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Psicologia: ciência e profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.19 no.3 Brasília  1999

 

A proposta de diretrizes curriculares para os cursos de psicologia: uma perspectiva de avanços?

 

 

Miriam Schifferli Hoff

Professora titular do Departamento de Psicologia Geral e do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia da PUC de CAMPINAS. Doutorando em Psicologia na PUC de CAMPINAS

Endereço para correspondência

 

 

Com o objetivo de contribuir com o processo de discussão da Minuta de Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Psicologia, este artigo integra considerações e reflexões orientadas pelos elementos: conteúdo e forma da Minuta; comparação, relativa a alguns aspectos, com propostas de diretrizes de cursos afins ao de Psicologia; documentos do MEC; a mensagem da Comissão de Especialistas.

A Comissão de Especialistas em Ensino de Psicologia destaca a "... ampla divulgação e apreciação" da Minuta de Diretrizes Curriculares como um propósito da sua publicação. Em sua tarefa de elaboração desta Minuta, a Comissão contou não só com as sugestões produzidas e encaminhadas, durante 1998 por diferentes segmentos vinculados à Psicologia. Tratou-se de considerar também que, há vários anos, a formação nesta área vem sendo alvo de reflexões que, na década de 90, ganharam maior articulação e uma dimensão nacional a partir de eventos que congregaram docentes, profissionais e diferentes entidades de classe.

Desta forma, apreciar esta Minuta implica tomá-la, não como objeto isolado de análise , mas tendo como uma referência o processo no qual se insere e do qual não deve ser descolada. Este processo nacional de discussões fornece parâmetros e esclarece expectativas acerca dos rumos da formação em Psicologia. Portanto, uma apreciação da Minuta deve buscar responder a duas grandes questões: a) as Diretrizes Curriculares propostas têm em vista formar que tipo de Psicólogo? b) elas contemplam os princípios de formação e o perfil de Psicólogo defendidos nos Congressos Nacionais de Psicologia?

Foge aos propósitos deste texto uma revisão sistemática dos estudos que, há mais de uma década, vêm analisando a formação e atuação em Psicologia. Mas, no sentido de demarcar o processo nacional de reflexões , é interessante apontar uma amostra deles. Com esta finalidade, artigos publicados na Psicologia, Ciência e Profissão foram objeto de um exame geral, com seleção daqueles pertinentes à formação e atuação em Psicologia. O exame recobriu o período 1984-1998 (15 anos) e, como mostra a Tabela 1, de um total de 185 artigos, um pouco mais da metade (54,0 % ) responde a este critério, com nove categorias temáticas tendo sido identificadas.

 

 

No conjunto, estes artigos dizem respeito não apenas a problemáticas do exercício e da formação profissional nas áreas clássicas da Psicologia -saúde, educação e trabalho- mas contribuem com reflexões e relatos sobre práticas que configuram novas modalidades de serviços. As novidades não se reduzem a novos locais de atuação. Elas traduzem uma reconhecida necessidade de construção de formas de ação que respondam às demandas identificadas; descrevem esforços que vêm sendo efetivados nesta direção e, com isto, socializam as experiências desenvolvidas, fornecendo indicadores relevantes para a própria formação na graduação. A estes indicadores acrescentam-se aqueles derivados de pesquisas junto a egressos de cursos de Psicologia e que se voltaram à avaliação da formação recebida. A esses dados relativos a novas modalidades de prática e à avaliação da formação somam-se ensaios que, contemplando questões epistemológicas, teórico-metodológicas, éticas, político-ideológicas e de pesquisa, bem como novas formas de conceber saúde e sofrimento mental, trazem significativas contribuições sobre os modos de conceber a abrangência da Psicologia como profissão, a sua inserção e papel social, bem como sobre necessidades da formação.

Ao lado deste mapeamento de artigos que espelham rumos da evolução da Psicologia no Brasil, cabe considerar também a participação da categoria no longo processo de discussão das Diretrizes Curriculares e que antecedeu a formulação da Minuta. Uma consulta aos jornais do CRP- 6/ SP e do CFP, a partir do início dos anos 90, permite reconstituir o movimento mais atual da categoria na construção articulada de princípios e metas, movimento este que foi ganhando um caráter nacional com o Processo Constituinte da Psicologia, os Congressos Regionais e Nacionais de Psicologia e o Fórum Nacional de Formação, realizados entre 1994 e 1998. O CRP-6/ SP (1998) oferece uma retrospectiva sintética da qual alguns marcos podem ser salientados:

"Desde 1992 o MEC já nomeou três comissões de especialistas para elaborar as diretrizes e os sucessivos documentos apresentados por tais comissões... [entre outros aspectos]... prevêem para os cursos de psicologia uma formação tecnicista e voltada para as especialidades. Os setores organizados em entidades ... preconizam exatamente o contrário: uma formação generalista, voltada para a prevenção e promoção da saúde coletiva" (p. 11).

"...a proliferação desordenada de cursos de psicologia e a ênfase num ensino muito tecnicista e voltado para a prática privada da profissão." (Buettner, 1998, p.11). ... "com a criação do fórum permanente, as entidades querem reverter a tendência... evitar. ..de o país ter um curso de psicologia voltado para "habilidades", o que significa, entre outras distorções, que o aluno terá que fazer sua escolha profissional já no início do curso e sem nenhum conhecimento prévio da totalidade de áreas que a psicologia abrange."
(CRP-6, 1998, p.11).

Finalmente, é necessário ainda ter em mente os dez compromissos que integram o Protocolo de Princípios para a Formação de Psicólogos nos Países do Mercosul e Países Associados - dos quais o Brasil faz parte - assinado em dezembro de 1998 (CFP, 1998, p.5). Tem-se, portanto, três vertentes constitutivas do contexto dentro do qual se entende caber a análise da Minuta.

 

Minuta de Diretrizes Curriculares para os Cursos de Psicologia: Análise de sua Estrutura

A proposta para os cursos de graduação em Psicologia acha-se sintetizada nos Art.3º e Art.4º, o caput de cada um especificando aspectos gerais: a) formação em um curso único - Curso de Psicologia; b) a meta central da graduação é a capacitação básica para o exercício profissional, o ensino e a pesquisa em Psicologia, a capacitação para o exercício diferenciado destas atividades devendo acontecer em nível de pós-graduação.

A estrutura propriamente dita é contemplada nos 11 parágrafos do Art. 3º, dentre os quais são introduzidos e definidos dois conceitos que são o sustentáculo da proposta: perfis de formação e ênfases curriculares. Apesar do seu caráter de síntese, uma primeira leitura desses dois artigos não permite uma visão do todo. Em um contato inicial, podem escapar a significação exata e as implicações de expressões não usuais, mas centrais à proposta - perfis de formação, perfis de referência, ênfases curriculares, exercício diferenciado. Por não apreender o sentido dos parágrafos do Art.3º, apenas o seu caput pode ficar destacado na compreensão inicial do leitor. Este caput e a redação dada ao Art.4º podem conduzir a interpretações iniciais que um estudo mais profundo mostrará serem improcedentes.

