SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número2A psicanálise é uma ciência: mas quem não se importa?: uma ressonância de a psicanálise não é uma ciência : mas quem se importa ?Profissionais para si ou para outros?: algumas reflexões sobre a formação dos psicólogos índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.20 n.2 Brasília jun. 2000

 

ARTIGOS

 

Testes psicológicos e técnicas projetivas: uma integração para um desenvolvimento da interação interpretativa indivíduo-psicólogo.*

 

 

Nilton Soares FormigaI; Ivana MelloII

Centro Universitário de João Pessoa - Unipê

Endereço para correspondência

 

 


 

 

Ao discutir sobre a importância dos testes em psicologia, sempre tendemos a cair no imenso e quase inacabável debate no que diz respeito a objetividade e subjetividade. Por um lado, considera-se que os testes psicológicos (a psicometria) são objetivos, facilita uma melhor compreensão do que se deseja observar, além do que tem um caráter científico; por outro, as técnicas projetivas proporcionam um amplo campo de interpretação no que trata do resgate do inconsciente do indivíduo, embora seja questionado sua cientificidade, por não demonstrar dados quantitativos (provas empíricas). Para Varendock (1972, citado em Freud, 1924, p. 34) pensar em figuras é apenas uma forma muito incompleta de tornar-se consciente, mas de certo modo, ela se situa, tanto ontogênico quanto filogeneticamente mais perto do processo inconsciente do que pensar que palavras, sendo inquestionavelmente mais antigo que o último, tanto ontogenético quanto filogeneticamente. Contudo, sua ampla aplicação na formulação dos diagnósticos é considerado essencialmente científico, pois, nos permite resultados semelhantes e práticos, tais como: levantamento do problema, formulação de hipóteses, estudos das variáveis e comprovação ou refutação das mesmas. Contudo, atualmente são poucos os psicólogos clínicos que têm utilizado com maior intensidade estas técnicas que, destacando-se pela forma flexível e livre de trabalho complementam, reforçam ou fundamentam clinicamente um diagnóstico, permitindo assim, uma valorização da subjetividade, que segundo Abib (1996) e Mariguela (1995), no início da psicologia fora valorizada por Wundt em 1879.

Diante dos novos acontecimentos na ciência, qualquer posição extremista em relação aos testes psicológicos mostrará a falta de informação do momento histórico, filosófico e social que influenciaram a psicologia. Os testes psicológicos têm um importante e longo caminho percorrido, no que se refere ao contexto da psicologia como ciência. Foram criados, e utilizados para determinar e analisar diferenças individuais em relação a inteligência, aptidões específicas, conhecimentos escolares, adaptabilidade vocacional e dimensões não intelectuais da personalidade. Sua utilização é de uma gama extraordinária e que vai, desde o ponto de vista psicológico, educacional, sociológico e até o cultural;. o seu uso freqüente inclui: desde a natureza e seqüência do desenvolvimento mental, à aspectos intelectuais, de personalidade e de grupos menos típicos como os superdotados, retardados mentais, neuróticos e psicóticos. (Freeman, 1962; Lopes, 1998)

 

A Objetividade e os Testes Psicológicos

Os testes de inteligência geral e aptidões específica foram utilizados na classificação, seleção e planejamento escolar, tanto nas escolas de primeira classe quanto em Universidades. Contudo, a partir da primeira Grande Guerra Mundial foram destinados a todas as áreas do serviço militar, sendo aplicados em ambos os sexos. Vale destacar que, os resultados obtidos nos testes eram, e são, apenas uma fonte de informação importante e facilitadora, por exemplo: para determinar e analisar às aptidões ou dimensões intelectuais de um indivíduo, com objetivo de auxiliar a orientação vocacional e educacional no que se refere às habilidades intelectivas ou não de alunos que se destacam como superdotados, ou, como diagnóstico diferencial de crianças especiais. Na clínica, os testes são utilizados para o diagnóstico do sujeito, associado a problemas de aprendizagem, conflitos, comportamentos, atitudes; os testes na clínica não se interessam em apenas dar um resultado estanque, ele faz parte de um processo onde são mais um instrumento para facilitar o conhecimento mais completo do paciente para daí poder ajudá-lo. Nas organizações, na indústria podem auxiliar a seleção e classificação de pessoal para as funções seja das mais ou menos especializadas favorecendo um melhor ajustamento do homem ao seu trabalho. (Freeman,1962)

