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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.16 n.2 Brasília  1996

 

Álcool e segurança no trânsito (II): a infração e sua prevenção

 

 

Maria Helena HoffmannI; Enrique CarbonelliII; Luis MontoroIII

IDoutora em Psicologia e Mestre em Prevenção das Drogodependências pela Universidade de Valência-Espanha. Psicóloga da Escola de Trânsito-Detran/SC. Profª. da Universidade do Vale do Itajaí
IIDoutor em Psicologia. Professor Titular de Psicologia e Segurança Viária da Universidade de Valência-Espanha. Subdiretor do Instituto Universitário de Tráfico y Seguridad Vial
IIIDoutor em Psicologia. Catedrático de Psicologia e Segurança Viária da Universidade de Valência-Espanha. Diretor do Instituto Universitário de Tráfico y Seguridad Vial

 

 

Dando continuidade ao artigo publicado no número anterior desta revista, onde se analisaram aspectos do consumo de álcool sobre o condutor individual, no presente trabalho os autores discutem as dimensões social e normativa da questão. Sugerem que a solução ou controle de problema exige o esforço conjunto dos diversos setores da sociedade, num grande pacto em torno do mesmo objetivo.

No primeiro artigo desta série (Álcool e Segurança no Trânsito: epidemiologia e efeitos) definimos a incidência do álcool nos acidentes de trânsito e nos detivemos tanto na avaliação epidemiológica como na análise pormenorizada dos efeitos do consumo de álcool sobre o condutor individual, sobre as capacidades atencionais, perceptivas e de resposta imprescindíveis para uma condução segura. Entretanto, o álcool também tem uma dimensão social e normativa que sem desvincular-se dos efeitos individuais afeta não somente o indivíduo em si e/ou o próprio acidente, mas também o conjunto da sociedade.

Como expressaremos ao final deste artigo, a dimensão social a que nos referimos somente pode ser afrontada com possibilidade de solução, a partir de um grande pacto social que reúna todos os setores da sociedade em torno de um mesmo objetivo.

 

ÁLCOOL E INFRAÇÕES

A palavra "infração" é de origem latina (infractio de infringere) e designa o fato que viole ou infrinja disposição de lei, onde há cominação de pena (Pinheiro e Ribeiro, 1987).

Não resta dúvida de que atualmente o trânsito seria impensado sem a presença de normas, de regras que regulam a movimentação e a ocupação do espaço viário. O trânsito é uma disputa pelo espaço, e todos devemos obedecer a umas regras mínimas para que esta disputa seja mais facilmente tratada pelos técnicos de controle (Vasconcelos, 1985). Toda a supervisão do trânsito (fiscalização, controle) está baseada num conjunto de leis e dispositivos, que constam nos códigos e regulamentos de cada país. Em toda a experiência mundial de trânsito, as normas juntamente com a fiscalização do seu cumprimento têm exercido um papel fundamental, na medida em que é muito notável a relação direta entre fiscalização-punição e comportamento adequado (não infração às normas) com a diminuição de acidentes, e inversamente entre a impunidade e o comportamento inadequado (infração às normas) com aumento de acidentes. Um sistema normativo é condição indispensável para a fluidez e segurança no trânsito, sendo esta, sempre relacionada (e medida) aos índices de acidentes.

O Código Nacional de Trânsito considera infração a inobservância de qualquer preceito deste Código, de seu Regulamento e das Resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Portanto, a infração é de inteira responsabilidade do condutor.

A ação de dirigir, estando sob a influência de bebidas alcoólicas, é considerada uma infração de trânsito e se encontra perfeitamente definida na causa dos acidentes e nos regulamentos de circulação ou normativas equivalentes dos países europeus, como também no Brasil. Entretanto, esta infração é uma das que mais leva o condutor a cometer outras, podendo culminar, assim, no acidente. Então, quando o condutor comete uma infração estando alcoolizado, na realidade ele está cometendo uma dupla infração. O álcool é um fator que contribui para a infração das normas, porque altera a percepção do indivíduo, originando um sentimento de rendimento melhorado, ao mesmo tempo que diminui a capacidade crítica e dificulta as relações lógicas e a associação de idéias se torna superficial. Desta forma, o condutor embriagado não tem condições de prever as situações (direção defensiva) porque está com sua liberdade de escolha comprometida.