O texto não utiliza as expressões formação especializada e formação generalista, como se fossem estranhas à terminologia da área e como se as questões a elas subjacentes não dissessem respeito à Psicologia e à sua evolução no Brasil. Apesar desta ausência , a forma como é descrita a meta da graduação, seguida de indicação da capacitação para o exercício diferenciado de atividades profissionais, de ensino e de pesquisa em pós-graduação, favorecem a idéia de que a Minuta estaria defendendo exatamente uma formação generalista, e não uma graduação com caráter já especializado. Esta interpretação fica fortalecida diante da proposição de um curso único e com denominação única - Curso de Psicologia. Decorrendo destes dois aspectos, uma primeira impressão pode ser a de que a Minuta se posiciona por uma formação mínima que assegure tanto um exercício profissional básico nas diferentes áreas de atuação da Psicologia, como exercícios básicos da pesquisa e do ensino, com a identidade do Curso de Psicologia resultando desta ordem de formação mínima tríplice. Entretanto, um reexame do Art.3º e a análise do seu desdobramento ao longo da proposta vão conduzir a conclusões de uma natureza bem diversa, negando estas impressões iniciais.

Com o objetivo de favorecer uma visão de totalidade , a Figura 1 adiante apresenta um diagrama que sintetiza os componentes centrais da proposta de Diretrizes Curriculares.

 

 

Em essência, e como mostra a Figura 1, a formação proposta comporta um núcleo comum (mínimo de 2025 h) e uma parte diversificada, que resulta em três perfis de formação independentes: a) profissional (grau de psicólogo; carga mínima total de 4050 horas; duração de referência de 5 anos para os cursos diurnos e 6 anos, os noturnos; b) pesquisador (grau de bacharel; carga mínima total de 3000 horas; duração de referência de 4 e 4,5 anos, respectivamente, em cursos diurnos e noturnos); c) professor de Psicologia (grau de licenciado; mesma carga horária e duração de referência da formação do pesquisador). Tendo em vista o desenvolvimento de competências específicas, cada perfil de formação abrange ênfases curriculares determinadas, além de estágio supervisionado, este em dois níveis: a) básico (mínimo de 210 horas); b) específico, com duração mínima própria (formação do psicólogo: 420 horas, ou seja, 10,37% da carga mínima total deste perfil; formação do pesquisador e formação do professor de Psicologia: 300 horas em cada um, correspondendo a 10% da carga mínima total). Todo curso de Psicologia deve, obrigatoriamente, oferecer a formação do profissional/ psicólogo, os outros dois perfis -pesquisador e professor - configurando-se adicionais, com oferecimento facultativo.

A análise desta organização está estruturada em cinco partes: aspectos gerais, o núcleo comum, a parte diversificada, atividades acadêmicas e condições de funcionamento do curso, e conclusões.

 

Aspectos Gerais da Proposta de Formação em Psicologia

A proposta revela três aspectos bastante positivos em termos de concepção e formulação curricular. Em primeiro lugar, tem-se princípios e compromissos da formação em Psicologia que, sem entrar no seu mérito, são importantes por nortear o currículo, dando-lhe um caráter articulado que extrapola a simples agregação de disciplinas e atividades acadêmicas. Outro valor reside em uma formação de natureza científica que, permeando o núcleo comum, se estende à preparação do psicólogo. Ainda, a defesa da articulação teoria-prática, com atividades diversas para uma aproximação e inserção gradativa do aluno em situações concretas ilustrativas e representativas da atuação científico-profissional, constitui uma grande contribuição para uma formação de melhor qualidade. Mesmo que se questionem outros pontos da proposta, esses três aspectos são, e continuam sendo, referências fundamentais para a organização e desenvolvimento curricular.

A formação em Psicologia não se confunde com formação do psicólogo, pois admite três modos diversificados de profissionalização. O aluno pode escolher um ou mais dos perfis oferecidos pela instituição, sendo possível a habilitação apenas como pesquisador e/ou como professor, a formação como psicólogo não sendo pré-requisito ou co-requisito para estas alternativas. Assim, a Minuta não defende uma formação básica que assegure, para cada aluno, tanto o exercício profissional da Psicologia, como os exercícios da pesquisa e do ensino. Portanto, embora a redação do Art.4º sugira uma meta inclusiva, de fato, a proposta é disjuntiva, já que preconiza três formações em separado, cuja interseção repousa no núcleo comum.

No âmago da Minuta identifica-se um duplo movimento de diversificação: inter-perfis e intra-perfil, esta última a ser considerada mais adiante. A diversificação inter-perfis, derivada de ênfases curriculares e estágios supervisionados dirigidos a cada perfil de formação, significa a instituição de três modalidades de habilitação profissional. Embora a Minuta não utilize esta denominação, a formação proposta contempla exatamente isto: habilitação do psicólogo (só ele denominado profissional), habilitação do professor em Psicologia e habilitação do pesquisador em Psicologia, esta última constituindo um acréscimo em relação às duas primeiras já vigentes. Da combinação destas três habilitações decorrem sete níveis de abrangência da formação: a) psicólogo; b) pesquisador; c) professor; d) psicólogo-pesquisador; e) psicólogo- professor; f) pesquisador-professor;g) psicólogo-pesquisador-professor.

Embora a LDB tenha desvinculado exercício profissional e diploma, que passa a ser configurado apenas como prova de uma formação recebida (CES, 1997), não é razoável supor que um título, um diploma, vá deixar de ter peso em um curriculum vitae, em uma situação de concurso. A formação do professor de Psicologia para o ensino superior - o que inclui a docência na própria formação em Psicologia - não está abrangida na Minuta e, no futuro, um título de pesquisador poderá ter peso. No presente, uma exigência para a docência universitária é o título de bacharel em Psicologia. Se, pela proposta, o título de bacharel identifica a habilitação como pesquisador, esta habilitação passará a ser /uma exigência para o ingresso no ensino superior, não mais bastando o mestrado? Nesta hipótese, poderá um pesquisador não-psicólogo exercer a docência na formação de psicólogos? Qual o seu preparo efetivo para isto, dadas as diferenças quanto aos estágios específicos e quanto às ênfases curriculares (465 horas) que correspondem a um terço daquelas previstas para a habilitação do psicólogo (1395 horas)? ( vide Figura 1 ).

Na perspectiva da formação que está sendo preconizada, uma habilitação em separado na área de pesquisa em Psicologia responde a que tipo de necessidades? Estas não prevalecem para a capacitação do psicólogo, no sentido da "...formação conjugada de competências básicas científicas e profissionais ", como a própria Minuta propõe ? (Art. 11, parágrafo 2º, alínea b).Uma formação mínima em termos de pesquisa está prevista no núcleo comum, através dos seus princípios e compromissos norteadores, dos eixos estruturantes dos conteúdos, bem como das habilidades e competências básicas. Na formação do psicólogo, a "...formação conjugada de competências básicas científicas e profissionais" exigirá que competências científicas básicas, esperadas no âmbito do núcleo comum, sejam alvo de aprofundamento na parte diversificada da formação - isto significa, portanto, dois níveis de estudos integrados na preparação do psicólogo. Se a capacitação para o exercício diferenciado de atividades de pesquisa deve ocorrer em pós-graduação, qual é o sentido da habilitação específica de pesquisador, na graduação? Significa que, para um psicólogo atuar no ensino superior, precisará ser também habilitado como pesquisador? Em caso afirmativo, constituirá, então, um terceiro nível de preparação científica para o psicólogo, um quarto nível correspondendo a um mestrado stricto sensu e um quinto, ao doutorado. Parece haver uma ampliação de fragmentações, cujas finalidades não ficam claras porque não explicitadas.