Com o surgimento destes testes - inteligência e aptidão - a psicologia segue um novo caminho na primeira parte do século XIX, superando o Associacionismo Inglês. Neste período, encontramos no pensamento de James Mill e William Hamilton uma reformulação mais completa e rigorosa da teoria clássica da associação, o primeiro enfatiza uma espécie de “mecânica mental”1; o segundo, considera que toda a experiência do indivíduo se dá em uma reintegração, ao contrário do que se aceitava, em que encontrava-se na mente uma seqüência de átomos psíquicos, supondo que na mente só se encontraria uma idéia de cada vez. O que Hamilton vai defender é que “a impressão tende a trazer a consciência toda a situação da qual foi, alguma vez, elemento”(p.85) (Rosenfeld,1988), desta forma, o processo de percepção de qualquer elemento é capaz de evocar uma experiência total. (Freeman, 1962)

Na segunda metade do século XIX, a psicologia sai da tradição filosófica sendo fortemente influenciado pela anatomia, fisiologia e biologia. Os progressos da anatomia aprofundam a psicologia moderna e com o estudo do cérebro adquiriu-se uma melhor qualidade sobre como funciona, relacionando as funções psíquicas correspondentes. Graças a histologia e o estudo experimental das funções sensoriais em conexão com o desenvolvimento da física, um grande passo é dado para o estudo do sistema nervoso e seu progresso com a patologia mental. (Rosenfeld, 1984; Schultz e Schultz, 1992)

A partir da concepção de Charles Bell, em 1811, verificou experimentalmente o caráter duplo do sistema nervoso - o sensorial e o motor, cabendo a Johannes Mueller, interessado pela fisiologia dos sentidos e pelo o arco reflexo, formular que cada nervo sensorial tem sua qualidade ou energia própria, destacando assim, que as experiências humanas resultam antes da natureza dos nervos do que da natureza dos objetos. Assim, Mueller evidencia que a organização física determina a especificidade, os modos e estruturas da nossa experiência, golpeando o dualismo de Descartes. Ernest H. Weber pesquisou sobre as sensações cutâneas e musculares, considerando um novo campo para a psicologia, pois as pesquisas anteriores se limitaram aos sentidos superiores da visão e audição. G. T. Fechner funda a psicofísica, preocupando-se com a aplicação dos métodos exatos das ciências naturais ao estudo do mundo interior do homem - uma psicofísica interior que incluía as relações entre os processo do sistema nervoso (fenômenos físicos) e os processos mentais, numa relação matemática, quantitativa. (Freeman, 1962; Rosenfeld, 1984; Freire, 1998).

Na França durante a metade do século XIX, vários são os cientistas que se interessaram por diferenciar precisamente as aptidões mentais dos indivíduos, dentre estes, os que mais se destacaram foram Jean Esquirol2 e Edouard Séguin3, por se preocuparem com a deficiência e perturbação mental. O desenvolvimento das ciências biológicas - da genética, da eugenia e especialmente da teoria da evolução da seleção das espécies - influenciaram F. Galton na investigação das diferenciações individuais, por razões mais biológicas que psicológicas. Este preocupou-se com o papel da hereditariedade e do meio na natureza da inteligência, necessitando para tal estudo testes objetivos. Suas técnicas estatísticas foram utilizadas por Pearson e Spearman, para um aperfeiçoamento da análise dos dados. Entre os testes mais famosos de Galton destaca-se o que estuda o tempo de reação nas associações, mais tarde aperfeiçoado por Wundt. (Freeman, 1962; Rosenfeld, 1988)