Entre as infrações mais comuns, cometidas pelos condutores sob os efeitos do álcool, estão: velocidade inadequada; sair fora das zonas de circulação, o que resulta em atropelamento de pedestres; circular em direções contrárias ou por direções proibidas; baixo ou nulo respeito à sinalização; iluminação e sinalização incorreta das manobras; dirigir pela contra-mão ou ultrapassagens inadequadas, com independência dos comportamentos desrespeituosos e provocativos em relação aos demais usuários (Homel, 1988).

E sabido, que durante a noite o número de condutores que dirige alcoolizados é maior, como também é maior o número de acidentes provocados pelo álcool. Se durante o dia culcula-se que em 24% dos acidentes está presente o álcool, comprovou-se que durante a noite - especialmente nos fins de semana - 76% dos acidentes estão relacionados direta ou indiretamente com esta substância.

O problema de embriaguez alcoólica, nos acidentes de trânsito, é de fato grave. Infelizmente, as estatísticas não demonstram em que proporção real os acidentes são devidos em sua totalidade, ou em parte, aos efeitos do álcool sobre o condutor, porque inúmeras circunstâncias são desconhecidas ou são escondidas, devido às posições das partes envolvidas (acidentados, indiciados-testemunhas), fato este conhecido como conspiração do silêncio.

O Brasil convive com muitas carências, e entre elas a de estatísticas sobre a participação de condutores alcoolizados no trânsito (CET, 1991) e a notável inexistência de pesquisas e estudos mais aprofundados sobre este tipo de infração. Entretanto, a falta de estatísticas adequadas não nos impedem de saber que este problema é grave. Segundo dados fornecidos pela reportagem da revista IstoÉ (1992), os abusos mais comuns do estilo brasileiro de conduzir são: 1) Passar o semáforo em vermelho; 2) Dirigir alcoolizado; 3) Estacionar em fila dupla; 4) Estacionar em local proibido; 5) Parar sobre a faixa de segurança; 6) Dirigir com excesso de velocidade; 7) Dirigir sem o cinto de segurança e, 8) Transportar crianças no banco dianteiro. Só não se sabe se esta é também a ordem de freqüência em que sucedem estas infrações.

Tanto no Brasil quanto na Espanha a verificação do estado de embriaguez do condutor se faz mediante o teste com aparelho de ar alveolar, denominado bafômetro, ou como preferem utilizar muitos especialistas na área "álcool sensor".

 

MODELO PREVENTIVO GERAL

Na análise preventiva sobre o consumo de álcool entre os condutores vem sendo utilizado o modelo de Fishbein e Ajzen, a Teoria de la Ação Racional (Fishbein, 1967; Fishbein e Ajzen, 1975; Ajzen e Fishbein, 1980; Ajzen, 1988). É uma teoria geral explicativa e preditiva dos processos de formação e mudança de atitudes.

A partir da consideração de que o homem pode controlar os impulsos e o comportamento mediante a razão, Feishbein e Ajzen constroem um modelo para a predição da mudança de comportamento, mediante a modificação das crenças ou base informativa, subjacente às atitudes e normas subjetivas, que condicionam e determinam a intenção do comportamento e o comportamento em si. Geralmente, cometer uma infração é uma ação voluntária e, portanto, se encontra mediada pela intenção de realizar essa ação.

A atitude para uma determinada ação, define-se como o conjunto de crenças que o indivíduo ou grupo tem em relação às conseqüências dessa ação e o peso que confere a cada uma dessas possíveis conseqüências. Por exemplo, uma pessoa pode começar a utilizar o cinto de segurança porque acredita firmemente que com isto atenuará a gravidade de um possível acidente. O componente afetivo-avaliativo é considerado como característica específica da atitude, e é o que a distinguiria dos demais conceitos do modelo. A avaliação, favorável ou desfavorável, se apresenta como uma predisposição para a realização, ou não, da ação.