Mesmo que de modo indireto e não pretendido, a habilitação do pesquisador pode vir a configurar uma forma de prover elementos para futuros critérios quanto ao ingresso no ensino superior, para o acesso às agências financiadoras de pesquisas, ou mesmo para acesso ao próprio mestrado stricto sensu, com a formação do psicólogo tornando-se, eventualmente, exigência para ingresso em um mestrado profissionalizante. Ou, ainda, um modo de prover um mercado potencial para um leque de cursos de graduação e pós-graduação, notadamente para aqueles mantidos por IES particulares. Considere-se que, pela LDB, a preparação para o magistério superior deverá ocorrer em nível de pós-graduação (MEC, 1996, Art. 66). Também que, ao mesmo tempo em que é estimulada a condensação, a menor duração dos cursos de graduação, são criadas novas formas de atualização - cursos sequenciais, educação à distância - e que incluem o mestrado profissionalizante como nova categoria de pós-graduação (MEC,1996; CES,1997; CAPES, 1998).

A duração total de cada perfil também merece atenção. Não há uma duração mínima fixada e sim uma duração de referência apenas recomendada (Art. 32), o que viabiliza uma redução no curso, pois a distribuição em anos fica aberta à opção da IES. Considerem-se as relações: a) como um ano letivo comporta 200 dias e uma semana letiva, 6 dias, um ano letivo equivale a 33,3 semanas letivas (200 ÷ 6); b) na formação do psicólogo em cursos diurnos, uma carga mínima total de 4050 horas e um máximo de 30 horas semanais de atividades acadêmicas resultam em 135 semanas letivas (4050 ÷ 30); c) por decorrência, a formação do psicólogo pode ser integralizada em 4 anos, em cursos diurnos (135 semanas ÷ 33,3 semanas ). Correspondentemente, é possível a formação do psicólogo em 5 anos nos cursos noturnos; a do pesquisador ou do professor, em 3 anos ou 4 anos, respectivamente, em cursos diurnos ou noturnos. Ou seja, sem colocar de modo categórico e claro, a Minuta permite reduzir no atual período da formação. Com isto, mesmo que indiretamente, contempla um dos princípios do MEC para a organização de diretrizes curriculares:"3) Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos curso de graduação;" (CES, 1997). Mas, quem define, e sob quais fundamentos, o que seja "... prolongamento desnecessário..."?

Comparativamente, na proposta de diretrizes curriculares para Odontologia, a Comissão elaboradora destaca: a) recomendações da Federacion Odontologica Latinoamericana para uma carga mínima de 5000 horas e duração de 5 anos, tendo em vista a livre circulação de serviços no Mercosul; b) o consenso de que a atual média nacional deve ser mantida como carga horária mínima; c) proposição de 4500 horas como mínimo, em um mínimo de 5 anos (Toledo, Fernandes Neto, Pinheiro, Pinto, Veek, Perri de Carvalho, 1998). Estes 5 anos mínimos configuram aumento da duração do curso de Odontologia em relação à condição atual.

As diretrizes relativas a outros cursos afins à Psicologia - Fisioterapia ( Ferraz, Andrade, 1999) Fonoaudiologia (Bortholuzzi, Trenche, Kozlowski, Bevilacqua, 1998), Medicina (Comissão de Especialistas do Ensino Médico, 1999), Odontologia (Toledo, Fernandes Neto, Pinheiro, Pinto, Veek, Perri de Carvalho, 1998), Serviço Social (Rodrigo, lamamoto, Wanderley, 1999), Terapia Ocupacional (Lancman, Pessoa, Galheigo, 1998) -estabelecem uma duração mínima obrigatória, atendendo documentos do próprio MEC (CES, 1997; SESu, 1997; DEPES, s.d.). O que fundamenta o caminho diferente adotado pela Comissão de Especialistas em Ensino de Psicologia, que preferiu não fixar uma duração mínima e, além disto, configura condições favorecedoras de redução da duração?

Por outro lado, o que dá sustentação à proposição de 4050 horas como carga mínima total para a formação do psicólogo e de 3000 horas para as de pesquisador e de professor de Psicologia? A mensagem da Comissão não oferece quaisquer esclarecimentos sobre parâmetros utilizados ou projeções de curso que possam ter sido feitas. Os únicos indicativos encontrados situam-se nos Padrões de Qualidade para Cursos de Graduação em Psicologia (Feitosa, Bastos, Bori, Galvão, Gomes, 1997), no item (b) referente à avaliação da Estrutura Curricular:

"b) é suficiente a carga horária prevista (esta atende aos mínimos estabelecidos pela legislação: Formação do Psicólogo - 4050 h; Bacharelado e Licenciatura - 3200 h)?"

Ainda assim, qual a legislação que estabelecia 4050 h como mínimo? No presente, resta saber se é adequada para qualificação do psicólogo, para ...

"... uma formação generalista e plural capaz de preparar psicólogos para responder a quaisquer das necessidades apresentadas pela realidade brasileira;" (ABEP, 1999, p. 1).

Com vistas a uma comparação, a Tabela 2 apresenta dados sobre a carga horária total mínima e duração mínima em anos, que integram as propostas de Diretrizes Curriculares dos cursos de Fisioterapia ( Ferraz, Andrade, 1999) Fonoaudiologia (Bortholuzzi et al., 1998), Medicina (Comissão de Especialistas do Ensino Médico, 1999), Odontologia (Toledo et al., 1998), Serviço Social (Rodrigo, lamamoto, Wanderley, 1999),Terapia Ocupacional (Lancman, Pessoa, Calheigo, 1998), bem como os dados correspondentes à formação do Psicólogo.

 

 

Em relação à duração de referência proposta, salienta-se uma duração anual menor, menos densa, da formação do Psicólogo frente a outros cursos afins. A diluição em 5 anos mascara a redução da carga horária total em relação ao atual currículo pleno de muitos cursos.

No Bacharelado e na Licenciatura em Psicologia, há redução das 3200 horas referidas nos Padrões de Qualidade, para 3000 horas. Quanto à duração dos estágios específicos para estes dois perfis, só pode ser entendida como atendendo à determinação da LDB, em seu Art. 65, de um mínimo de 300 horas de prática de ensino para a formação docente ( MEC, 1996) o que, deduz-se, foi estendido à formação do pesquisador. Mas, se são necessárias 300 horas de prática de ensino, as próprias 500 horas de estágio previstas pelo antigo Currículo Mínimo para a formação do Psicólogo destacam-se como insuficientes para dar conta de uma formação generalista. Mais ainda, as 420 horas contempladas pela Minuta.

Finalmente, também é necessário ponderar sobre o significado e implicações dos limites máximos de 30 e de 24 horas semanais de atividades acadêmicas propostos, respectivamente, para cursos diurnos e noturnos (Art. 31). Para além do provável argumento de um melhor aproveitamento pedagógico, haveria outros objetivos? Os já referidos documentos orientadores do MEC não tratam desta questão, não estabelecem limites. De outro lado, entre os mencionados cursos afins à Psicologia, apenas o de Odontologia propõe o limite de 30 horas semanais. O Parecer SESu/ MEC 4702/78 limita os cursos parciais a 24 horas semanais de aulas; o Parecer CFE 883/ 79, a 8 horas diárias; o Parecer SESu/MEC 768/86 limita os cursos parciais a 4 horas diárias de aulas; o CEPE da Unesp recomenda o máximo de 8 horas diárias e 40 semanais, e de 4 e 20 horas, respectivamente, para cursos diurnos e noturnos (apud, Toledo et al, 1998).