Wundt (citado em Heidbreder, 1977; Henneman, 1994; Farr, 1996; ) fundou em 1879, na cidade de Leipzig na Alemanha, o primeiro Instituto de Psicologia Experimental. A Psicologia torna-se então, uma ciência autônoma. Para Wundt, a experiência é imediata na medida em que precede a intervenção da reflexão, desta forma chamando-se experiência a totalidade das emoções, representações e volições, independente de que elas sejam, internas ou externas. Recorre-se assim, à introspecção, às várias formas de expressão e ao ajustamento do organismo, tratando-se de uma reação acessível do lado fisiológico e psicológico considerando o estudo de ambos os lados, a partir do estímulo e da transmissão neural paralelo aos fenômenos mentais. (Penna, 1982; Graumann, 1990; Mariguella, 1995; Abib, 1996)

James McKean Cattel fundiu suas concepções nas tendências evolucionistas junto com a psicologia diferencial e a experimentalista, procurando reduzir tudo em mensurações quantitativas investigando o tempo das reações mentais, a exatidão da percepção e do movimento, os limites da consciência, a fadiga e o treino. Nas investigações sobre associação (introspectiva), introduz a associação controlada, pois a livre associação (de Freud) é mais demorada do que a controlada, quando solicita-se antônimos. (Rosenfeld, 1988; Schultz e Schultz, 1992)

É a partir de 1900, que Alfred Binet, psicólogo francês, influencia os estudos de mensuração das diferenças individuais, até então influenciado por Galton. Seus trabalhos são bastante procurados, principalmente nos Estado Unidos e na Inglaterra. Dedicou-se à psicopatologia e superou o associacionismo, pois não conseguia explicar as personalidades dissociadas, e por verificar que na criança há uma percepção anterior às partes, desta maneira tantos os estudos qualitativos, quanto os estudos quantitativos das diferenças individuais, deve interessar-se não pelos processos mentais, mas pelos processos mais complexos4, isto é, estabelecer a extensão e a natureza das variações interindividuais dos processos mentais na determinação da interrelação intraindividuais dos processos mentais. (Freeman, 1962; Rosenfeld, 1988; Schultz e Schultz, 1995)

Em todo desenvolvimento dos testes psicológicos observa-se uma grande influência das concepções mecânicas e empíricas pois, neste período - metade do século XIX - o pensamento europeu foi fortemente influenciado pelo Positivismo Lógico de Comte, o qual se refere a um sistema em busca de fatos observáveis e indiscutíveis. Outra força para os testes psicológicos foi o materialismo, defendendo que todas as coisas podiam ser descritas em termos de propriedades físicas da matéria e da energia, destacando assim, as estruturas anatômicas e fisiológicas do cérebro. Na concepção empirista, destaca-se o acúmulo progressivo das experiências sensoriais, estas responsáveis pelo desenvolvimento da mente. Aprontava-se então, uma abordagem experimental para os problemas da mente. (Freeman, 1962; Schultz e Schultz, 1995; Penna, 1990; Lopes, 1998)

Por mais que seja valorizada uma exatidão atribuída a medida dos testes, haverá sempre uma limitação ao desejar ampliar a compreensão dos fatos testados. Portanto quando se quer medir constructos hipotéticos não se mede objetos mas abstrações de relações, pois quando medimos teoricamente um atributo empírico -comportamento - implicitamente medimos a estrutura da psíquica humana. (Pasquali, 1996, Biaggio, 1997 citado em Lopes, 1998)

 