Por sua vez, a norma subjetiva é definida pelas crenças dos indivíduos e grupos de referência dos mesmos e pela importância que estes conferem a ditas crenças. Dito de outra maneira, a norma subjetiva se origina na percepção do indivíduo de que outras pessoas ou instituições, importantes para ele, pensam que realizará ou não uma ação. A percepção que ele tem sobre o que esperam que ele faça, converte-se na norma que vai reger seu comportamento sempre que essas pessoas ou instituições sejam uma referência subjetivamente importante, e para as quais, de alguma maneira, se sente obrigado a agradar ou a não defraudar. Assim, por exemplo, alguém pode não utilizar o cinto de segurança porque se o fizer, o resto dos companheiros no carro caçoariam dele. Outros exemplos, associando beber e dirigir seriam: - o dictum da hospitalidade, que impõe ao hospedeiro oferecer mais bebida aos seus convidados, mantendo os copos sempre cheios; - o costume de retribuição, que impõe à visita que coma excessivamente e "encha a cara", para demonstrar que está divertindo-se e gostando da festa; -a idéia de masculinidade, que não pode ser ofendida pela esposa, mesmo que esta (geralmente bebe menos) esteja em melhores condições de dirigir; - a educação, ou as boas maneiras, que impedem o dono da casa de sugerir que o amigo está "embalado" demais para dirigir o carro com segurança.

Finalmente, o grau de controle percebido atende aos fatores externos que o indivíduo ou grupo entendem que condiciona o comportamento em forma de conseqüências externas. De fato, alguém pode utilizar o cinto de segurança para evitar uma multa. Em outras palavras, é necessário desenvolver mecanismos para que, de alguma forma, as pessoas percebam que há mais controle externo. Não basta criar normas e leis; aliás, elas já existem, e por inúmeras vezes reformuladas. A aplicação real destas, é que deve ser enfatizada de maneira efetiva e eficaz, de modo a atingir, conseqüentemente, o condutor infrator, quer dizer, ele tem que perceber que de fato será punido, caso cometa uma infração.

E para que isto realmente funcione, a punição (castigo) tem que deixar de ser uma palavra escrita na lei e passar a ser percebida pelo condutor como um fato passível de execução. Se cada vez que um condutor cometer uma infração (por exemplo dirigir alcoolizado), houver como conseqüência a punição (multa, apreensão, do veículo, suspensão da carteira de habilitação, orientação preventiva, avaliação médica, psicológica, teórica e prática, etc), maior será o grau de controle por ele percebido.

Definitivamente, a intenção do comportamento está determinada pela norma subjetiva, pelo controle percebido e pela atitude com respeito ao mesmo, numa proporção determinada para cada caso específico, em função do peso que cada sujeito, ou grupo, confere a estes elementos.

Este modelo deu resultados interessantes em outros âmbitos, especialmente naqueles relativos a problemas de saúde, devido ao valor explicativo proporcionado pela possibilidade de atribuir pesos relativos aos determinantes da intenção, assim como para as características que definem cada um destes determinantes no modelo.

Precisamente este foi o modelo utilizado na pesquisa centrada no estudo das infrações de trânsito, dentro do Projeto DRIVE (Carbonell e Rothengatter, 1990), e mais especificamente, na análise das atitudes de condutores e policiais de trânsito frente a elas, assim como o grau de aceitação e uso dos procedimentos automatizados de controle do trânsito.