No caso específico da Psicologia, não foi levada em conta a existência de cursos de período integral, condição que, na hipótese de limites semanais de atividades acadêmicas, deve ser diferentemente contemplada. Além disso, surpreende a fixação deste limite semanal, dada a abertura da Minuta em relação a outros pontos: uma duração de referência apenas recomendada; oferecimento apenas de eixos estruturantes e nenhum conteúdo específico. Desta fixação de um limite de horas semanais de atividades decorrem limites para a própria carga horária máxima do curso, ainda que, formal e explicitamente, isto não esteja sendo feito: se levada a efeito a duração de referência de 5 anos, a carga horária total máxima na formação do Psicólogo, em curso diurno, será de 5000 horas (33,3 semanas/ um ano x 30 h semanais x 5 anos = 5000 horas).

 

O Núcleo Comum da Formação em Psicologia

Norteado por princípios e compromissos relativos à formação em Psicologia, o núcleo comum comporta conteúdos, conhecimentos, cujo domínio deverá permitir o desenvolvimento de habilidades básicas e estas, o de competências básicas, assegurando uma base homogênea para a formação no país, bem como a identidade do Curso de Psicologia (Art.3º, parágrafos 1º e 2º; Art. 6º, parágrafos 1º e 2º; Art. 8º).

 

1. Articulação entre princípios e compromissos da formação e eixos estruturantes dos conteúdos

1.1. Construção e desenvolvimento do conhecimento científico

Este compromisso desdobra-se no plano dos eixos estruturantes dos conteúdos, tanto na indicação do estudo de fundamentos metodológicos, como de procedimentos para a investigação científica e a prática profissional. O plano de habilidades e competências básicas também contempla esta vertente, tal que, em termos de uma capacitação básica para a pesquisa, a Minuta resguarda o nexo entre um nível de organização e o seguinte. Embora haja um desdobramento consistente de um nível a outro, há necessidades importantes a considerar: a) de que a formação contemple, e de modo equilibrado, não só a pesquisa quantitativa, mas igualmente a qualitativa, oferecendo elementos também para a crítica dos diferentes modelos de investigação científica; b) que os tópicos de estudos relativos a procedimentos de avaliação e intervenção psicológicas- individuais, grupais e institucionais - não se reduzam ao domínio técnico da utilização, adaptação e construção, mas abranjam a crítica teórico-metodológica; c) que o estudo da avaliação psicológica não se sustente apenas em recursos psicométricos, normativos, tipicamente voltados à avaliação do produto (ex.: a inteligência, a estrutura de personalidade), mas inclua avaliações processuais (ex.: o processo do pensar e racionar, a inteligência em funcionamento, etc).

1.2. Compreensão do fenômeno psicológico

Não há uma conceituação direta do que seja fenômeno psicológico, mas sugestões implícitas estão presentes nos Art. 5º, parágrafo único e Art. 7º que mencionam

"... a amplitude,... a natureza e a especificidade do fenômeno psicológico...".

É possível considerar-se a natureza e a especificidade do fenômeno psicológico, subentendendo uma concepção única? Este fenômeno psicológico existe per si e mantém interfaces, interage com fenômenos biológicos, sociais e culturais? Estes últimos fenômenos exercem influências sobre o psicológico, ou atuam na sua própria constituição? Salienta-se a inexistência de uma só resposta, estas questões constituindo o centro da diversidade teórico-conceitual que caracteriza a Psicologia. Portanto, seria melhor explicitar a inexistência de consenso e a vinculação necessária desta problemática - natureza, especificidade e amplitude do fenômeno psicológico - a diferentes matrizes teóricas cujo estudo precisa ser resguardado tanto em termos dos princípios e compromissos como dos eixos estruturantes.

Neste sentido, surpreende a inexistência de um eixo estruturante específico, que dê o devido destaque a esta temática - estudo dos grandes e principais sistemas teóricos que caracterizam a Psicologia como campo de conhecimento. Há menção a "diferentes teorias e metodologias", mas apenas como parte integrante do eixo Fundamentos epistemológicos e históricos (Art. 7º) o que parece insuficiente para por em relevo a importância deste tópico de estudos.

Além disso, neste eixo de conteúdos epistemológicos e históricos não há referência à Psicologia no Brasil. Com vistas ao conhecimento e à formação de atitudes, é essencial que o aluno se aproprie dos seguintes pontos e analise-os criticamente: a) a trajetória constitutiva da Psicologia nacional e seu status atual; a ampliação das áreas clássicas (clínica, escolar, organizações) com inclusão da área comunitária/ institucional, os vários desdobramentos internos e a diversidade de atuações sendo demandadas - Psicologia Jurídica, Psicologia Hospitalar, postos de saúde, ambulatórios de saúde mental, Psicologia dos Esportes, do Trânsito, etc; b) as interfaces e conflitos com outras áreas, como o ilustram situações atuais envolvendo a Psicopedagogia, recursos humanos, o terapeuta holístico etc. Na perspectiva de que o aluno conheça a realidade brasileira, a História da Psicologia no Brasil, seus atuais rumos e diversidades deveriam ser explicitamente contemplados, tanto entre os compromissos da formação como entre os tópicos dos conteúdos.

1.3. Formação ética

A preocupação com a ética é afirmada no quarto princípio/ compromisso norteador do núcleo comum, mas, estranhamente, não se projeta em nenhum dos eixos estruturantes dos conteúdos, nem mesmo no sentido restrito de contemplar o Código de Ética Profissional. Na melhor das hipóteses, a Ética poderia ser assumida como subjacente em colocações como as grifadas:

"Art. 7º- a) Fundamentos epistemológicos e históricos que permitam... uma visão do processo de construção do conhecimento psicológico, desenvolvendo a capacidade para avaliar criticamente diferentes teorias e metodologias em Psicologia;"

"Art. 7º - b) Fundamentos metodológicos que garantam apropriação crítica do conhecimento disponível e capacitação para

a produção de novos conhecimentos, assegurando uma visão abrangente dos diferentes métodos e estratégias de produção do conhecimento científico em Psicologia;"

Considerar que a apropriação e avaliação crítica de conhecimentos, de teorias e de metodologias envolvem um componente ético, pressupõe compreendê-las , não só como um fim em si mesmas, mas como mobilizadoras de ações consequentes e congruentes em termos de atitudes e valores. Ressalte-se, entretanto, que as idéias grifadas integram eixos estruturantes de conteúdos cuja ênfase é posta na formação de capacidades, sem contemplar o desenvolvimento de atitudes e valores. Como salienta Figueiredo (1998):

"Se as diferentes matrizes refletem e expressam diferentes formas de relações humanas, a opção individual entre correntes psicológicas é, em última instância, uma questão ética e não científica..." (apud Branco, 1998, p.31).

O caráter ético desta opção pode ser compreendido em um sentido amplo, que abrange componentes epistemológicos e políticos, e que se projeta, deve se projetar nas próprias práticas profissionais. Por decorrência, a formação, inclusive por respeito ético ao aluno, deve assegurar-lhe o contato e confronto com diferentes posições, para que seja ele o autor de escolhas teórico - metodológicas, de opções por campos de atuação, e não alguém a priori conduzido para uma direção pré-determinada, tão somente porque o curso não ofereceu alternativas de concepção e de atuação profissional.