O Subjetivo e as Técnicas Projetivas

Em 1939, Frank lança o termo “método projetivo”, para designar o estudo da personalidade baseando-se no teste de associação de palavras de Jung (1904), testes de manchas de tinta de Rorschach em 1920 e T.A.T. (Teste de Apercepção Temática) de Murray em 1935. Frank aborda nesses testes uma dinâmica holística da personalidade, uma estrutura evolutiva onde os elementos se interagem e a pessoa expressa em uma atividade construtiva e interpretativa a fantasia interior. Na medida em que os estímulos pouco ou nada estruturados são apresentados diante do sujeito sua resposta é sempre projetiva, reveladora de sua maneira particular de ver a situação, de sentir e interpretar. Tais estímulos provocam projeções em condições ótimas, economizando tempo e esforço, que situações menos ambíguas e indefinidas. (Van Kolck, 1975; Anzieu, 1981; Alves, 1998)

De acordo com Lopes (1998), as mudanças que acontecem só serão evidentes quando as técnicas tradicionais permitem centrar no sujeito, enfatizando o contexto global no qual ocorre o comportamento. Desta forma, é possível detectar informações projetivas tanto quando se tratar de fatores sócio-culturais quanto de fatores de variáveis internas, somente assim, entender-se-á a constituição das características psicológicas como um processo histórico-cultural. O método projetivo não se propõe apenas em se deter em medidas dos traços ou a quantificação, mas em compreender o sujeito - o que faz e não faz, a forma como faz, quando e porquê.

Surge assim, com os testes projetivos uma valorização do simbólico, concedendo ao indivíduo à realidade imediata um caráter de ausência, mas integrando esta realidade dentro do indivíduo. Freud foi um dos primeiros a trabalhar com essa elaboração simbólica através da associação livre, em 1895, e da interpretação dos sonhos, em 1899, formando assim um sistema interpretativo (uma análise mediante a interpretação do simbolismo das condutas do paciente), destacando que o que se encontra no indivíduo não se encontra por acaso, pois ‘tudo’ teria um significado, “o que poderia parecer tão insignificante, apresentado no contexto vivido, estaria coberto de significados e poderia trazer a chave para a interpretação desse contexto”. (Augras, 1998).

Jung (1986) surge contrapondo o pensamento freudiano interpretativo, em Símbolos da Transformação, deixa de lado a concepção do simbolismo individual e analisa o simbolismo coletivo, levando os temas míticos à uma tentativa de interpretação dos significados projetivos ocorrido nos indivíduos, destacando que o equilíbrio psíquico, nas projeções, deve-se ao fato de fazer com que todo indivíduo se encontre com seu Eu Obscuro (a sua sombra). Segundo Von Franz (1977) a força do inconsciente não se manifesta apenas no material clínico, mas, no mitológico, no religioso, no artístico e em diversas atividades culturais expressadas pelo homem. Rank, em 1909, representa a transição entre Freud e Jung, defende um sistema de interpretação mais completo, mito e sonho refletem em linguagem semelhante os acontecimentos que marcam o homem e a humanidade em sua vida.(Jung, 1986; Roazen, 1974; Fadiman, 1986; Augras, 1998)

Logo após a primeira Grande Guerra, surgem os culturalistas que ligam os conceitos da psicanálise com a cultura e destacam duas vertentes: a primeira geração, explicava os fenômenos coletivos através dos modelos da psicologia individual e de esquemas psicanalíticos tradicionais. Encontra-se nesta, psicanalistas como Roheim que, em 1926, escreve sobre o Totemismo Australiano e a Interpretação Psicanalítica da Cultura que seguindo a concepção freudiana de Totem e Tabu, tentava “interpretar as práticas mágicas em termos de complexo de Édipo” (p.97), baseando a explicação de cultura no simbolismo mágico, isto é, o feiticeiro seria uma espécie de força sagrada e profana, de duplo sentido. Intensionava explicar que entre os povos haviam diferenças, diz Roheim :

“os povos liquidam os seus complexos por mecanismos de defesa comparáveis, justificando a unidade da libido e a variedade das civilizações. As culturas são diversas, mas o sistema simbólico é mesmo” (Augras, 1998, p. 102).

