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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.16 n.3 Brasília  1996

 

Influência da hierarquia familiar

 

 

Júnia Maria Cheib Serra-NegraI; Isabela Almeida PordeusII

IProfessora Assistente do Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da FOUFMG Mestre em odontopediatria pela FOUFMG
IIProf.a Adjunta do Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da FOUFMG Doutora em epidemiologia e saúde pública pela College of London

 

 

ESTUDO DA INFLUÊNCIA DA HIERARQUIA FAMILIAR EM CRIANÇAS PORTADORES DE HÁBITOS DE SUCÇÃO

O texto relata pesquisa sobre o hábito de sucção em crianças e sua relação com a hierarquia familiar. São apresentados dados de uma amostra de 289 famílias, indicando freqüência diferenciada do hábito entre primogênitos, filhos do meio, caçulas e filhos únicos.

Ao nascer, o bebê traz consigo características próprias e hábitos condizentes com a sua maturação neurológica. É inegável que um indivíduo adquire hábitos, no decorrer dos anos, ou mesmo, repete um costume familiar.

Alguns hábitos orais são comuns na criança, tais como: chupar dedo, chupeta e/ou objetos. Estes hábitos são considerados normais, quando associados à necessidade de gratificação oral no primeiro ano de vida da criança. Porém, se estes se prolongam, o desenvolvimento da arcada dentária pode se alterar, trazendo desarmonias, por vezes graves (SERRA-NEGRA, 1995).

Comumentemente o dentista é procurado pelos pais de uma criança portadora de hábitos de sucção, numa busca de correção dos dentes. O tratamento odontológico destes casos fica difícil, por vezes fracassa, se a criança persiste no hábito. Faz-se necessária, então, a integração de profissionais da área odontológica e psicológica para que a criança seja ajudada a mudar seu comportamento.

Por vezes este trabalho precisa ser estendido à família, pois ela pode estar reforçando o comportamento da criança, dificultando a sua erradicação.

Sendo observada a grande prevalência de crianças com hábitos de sucção e a sua associação com aspectos psicoafetivos, este trabalho foi elaborado com o propósito de estudar a influência da hierarquia familiar na instalação de hábitos orais.

 

O hábito deletério na hierarquia familiar

A família ocidental clássica é composta por indivíduos que representam papéis, podendo apresentar um estrutura patriarcal ou matriarcal. De acordo com o número e a ordem de nascimento dos filhos, a família pode apresentar características próprias (AJURIAGUERRA, 1976).

Numa família com muitos filhos, as relações fraternais serão importantes para a integração social do indivíduo. Não significando com isso que não haja integração social numa família pequena, com um único filho, mas provavelmente esta apresentará características que diferem da família grande (AJURIAGUERRA, 1976).

A hierarquia fraternal poderia ser dividida em: primogênito, filho do meio, caçula, gêmeo e filho único (WINNICOTT, 1973; AJURIAGUERRA, 1976).

A situação do primogênito não é cômoda com a chegada do irmão: filho único a princípio e beneficiário exclusivo do afeto dos pais, se vê obrigado a dividir as atenções. É comum nesses casos, a regressão de comportamento para se igualar ao irmão bebê, solicitando a chupeta, a mamadeira ou chupa o dedo, mesmo que este comportamento já houvesse sido extinto (AJURIAGUERRA, 1976).

O filho do meio pode adotar comportamentos infantilizados à sua idade cronológica, usando os hábitos orais deletérios como instrumento para buscar a atenção dos pais. KLEIN et al. (1973) e WINNINCOTT (1975) relataram que a princípio é doloroso para o filho do meio deixar de ser o caçula, assemelhando-se à situação do primogênito descrita anteriormente. No entanto, WINNINCOTT(1975) observou que o filho do meio normalmente apresenta facilidade de relacionamento quando adulto, pois usualmente são crianças menos mimadas. Entretanto, KLEIN et al. (1973) relataram que é comum estas crianças sentirem-se rejeitadas e adotarem um comportamento agressivo.

O filho caçula é, comumentemente, o mais mimado, e seu comportamento infantilizado é reforçado pelos pais, na tentativa de "não deixá-lo crescer". Assim sendo, é possível que os caçulas prolonguem o uso de chupetas e/ou mamadeiras (KLEIN et al., 1973).

AJURIAGUERRA (1976) escreveu que a relação fraterna entre gémeos é diferenciada, levando-se em conta que um gêmeo tem sempre outro bebê com quem se defrontar. Para WINNINCOTT (1975), a principal complicação na criação de gémeos seria a questão do tratamento pessoal e da assistência a cada um deles, quando as primeiras fantasias da relação mãe e filho, desde a amamentação, seriam diferenciadas. Um bebê é assistido de cada vez e o outro sentiria um certo abandono. Levar objetos à boca seria uma forma de explorar o mundo circundante e de buscar a figura da mãe "distante" (KLEIN et al., 1973).

O comportamento do filho único foi discutido por AJURIAGUERRA (1976): o autor abordou a questão da criança conviver no meio de adultos, tendendo a um comportamento  precoce. Comportamentos infantilizados, como a sucção não nutritiva, seriam mais fáceis de serem abandonados pela própria criança, porque o filho único preferiria afazeres adultos (WINNINCOTT, 1975). Filhos únicos têm a vantagem de receber o máximo de afeto, mas usualmente não vivenciam a rica experiência de viver num grupo fraternal, podendo tornar-se, freqüentemente, egoístas e possessivos (AJURIAGUERRA. 1976).