1.4. Atenção às necessidades sociais

Há referências no Art. 5º, alínea c, e, indiretamente, no Art. 6º, alínea e :

" c) Atuação frente a problemas em diferentes contextos atento às necessidades sociais e aos direitos da cidadania e promoção de qualidade de vida dos indivíduos, grupos, organizações e comunidades;"

"e) Compreender e analisar criticamente os fenômenos sociais, econômicos, culturais e políticos do país, fundamentais ao exercício da cidadania e da profissão".

Tanto sob o ângulo do compromisso com o social, como sob o da ação profissional articulada a um tal compromisso, as referências são muito gerais. Sem considerar, ainda, que em termos de princípios e compromissos, a Minuta propõe uma atuação mobilizada por "...problemas...", cabe analisar com cautela o adjetivo atento incluído na frase: de fato, não há proposição de uma atuação atenta às necessidades sociais. Sim, de uma atuação com um profissional atento a tais aspectos. Não se trata de mero jogo de palavras, já que estar atento pode significar apenas, ver, perceber, dar-se conta de algo. E uma atuação atenta? De certo modo configura uma redundância, se atenção a for tomada como atender a, dar atendimento a, intervir naquilo que foi identificado. Em termos de um princípio norteador da formação, um compromisso com o social implicaria afirmar uma atuação que empreende atendimento, que busca dar atendimento "...às necessidades sociais e aos direitos da cidadania e promoção de qualidade de vida...", não se contentando em tomar ciência deles.

Além disso, em que sentido é fundamental para a atuação profissional ser capaz de

"... compreender e analisar criticamente os fenômenos sociais, econômicos, culturais e políticos do país,..."? Como já ponderado no item referente à Ética, trata-se apenas de um saber pelo saber, ou da defesa de um saber que seja desencadeador da ação? Nesta última perspectiva, é essencial um eixo estruturante voltado ao estudo crítico das políticas públicas de Saúde, Educação, Assistência, Trabalho, e mesmo Moradia, enquanto domínio de conhecimentos fundamentais para uma formação que objetive uma atuação profissional compromissada com necessidades sociais e com a promoção da qualidade de vida; enquanto domínio de conhecimentos que permitam a formação de atitudes e uma transposição do plano do compromisso ao da ação. Poderia ser argumentado que o eixo -(e) Interfaces com campos afins do conhecimento estaria resguardando este aspecto. Porém, a forma tradicional, mais comum, com que os conteúdos de Sociologia e Antropologia têm figurado em Cursos de Psicologia e pelo caráter amplo e genérico deste eixo (e) dificilmente se pode esperar uma garantia automática de estudo da realidade sócio-cultural brasileira em sua dinâmica e diversidade.

1.5. Campos de atuação

A Minuta não oferece qualquer conceitualização para os termos atuação e campos de atuação, presentes ao longo do texto todo, com conotações, no mínimo vagas, e abertos a variadas interpretações. Uma análise dos artigos e parágrafos que empregam termos correlativos à idéia de exercício profissional evidencia a utilização das seguintes expressões:

Campos de atuação; campo de atuação; conjunto de referenciais conceituais e de atuação, campo básico dos estágios ... ; práticas integrativas ... em situações... representativas do efetivo exercício profissional; ... serviços profissionais;

Atuação frente a problemas em diferentes contextos; avaliar problemas... realizar entrevistas em diferentes contextos; atuar profissionalmente em diferentes níveis de intervenção, de caráter preventivo ou remediativo, considerando as características das situações e dos problemas específicos...; atuar profissionalmente em diferente contextos na promoção da saúde mental e no crescimento pessoal do homem;... atendimento satisfatório das principais modalidades de necessidades sociais...; intervenção em conjuntos de problemas ou contextos específicos de atuação; inserção do graduado em diferentes contextos institucionais e sociais.

Esta diversidade de termos, tanto no detalhamento do núcleo comum como no da formação do psicólogo, dificulta a compreensão e dá impressão de um propósito subjacente. Do ponto de vista conceituai, a Minuta oferece uma caracterização do que é núcleo comum, define perfil de formação e define ênfase curricular. Entretanto, os termos relativos à inserção e ação do psicólogo, e nos quais se apóiam os próprios conceitos de perfil de formação e ênfase curricular, permanecem obscuros. Quando a Comissão se refere a

"... principais modalidades de necessidades sociais...", a campo de atuação - ora no singular, ora no plural - a diferentes contextos, qual a compreensão e extensão que está atribuindo a cada uma destas expressões?

Embora não haja consenso sobre suas demarcações e conteúdos, as diferentes modalidades de necessidades sociais vêm sendo referidas em termos de quatro grandes áreas: comunidade/instituições, educação/escola, saúde/clínica, trabalho/organizações. Em nenhum momento a Minuta refere-se a estas divisões, como se, com isto, a problemática, as fronteiras não nítidas e até os conflitos subjacentes deixassem de existir. Por que negar, ou desconsiderar o fato, o movimento histórico da constituição da Psicologia na Brasil e suas subdivisões internas? É interessante observar que isto não ocorre no documento Padrões de Qualidade para os Cursos de Graduação em Psicologia, elaborado pela mesma Comissão de Especialistas em Ensino de Psicologia. Neste documento, encontram-se os seguintes itens pertinentes, respectivamente, à avaliação da dimensão "Perfil do profissional e concepção do curso" e do tópico "A estruturação curricular" :

"c) No caso do psicólogo, existe uma descrição abrangente dos diversos campos de sua inserção profissional (pelo menos nas suas três áreas mais clássicas - saúde, educação e trabalho)?"

"c) O currículo pleno procura alternativas que rompam com os limites do currículo mínimo em vigor (acréscimo de novas disciplinas compatíveis com novas áreas de atuação)? d) O currículo pleno é direcionado de forma equilibrada para as áreas de inserção profissional (não há um grande desequilíbrio)?" (Feitosa, Bastos, Bori, Galvão, Gomes, 1997).

Não só há menção às três áreas mais clássicas da Psicologia, como uma recomendação -portanto, um posicionamento - sobre a necessidade de que a formação contemple disciplinas dirigidas às novas áreas de atuação e seja equilibrada em relação às várias áreas. A Minuta, sem deixar transparente, alicerçando-se em uma linguagem não clara, propõe uma formação profissional já especializada dentro da graduação. Talvez aí esteja a razão pela qual utiliza a expressão exercício diferenciado em conexão com a capacitação em cursos de pós-graduação (Art. 4º) e não o termo especialista: afinal, sem ser empregado uma única vez ao longo da Minuta toda, sem ser dito, este termo especialista está implicado na formação profissional preconizada. Esta especialização a que se está aludindo agora não reside na proposição de três habilitações, mas situa-se dentro de cada habilitação, dentro da formação do psicólogo, por exemplo, como será visto adiante.

1.6. Conteúdos subjacentes aos eixos estruturantes

Além das considerações já feitas - História da Psicologia no Brasil, Ética, principais sistemas teóricos em Psicologia e políticas públicas de Saúde, Educação, Assistência, Trabalho e Habitação - cabe ainda uma ponderação sobre o fato da Minuta apenas apontar eixos indicativos e não conteúdos mais específicos. De fato, orientações provenientes do Ministério da Educação (CES, 1997; SESu/,1997; DEPES, s.d.) preconizam a flexibilização e liberdade de arranjos curriculares pelas IES.