Reik, em 1931, com os Estudos Psicanalíticos dos Rituais, considerando que os diversos rituais seriam a superação do apego libidinal que fixa a mulher ao pai, mas, contribuiu muito mais a respeito da interpretação da origem da música como uma reconstituição da voz do pai através do grito do animal totêmico, assim, música e instrumentos corresponderiam aos diversos animais totêmicos; Pfister, em 1923, com Algumas Aplicações da Psicanálise, segue a orientação de Roheim, interessando-se pela classificação da cultura entre as diferenças das religiões em introversão e extratensão, concepção esta, influenciada pela tipologia de Jung. Lasswell recorre ao modelo individual para explicação do fenômeno social, diferenciando-se dos primeiros, por estudar o comportamento social e das instituições etc., na tentativa de realizar uma psicanálise dos homens políticos. Assim, dá mais atenção aos mecanismos de defesa do ego, pois o exibicionismo, narcisismo, sentimento de culpa etc, origina-se da participação política do indivíduo, esta exprimiria, em maior ou menor grau, de acordo com o interesse político do indivíduo.

A segunda geração utilizava os conceitos psicanalíticos manipulados aos materiais que se conseguia do ambiente estudado, ligando-os a Antropologia e Etnologia. (Fine, 1981; Jones, 1989; Augras, 1998). Sabe-se que Freud tinha interesse pela Antropologia e a Psicologia social, prova é que seus discípulos utilizaram os mitos como justificativas para as teorias psicanalíticas. No campo da Antropologia, vários são teóricos que se inspiraram na psicanálise para fundamentar seus estudos, destacando-se B. Malinowski, R. Benedict e A. Kardiner. Esses estudaram os costumes indígenas, respectivamente, preocuparam-se com as seguintes questões: buscava-se verificar o complexo de Édipo como universal, mas critica o sistema freudiano e defende que este complexo só era válido para a sociedade de Viena, no período antes da guerra de 1914-1918. (Augras, 1998; Kardiner, 1964)

Diante das mudanças ocorridas durante o século XIX, a física favoreceu uma nova compreensão da realidade, tornando-a dialética, em uma causalidade em rede. Constituindo-se uma revolução mais significativa da mutação da ciência, impossibilitando uma explicação do mundo infinitamente pequeno através do método cartesiano. As observações do mundo subatômico mostraram os diferentes comportamentos do que era comum para o ser humano. Os estudiosos da Teoria do caos (Ruele, 1993; Gleik, 1994; Lewin, 1994) defendem uma ordem implícita na desorganização, tornando-a uma questão de construção, na busca de uma ciência com “rosto humano” comprometido com uma concepção mais holística, isto é, uma prática com uma espécie de diálogo com a natureza e os seres humanos. Assim, valoriza-se a interpretação dos fatos contaminando a Psicologia profundamente, principalmente com a evolução da Gestalt na década de 20, afirmando um pensamento sistêmico - “o todo é maior do que a soma das partes” - liderado por Koffka (1922), Köhler e Wertheimer (Ismael et al, 1996). Bohr (1995; citado em Hubbard, 1990) e seu modelo sobre os níveis atômicos - os orbitais, destaca a inclusão do indivíduo na observação das experiências virando ao avesso a concepção da realidade, apresentando o Princípio da Complementaridade, mais tarde, Heisenberg (1995) com o Princípio da Incerteza, torna mais complexo a idéia sobre o átomo, que por sua vez, torna mais complexa a realidade física, destacando que o observável poderia ser modificado. Entre 1924/27 nasce a mecânica quântica e a dualidade indeterminística é retomada , a realidade passa ter duas formas de manifestações - onda ou partícula - dependeria da interpretação do observador, estas nunca ocorreriam sempre da mesma forma, isto é, passaria a existir não mais uma única verdade, mas muitas verdades, uma espécie de relatividade, desaparecendo a previsibilidade. (Von Franz, 1977; Anzieu, 1981; Hazen e Trefil, 1995; Pellanda, 1996; Capra, 1997; Prigogine e Stengers, 1997)

