sobre o autoconceito.

O papel social relativo à raça se expressa a partir dos comentários das crianças e adolescentes não-negros em torno da desqualificação dos colegas de raça negra, embora tenham grande interesse pelas suas expressões de cultura como capoeira, pagode, dança e religião afro-brasileira. É como se a incorporação da cultura negra não impedisse a discriminação que sofrem.

Os papéis sociais relativos à religião estão ligados à noção de identidade e auto-estima desses jovens, além de se manifestarem de formas diferentes diante do transcendente, conforme a religião a que pertençam.

A rua aparece como símbolo de liberdade, para onde se foge, além de ser lugar de conflito e representação do abandono.

O Centro de Comunidade, como um espaço fora, de periferia, é vivido por esses usuários como sendo "deles", onde lhes são oferecidas muitas possibilidades, entre elas, o resgate de papéis sociais mais positivos.

O Centro de Comunidade como instituição, através do Projeto Girassol, propõe uma re-inclusão das crianças e adolescentes que se encontravam em situação de rompimento com os vínculos comunitários da família, do bairro ou do próprio Centro.

Assim como a instituição assistencial, a família e a escola contêm em si os princípios normatizantes e disciplinadores, responsáveis pela exclusão destas crianças do convívio grupal. Como matriz cultural, necessitam de uma reestruturação, pois como agentes de socialização demonstram não mais estarem conseguindo ser suporte afetivo para seus membros.

Ao estudar a realidade de meninos e meninas na rua, Forster (1992) estabelece correlações entre o uso de drogas ilícitas e a desestruturação de vínculos com a família e a escola, apresentando, como medidas para tirá-los da rua, projetos de assistência institucional que contenham atividades recreativas, educativas e profissionalizantes.

Essa solução institucionalizante encontra um impasse com a chegada da maioridade desses jovens. A pergunta que se impõe é: em que lugares sociais seriam colocados esses adolescentes, aos 18 anos, quando não recebem mais atendimento? Talvez se tornem os sucessores da criança carenciada culturalmente, da década de 70, e da criança na rua dos anos 80 e 90 como o próximo alvo de atenção de pesquisas acadêmicas. Contudo, esperemos!

Estudos como o de Forster que não refletem sobre a vivência anterior da criança até sua ida para a rua, quer pela desestruturação da rede sociométrica na família, quer da escola ou mesmo da instituição assistencial, em geral não abordam a questão crucial do contexto vincular grupal em sua própria metodologia de pesquisa.

A realidade das classes populares traz uma questão central referente a quais metodologias de ação seriam adequadas e como poderiam auxiliar na construção de um projeto de vida junto aos jovens desta camada da população.

Nosso cenário social mostra, cada vez mais, a fragmentação das redes sociométricas que entrelaçam o viver humano.

O espaço comunitário, coletivo, passou a ser temido. Há um alerta geral de que não se deva ocupá-lo. A rua, como essa possibilidade de ação conjunta, constitui território proibido. Conforme Santos e colegas (1981), a rua é o palco do social, pois problematiza o contato com o outro ao evidenciar a questão da segurança e da socialização.

O universo da rua contradiz, aparentemente, a lógica da casa, da família, da escola, das instituições em geral, embora reproduza a dialética dos papéis sociais expressa nas contradições relativas ao gênero, à raça, à classe social ou mesmo à relação entre o privado e o público.

A rua, como espaço possível de socialização, está repleta de redes sociométricas ininteligíveis, ainda, guardando muitas significações a serem desvendadas em próximos estudos.

O convívio com o Centro de Comunidade ou com a rua foi uma experiência que mostrou a fragilidade como sensibilidade, e a força como resistência ao que não era vivo, presentes nessas crianças e adolescentes. Eles ensinaram a transformar o caos em um instante de arte e a acreditar que a construção da cidadania é algo que se faz ao compartilhar um sonho coletivo tanto difícil quanto possível.

 

Referências Bibliográficas

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BERNARDES, N.G. Crianças oprimidas: Autonomia e submissão. Porto Alegre. UFRGS, 1989. Tese. (Doutorado em Ciências Humanas - Educação). Faculdade de Educação, Universida de Federal do Rio Grande do Sul, 1989. Brasil. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8069 de 13 de julho de 1990.        [ Links ]

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FALEIROS, V. O que é Política Social. São Paulo: Brasiliense, 1986.        [ Links ]

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1 As questões aqui expostas fazem parte de minha dissertação de Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade intitulada "Psicodramatizando a construção da cidadania: o ser criança e adolescente em um Centro de Comunidade", apresentada no Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em agosto de 1995.
2 Rede sociométrica seria a interconexão de átomos sociais. Segundo Moreno (1972), "o átomo social é o núcleo de todos os indivíduos com quem uma pessoa está relacionada sentimentalmente, ou que lhe estão vinculadas ao mesmo tempo. O átomo social de um indivíduo diferentemente combinado e inter-relacionado com outros átomos explica a sociedade" (p.62). "Enquanto certas partes desses átomos sociais parecem limitar-se aos indivíduos que participam deles, outras partes se relacionam com partes de outros átomos sociais e, estes últimos, por sua vez, com outros" (p.211).
3 O videopsicodrama consiste em uma experiência que associa o videocassete ao psicodrama. É um recurso que facilita a conscientização dos papéis desempenhados durante a vivência de psicodrama, pois possibilita que, após a filmagem da sessão, enquanto a mesma é exibida, se façam os comentários sobre as características das relações interpessoais existentes no grupo. O gravador registrava as Oficinas e, ao final da atividade, possibilitava escutarmos trechos do registro de cada relato. Tais trechos permitiam que os participantes reconhecessem episódios das fantasias anteriormente narradas, mostrando que memorizaram aquele autor e a narrativa que lhes foi mais significativa.