Recomendam que seja evitada a fixação de conteúdos específicos com cargas horárias pré-definidas. Mas, nem por isso deixam de considerar a importância de conteúdos essenciais:

"A presença de conteúdos essenciais garante uma uniformidade básica para os cursos oferecidos, porém, as Diretrizes Curriculares devem garantir que as IES tenham liberdade para definir livremente pelo menos metade da carga horária mínima para a obtenção do diploma..." ( SESu, 1997, p.1 ).

A liberdade às IES para definições sobre, pelo menos, 50% da carga horária significa também a possibilidade de indicações mais específicas pelas Diretrizes Curriculares. Nesta linha, ao tratar dos Tópicos de Estudo, o Modelo de Enquadramento das Propostas de Diretrizes Curriculares (DEPES, s.d.) considera a aproximação com conteúdos do atual currículo mínimo, o que se reflete na indicação de matérias e disciplinas na proposta de Diretrizes Curriculares de outros Cursos (Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Odontologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional).

O intuito não é defender um engessamento da estrutura curricular, mas ponderar se uma flexibilidade extrema não pode resultar em uma tal dispersão entre IES que ponha sob risco a unidade da formação mínima almejada. Por exemplo, o eixo estruturante - (b) Fenômenos e processos psicológicos básicos (Art. 7º) é suficiente, por si só, para assegurar que diferentes IES assumam uma interpretação semelhante sobre o que sejam tais fenômenos e processos, ou, para propor estudos equivalentes? Quais desenvolvimentos recentes nas diversas áreas de investigação psicológica devem ser contemplados? Torna-se relevante apontar reflexões e preocupações bem práticas levantadas pelos próprios alunos: diante de eixos estruturantes tão abertos e da ampla liberdade de arranjos curriculares atribuída às IES, pode não haver equivalência entre elas quanto ao núcleo comum da formação em Psicologia, tanto nos conteúdos como na distribuição de cargas horárias. Em casos de transferência, pode tornar-se impraticável a dispensa de disciplinas, com o aluno tendo que refazer - e pagar novamente - vários componentes. O problema pode ficar ampliado quando um aluno pretender cursar, em outra IES, uma habilitação não oferecida por sua instituição de origem.

 

2. Habilidades básicas e competências básicas do núcleo comum

O núcleo comum contempla uma formação científica básica. Este aspecto continua sendo enfatizado no perfil do psicólogo em termos de uma "... formação conjugada de competências básicas científicas e profissionais;"(Art. 11º, parágrafo 2º), o que representa uma vertente muito positiva da Minuta. Esta condição exige, inclusive, uma nova leitura do Art.4º : se, por um lado, a forma redigida continua inapropriada por sugerir que uma preparação básica para o exercício do ensino estaria sendo garantida a todos alunos, por outro lado, independente da habilitação do pesquisador, o núcleo comum aliado à formação do psicólogo articulam-se de modo a assegurar uma capacitação científica básica para o psicólogo. O que pode ser ainda questionado é a própria formação do professor de Psicologia: o perfil específico não contempla a conjugação de competências científicas e competências para a docência. As habilidades e competências básicas vinculadas ao núcleo comum serão suficientes para um exercício docente apoiado em uma atitude científica? Uma habilitação que não aprofunda a formação científica não é uma forma de fortalecer uma docência apenas reprodutora de conhecimentos? Ou, não há previsão, não é desejável que o professor seja também um profissional-cientista?

2.1.Habilidades básicas

(Art. 6º, parágrafo 2º). Em relação às considerações feitas podem ser acrescidos os pontos: a) a necessidade de explicitar "...outros métodos básicos de investigação", ampliando a descrição de modo a abranger investigações quantitativas e qualitativas (alínea c); b) ampliar a referência restrita a entrevistas para incluir observações de indivíduos, grupos e instituições, e segundo diferentes concepções sobre o que é observar e registrar; bem como outros procedimentos, de natureza padronizada e não padronizada (alínea d ).

2.2. Competências básicas

(Art. 6º, parágrafo 1º). Algumas complementações podem ser pontuadas.

Assim, o levantamento e análise de necessidades, o diagnóstico, etc, necessitam contemplar explicitamente, os níveis do indivíduo, de grupos e de instituições ( alínea a). Não será essencial assegurar competências para o levantamento e análise de necessidades, por exemplo da família, enquanto uma unidade grupai? Ou, para a realização de diagnósticos institucionais e organizacionais?

A formação científica deve voltar-se tanto à pesquisa quantitativa como à qualitativa. Quanto aos instrumentos de coleta de dados, a formação deve contemplar, não só instrumentos normativos, dirigidos à avaliação de produto, e que só informam a posição relativa de um indivíduo, mas também aqueles que focalizem o indivíduo, em si, e em termos de avaliação processual. E onde entram recursos para coleta de dados e avaliação no plano de grupos e instituições? E a análise de produção, de material escolar como um recurso de avaliação? (alíneas b e c)

Por que a avaliação dirige-se apenas a problemas (alínea d )? Por que não avaliar necessidades e processos, tendo como referência implícita não apenas a idéia da remediação, mas também as de promoção do desenvolvimento psicológico e de prevenção de problemas? Além disso, a palavra necessidades não exclui a possibilidade de tratar-se de um problema. Termos como

"... promoção da saúde mental,... do crescimento pessoal do homem...prevenção..."

até se mostram presentes no corpo da Minuta. Entretanto, sob o ângulo do exercício de atividades - como expressões de habilidades e competências - quais são, de fato, aquelas que exprimem promoção, proteção e prevenção? Se, dentro do espírito e época do Parecer 403/62- CFE, o trabalho do psicólogo aparecia sintetizado na idéia de

"... análise e solução dos problemas individuais e sociais...", os mais de 30 anos já passados modificaram a concepção da abrangência e potencialidade da ação do psicólogo, bem como das necessidades sociais, especialmente quando focalizadas em seu caráter coletivo. Neste sentido, é necessário que a descrição de competências profissionais do psicólogo contemple, de forma mais clara, o compromisso com a proteção e promoção do desenvolvimento humano e da saúde mental, bem como com a prevenção de problemas, e, senão como ações prioritárias, no mínimo com o mesmo grau de ênfase que ainda é atribuído à remediação de problemas.

Para todas as competências descritas cabe a indagação: em que medida se tratam de competências básicas, passíveis de serem atingidas no âmbito do núcleo comum, especialmente se consideradas as ampliações de abrangência sugeridas em relação a estas competências, às habilidades básicas e aos próprios conteúdos?

Finalmente, um último aspecto pertinente ao núcleo comum como um todo, ainda deve ser ponderado: a formação preconizada centra-se em conhecimentos, habilidades e competências, sem contemplar o desenvolvimento de atitudes e valores éticos, políticos, e mesmo científicos, e que sejam consistentes com um compromisso com o social - a ênfase recai no domínio técnico. É, no mínimo, constrangedor verificar-se que as diretrizes de cursos como Fisioterapia ( Ferraz, Andrade, 1999), Medicina (Comissão de Especialistas do Ensino Médico, 1999) e Odontologia (Toledo et al.,1998) contemplam a formação de atitudes, um dos fenômenos ou processos tão próprio à Psicologia mas , aparentemente, colocado em segundo plano quando se trata de pensar e organizar nacionalmente a formação de profissionais que vão lidar com ela.