Assim, segundo Silveira (1997) o estrito determinismo não dá lugar a qualquer forma de conhecimento, pois só na presença do acaso e da espontaneidade confere-se as condições necessárias para que estas formas (as diversas projeções) tenham lugar. Independente do grau de avanço e de precisão do conhecimento de seu objeto, principalmente quando este objeto é o universo - universo psíquico - em sua dimensão metafísica, a representação que se obtém será sempre de caráter conjectural e sua adequação ao objeto será sempre aproximada. A razão última desta conclusão se encontraria no fato de não só o conhecimento, mas o próprio objeto, serem essencialmente atravessados pela espontaneidade do acaso e estarem em constante e genuína evolução.

A dialética que se instala entre o agir e o conhecer sobre o real, entre este objeto e o universo psíquico, modifica-o, favorecendo uma nova construção do conhecimento incluindo uma realidade psíquica mais complexa, criando um outro campo de interação que precisa ser levado em conta. Assim, Pellanda (1996, citado Odgen, 1994) discutindo esta dialética, subjetividade/intersubjetividade, na identificação projetiva afirma que cria-se um terceiro subjugador, incluído na relação analítica e modificando-a. Desta forma, segundo o modelo de integração, reforçado pela nova biologia, concebe-se que as informações transmitidas na comunicação resultam de uma construção do processo entre os indivíduos, destacando em psicanálise como a relação bipessoal analítica. (Maturana e Varela, 1984 apud Pellanda, 1996). Para Kastrup (1995), inspirado na concepção de Organização Autopoiética, são as relações e não as propriedades dos componentes que definem a organização de um sistema vivo, podendo assim, explicá-lo como organização.

 

Conclusão

As técnicas projetivas não se tratam de um continuum ontológico ou fenomenológico, isto é, uma espécie de oposição ao signo; escrito “nome de alguém” e a “foto da pessoa do próprio nome, pelo contrário, pois não se escolhe um signo; ele é sempre motivado de forma intrínseca, a imaginação é um espécie de dinâmica organizadora e homogeneizada na representação (Durand, 1997). Isto é:

“ A imaginação é potência dinâmica que deforma as cópias pragmáticas fornecidas pela percepção, e esse dinamismo reformador das sensações torna-se o fundamento de toda a vida psíquica porque as leis da representação são homogêneas, metáforas, assim, uma vez que ao nível da representação tudo é metafórico toda as metáforas se equivalem.” (p. 30)

Assim, a sensibilidade é como um medium entre o mundo dos objetos e dos sonhos utilizando uma física qualitativa do tipo aristotélico, destaca-se então, a bivalência do elemento simbólico na motivação simbólica, convidando a adaptação ou recusa motivando concentrar-se assimiladoramente sobre si mesmo. Mas, vale destacar, que esse campo subjetivo que adentrou a Psicologia e suas técnicas diagnósticas quebrando a explicação linear e demasiada racional da Psicologia Clássica ou Fenomenológica. (Durand, 1997)

De forma generalizada a projeção são tendências inconscientes - de uma pessoa - que são atribuídas - a outras pessoas ou coisas - após uma transformação, geralmente no oposto. As técnicas projetivas implicam em uma solicitação ao sujeito para que libere sua criatividade, sob as condições impostas pelo “teste”, podendo, através destes testes, projetar “o mal objeto”5, obtendo controle sobre a fonte de perigo revelada ficando livre, para atacar ou destruí-lo, como também, evitar a separação do bom objeto, reparando-o. (Fine, 1981)

Desta maneira, as técnicas projetivas utilizadas pelos psicólogos, ou por alguns, ajudariam a captar esse mundo simbólico que, a maioria das vezes é difícil de ser expressado pelo indivíduo em sua linguagem verbal. Assim, podendo ser lido quando na sua projeção excitada pela técnica associativa, facilita o psicólogo a compreensão do problema e sua solução. Vale destacar na história da arte, que muitos dos artistas através de seus quadros expressaram, ou melhor revelaram - “falaram” - muito do “seu mundo psíquico e da sua realidade humana” (Ostrower, 1998, 26), analogamente as técnicas projetivas favorecem ao indivíduo revelar seu mundo e a sua realidade pessoal.