 

Metodologia

A coleta de dados foi executada em creches e escolas, particulares e públicas da comunidade de Belo Horizonte.

Para o desenvolvimento do estudo foi realizada uma reunião com a supervisora psicopedagógica, com as professoras e funcionárias de cada instituição, para que estas pudessem se inteirar do objetivo do trabalho, podendo assim permiti-lo.

Foram enviados às mães, questionários pré-testados em estudo piloto. Estes questionários eram compostos por perguntas que abordavam características da criança e aspectos sócio-demográficos. Eles foram enviados junto ao "para casa" das crianças, colocados pelas professoras em suas mochilas ou sacolas. Anexa ao questionário foi enviada uma carta de apresentação do trabalho, com a orientação que a mãe o devolvesse respondido, à escola ou creche de seu filho.

Os dados obtidos foram submetidos à análise estatística utilizando-se os programas para microcomputador EPI-INFO e o pacote estatístico S.A.S., sendo o qui-quadrado (c2) o teste escolhido.

 

Resultados

Foram enviados 357 questionários, havendo um retorno de 289(81%).

A idade das mães variou de 23 a 47 anos, sendo observada a média de 34 anos. A idade da crianças variou de 3 a 5 anos, com predominância de crianças com 5 anos de idade (55%).

Segundo o relato das mães, a maioria das crianças (75%) apresentou algum tipo de hábito de sucção e dentre estas 60,2% manteve este comportamento por 3 anos ou mais.

No que se refere à hierarquia familiar, a amostra foi composta por 57 primogênitos, 23 filhos do meio, 106 caçulas, 92 filhos únicos e 11 mães não responderam este tópico.

 

A influência da hierarquia familiar na instalação dos hábitos deletérios

Quando analisada a associação da variável que indica hierarquia familiar com a presença ou não de hábitos deletérios, observou-se que foi significante o comportamento de filhos caçulas que apresentaram hábitos (39,1%) e o grupo de filhos únicos apresentou menor prevalência de hábitos (51,2%) (p=0,034), como mostra a TAB. 1

 

 

Observa-se que quando associada a hierarquia familiar com os hábitos viciosos, esta apresentou um comportamento semelhante aos relatos de KLEIN et ai. (1973), WINNINCOTT (1975) e AJURIAGUERRA (1976).

Uma maior porcentagem de filhos únicos (51,2%) não apresentaram hábitos de sucção, determinando que este comportamento esteve menos presente neste grupo (TAB. 1). AJURIAGUERRA (1976) relata que os filhos únicos, costumeiramente, convivem num meio familiar de adultos e que há uma forte tendência a identificação com o comportamento deste meio. Para WINNINCOTT (1975), os hábitos de sucção são comportamentos infantilizados, sendo por isso menos prevalentes entre os filhos únicos.

O grupo de filhos caçulas apresentou um maior número entre aquelas crianças com hábitos orais viciosos (39,1%) (TAB.1) confirmando os relatos de KLEIN et ai. (1973). Essa observação talvez possa ser explicada pelo comportamento das famílias usualmente em reforçar comportamentos infantilizados dos caçulas como descrito por KLEIN et al. (1973) e AJURIAGUERRA (1976).

No grupo dos primogênitos, houve maior diferença entre aqueles que apresentaram hábitos de sucção (22,6%) e aqueles que não apresentaram (9,3%) (TAB. 1). Este comportamento confirma as descrições de AJURIAGUERRA (1976) destacando-se a possível dificuldade de relacionamento do primogênito com a chegada de um irmão.

 

Conclusão

Os hábitos de sucção são frequentemente encontrados entre as crianças (75%).

É estatisticamente significante a relação da hierarquia familiar com a instalação de hábitos de sucção, sendo que filhos únicos apresentam menos tendência a desenvolver estes hábitos e filhos caçulas maior propensão.

Esta associação da presença de hábitos viciosos com a hierarquia familiar só demonstrou significância quando analisados os hábitos como um todo, não sendo estatisticamente significantes quando estudados em separado. Sendo assim, acredita-se que projetos de pesquisa sejam desenvolvidos nesta área, para avaliar com maior detalhamento, este comportamento.

 

Agradecimentos

A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRPq) da UFMG pela ajuda financeira e ao acadêmico Silvério da Cunha Veloso pela valiosa ajuda na coleta de dados deste estudo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

01- AJURIAGUERRA, J. de. Manual de psiquiatria infantil. 3 ed. Barcelona: Toray-masson, 1976, cap. 7, p. 177-210: La esfera oroalimenticia: su organizacion y alteraciones.        [ Links ]

02- Manual de psiquiatria infantil. 3 ed. Barcelona:Toray-masson,1976, cap. 23, p. 769-811: El niño y su família.        [ Links ]

03- KLEIN, M. et al. A educação de crianças à luz da investigação psicanalítica. 2 ed. Rio de Janeiro: Imago, 1973. 186 p.        [ Links ]

04- SERRA-NEGRA, J.M.C. Aleitamento, hábitos orais deletérios e maloclusões: existe associação? Belo Horizonte: Faculdade de Odontologia da UFMG, 1995. 170 p. (Dissertação, Mestrado em Odontopediatria).        [ Links ]

05- WINNICOTT, D.W. A criança e o seu mundo. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. 270 p.        [ Links ]