 

A Parte Diversificada da Formação: Perfis de Formação

Um perfil de formação constitui o instrumento conceituai que estabelece a parte diversificada da formação em Psicologia, na forma geral das três habilitações profissionais já referidas: psicólogo, pesquisador em Psicologia e professor de Psicologia. Cada perfil/ habilitação caracteriza-se por competências e habilidades específicas cujo desenvolvimento resulta de dois componentes da organização curricular: ênfases curriculares e estágios supervisionados específicos.

Enquanto, em sua essência, o núcleo comum compõe-se de conteúdos e conhecimentos que são fundamentos para uma capacitação básica em Psicologia, a parte diversificada pode ser entendida como composta por conhecimentos específicos e por estágios supervisionados específicos. Em um primeiro nível, esta especificidade diz respeito a cada habilitação e é determinada pela necessidade de ênfases curriculares apropriadas a cada uma, no sentido de assegurar a atuação que é própria ao psicólogo, em contraposição àquela que caracteriza o exercício da docência ou da pesquisa.

A escolha e explicitação de ênfases curriculares - isto é, do "... conjunto de referenciais conceituais e de atuação que merecerá atenção diferenciada no desdobramento do curso..." - é que vão determinar a diversificação inter-perfis a que se referiu no início deste artigo. Em relação à formação do psicólogo, é compreensível a diversificação dirigida à formação do professor de Psicologia, já que esta comporta outras exigências específicas. Ainda assim, estas exigências não significam impedimento para uma formação que conjugue atuação como psicólogo e como professor, o que seria inclusive enriquecedor no tocante ao campo/ área da Psicologia Escolar/ Educacional , por exemplo. Quanto a uma habilitação em separado para a pesquisa, esta necessidade não é clara , tendo em vista o Art.11º, parágrafo 2º, alínea b, como já ponderado.

Ao lado desta diversificação inter-perfis, a proposta institui uma diferenciação intra-perfil: o mesmo perfil, a mesma habilitação - o psicólogo, ou o professor, ou o pesquisador - pode ser alvo de formação diferente, em IES diferentes, tal que a mesma habilitação é preservada apenas nominalmente e, por exemplo, dois psicólogos oriundos de duas instituições podem estar habilitados para atividades diferentes, para campos de atuação diferentes.

Pelas concepções adotadas, um perfil de formação comporta um conjunto amplo e articulado de campos de atuação. Aplicada a noção ao perfil de psicólogo, é aqui que se encontra o espaço para integrar a clássica divisão da atuação profissional nas áreas da comunidade, educação, saúde e trabalho. Se a Psicologia-profissão constitui um perfil de formação, então cada uma das áreas acima compõe um campo de atuação; portanto, o conjunto articulado destas áreas/ campos configura a Psicologia como um perfil de formação.

Ocorre que, ao tratar da formação de cada perfil, a Minuta não propõe uma formação mínima em relação ao conjunto de campos, a todos os campos/áreas que caracterizam o perfil. Da forma como concebida uma ênfase curricular decorre a possibilidade de que diferentes IES façam recortes diversos em relação a um mesmo perfil de formação. Como cada IES pode efetuar isto? Elegendo o conjunto de competências específicas que espera sejam desenvolvidas ( o que fica estatuído no Art. 12º, parágrafo 2º); elegendo ênfases curriculares e o campo de atuação que receberá atenção diferenciada.

A noção de ênfase curricular apresenta-se como um instrumento conceitual central para esta possibilidade de recortes diversos dentro de um mesmo perfil de formação, de uma mesma habilitação. Na sua definição, é importante atentar para a menção a "... conjunto de referenciais conceituais e de atuação que merecerá atenção diferenciada...". O que merecerá atenção diferenciada? O conjunto. Logo, significa gerar decisões curriculares a partir da articulação referenciais conceituais -referenciais de atuação.

A definição abrange referenciais conceituais, e não referenciais teóricos - um modo de estar reportando-se a um modelo, a um sistema teórico, já que conceitos dizem respeito às unidades básicas, às noções e construtos sobre os quais se organiza uma teoria, ou, um sistema teórico que compartilha uns tantos conceitos. Desta forma, fica instituída a possibilidade de que uma determinada IES oriente a formação do psicólogo, por exemplo, priorizando um dado modelo, um sistema teórico - logo, dando atenção diferenciada aos referenciais conceituais específicos deste sistema. Outra IES poderá fazê-lo segundo outra orientação teórica.

O recorte prossegue, já que se trata também de selecionar referenciais de atuação que serão objeto da formação específica. O exame de artigos relativos à formação do psicólogo deixa patente a opção de formação que está sendo proposta. Na descrição de competências ( Art.12º), as referências à atuação profissional valem-se das expressões diferentes contextos, situações, problemas específicos e, em momento algum, de campos de atuação. O Art. 11º, parágrafo 1º, alínea c, preconiza que a formação, ao contemplar diferentes ênfases curriculares, deve assegurar "... um mínimo de abrangência de campo de atuação."

Não se fala em campos, sim em campo, no singular. Este uso singular, aliado ao teor do Art. 12º - diferentes contextos, situações, problemas específicos - elucidam a expressão referenciais de atuação: pretende-se uma formação do psicólogo dirigida para um campo/ área de atuação, dentro do/da qual o aluno tenha experiências com diferentes contextos e diferentes alternativas de atuação. Desta forma, articulando referenciais conceituais -referenciais de atuação, uma IES poderá dirigir a formação profissional para capacitação de um psicólogo organizacional com referencial comportamental; outra, para um psicólogo clínico com referencial psicanalítico; ainda outra, para um psicólogo escolar com referencial interacionista vygotskyano. Em todos os casos, sob o ponto de vista de habilitação legal, todos os profissionais formados serão tão psicólogos uns quanto outros, todos podendo inclusive atuar em campos que não tenham recebido atenção diferenciada dentro do seu curso, para os quais o curso não tenha desenvolvido estágios supervisionados específicos.

Artigos relativos aos estágios, básico e profissionalizantes (Art. 1º e 13º), reforçam essas interpretações . Embora relacionado a competências básicas características do núcleo comum, o estágio supervisionado básico não faz parte do núcleo comum: a) este compõe-se apenas de conteúdos; b) se a carga horária do estágio básico não está incluída no núcleo comum, só pode estar integrada na parte diversificada; c) enquanto estágio, é um componente da parte diversificada. Ainda mais, o estágio supervisionado básico relaciona-se "... a competências básicas características do núcleo comum..." e não às competências básicas do mesmo, o que lhe asseguraria um caráter abrangente. Como componente da parte diversificada e, nos termos do Art.9, "...deve espelhar...a escolha de...ênfases curriculares." Logo, já no estágio supervisionado básico fica definido um recorte e não uma prática que contemple todas as competências básicas do núcleo comum. Qual recorte? Em relação àquelas competências básicas do núcleo comum que interessa aprofundar (vide Art. 11º, parágrafo 1º), para as quais interessa assegurar práticas integrativas, em função do profissional pretendido. Trata-se de um direcionamento para um perfil dentro do perfil, ou, para um sub-perfil, uma especialidade. O mesmo se aplica ao estágio supervisionado específico já que se trata do desenvolvimento das "... competências básicas e das competências específicas previstas nas ênfases curriculares." (Art 13º, caput, inciso (c); grifo nosso). Portanto, a articulação entre os elementos perfil de formação, ênfases curriculares, referencias conceituais, referenciais de atuação resulta em uma formação especializada, como ilustrado pela Figura 2.