Para a avaliação da atitude em relação à infração, o grupo-alvo desta pesquisa, condutores e policiais de trânsito, avaliou um questionário de 26 infrações em relação a sua periculosidade ou gravidade para a Segurança Viária numa escala Likert de 7 níveis. Da mesma forma, os condutores avaliaram estas mesmas infrações quanto à probabilidade de serem surpreendidos pela polícia cometendo-as (norma subjetiva de pressão social). O "Questionário sobre infrações de trânsito" foi respondido por uma amostra de 500 condutores de toda a Espanha, além de outras amostras proporcionais na Noruega, Irlanda e Holanda.

Aqui se apresentam alguns resultados referentes à amostra espanhola de condutores, diretamente relacionados com o tema deste trabalho. Em termos gerais, foi constatado que eles manifestaram uma clara tendência em considerar como graves as infrações em geral, já que todas obtêm pontuações superiores a 4; exceto, e isso não supõe nenhuma surpresa, o "estacionamento em lugar expressamente proibido por um sinal". Este resultado foi similar aos demais países nos quais foi administrado o questionário, sendo que os condutores noruegueses foram os que consideraram as infrações em geral como de maior gravidade. A amostra espanhola ficou situada numa posição intermediária com respeito aos demais países.

A comparação dos itens entre si dá como resultado que as infrações mais perigosas, segundo os condutores espanhóis, são as seguintes: (a) não parar depois de estar envolvido em um acidente de trânsito; (b) ultrapassar onde está especificamente proibido por um sinal; (c) dirigir estando sob a influência do álcool, com um nível de 1,2 g/1 ou mais de álcool no sangue; (d) dirigir com freios defeituosos; (e) passar um semáforo com sinal vermelho, supondo que o tráfego transversal não se pôs em movimento.

Outras pesquisas nos mostram que as infrações de trânsito que mais contribuem para as causas de acidentes na Europa (Opheusden, 1989) são, nesta ordem: (a) velocidade inadequada, e dentro desta, especialmente a excessiva em relação ao contexto, (b) não respeito às prioridades (incluindo semáforos), (c) estado do condutor (principalmente com relação à influência do álcool e da fadiga), (d) ultrapassagens inadequadas, (e) não manter as distâncias de segurança.

Uma comparação do ranking de causas de acidentes na Europa, com a ordenação resultante da avaliação dos condutores espanhóis, mostra evidentes discrepâncias. Por exemplo, chama a atenção que o excesso de velocidade, principal causa de acidentes e mortalidade na Espanha, não é considerado, pelos condutores, uma das infrações mais graves. Entretanto, este resultado, mesmo não sendo muito diferente dos obtidos em outros países europeus (Bruin, Vaa e Ostvik, 1989), mostra que as diferenças são significativas. Mesmo assim, resulta curioso que deixar de usar o cinto de segurança nas estradas é considerado menos grave do que dirigir um veículo com excesso de carga ou ultrapassar uma fila utilizando a pista destinada a ônibus-táxi.

Dirigir estando sob os efeitos do álcool, excedendo muito o limite permitido (1,2 g/l ou mais - veja Quadro 1), encontra-se entre as três infrações mais graves segundo os condutores espanhóis, superando nesta valoração outros países como a Irlanda e aproximando-se muito da Noruega e, inclusive, da Holanda (Bruin, Vaa e Ostvik, 1989), países estes que levam muita vantagem com relação à Espanha nos indicadores relativos à Segurança Viária.

 

 

A análise diferencial na amostra de condutores segundo sexo, idade e nível de experiência na direção é especialmente relevante quanto a consideração das vias e possibilidades de intervenção em cada uma destas infrações.

Em relação aos condutores, as diferenças são claras em função do sexo: as mulheres tendem a considerar as infrações como mais graves para a Segurança Viária. Entre as infrações, as mulheres consideram como de maior gravidade aquelas relativas aos elementos de segurança passiva (cinto de segurança, luzes insuficientes ou freios defeituosos). Também consideram mais grave certas infranções que implicam um estilo mais agressivo de direção, como: dirigir "colado" ao veículo que vai em frente sem tempo de parar ou mudar de pista, sem sinalizá-lo previamente. Finalmente, entre as infrações, também aparece que as mulheres consideram o abuso do álcool mais grave que os homens.