 

Referências bibliográficas

Abib, J. A. D. (1996). Revoluções Psicológicas: um retorno a Wilhelm Wundt, William James e outros clássicos. Em: Cadernos de História e Filosofia da Ciência. Campinas: série 3, v. 6, n0 1.        [ Links ]

Alves, I. C. B. (1998). As Técnicas no Psicodiagnóstico e Sua Função na Psicoterapia (s/d)        [ Links ]

Augras, M. (1998). A Dimensão Simbólica: O Simbolismo nos Testes Psicológicos. Petrópolis. Ed. Vozes.        [ Links ]

Anzieu, D. (1980). Os Métodos Projetivos. Rio de Janeiro. Ed. Campus.        [ Links ]

Bohr, N. (1995). Física Atômica e Conhecimento Humano: Ensaios de 1932-1957. Rio de Janeiro - RJ. Editora Contraponto.        [ Links ]

Capra, F. (1997). A Teia da Vida: Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos. São Paulo. Ed. Cultrix.        [ Links ]

Durand, G. (1997). As Estruturas Antropológica do Imaginário. São Paulo. Ed. Martins Fontes.        [ Links ]

Fadiman, J. e Frager, R. (1986). Teorias da Personalidade. São Paulo. Editora Habra.        [ Links ]

Farr, R. (1996). The Roots of Modern Social Psychology - 1872/1954”. Great Britain: Blackwell.        [ Links ]

Fine, R. (1981). A História da Psicanálise. Rio de Janeiro - RJ. LTF/Edusp.        [ Links ]

Freeman, F. S. (1974). Teoria e Prática dos Testes Psicológicos. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian.        [ Links ]

Freire, I. R. (1998). Raízes da Psicologia. Petropólis. Editora Vozes.        [ Links ]

Freud, S. (1921). O ego e o Id. Editora Imago. Rio de Janeiro. vol. XIV.        [ Links ]

Gleick, J. (1994). Caos: A Construção de Uma Nova Ciência. Lisboa. Editora Gradiva.        [ Links ]

Graumann, C. F. (1990). Introducción a una História de la Psicologia Social. In: Hewstone, M. et al. Introducción a la Psicologia Social: una perspectiva europea. Barcelona. Editorial Ariel.        [ Links ]

Heidbreder, E. (1977). Psicologia do Século XX. São Paulo. Editora Mestre Jou.        [ Links ]

Heinemann, F.(1993). A Filosofia no Século XX. 4a Edição. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian.        [ Links ]

Heisenberg, W. (1995). Física e Filosofia. Editora Universidade de Brasília. 3a edição. Brasília.        [ Links ]

Henneman, R. H. (1994). O Que é Psicologia. Rio de Janeiro. Editora José Olympio.        [ Links ]

Hubbard, R. (1990). The Political Nature of “Human Nature”. In: Rhode, D. L. (Org.). Theorical Perspectives on He Sexual Difference. Yale University Press.        [ Links ]

Ismael, E., Maciel , C & Camino, L. (1996). O Conhecimento do Outro: Explicações em termos de Cognição Social. In: CAMINO, L. (Org.) O Conhecimento do Outro e A Construção da Realidade Social: Uma Análise da Percepção e da Cognição Social. João Pessoa, Editora Universitária da UFPb. pp. 59-118.        [ Links ]

Jones, E. (1989). A Vida e Obra de Sigmund Freud. Rio de Janeiro. Editora Imago.        [ Links ]

Jung, C. G. (1986). Símbolos da Transformação: análise dos prelúdios de uma esquizofrenia. Petrópolis. Editora Vozes.        [ Links ]

Kardiner, Abram. (1964). Eles Estudaram o Homem: Vida e Obra dos Grandes Antropologistas. Ed. Cultrix: São Paulo.        [ Links ]