 

 

Atividades Acadêmicas e Condições de Funcionamento do Curso

A proposição de um curso que se apóie em ampla articulação teoria-prática é certamente louvável e representa um avanço. E preciso ter em mente, entretanto, que a grande maioria dos cursos de Psicologia é mantida por instituições particulares, nas quais são comuns classes com 80 alunos ou mais, o que inviabiliza atividades mais práticas. As Diretrizes Curriculares precisam contemplar esta realidade, e não apenas aquela de instituições públicas, decorrendo a necessidade de previsão de condições mínimas para o trabalho docente - não basta prescrever metas de formação sem articulá-las com a atuação docente, sob risco de torná-las inviáveis.

Uma condição - e a experiência de 18 anos do Curso de Psicologia da PUC de CAMPINAS mostra o caráter positivo dos resultados - é a constituição de atividades práticas como componentes de disciplinas, com modulação dos alunos em pequenos grupos (10,15, 18, dependendo da natureza da atividade). A proposição, por exemplo, de inserção dos alunos em instituições para visitas, contatos com profissionais em ação etc, implica todo um planejamento e coordenação que não podem ser pressupostos como apoiados no trabalho gratuito do professor. O mesmo se aplica à orientação e avaliação de trabalhos individuais de conclusão de curso. A este respeito, as diretrizes do curso de Administração (Andrade, Amboni, Sousa, Arezzo, Ansarah, Oleto, 1999) prevêem 10h de supervisão para cada grupo de 10 alunos, na base de 1h por aluno. Um argumento contrário poderia ser o de que, segundo a LDB (MEC,1996), a docência deve ser exercida em regime de dedicação. Mas esta exigência prevalece para Universidades. A diversificação das IES em Faculdades Isoladas, Institutos e Centros, bem como a proliferação de cursos de Psicologia derivam de decisões governamentais, daí resultando uma realidade que compete às Diretrizes Curriculares levar em consideração, tendo em vista a garantia de condições mínimas de funcionamento.

 

Conclusões

Ao início deste artigo, duas questões foram apresentadas:a) A Minuta de Diretrizes Curriculares têm em vista formar que tipo de psicólogo? b) Ela contempla os princípios de formação progressivamente sistematizados nos Congressos Regionais e Nacionais de Psicologia?

Em sua mensagem, a Comissão de Especialistas pondera que uma opção foi explicitada. Embora não possa ser qualificada como explícita, a proposta apresentada faz, sim, uma escolha: a formação do especialista em Psicologia, já na graduação e em dois níveis. O primeiro nível, se não desconhecido porque já vigente, fortalece um modo de dissociação entre serviços aplicados, pesquisa e ensino, através da proposição de três habilitações em Psicologia. Esta dissociação se apresenta minimizada na formação do psicólogo, pois esta deve conjugar preparação profissional e científica. Entretanto, esta conjugação não inclui qualquer preparação para a docência. Por sua vez, entre as habilitações do pesquisador e do professor de Psicologia a separação é bem demarcada. Além disto, um menor valor é atribuído a estas duas modalidades de exercício profissional, o que fica sintetizado nas suas cargas horárias totais mais reduzidas. O segundo nível de preparação de especialidades ocorre dentro de cada habilitação, através do afunilamento da formação que vai preparar o aluno para atuar em um campo determinado dentre aqueles que, no conjunto, configuram cada habilitação.

Ao fazer a opção pela formação do especialista, entende-se que esta proposta não contempla as expectativas e concepções da categoria -pelo menos daqueles segmentos que, ao longo dos anos, vieram refletindo e consolidando uma posição na direção de uma "...formação generalista e plural capaz de preparar psicólogos para responder a quaisquer das necessidades apresentadas pela realidade brasileira" (ABEP, 1999, p.1).

Também é importante considerar que esta opção oferecida pela Minuta coloca a formação do Psicólogo na contramão do percurso adotado por cursos afins. Na Medicina, mantém-se uma habilitação única, com um perfil de formação que contempla "orientação para a proteção, promoção da saúde e prevenção das doenças;... orientação para atuar em nível primário e secundário de atenção e resolver com qualidade os problemas prevalentes de saúde". (Comissão de Especialistas do Ensino Médico, 1999). Cada um dos cursos - Fisioterapia ( Ferraz, Andrade, 1999) Fonoaudiologia (Bortholuzzi, Trenche, Kozlowski, Bevilacqua, 1998), Odontologia (Toledo et al., 1998), Serviço Social (Rodrigo, lamamoto, Wanderley, 1999) e Terapia Ocupacional (Lancman, Pessoa, Galheigo, 1998) - defende a formação de um profissional generalista. Este rumo diferenciado preconizado para a formação em Psicologia pode ter que significado e implicações para o futuro da profissão, para seu intercâmbio com áreas afins e para as ações multiprofissionais?

Sem se perder de vista as dimensões positivas da Minuta - a presença de princípios e compromissos orientadores, uma formação científica e a defesa da articulação teoria-prática - sob o ângulo de expectativas da categoria (ABEP, 1999) e confrontadas com os princípios para a formação de psicólogos nos países do Mercosul (CFP, 1998), no todo da proposta de Diretrizes Curriculares salientam-se:

1. A defesa de uma formação básica comum, mas segundo uma concepção que restringe este básico a um núcleo comum. Mesmo neste nível básico, a formação comum fica sob riscos diante da extrema liberdade assegurada às IES na escolha de conteúdos e arranjos curriculares.

2. Esta condição, aliada à formação de especialidades, representa uma fragmentação que rompe com a construção de uma identidade profissional de psicólogo.

3. O tipo de formação científica proposta, o modo de considerar a diversidade teórico-metodológica e de considerar as próprias necessidades sociais articulam-se de uma forma que privilegia a especialização precoce e não garante uma preparação para responder, minimamente, às principais modalidades de demandas sociais; que se direciona para o domínio técnico mais do que para a formação de atitudes críticas, reflexivas , e de efetivo comprometimento com um atendimento aos problemas sociais; que, pela ênfase a uma "... atuação frente a problemas...", legitima uma formação mais direcionada para a remediação do que para a proteção, promoção e prevenção de problemas.

Na hipótese de pertinência das análises efetuadas e mesmo tendo-se em vista as contribuições positivas que a Minuta apresenta, a conjugação das últimas considerações confrontada com as recomendações da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia-ABEP (1999) - curso de 5 anos, com uma formação plural e generalista, eticamente comprometida com a melhoria da qualidade de vida e que preserve a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão - aponta para a conclusão: como propostas, as Diretrizes Curriculares não podem, ainda, ser vistas como uma plataforma para avanços da formação em Psicologia no Brasil.

 

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Endereço para correspondência
Miriam Schifferli Hoff
Rua Coelho Neto, 222, apto 44, Guanabara
Campinas/SP CEP 13023-020
Fone: (0**19)- 232.23.26
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Recebido em 2/07/99
Aprovado em 30/09/99