As diferenças observadas a partir da idade são muitas e em muitas ocasiões também altamente significativas. Nesta ocasião vamos apresentar unicamente dois exemplos, dada à relevância social na direção deste tipo de comportamento e da alta incidência na causa de acidentes: o consumo de álcool e o excesso de velocidade (Quadro 1. Representação de tendências realizadas por ajuste às pontuações obtidas).

No Quadro 1, relativo ao consumo de álcool, encontramos uma representação na qual se observam algumas questões: (a) o consumo elevado de álcool é considerado em quase todas as idades como mais grave que o consumo moderado, exceção feita na faixa superior de idade devido a dificuldades na interpretação das taxas de álcool no sangue; (b) os grupos de maior risco se encontram nas três primeiras faixas de idade, especialmente no que se refere às baixas taxas de álcool, já que estes níveis (próximos ao permitido) influenciam nos processos perceptivos, atencionais e na capacidade para tomar decisões; (c) o grupo de maior discriminação é a faixa de idade entre 36 e 45 anos. Destas observações, conclui-se a necessidade de ações específicas diferenciadas, por exemplo, uma eventual campanha de prevenção do consumo de álcool, sobre os diversos grupos, centrando a atenção nas duas primeiras faixas de idade no que diz respeito ao consumo em geral, na terceira faixa sobre os níveis baixos, e na última faixa, previamente, sobre a compreensão dos indicadores de álcool para poder obter dados válidos sobre as atitudes diante destas infrações.

No Quadro 2, são mostradas as diferenças na consideração da gravidade das infrações por parte dos condutores, em função do seu nível de experiência, levando em conta a freqüência do uso do veículo, sendo esta, medida com o critério número de kilómetros ao ano. Dirigir estando sob os efeitos da fadiga mostra uma clara Endereço para correspondência entre o nível de experiência e a gravidade no momento de considerar esta infração, o que indiretamente vem verificar alguns aspectos existentes no modelo de saúde aplicado ao trânsito, proposto por Reig (1987). De acordo com este autor, um maior conhecimento do risco objetivo, e neste caso postulamos que quanto maior exposição e experiência maior conhecimento, pode melhorar a avaliação subjetiva do risco, reduzindo assim a incidência de decisões arriscadas ou potencialmente perigosas.

 

 

A situação levantada para o resto de comportamentos representados no Quadro 2 é muito diferente. Assim, dirigir alcoolizado ou os excessos de velocidade são considerados como mais graves pelos condutores profissionais e pelos infrequentes, do que pelos usuários frequentes ou muito freqüentes das vias. A explicação está diferenciada em três grupos: (a) os condutores infrequentes mostram temor diante de comportamentos arriscados, fundamentalmente, dada a sua falta de perícia na direção e seu desconhecimento dos fatores da via; (b) os condutores profissionais têm um conhecimento mais real do risco objetivo, devido a alta experiência na direção, e por isso adotam um estilo de direção fluído, porém assumem poucos riscos; (c) os condutores de nível intermediário de experiência superaram os temores iniciais, devido ao fato de que possuem uma certa destreza na direção, porém não assumiram ainda uma percepção adequada do risco objetivo. Em todo caso, estas análises coincidem com as anteriores em relação à necessidade de uma intervenção modulada pela variável nível de experiência.