Kastrup, V. (1997). Autopoiese e Subjetividade: Sobre o uso da Noção de Autopoiese por G. Deleuze e F. Guattari. Em: Revista do Departamento de Psicologia. UFF.v.7, no 1, pp. 86-97.        [ Links ]

Lewin, R. (1994). Complexidade: A vida no limite dos caos. Rio de Janeiro. Editora Rocco.        [ Links ]

Lopes, W. M. G. (1998). Técnicas de Exame Psicológico: Novas Perspectivas. Revista Psique. Unicentro Newton Paiva. Belo Horizonte. Ano 8, n0 12, maio/98.        [ Links ]

Mariguela , M. (1995). Epistemologia da Psicologia . Piracicaba. Editora Unimep.        [ Links ]

Marx, M. H. e Hillix, W. A.(1995). Sistemas e Teorias em Psicologia. Ed. Cultrix: São Paulo.        [ Links ]

Ostrower, F. (1998). A Sensibilidade do Intelecto: Visões paralela de espaço e tempo na arte e na ciência. A Beleza Essencial. Rio de Janeiro. Editora Campus.        [ Links ]

Pellanda , N. C. E Pellanda, Luiz E. C. (1996). Psicanálise Hoje: Uma Revolução do Olhar. Petropólis. Ed. Vozes.        [ Links ]

Penna, A. G. (1980). Introdução à História da Psicologia Contemporânea. 3a ed. Rio de Janeiro. Zahar Editores.        [ Links ]

Penna, A. G. (1990). Filosofia da Mente: Introdução ao Estudo Crítico da Psicologia. Rio de Janeiro. Editora Imago.        [ Links ]

Prigogine, I. e STENGERS, I. (1997). A Nova Aliança. 3a ed. Brasília. Editora Universidade de Brasília.        [ Links ]

Roazen, P. (1974). Freud e Seus Discípulos. São Paulo. Editora Cultrix.        [ Links ]

Ruelle, D. (1993). Acaso e Caos. São Paulo. Editora UNESP.        [ Links ]

Silveira, L. F. B. (1997). A Necessidade do Acaso: Um Convite Ao Diálogo Filosófico. In: Transformação, São Paulo. V. 20. p.113.        [ Links ]

Van Kolck , O. L. (1975). Técnicas de exames Psicológicos e suas Aplicações no Brasil: Teste de Personalidade. Petropólis. Ed. Vozes. Volume 2.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Nilton Soares Formiga & Ivana Mello
Av. João Machado, 1245 - Jaguaribe
58000-000 João Pessoa

Recebido em 23/03/99
Aprovado em 30/09/99

 

 

* Gostaria de agradecer a Professora Clênia Maria T. de S. Gonçalves - Psicóloga Clinica e especialista em psicodiagnóstico na UFPB - pela sua paciência em ler e criticar este artigo.
I Aluno do curso de Psicologia do Centro Universitário de João Pessoa - Unipê
II Professora especialista da Disciplina Técnica de Exame Psicológico na Unipê.
1 - a vida psíquica tratava-se de um complexo de partículas sensoriais associadas, sendo um produto de contiguidade, admitindo assim, uma interação entre os estados mentais e orgânico.
2 - Esquirol esclareceu a diferença entre deficiência e a doença mental; destacou níveis de deficiência mental, dos débeis de espírito ( atualmente parvos), de idiotia (abrangendo os imbecis e idiotas). Esquirol distinguiu e classificou os deficientes mentais pela dimensão e conformação do crânio.
3 - Séguin elaborou uma obra e métodos pioneiros de treino de deficientes mentais. Após dirigir escolas destinada aos deficientes se convenceu que só ocorreriam progressos a nível do comportamento se tivessem ajuda adequada.
4 - Raciocínio, julgamento, memória, imaginação e etc.
5 - o termo bom ou mal objeto é utilizado por M. Klein.