Quanto ao estudo diferencial da probabilidade de ser surpreendido cometendo uma infração, em função das variáveis sexo, idade e experiência aparece o seguinte: com relação à variável sexo também as mulheres determinam uma maior probabilidade de ser descobertas cometendo uma infração, sendo mais patente nos casos como: dirigir sem o cinto de segurança, com luzes insuficientes, com excesso de álcool, ou a ultrapassagem em lugar expressamente proibido. A variável idade não mostra diferenças significativas. A variável experiência, por sua vez, apresenta alguns resultados interessantes: em termos globais, os condutores infrequentes e os profissionais consideram a detenção cometendo uma infração como de maior probabilidade de ocorrer. Os condutores infrequentes superam todos os grupos em: não parar depois de um acidente, luzes insuficientes, freios defeituosos, dirigir sem a categoria de habilitação adequada, estacionar em lugar proibido e dirigir com excesso de velocidade. Por outra parte, os condutores profissionais superam todos os demais grupos, isto é, consideram mais provável a detenção no resto das infrações. Entretanto, o dado mais preocupante é que são os condutores muito freqüentes, e depois os frequentes, os que atuam com maior impunidade, precisamente aqueles que, em termos gerais, consideravam as infrações como menos graves. Estes dados reafirmam sua característica de grupo de risco como também a necessidade de uma intervenção específica, devido ao baixo peso conferido tanto para a atitude como para a pressão da norma, fazendo com que aumente a probabilidade de cometer infrações e conseqüentemente a probabilidade associada de sofrer ou causar um acidente.

 

CONCLUSÃO

Com relação as falhas humanas o álcool é, sem dúvida, um dos maiores fatores de risco na condução de um veículo, pelo grande número de alterações psicofísicas que provoca nos condutores. Beber e dirigir são, inegavelmente, atividades incompatíveis, pois a tarefa de dirigir um veículo automotor implica uma integridade dos reflexos, uma perfeita coordenação motora e principalmente a manutenção da autocrítica.

Dispomos de alguma alternativa eficaz para este desafiante problema? Que podemos fazer para tratar de diminuir esta terrível taxa de mortalidade? A resposta para estas perguntas é um dos objetivos que os profissionais de diversas áreas vêm buscando, através de pesquisas e estudos correlacionados com este tema. Há um consenso dentro da área de prevenção dos problemas associados ao álcool e a direção de veículos de que esta não é uma tarefa fácil. Ao que parece, nem as determinações de uma taxa de alcoolemia nem as legislações vigentes - sejam estas repressivas ou permissivas - conseguiram pôr um fim ao elevado número de vidas humanas perdidas que supõe anualmente os acidentes de trânsito.

Existem muitos fatores implicados no problema, um deles é o econômico. É sabido que a existência de uma norma não garante necessariamente o seu cumprimento nem sua aceitação no decorrer do tempo. Para consegui-lo se deve acrescentar dois elementos: (1) Por um lado, a educação, com o fim de que o próprio cidadão assuma e entenda o porquê da norma e assim aceite sua aplicação. Sabemos que a educação não é tarefa fácil e muito menos gratuita e que não pode ser imposta por uma lei, ainda que necessite de alguma forma de tal medida. Entretanto, a escola pode ser o âmbito privilegiado desde o qual se deverão impartir precocemente programas preventivos; (2) Por outro, é necessário que haja um controle dessa mesma aplicação, com o intuito de aumentar o grau de controle percebido pelos condutores. As pesquisas dos psicólogos do trânsito, entre elas as do Instituto Universitário de Tráfico y Seguridad Vial (INTRAS), mostram a importância da supervisão policial e das sanções no cumprimento da norma (Carbonell e Rothengatter, 1990), e isto ficou demostrado em alguns dos países europeus, nos quais, em ocasiões de greve dos policiais de trânsito, houve um aumento notável no número de acidentes.

Um indicador indireto da importância concedida a este problema poderia ser obtido através do estudo da legislação comparada, vigente nos diferentes países, e o grau em que se penaliza a condução de veículos sob o efeito do álcool. Em quase todas estas legislações, o indicador mais freqüentemente utilizado é a taxa de alcoolemia. Ao longo dos últimos anos, esta taxa parece que está decrescendo em muitas legislações atualmente vigentes ou em vias de estar: por exemplo, na Suécia o nível de alcoolemia permitido em sangue era de 0,8 g/l em 1940 e a partir de 1959 passou para 0,5 g/l. Com este mesmo nível de alcoolemia permitido estão também a Holanda, Finlândia e Irlanda. No Brasil, o anteprojeto de lei que pretende instituir o novo Código Brasileiro de Trânsito, em substituição ao do ano de 1966, prevê a redução para 0,4 g/l. Por sua vez, na Espanha, os espertos em matéria de Psicologia e Segurança Viária estão de acordo com redução do nível de aloolemia para 0,5 g/l, sendo atualmente de 0,8 g/l.

De acordo com o referido anteprojeto de lei para instituir o novo Código (Diário Oficial, 1992), as infrações serão transformadas em crimes, e de acordo com elas, quem dirigir alcoolizado sofrerá uma pena de um a seis meses de prisão, além de perder temporariamente a licença de motorista, ainda que não haja cometido nenhuma outra infração, muito diferente do Código em vigor, que considera o dirigir alcoolizado apenas como uma contravenção com multa e suspensão da CNH. Segundo Scaringella, diretor do Instituto Nacional de Segurança no Trânsito (INST) "a legislação que está sendo examinada provocará uma urgente e saudável revolução no trânsito do Brasil" (IstoÉ, 1992). Tudo parece indicar que o novo Código, agora Brasileiro de Trânsito, seguirá o modelo de países que possuem uma linha dura de atuação em matéria de segurança viária, como podem ser Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra ou França, países que aplicam penas rígidas aos delitos de trânsito. Resta esperar que seja cumprido em sua totalidade, pois todos nós sabemos que de nada resolve proibir ou legislar quando nada é feito contra a impunidade.

Por outro lado, somente um aumento da punição não reduzirá a longo prazo o número de pessoas que conduzem sob os efeitos do álcool se não for complementado com um decidido esforço por mudar a atitude dos condutores em relação a esta infração. E nesse aspecto, cada vez mais os especialistas em matéria de Psicologia e Segurança Viária estão de acordo em que para conseguir uma redução deste tipo de infrações de trânsito é necessário realizar um amplo trabalho sobre as atitudes dos condutores frente aos diversos comportamentos no contexto viário.

As atitudes são formadas a partir da interação do sujeito com o ambiente. Acreditamos que os três grandes contextos configuradores das atitudes são o sócio-cultural, o familiar e o escolar. Estabelecer uma clara separação entre eles é praticamente impossível, ainda que metodologicamente seja necessário que se faça uma pesquisa ou programa pedagógico específico. A assimilação do contexto social, familiar e escolar, com seus sistemas de crenças e representações ideológicas, estereótipos e preconceitos, estilos de comportamento e hábitos, produz no indivíduo avaliações afetivas e atitudes, diante de objetos, situações ou pessoas.

No âmbito científico a teoria sobre a natureza da atitude tem uma dupla função: descritivo-explicativo e preditiva. A primeira se propõe a prover uma base para reunir e condensar os fatos que são essenciais a respeito das atitudes. No segundo caso, a teoria vai além dos fatos conhecidos e aventura predições empíricas a respeito dos fatos que podem ocorrer. O interesse da teoria científica sobre a atitude reside na capacidade para centrar a pesquisa em torno de determinadas áreas que são qualificadas como de caráter prioritário ou que podem ser excessivamente complexas para ser manipuladas. E, inegavelmente, a área que abrange os problemas do álcool para a Segurança Viária é um tema de caráter há muito tempo prioritário, mas que infelizmente até o presente momento não vem recebendo a devida importância.

Uma vez mais, a exemplo de inúmeros trabalhos, também neste se enfatiza a extrema importância de se investir em educação. É necessário informar e educar sanitariamente a população e em especial os condutores, sobre os perigos da condução de veículos sob os efeitos do álcool. A Segurança Viária dos cidadãos é uma questão de segurança pública, de saúde e de educação. A falta de Educação Viária não é, senão, a concretização de um problema mais geral, já que a cultura dominante não é participativa e solidária. A participação da sociedade civil na redução da sinistralidade é condição sine qua non: o pacto nacional sobre Segurança Viária não pode mais se fazer esperar.

 

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